Capitulo 1



Chamava-se Gina. Era um nome que lhe caía bem.


 


Permanecia em pé, com as mãos suspensas no ar, o corpo tenso e o olhar alerta, e na sala não se ouvia nem um só ruído. Ninguém, absolutamente ninguém, apartava os olhos dela. Talvez se movesse lentamente e nenhuma só pessoa queria correr o risco de perder um gesto, um gesto dele. Todas as olhadas estavam fixas e reconcentradas em sua esbelta e solitária figura. Uma melodia romântica do Chopin preenchia  o ar. A luz oblíqua refulgia em seu cabelo, de uma cor castanha escura e quente, com leves tons dourados. Duas contas de esmeraldas cintilavam em suas orelhas.


 


Sua tez estava um pouco rosada, de modo que um leve tintura rosado acentuava seus já proeminentes maçãs do rosto e a elegante estrutura óssea que só a boa criação pode produzir. A emoção reconcentrada que a fazia franzir seus lábios suaves e moldados.


 


Ia toda de branco, sem adornos, mas atraía os olhares de maneira tão irresistível como uma radiante mariposa em vôo. Não falava e, entretanto, todo mundo na sala se inclinava para diante como se queria captar o mais leve som.


 


A habitação era cálida; os aromas, exóticos; a atmosfera, tensa.


 


Gina prestava tão pouca atenção a quantos a rodeavam que parecia estar sozinha. Havia só uma meta, um fim. A perfeição. Ela nunca se conformava com menos.


 


Com infinito cuidado colocou a Angélica sobre o savarin para completar sua criação. As horas que tinha passado preparando e assando a enorme e complicado sobremesa tinham ficado no esquecimento, ao igual ao calor, as pernas cansadas e a dor de braços. O toque final, a apresentação de uma criação de Gina Weasley, era da maior importância. Sim, seu sabor podia ser perfeito, seu aroma perfeito, inclusive fundir-se na boca à perfeição. Mas, se sua aparência não era perfeita, nada disso importava.


 


Com a minuciosidade de uma artista completando uma obra de arte, Gina elevou o pincel para lhe dar às frutas e as amêndoas uma leve e delicada capa de calda de açúcar de damasco. Ninguém disse nada. Sem pedir ajuda, Gina começou a encher o centro do savarin com a densa nata cuja receita guardava celosamente.


 


Com as mãos firmes e a cabeça ereta, Gina retrocedeu para observar por última vez com olhar crítica sua criação. Aquela era a última prova, pois seu olho era mais acostumado que qualquer outro quando se tratava de seu próprio trabalho. Cruzou os braços. Seu rosto não expressava emoção alguma. Na enorme cozinha, o ruído de um alfinete caindo ao estou acostumado a teria retumbado como um disparo.


 


Os lábios de Gina se curvaram lentamente; seus olhos se iluminaram. Elevou um braço e fez um dramático gesto.


 


—Levem lhes isso. - Ordenou


 


Enquanto dois assistentes levavam o reluzente manjar para fora da habitação, estalaram os aplausos. Gina aceitou os elogios como devia. Sabia que havia momentos para a modéstia, e sabia também que aquele não era um deles. Seu savarin era, quando menos, magnífico. O duque italiano queria magnificência para a festa de compromisso de sua filha, e para consegui-la tinha pago. Gina se tinha limitado a cumprir.


 


Mademoiselle —Foulfount, o francês cuja especialidade eram os frutos do mar, tomou Gina pelos ombros. Seus olhos estavam empanados pela admiração—. Incroyable —a beijou com entusiasmo em ambas as bochechas enquanto seus grossos e hábeis dedos apertavam a pele de Gina como se fora uma fogaça de pão recém saída do forno. Gina esboçou seu primeiro sorriso desde fazia horas.


 


—Mera —alguém tinha aberto uma garrafa de vinho para celebrar o acontecimento. Gina tomou duas taças e lhe deu uma ao chef francês—. Até a próxima vez que trabalhemos juntos, mon ami.


 


Apurou o vinho de um gole, tirou-se o gorro de chef e saiu da cozinha como uma exalação. O savarin estava sendo servido e admirado no imenso comilão de chãos de mármore, iluminado por candelabros. antes de ir-se, Gina pensou que menos mal que não tocava a ela recolher toda aquela confusão.


 


Duas horas depois, tirou-se os sapatos e tinha os olhos fechados. Um livro de mistério jazia aberta em seu colo enquanto seu avião cruzava o Atlântico. Gina retornava a casa. Tinha passado quase três dias em Melam com um só propósito: criar um único prato. Não era a primeira vez que o fazia. Tinha preparado Charlotte Malakqff em Madrid, flambeado crepés Fourée em Atenas e moldagem ñejlottante no Estambul. Em troca de seus gastos e de uns honorários assombrosos, Gina Weasley criava sobremesas que pervivían na memória muito depois de que o último bocado, a última gota ou a última migalha fossem consumidas.


 


Gina sorriu ao tempo que bocejava. considerava-se a si mesmo uma especialista, quão mesmo um hábil cirurgião. Em efeito, tinha estudado na universidade, feito práticas e trabalhado como aprendiz tanto tempo como muitos membros respeitados da profissão médica. Cinco anos depois de aprovar as estritas provas para converter-se em um chef cordão bleu em Paris, a cidade da arte culinária, Gina tinha fama de ser tão temperamental como qualquer artista, de ter o cérebro de um ordenador quando se tratava de memorizar receita e de possuir as mãos de um anjo.


 


Meio dormida em seu assento de primeira classe, Gina tentava sufocar um repentino desejo de comer uma porção de pizza de pepperoni. Sabia que o vôo lhe aconteceria antes se lia ou o passava dormindo. Decidiu fazer ambas as coisas, jogando primeiro uma pequena sesta. Ela apreciava suas horas de sono quase tanto como sua receita de mousse de chocolate.


 


A sua volta a Filadelfia, sua agenda estaria repleta. Estava o bolo para o banquete benéfico do governador, a reunião anual da Sociedade do Gourmets, a demonstração que tinha aceito fazer para a televisão pública... e aquela entrevista, recordou, sonolenta.


 


O que lhe haviam dito por telefone?, perguntou-se. Henry... não, Harry Potter. Harry Potter III, da cadeia de hotéis Potter. Hotéis excelentes, pensou Gina sem muito interesse. Alojou-se em alguns em diversos rincões do mundo. O senhor Potter III desejava lhe fazer uma proposta de negócios.


 


Gina supunha que queria que criasse alguma sobremesa especial e exclusiva para sua cadeia de hotéis, algo que pudesse vincular-se no nome dos Potter. Não lhe desgostava a idéia... sempre e quando as circunstâncias fossem adequadas. E pelos honorários apropriados. Naturalmente, teria que informar-se minuciosamente a respeito dos negócios dos Potter antes de comprometer seu nome e seu talento. Se algum de seus hotéis era de inferior qualidade...


 


Dando um bocejo, Gina resolveu pensar nisso mais adiante, quando se tivesse reunido com o Terceiro. Harry Potter III, pensou de novo com um sorriso divertido e amodorrada. Gordo, calvo, provavelmente dispéptico. Sapatos italianos, relógio suíço, camisas francesas, carro alemão... e, sem dúvida, consideraria-se um americano de pura cepa. A imagem que tinha criado ficou suspensa em sua mente um instante. Farta dela, Gina bocejou de novo. Logo lançou um suspiro quando a visão de uma pizza invadiu de novo seus pensamentos. Reclinou o assento um pouco mais e procurou dormir.


 


 


 


 


 


 


 


 


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