Caldeirão Furado



Cap. 06 – Caldeirão Furado


 


“Te vejo daqui a quinze minutos”, era a frase que ecoava no pensamento de Hermione Granger. A bruxa morena estava sentada em uma das mesas de madeira gasta do bar de Tom, bebericando o que havia sobrado de seu primeiro copo de cerveja amanteigada. Olhando nem seu relógio de pulso trouxa, que ela não tirava do braço nem em ocasiões como encontros por força do hábito, ela percebeu que já haviam se passado meia hora desde que Ron, Greg e Lilá saíram em direção ao apartamento do primeiro, ao final do Beco Diagonal, para que os dois últimos aparatassem em suas próprias casas.


Impaciência e irritação faziam com que Hermione tamborilasse os dedos sobre a superfície de madeira, criando uma melodia rápida e extremamente irritante, sem que ao menos percebesse. Olhando no relógio mais uma vez, vira que haviam se passado trinta e um minutos. Quão difícil era para dois bruxos adultos desaparecessem para suas casas? Tomando o último gole de sua cerveja amanteigada, ela passeava os olhos pelo estabelecimento, procurando nada em particular, a não ser a forma alta com cabelos chamativos de Ron Weasley. Os pensamentos de Hermione corriam agora para lugares perigosos, com vários cenários desagradáveis que pudessem explicar a ausência do ruivo. Tentando afastar esses pensamentos, a bruxa finalmente avistou Ron vindo em sua direção, atrasado pela dificuldade de passar pelo local apinhado de gente.


- Greg achou que seria divertido tomar um chá. – Ron finalmente alcançou a mesa e estendeu um copo de cerveja amanteigada para a bruxa sentada, que o olhava com irritação. Com o próprio copo em mãos, sentou-se parecendo também irritado e tomou um grande gole do conteúdo.


Aceitando a bebida oferecida, Hermione pegou o copo e serviu-se também de um grande gole, tentando acalmar a velocidade de seus pensamentos. Observou o ruivo sentado a sua frente soltar o copo que havia em suas mãos de forma despreocupada sobre a mesa e esticar seus braços e pernas sobre a cadeira, como se tentasse relaxar os músculos. Passou-se um momento onde nenhum dos dois falou alguma coisa e a bruxa percebeu que o ruivo a sua frente parecia analisá-la com os olhos. Seus pensamentos anteriores ainda rodeavam sua cabeça com a velocidade de uma vassoura de corrida, mas ela conseguiu divisar diversão e curiosidade nos olhos azuis que a encaravam.


- Acho que Greg foi levar Lilá em casa... – Rony falou com um pequeno sorriso de lado, deixando a frase no ar. Aparentemente ele esperava uma reação de Hermione, pois o silêncio que segui o deixou com uma expressão mal humorada. A bruxa, por sua vez, tomou mais um gole de seu copo, sem realmente pensar no que acabara de ouvir. Seus pensamentos ainda voavam por ela, até que ela sentiu a mão grande e quente de Ron sobre a dela. Só então ela percebeu que ainda tamborilava os dedos na mesa, de forma impaciente.


- Me desculpe por isso. – Hermione dirigiu-se a Ron pela primeira vez naquela mesa. Ela observou a expressão mal humorada do ruivo se transformar em preocupada e sentiu uma corrente fria passando por sua mão esquerda, quando o ruivo recuou de volta ao seu lugar.


- Então, vai me contar o que queria com Quim? – Rony perguntou com um tom leve. Sua expressão despreocupada outra vez. Hermione respirou fundo, percebendo que sua mente agora parecia mais calma.


- Cancelaram meu projeto de lei. – Hermione começou a contar, enquanto terminava de beber seu copo de cerveja amanteigada. – Aparentemente, algumas famílias importantes resolveram interferir.


- E você resolveu jogar sujo como eles. – Rony simplesmente afirmou, como se a pergunta não precisasse ser respondida. Hermione apenas assentiu em resposta e viu o ruivo abrir um sorriso satisfeito. A reação de Rony fez com que Hermione sentisse uma onda de alívio passando pelo seu corpo. Ela sinceramente achava que estava fazendo a coisa certa, mas os constantes avisos de Greg a estavam deixando inquieta. Não tinha conversado com mais ninguém sobre o assunto, já que não queria preocupar a mente alegre de Gina durante os planejamentos do casamento e Harry parecia já estar cheio demais com as responsabilidades de chefiar o setor dos aurores.


- Quim me contratou por um motivo. – Hermione começou a falar, tentando mostrar a lógica de sua decisão. – Ele sabia que represálias como essa não me intimidariam, e que eu iria até o fim.


- Você não é do tipo que desiste, Mione. Todos sabem disso. – Rony completou, ainda com o sorriso de lado. A última frase fez Hermione pensar “Greg não sabia”, mas nenhum dos dois pareceu se preocupar em ressaltar isso. – O que está pensando em fazer? – A pergunta deixou a bruxa pensativa por uns instantes e deu tempo para Ron pedir a Tom outra rodada de cervejas.


- Ainda não sei exatamente. – Hermione respondeu, ainda aérea pelos cenários que rodavam em sua cabeça. – Quando fui procurar o Ministro essa tarde não tinha um plano completamente formado...


- Mas agora você tem tempo de sobra para pensar, não é? – Ron completou, ainda com o riso no rosto.


- Acho que sim. – Hermione respondeu, tentando voltar a se concentrar no que acontecia à sua volta. Viu um lampejo de preocupação passando pelos olhos do ruivo e lembrou-se exatamente por que resolvera esperá-lo ali no Caldeirão Furado. – O que você sabe realmente sobre a viagem à França?


- Oficialmente dizem que é apenas um incidente diplomático. – Rony começou a dizer, com um tom de voz baixo e sério. O ruivo olhou ao redor, como se estivesse se certificando que ninguém os ouviria e inclinou-se sobre a mesa, para mais perto de Hermione. Quando voltou a falar, sua voz pouco passava de um sussurro. – Mas está bem claro lá no setor que isso é apenas fachada. – O setor do qual Rony falava, obviamente, era o Setor de Aurores, onde ele trabalhava por meio período todos os dias e Harry era o atual Chefe.


- O que Harry acha disso tudo? – Hermione perguntou, com o mesmo tom de voz baixo e, sem perceber, também inclinara para frente. Se não fossem as expressões completamente sérias dos dois bruxos que se encaravam, uma pessoa de fora poderia pensar que eles estavam prestes a se beijar. Ron endureceu mais ainda sua expressão.


- Ele não acha. – Ron respondeu, respirou fundo uma vez e continuou, naquele mesmo tom baixo. – Tentei conversar com ele e ele me disse que estávamos inventando coisas...


- Ele disse o quê? – Hermione interrompeu, surpresa pela atitude do amigo. Isso não se parecia nada com Harry.


- Disse que não havia nada para se preocupar. – Ron continuou seu relato, não parecendo surpreso pela atitude de Hermione. – Ele parecia aquele idiota do Fudge repetindo que nada está errado!


- Ele está mentindo. – Hermione concluiu, sabendo que Rony havia chegado a essa mesma conclusão. Era óbvio para quem conhecesse o bruxo de cabelos desordenados que ele fazia tudo para proteger os outros, mesmo que isso resultasse em carregar algum fardo sozinho. Mas ele nunca deixou de lado Rony ou mesmo ela. E Rony era um Auror também, afinal. – Você sabe por quê?


- Se eu sei? – Rony perguntou em tom sarcástico. – Como eu posso saber o quê diabos se passa naquela cabeça, Hermione? – Percebendo que seu tom de voz era um pouco alto demais, voltou aos sussurros. – Porque ele esconderia algo de nós?


Porque Harry Potter esconderia algo importante de seus fiéis amigos, Ronald Weasley e Hermione Granger? Essa era uma ótima pergunta. Mesmo antes do Trio de Ouro ser chamado assim, Harry sempre contou com os amigos para ajudá-lo em todos os seus problemas, não importava quanto perigoso fosse, quantos riscos eles correriam. Agora o Chefe do Setor de Aurores não parecia disposto a compartilhar o que quer que fosse com os amigos. A decepção que Hermione via nos olhos azuis do ruivo à sua frente provavelmente poderia ser visto nos seus próprios olhos. Hermione suspirou, tentando manter sua mente aberta e sua lógica trabalhar e manteve-se em silêncio por algum tempo. Rony voltou a se escorar no encosto da cadeira de madeira.


- O que você acha que aconteceu na França? – Hermione perguntou, no que pareceram horas depois. Se resolver o caso Harry “Protetor” Potter agora estava fora de questão, era melhor ela se apegar aos fatos. Rony pareceu surpreso pela pergunta.


- Uma equipe de aurores foi enviada à França há dois dias. – depois de uma pausa, o ruivo agora relatava os fatos, parecendo mais profissional. – Eles reportaram diretamente a Harry e o caso foi considerado de segurança máxima, por isso nenhum de nós sabe realmente o que aconteceu.


- E os membros da equipe? Não dizem nada? – Hermione perguntou, parecendo surpresa pelo sigilo máximo.


- Tiveram suas memórias alteradas. – Rony respondeu, em um tom sério. – É parte do procedimento para casos como esse, classificados como confidenciais. Então apenas o Chefe Auror e alguns membros de confiança do Ministro têm acesso à informação completa. Mas...


- Mas? – Hermione encorajou Rony a terminar a história, quando ele parecia hesitante. O ruivo voltou a se inclinar sobre a mesa e Hermione fez o mesmo. Seus rostos sérios estavam a poucos centímetros de distância.


- Um dos aurores da equipe, um calouro que acabou de sair do treinamento... – Rony falava muito baixo e rápido, deixando a impressão que não concordava em mandar iniciantes em missões confidenciais. Hermione não poderia discordar disso. – Anda tendo pesadelos. Acabou na Ala Psiquiátrica do St. Mungus para um tratamento dos nervos.


- Pesadelos? – Hermione tentou se inclinar mais para frente, para ouvir melhor o que o ruivo dizia. A borda de madeira da mesa quase impedia que ela respirasse, mas a morena não se importou. Continuou encarando os olhos azuis em expectativas.


- Com lobos. – Essas foram as únicas palavras ditas por Rony, tão baixas e tão rápidas que Hermione imaginou se realmente havia ouvido o que ele disse. Seus pensamentos começaram a disparar em sua mente, trazendo lembranças de um passado que ela gostaria de esquecer, misturado com imagens de seus próprios pesadelos. Soltado o ar que ela não percebeu que segurava, Hermione olhou fundo nos olhos azuis de Rony e os dois ficaram assim pelo que parecia uma eternidade.


***


A velocidade com que a paisagem passava pelos vidros começava a diminuir e Hermione sabia que isso significava que o trem logo chegaria à Estação King’s Cross. O céu cinzento e nublado indicava que os flocos de neve não tardariam a cair, deixando o clima ainda mais frio e úmido do que estava atualmente. A única peça de roupa da sua habitual veste de Hogwarts era o cachecol vermelho e dourado em volta de seu pescoço, pronto para protegê-la quando saísse no ar congelado de Londres às vésperas do Natal. Olhando a sua volta, Hermione observou Gina e Luna conversando animadamente, sem perceber a distração da amiga grifinória.


- Se você quiser, pode passar o Natal conosco, Luna. – Gina falava tão alegre que Hermione quase riu. Harry ainda morava n’A Toca com os Weasleys restantes e o treinamentos dos aurores estavam suspensos até depois da passagem do ano. O motivo de sua felicidade era óbvio: ela e Harry ficariam tempo juntos suficiente para matar as saudades dos longos períodos que passavam separados naquele final de ano. – Mamãe faz uma ceia maravilhosa e, claro, temos que ouvir aquelas músicas horrorosas no rádio, mas Jorge me mandou uma carta dizendo que tem a solução perfeita para nós esse ano. Achou que ele inventou orelhas bloqueadoras ou algo assim.


- Devem ser fascinantes. – comentou Luna com seu habitual olhar sonhador. Hermione pensou ter visto as bochechas da corvinal corarem. – Mas Dino me convidou para passar o Natal com seus pais...


- Uau! – Gina exclamou, abraçando a amiga. – Finalmente vai conhecer os pais dele, então?


- Estou realmente curiosa como será um Natal de trouxas... – Luna respondeu, parecendo perdida em pensamentos.


- Não é muito diferente do Natal entre bruxos, na verdade. – As palavras saíam da boca de Hermione sem que ela percebesse. – Temos a ceia de Natal, a árvore enfeitada, a troca de presentes... claro que há algumas diferenças, como os visgos não te obrigam a beijar outra pessoa... – ela completou com um riso sem graça. Luna e Gina encaravam como se ela estivesse com um chapéu em forma de leão na cabeça. Que ironia.


- Vou me encontrar com Dino. – Luna disse, com um tom de voz nada parecido com o dela. – Feliz Natal! – antes que uma das outras duas pudesse responder, a loira saiu saltitante do compartimento em que elas estavam para os corredores.


- Então... Natal na Austrália, não é? – perguntou Gina se dirigindo a Hermione depois de algum tempo em silêncio. A morena não olhava diretamente para a amiga ruiva.


- É. – Hermione respondeu simplesmente.


- Deve ser estranho não? – Gina comentou com um sorriso despreocupado. Pelas janelas já se avistava as construções dos arredores de Londres. – Natal no verão...


- Acho que sim. – Hermione respondeu desviando os olhos das janelas. Já estavam chegando à estação. – Minha mãe disse que as festas de final de ano no hemisfério sul são bem animadas. E na virada do ano todos assistem aos fogos na praia.


- Deve ser muito bom. – Gina disse, quando as duas já andavam pelos corredores do trem, que já havia parado. Hermione evitava olhar pelas janelas que davam para a plataforma, onde todas as pessoas esperavam a descida dos alunos. – Mas ainda sim, não consigo imaginar um Natal sem neve...


Se Gina continuava a falar ou não, Hermione não sabia, pois tinha deixado de prestar atenção na amiga assim que pusera o primeiro pé fora do trem, na plataforma 9 e ¾. Em frente ao compartimento de bagagens, no último vagão do trem, dois jovens adultos esperavam por elas, vestidos como trouxas, sorridentes e com os malões das duas amigas já dentro de dois carrinhos. Harry estava com seu cabelo anormalmente bagunçado dentro de um casaco grosso e elegante e um cachecol vermelho ao redor do pescoço. Rony, por sua vez, mantinha uma jaqueta de couro aberta por cima de uma camisa de gola alta cinza, que fazia uma perfeita combinação com seus olhos azuis e cabelos vermelhos. Hermione notou com um solavanco na base do estômago que os cabelos de Ron estavam mais compridos, a franja alcançando os seus olhos de forma displicente. O contraste entre o vermelho e o azul era de tirar o fôlego.


- Acho que você devia respirar... – Hermione ouviu a voz baixa e sorridente de Gina, e a viu se dirigindo aos dois quase correndo, pulando nos braços do irmão em um abraço divertido. Só então percebeu que ainda estava parada e começou a andar em direção ao trio, concentrando todo o seu esforço em continuar a respirar normalmente.


- Ei Mione! – Harry foi o primeiro a cumprimentá-la, com Gina a seu lado. A bruxa sorriu e deu um abraço apertado no amigo, que ela não via há alguns meses.


- Como está Harry? – Ela perguntou e ele apenas passou o braço pela cintura de Gina, sorrindo. Sentindo sua respiração descompassada outra vez, Hermione se virou para o ruivo. Ali, de perto, a franja e os olhos faziam Hermione pensar na palavra ‘sexy’. Ela sentiu suas bochechas quentes, certa de que corava. – Oi Ron.


- Oi Mione. – o ruivo respondeu, em um tom de voz meio rouco, talvez pelo tempo frio ou pela ansiedade, ela não saberia dizer. Os dois se abraçaram e, mesmo sob suas roupas grossas de inverno, a garota pôde sentir o calor vindo da pele de Ron. Eles não se viam desde a primeira visita à Hogsmeade e Hermione soltou a respiração aliviada pela sensação de estar perto dele novamente. Quando os dois se separaram, ela sentiu uma corrente fria percorrendo seu corpo.


- Vamos indo? – Harry perguntou em um tom risonho e Gina também mantinha um sorriso malicioso no rosto. Hermione revirou os olhos em resposta e os quatro atravessaram a passagem até o mundo dos trouxas, com os dois homens empurrando os carrinhos. Rony matinha os olhos fixados nos próprios pés em sinal de nervosismo.


- Então... Mione... – Ron começou a falar com um tom falsamente despreocupado. Gina e Harry estavam um pouco adiante e pareciam absortos na própria conversa. – Quando você vai, você sabe, viajar?


- Eu não sei. – respondeu ela sinceramente. – Quim me escreveu dizendo que enviaria a chave do portal para A Toca. Provavelmente hoje à noite, ou mesmo amanhã pela manhã. – Ron simplesmente assentiu com a informação e os dois continuaram caminhando em silêncio até um corredor escuro da estação, próximo de onde o estacionamento de carros ficava. Hermione escutou um ruído abafado indicando que Harry e Gina haviam aparatado, mas a sua atenção estava no ruivo ao seu lado, que mantinha uma expressão de tristeza mal disfarçada. Sentiu seu coração apertado e suspirou, antes de girar e desaparecer com um suave ‘pop’.


Muitas horas depois de aparatar n’A Toca, Hermione ajudava Gina a guardas suas coisas em seu quarto, sem prestar realmente atenção ao que fazia. Sua cabeça estava absorta em pensamentos envolvendo ela e, bem, sinceramente, Ron. O que poderia acontecer se ficassem sob o mesmo teto por um período longo de tempo, agora, sem nenhuma ameaça iminente de morte ou mesmo pesar pelas perdas de guerra. Era uma linha de pensamento completamente tentadora e Hermione estava pensando sobre a reação de deus pais se desistisse de ir visitá-los na Austrália durante as festas de fim de ano e fosse apenas após a sua formatura em Hogwarts, quando escutou o rangido da porta se abrindo.


- Posso entrar? – a voz baixa de Harry a despertou de seus pensamentos.


- Claro, Harry. – Gina respondeu, com um tom de voz suave. Se sentindo subitamente uma intrusa, Hermione já se levantava com uma desculpa na ponta da língua para sair dali, mas foi interrompida por Harry.


- Ron pediu pra você subir até o quarto dele. – o tom de voz malicioso de Harry fez Hermione corar. Sem conseguir pensar em uma resposta coerente, a bruxa acenou para o casal e saiu do quarto de Gina rapidamente, tentando em vão controlar sua respiração. Subiu o último lance de escadas e bateu de leve na porta do quarto do ruivo. Seu coração batia desesperadamente dentro do seu peito.


- Entra. – ela ouviu a voz de Ron abafada pela porta. Girou a maçaneta e entrou devagar, tentando acalmar suas reações exageradas. Provavelmente Harry só queria se livrar dela para poder ficar a sós com Gina. Rony estava de costas para ela, pegando alguma coisa no fundo de seu malão e o empurrando com o pé para de baixo da cama. Hermione não prestou atenção para saber o que era.


- O-oi. – ela começou, sua voz soando insegura. Praguejou internamente e tentou colocar em seu corpo sua postura segura de si. – Harry está com Gina no quarto dela então eu subi.


- Sua chave de portal já chegou? – Rony perguntou, virando-se para ela. A sua falta de preocupação com Harry e Gina juntos no quarto dela não passou despercebida para Hermione. Ele devia estar preocupado com alguma outra coisa.


- Ainda não. – Hermione respondeu, enquanto caminhava e se sentava na beira da cama de Ron. Ele não se sentou ao seu lado, como normalmente faria. – Acho que Quim vai enviar amanhã de manhã, por causa do fuso horário.


- Certo. – Ron respondeu, olhando para os próprios pés. O silêncio preencheu o quarto por algum tempo, até que ele voltou a falar, ainda sem olhar para Hermione. – Já que você não vai estar aqui no Natal, queria te entregar seu presente antes que você fosse.


- Oh, Ron, você não precisava... – Hermione soltou as palavras e levantou-se sem ao menos perceber. Rony a encarou por um segundo, antes de voltar a olhar para o assoalho de seu quarto.


- Eu sei que não precisava. – ele parecia escolher as próprias palavras. E então, começou a falar tão rápido que Hermione mal compreendia tudo. – Estou recebendo um salário no treinamento, que não é muita coisa, mas deu pra economizar sabe? E eu queria te dar um presente realmente bom, para compensar todos os anos que você ganhou só doces e penas novas.


- Se você gastou uma fortuna em um presente para mim, Ronald, fique sabendo... – Hermione não podia aceitar qualquer coisa que custasse a Ron economizar seu pequeno salário de auror em treinamento. Antes que pudesse deslanchar no discurso que já estava pronto em sua cabeça, Ron se aproximou em um passo largo e tocou sua boca com a ponta dos dedos. Hermione sentia como se todos os seus pensamentos tivessem fugido para a Sibéria.


- Eu queria comprar um presente realmente bom... – ele continuou, como se não tivesse sido interrompido. - ...e quando imaginei qual seria sua reação, vi que não era uma boa idéia. – Rony revirou os olhos, como se aquilo fosse frustrante. – Então pensei em algo que fosse significativamente mais barato e ao mesmo tempo de valor, entende?


Hermione não pensou em nada que pudesse dizer em resposta. Seu cérebro estava realmente trabalhando numa velocidade muito abaixo do comum. Ela observou, ainda calada, o ruivo puxar a varinha do cós de sua calça e fazer um feitiço silencioso, resultando em um embrulho prateado em suas mãos, do tamanho provavelmente de um tinteiro. Sentiu as mãos de Rony tocar nas suas levemente enquanto ele lhe entregava o presente e ela observou seus olhos azuis ansiosos antes de realmente olhar para baixo. Abriu com cuidado o embrulho prateado e, antes mesmo que seus olhos assimilassem o que via, um aroma delicado invadiu seus sentidos.


- Bom, quando estávamos ‘acampando’ eu vi que você não estava mais usando o antigo, então imaginei que tinha acabado. – Rony a olhava em expectativa e tentava explicar a razão de seu presente. Mas o cérebro de Hermione praticamente ignorou aquelas palavras enquanto ela observava o pequeno frasco de perfume em suas mãos. Mesmo fechado, ele inalava um aroma tão doce e peculiar ao mesmo tempo, que a bruxa não teve dúvidas de que aquele perfume não fora encontrado em um lugar qualquer da noite para o dia. – Sei que não é o mesmo de antes, mas achei que uma essência, sei lá, diferente seria melhor.


Hermione sentiu uma onda se calor passando pelo seu corpo e não pensou realmente no que fez a seguir. Naquele momento, pouco importava a ela que ela havia esperado meses seguidos por alguma atitude do ruivo. Pouco importava que ela jurou a sim mesma não dar o primeiro passo – se ela fosse ser criteriosa sobre isso, diria segundo passo – outra vez. Pouco importava os meses de espera, em que ela ficava repassando aquela cena na Sala Precisa em sua cabeça, tentando reviver todo o turbilhão de sentimentos. Tudo o que importava no momento era que os dois estavam ali, juntos e ela não via outra forma de demonstrar o que sentia. Palavras não seriam o suficiente.


Em um momento ela estava com aquele pequeno frasco de perfume nas mãos e, no próximo momento, o frasquinho jazia esquecido sobre a cama macia de Ron. Sem que ao menos se desse conta da própria ousadia, Hermione deu um passo a frente, ergueu-se na ponta dos pés e tocou os lábios de Ron com os seus, em um beijo suave, cheio de sentimentos guardados, completamente diferente do primeiro beijo que haviam trocado. Um segundo depois Hermione sentiu sua lógica voltando a funcionar e ela recuou, temerosa da reação do ruivo.


Quando finalmente abriu os olhos, tudo o que a bruxa viu foi o famoso sorriso de lado do ruivo e os olhos azuis tão brilhantes que pareciam a hipnotizar. Sentiu alívio percorrendo seu corpo que, um instante depois, já havia se transformado em outro sentimento. Sentindo que suas bochechas estavam completamente vermelhas e, se tivesse mais atenta ao ruivo veria que suas orelhas se fundiam aos seus cabelos, a morena puxou o ruivo pelo seu casaco de couro fazendo com seus rostos ficassem na mesma altura. Suas respirações se misturavam e um único pensamento passou pela cabeça de Hermione antes que ela se perdesse novamente nos braços de Ron.


- Desde quando você usa palavras como ‘significativamente’? – sua voz saiu baixa e rouca. Se ao menos esperar por alguma resposta de Rony, Hermione passou os braços pelo seu pescoço e o beijou novamente, dessa vez com todo o desejo que andara reprimindo durante tantos meses. Definitivamente, o Natal na Austrália não estava mais em seus planos.

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