Mãos




Através da vista da janela, a neve caia suavemente nos arredores de Hogwarts. O aviso do inverno chegara mais cedo esse ano, e naquele dia o frio estava tão intenso que uma boa parte dos estudantes desistiram do passeio em Hogsmead. Como para os alunos do terceiro ano ainda era novidade toda a magia do vilarejo, sobraram no castelo só aqueles na qual estavam com um bom acumulo de tarefas a serem feitas.


Prontas para partir, uma das carruagens abrigava um casal de amigos. A garota possuía cabelos cheios e um pouco delineados por causa da umidade e admirava algo que aos olhos de seu amigo ruivo parecia muito interessante por esta estar tão absorta. Não se sabe ao certo se o avermelhado que coloria as orelhas do garoto era um castigo do frio ou consequências sua timidez. Seus olhos percorriam da morena para os próprios pés, até ele resolver fixar-se em suas mãos.


- O tempo está estranho demais hoje – Hermione disse quebrando o gelo que os envolvia


- ah... é, realmente. Espero que em Hogsmead esteja mais confortável.




Ela sorriu, sem aviso, sem nenhum preparo. Os olhos de Ronald tentaram desviar para outro extremo da carruagem, mas não foi possível. Se sentia feito um tolo por não conseguir manter um diálogo. Afinal, era só Hermione.


- Cervejas amanteigadas darão um jeito nisso, garanto a você, Ron.


Hermione esfregava as mãos com esperanças de que viessem a se manter aquecidas. Uma quase incontrolável vontade de segurá-las se apossou de Ron, mas hesitou, pensou e continuou imóvel, sem entender o que exatamente sentira.




- Queria que Harry pudesse estar aqui conosco - Ron comentou pensativo


Ela não respondeu com palavras, só assentiu. Para Hermione era óbvio que sua presença não era o suficiente para deixar Ron feliz. Talvez Harry devesse estar com eles nesse momento mesmo.


A verdade é que Ron se sentia estranhamente bem por Harry estar no castelo. Era claro o seu desconforto, mas mesmo assim queria que o amigo continuasse um tempo sem acompanhá-los em Hogsmead. Culpou-se mais tarde por este pensamento egoísta, mas a verdade é que não era culpa dele esse sentimento possessivo que o apoderava naquele momento.


Hermione permaneceu o resto do caminho calada. Seus pensamentos voavam longe do que estava lendo, mas fingiu estar entretida em um artigo já lido de Sirius Black no Profeta Diário para não precisar explicar o seu silêncio.


As carruagens pararam e os alunos começaram a descer e se dispersar pelo vilarejo. Ron e Hermione pararam nos Artigos de Quadribol por interesse do garoto. Hermione entrou para agradar ao amigo, mas não sentia a menor curiosidade no esporte. Sabendo que não deveria se demorar por causa disso, Ron foi logo perguntando se ela gostaria de olhar outra coisa.


-Estou com frio, poderíamos tomar uma cerveja amanteigada antes que congelássemos, mas se você quiser olhar mais alguma coisa, sem problemas


- Não, na verdade não achei muita coisa interessante – mentiu Ron – podemos ir agora




Mas pararam na Dedosdemel que ficava no caminho do Três Vassouras. Ron encheu as mãos de todos os doces que conseguiu alcançar. Hermione, apesar de saber que os pais desaprovariam muito a sua atitude, não foi muito diferente do amigo. Pararam um segundo pra admirar Draco Malfoy passando com seus capangas, ambos fazendo um estardalhaço.


- Não se esqueça de escolher alguns para levar para o Harry! Qual você acha que ele gostaria? - Perguntou Hermione olhando alguns tipos de chocolate


- Não sei, vou levar um pouco de cada – Disse Ron pegando mais uma variedade de guloseimas.




Ao saírem da loja com grandes sacolas, Hermione comentava sobre a Casa dos Gritos. Ron tinha vontade de conhece-la, mas não sabia se gostaria de explorá-la mais afundo. Decidiram passar por perto quando a última gota das cervejas amanteigadas tivesse deixado o copo.


Ao chegar no Três Vassouras, sentaram em uma mesa próxima ao balcão. Hermione teve de pedir as cervejas amanteigadas quando Madame Rosmerta, a dona do bar, se aproximou para atendê-los porque Ron foi incapaz de pronunciar qualquer som.


O olhar gélido que Hermione lançou ao garoto talvez não tenha sido o suficiente para demonstrar a raiva que adentrava a menina. Nunca admitiria que o ciúmes lhe entorpeceu quando viu o jeito abobado de Ron ao se deparar com a moça. Preferiu zomba-lo, uma tentativa frustrada de disfarce do terremoto que destruía tudo dentro de si.


- A Madame Rosmerta é muito bonita, muitos homens de potencial devem correr atrás dela – disse em tom de pouco caso.


- É? Nem reparei




- Mentiroso, você nem conseguiu pedir as cervejas de tão abobalhado que ficou


As orelhas de Ron ficaram vermelhas. Lançou um olhar de desprezo para Hermione e bufou algumas palavras incompreensíveis


- Olha lá, Ron! Se prepara porque ela está trazendo as cervejas, não vai ter um ataque do coração.


Mas desta vez Ron nem se atreveu a olhar para Madame Rosmerta, não desviou os olhos de Hermione nem por um segundo. Teria sido um gesto fofo se seu rosto não expressasse o mais puro nervoso.


- Será que a gente não consegue ficar 2h sem brigar? - Ron resolveu quebrar o gelo


Hermione continuou em silêncio, sem tirar os olhos de seu copo.


- Qual é a sua, Hermione? Por que te incomoda tanto que eu olhe para a dona do bar?


Hermione permaneceu um tempo pensando em sua resposta que pareceu vir depois de uma eternidade.


- Não me incomodo. Vamos mudar de assunto.


Mas não era verdade. Hermione sabia que o sentimento que tinha por Ron não era o mesmo que nutria por Harry. Essa diferença era pequena quando se conheceram no primeiro ano, mas gradativamente começava a crescer. Isso era uma das coisas que ela evitava pensar e quando tais idéias começavam a surgir, rapidamente se distraia com alguma outra coisa, ler um livro ou procurar alguém para conversar eram boas opções, o maior problema era antes de dormir, inevitável. E mesmo assim, conseguia adormecer rápido se nada significante entre os dois tivesse acontecido. Aprendera com o tempo a ter um auto-controle impressionante, mas muitas coisas simplesmente não davam para ignorar. E ao invés de fortalecer esse controle, ela percebia que se pegava cada vez mais pensando nos cabelos avermelhados bagunçados e num certo sorriso torto que por alguma razão a balançava.


- Desculpe, Ron – Disse olhando para baixo – eu sinceramente não sei o que vem acontecendo comigo ultimamente.


- Tudo bem, Mione. Não precisa pedir desculpas. - Ron disse abrindo um sorriso sincero - Não seriamos Ron e Hermione se não tivéssemos discutido pelo menos por um segundo hoje.


E fez algo inesperado até por ele próprio. Ergueu uma das mãos que se encontrava embaixo da mesa e buscou a de Hermione que pousava ao lado de sua cerveja. A garota tomou um susto tão grande que quase se desvencilhou do movimento, mas manteve-se parada, e ao invés de retirar a mão, encarou Ron nos olhos sem perceber o quanto havia corado com a atitude do garoto. Sua mão estava gelada, mas não mais que a dela. Talvez a temperatura de ambos estivesse em sintonia, pois nenhum dos dois percebeu a friagem que emanava de suas peles - fosse por isto, ou por causa do choque em que se encontravam. Um formigamento curioso começava a crescer entre eles, que revelava muito além de um toque entre dois corpos - era um encontro de almas, e o real significado daquele momento talvez nunca possa ser escrito. Ron moveu um pouco a sua mão, passeando pelos dedos da menina suavemente, um ato que passaria despercebido se todo o tato de Hermione não tivesse se dirigido àquela parte de seu corpo. Brincou um pouco entre os dedos, até soltá-la aos poucos. Não queria ter se distanciado, mas a consciência retomou parte dele quando se lembrou da palavra timidez.


Hermione continuou fixa aos olhos dele por alguns segundos, ele não desviou o contato, até que a garota percebeu o que estava fazendo. Sorriu sem graça.


- Acho que está tarde para irmos a casa dos gritos, não é? - retomou a conversa sem graça – Que tal na próxima visita? Aí quem sabe criamos coragem para entrar


- Boa idéia, acho que as carruagens vão partir daqui a uma meia hora... já está escurecendo – falou Ron enquanto passava a mão nos cabelos.


Terminaram a cerveja enquanto conversavam. Pagaram a conta e foram com o passo apertado até as carruagens com medo de estarem atrasados. O caminho pareceu mais curto do que na ida. Conversaram e riram bastante das palhaçadas que Ron dizia e logo as grandes torres de Hogwarts podiam ser vistas. Os flocos de neve haviam recomeçado a cair com a chegada da lua, e apesar das estrelas estarem cobertas pelas nuvens, algo dentro de Ron e Hermione aquela noite era muito mais forte do que a luz que qualquer astro pudesse emitir.

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Comentários (1)

  • Brunna Cassales

    UAU! Que lindo! Dotado de uma doçura indescritível! Você escreve belamente, eu suspirei e fiquei enlevada com esta fic. Adorável!

    2012-09-02
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