CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 18
Durante todo o dia seguinte, Gina suportou o imperturbável silêncio de seu marido, enquanto em sua mente se agitavam centenas de perguntas que só ele podia responder, até que, guiada pelo desespero, rompeu o silêncio.
- Quanto tempo mais durará esta interminável viagem a Claymore, caso seja esse nosso destino?
- Uns três dias, dependendo do estado das estradas.
Oito palavras. Isso foi tudo o que disse em vários dias! “Não é nada estranho que ele e Hagrid se dêem tão bem” pensou Gina enfurecida. E fez de propósito de não lhe dar a satisfação de voltar a lhe falar. Concentrou-se em pensar na Luna, e se perguntou como estavam as coisas no castelo de Weasley.
Dois dias mais tarde, entretanto, Ginevra voltou a desmoronar. Sabia que deviam encontrar-se perto de Claymore e seus temores diante do que ali a aguardava não faziam mais que aumentar a cada minuto que passava. Os cavalos avançavam pelo caminho. Hagrid ia ao centro e ligeiramente adiantado. Considerou por um momento falar com frei Gregory, mas este tinha a cabeça ligeiramente inclinada para frente, o que sugeria que devia estar perdido em suas orações, que era como empregava a maior parte do tempo durante a viagem. Desesperada por falar com alguém e afastar seus pensamentos do que lhe tivesse o futuro reservado, olhou por cima do ombro para o homem que estava montado atrás dela.
- O que aconteceu com seus homens, os que estavam conosco quando chegamos ao priorado? - perguntou.
Esperou uma resposta, mas ele permaneceu em silêncio. Furiosa por aquela cruel negativa a lhe dirigir a palavra, Gina perguntou em tom sarcástico:
- Por acaso é uma pergunta muito difícil para que a responda, sua graça?
A ousadia da moça fez uma rachadura no gélido muro que Harry tinha erguido cuidadosamente em torno dele para tentar esquecer, ao longo daqueles três intermináveis dias, a perturbadora proximidade do corpo de Gina. Olhou-a com a extremidade do olho e pareceu considerar a estupidez de iniciar qualquer tipo de conversa com ela. Finalmente, decidiu não fazer.
Ao compreender que nem sequer podia encolerizá-lo para que falasse, Gina sentiu de repente que se apresentava uma estranha oportunidade para desfrutar do momento. Com um regozijo infantil e dissimulando sua animosidade, lançou-se a uma zombadora conversa sem a participação de Harry.
- Sim, observo que a pergunta sobre seus homens lhe deixou perplexo, sua graça. - começou a dizer. - Muito bem, vejamos então se encontro uma forma mais simples de expô-la.
O duque se deu conta de que ela o ironizava deliberadamente, mas mesmo assim não pôde evitar achar sua atitude divertida, enquanto ela continuava conversando animadamente consigo mesma.
- Para mim é evidente - comentou lhe dirigindo um olhar de falsa amabilidade - que não é falta de inteligência o que faz com que me olhe inexpressivamente quando lhe perguntei a respeito de seus homens. Trata-se, apenas da memória que começa a falhar. Isso! - Suspirou, e pareceu momentaneamente abatida por ele - Temo que a idade comece a afetar sua mente. Mas não tema, procurarei que minhas perguntas sejam muito simples, e tentarei lhe ajudar a lembrar onde deixou seus homens. Quando chegamos ao priorado… porque lembra do priorado, não é verdade? Sabe aquele grande edifício de pedra onde conhecemos frei Gregory.
Harry não disse nada. Olhou para Hagrid, que permanecia inalterado, olhando para frente, e depois se voltou para o frade, cujos ombros começavam a sacudir-se, enquanto Gina continuava com seriedade:
- Ah, pobre homem… esqueceu quem é frei Gregory, não é verdade? - Levantou o braço, olhou para Harry com amabilidade por cima do homem e apontou com um dedo para a largada figura do frade. - Aí está ele! - declarou impaciente. - Esse homem que está ali é frei Gregory! Está vendo? Ah! Claro que o vê! - Respondeu ela mesma, tratando-o deliberadamente como se fosse um menino abobalhado. - E agora, procure se concentrar porque a pergunta seguinte é mais difícil. Lembra dos homens que lhe acompanhavam quando chegamos ao priorado onde estava frei Gregory? - Como se quisesse lhe oferecer ajuda, acrescentou: - Havia uns quarenta homens. Quarenta. - reafirmou com pretensa cortesia, e diante da incredulidade de Harry abriu a pequena mão diante de seus olhos para mostrar os cinco dedos, e explicou amavelmente: - Quarenta são todos estes…
Harry afastou o olhar da mão e teve que fazer um esforço para conter a risada.
- E estes… - continuou ela, abrindo a outra mão. - E todos estes. - repetiu ao mesmo tempo em que fechava e abria por três vezes as duas mãos. - E agora, - terminou com expressão de triunfo - lembra onde os deixou?
Silêncio.
- Ou para onde os enviou?
Silêncio.
- OH, querido, está muito pior do que eu imaginava. - exclamou com um suspiro. – Os perdeu, não é verdade? OH! Esta bem. - disse finalmente, e afastou o rosto, frustrada diante do seu contínuo silêncio, e o regozijo momentâneo que tinha experimentado ao ironizar dele se transformou em um acesso de cólera. - Não se preocupe muito por isso! Estou certa de que encontrará outros homens que lhe ajude a seqüestrar outros inocentes, a matar meninos e…
O braço de Harry se apertou sobre ela de repente, atirando-a para trás, contra seu peito, e o fôlego quente que sentiu na orelha produziu em Gina um comichão não desejado que percorreu sua espinha dorsal. Harry inclinou a cabeça para ela e disse com suavidade:
- Ginevra, com seu tagarelar só coloca a prova minha paciência, mas com seu sarcasmo passa a por em prova meu temperamento, e isso é um engano.
Zeus respondeu imediatamente ao aumento da pressão dos joelhos de seu amo e diminuiu o passo, deixando que os outros cavalos se adiantassem.
Mas Gina nem sequer se deu conta. Sentiu-se alegre ao escutar por fim a voz de Harry, mas também furiosa por todo o tempo que ele se negou a lhe dirigir a palavra.
- Santo Deus, sua graça, a última coisa que desejo é pôr a prova seu temperamento. - disse com um tom de alarme deliberadamente exagerado. - Se me atrevesse a isso, correria o risco de sofrer um horrível destino em suas mãos. Permita-me pensar por um momento… que coisas terríveis poderia me fazer? Ah, já sei! Poderia comprometer minha reputação. Mas não... - continuou, como se considerasse a questão com imparcialidade - Seria impossível, porque já fez quando me obrigou a permanecer com você em Hardin, sem a presença de minha irmã. Ah, já sei! - exclamou inspirada. - Poderia me obrigar a me deitar com você! E depois poderia espalhar no seu país e no meu para que todos ficassem sabendo que compartilhei a cama com você. Mas não, isso tampouco, visto que já fez ambas as coisas…
Cada uma daquelas mordazes palavras coroava um pouco mais a consciência de Harry, e faziam com que se sentisse como o bárbaro que ela tão freqüentemente o considerava. Ela, entretanto, continuava criticando-o.
- Já sei! Depois de ter feito tudo isso comigo, só resta uma coisa a fazer.
Incapaz de se conter Harry perguntou com fingida despreocupação:
- E qual seria?
- Poderia se casar comigo! - exclamou ela com pretensa satisfação. De repente, pareceu-lhe que suas palavras eram muito simplórias, e apesar do seu esforço em continuar se mostrando irônica, não pôde evitar um certo tom de amargura ao acrescentar: - Dessa forma, me afastaria de minha casa e de meu país me expondo as brincadeiras de todos. Sim, é isso! Isso é exatamente o que mereço, não é verdade milorde? Por ter cometido o inexplicável delito de sair para passear pela colina próxima a uma abadia, e me interpor no caminho de seu indesejável irmão. - Continuando, com um grande desdém, acrescentou: - Tendo em conta a enormidade de meu delito, me arrastar e me esquartejar teria sido muito mais amável, já que teria significado o fim prematuro de minha vergonha e minhas…
Não pôde continuar, pois, sobressaltada, notou que HArry deslizava uma mão por sua cintura até fechar-se sobre um de seus seios, deixando-a sem fala e quase sem fôlego. E antes que pudesse se recuperar, Harry colocou o rosto junto a sua têmpora e sussurrou:
- Pare já, Gina. Já é suficiente.
Com a outra mão, rodeou-lhe a cintura e a apertou contra seu peito.
Entre a força tranqüilizadora daqueles braços, Gina, sucumbiu ao inesperado consolo que ele lhe oferecia, agora que enfrentava os terrores de um futuro desconhecido e desumano.
Aturdida, relaxou e, o que fez com que o braço dele a atraísse para si ainda mais, ao mesmo tempo em que a mão que tinha lhe acariciado o seio deslizasse suavemente para o outro. Gina sentiu então na têmpora o roçar da barba de Harry; depois ele lhe deu um quente beijo na face enquanto acariciava suavemente seus seios e a apertava estreitamente entre suas musculosas coxas. Enfrentava um futuro que não lhe reservava mais nada que amargura e terror, Gina fechou os olhos, tentou conter seus temores e se entregou a fugaz doçura do momento, à intensa sensação de se sentir novamente a salvo, de se ver protegida pelo corpulento corpo de Harry.
Harry disse a si mesmo que não fazia mais do que consolar e distrair uma menina assustada, para afastar seus infortúnios. Roçou com a cabeça a abundante cabeleira e a beijou para depois percorrer com os lábios o pescoço, até a orelha, detendo-se ali por um momento antes de deslocar a boca para a suave pele da face. Sem se dar conta do que fazia, deslizou a mão para a carne cálida do decote, para depois introduzir a mão por debaixo do tecido, para o morno seio que aninhava debaixo do tecido. E esse foi seu engano. Surpreendida, ou talvez indignada, Ginevra tentou se voltar, mas a pressão de suas nádegas contra as pernas de Harry acendeu o mesmo desejo que ele tinha tentado controlar desesperadamente durante três dias… três intermináveis dias notando os quadris de Gina entre suas coxas, e os seios atrativamente expostos a seus olhares, ao alcance de sua mão. Agora, aqueles três dias de desejo reprimidos transbordaram e se alastraram por suas veias como fogo liquido e estava a ponto de fazê-lo perder a razão.
Com um esforço de vontade que foi quase doloroso, Harry retirou a mão e afastou os lábios da face de Gina. Mas, assim que o fez, sua mão que parecia ter desenvolvido uma vontade própria, levantou-se para o rosto dela. Tomou o queixo entre o indicador e o polegar, a fez voltar o rosto e contemplou os olhos mais azuis que tinha visto sobre a terra; os olhos de uma menina confusa, aturdida, enquanto as palavras que ela acabava de pronunciar giravam varias vezes em seu cérebro se dirigindo para sua consciência, que já não podia mais permanecer silenciosa. “Por ter cometido o inexplicável delito de sair para passear pela colina próxima a uma abadia, e me interpor no caminho de seu indesejável irmão… Poderia comprometer minha reputação, mas não, porque já o fez quando me obrigou a permanecer com você em Hardin e me humilhou diante dos olhos de todos... me arrastar e me esquartejar teria sido muito amável… por que? Por ter cometido o inexplicável delito de me interpor no caminho de seu irmão… Tudo por isso… e só por isso…”
Sem pensar no que fazia, Harry acariciou com ternura a suave face, sabendo que ia beijá-la, sem estar já tão seguro de que tivesse direito de fazê-lo. “E tudo por ter cometido o inexplicável delito de me interpor no caminho de seu indesejável irmão…”
Nesse momento, apareceu entre as árvores do bosque e cruzou com toda a pressa o caminho, diante do cavalo uma codorna. De repente os arbustos se afastaram e surgiu o rosto redondo e sardento de um rapaz. Examinou atentamente o matagal situado à direita, em busca da codorna que estava tentando caçar ilegalmente nos bosques de Claymore. Achando estranho, o olhar seguiu o mesmo caminho que o animal, deslocando-se lentamente para a esquerda, e avançou alguns poucos passos a mais. De repente, uma expressão de alarme se desenhou no rosto do rapaz quando viu as poderosas patas do cavalo negro parado justamente a sua esquerda. Tinham-no descoberto enquanto caçava furtivamente! Tom Thornton levantou a vista rezando para que, quando se encontrasse com o rosto do cavaleiro, ele não fosse o do oficial do castelo… Mas não, este cavaleiro usava esporas de ouro, o que significava que se tratava de um cavalheiro. Tom sentiu que as pernas do homem não eram grossas como as do oficial e sim longas e musculosas. Deixou escapar um suspiro de alívio, mas imediatamente ficou a ponto de soltar um grito de terror ao ver o escudo pendurado junto à perna do cavalheiro… um escudo desenhado com o terrível símbolo do Lobo Negro.
Tom se voltou disposto a fugir, avançou um passo e depois se deteve de repente. Receoso, lembrou que, conforme se dizia, os cavalheiros do Lobo Negro se dirigiam para o grande castelo de Claymore, e que o próprio Lobo ia residir ali. Nesse caso, aquele cavalheiro não podia ser outro que não o…
Com mãos tremulas por causa do terror e da excitação Tom se adiantou para o matagal e vacilou tentando lembrar todas as descrições que tinha escutado sobre o Lobo. Conforme afirmava a lenda, montava um grande corcel tão negro como o pecado, e era tão alto que os homens tinham que jogar a cabeça para trás para olhá-lo. O cavalo de guerra do caminho era definitivamente negro, e o homem que o montava possuía as pernas longas e poderosas de alguém muito alto. Também se diziam, lembrou Tom, que em seu rosto, perto da boca, o Lobo mostrava uma cicatriz em forma de C, feita pelas presas de um lobo que tinha matado com suas próprias mãos quando não era mais que um menino de oito anos e o animal o atacou.
Excitado diante da idéia da inveja que despertaria quando soubessem que tinha visto o Lobo, Tom afastou as folhas do arbusto e apareceu para olhar, para encontrar-se diretamente com o sombrio rosto do homem. Ali, sob a barba, perto da boca, aparecia… uma cicatriz! E tinha forma de C! Atônito olhou fixamente a cicatriz e depois ambos os lados do caminho, em busca do gigante de cabelo loiro chamado Hagrid, que, conforme se dizia, protegia dia e noite seu senhor, e que usava um machado de guerra e tinha o braço tão grosso como o tronco de uma árvore.
Ao não ver o gigante, Tom voltou novamente à cabeça para o famoso personagem e desta vez o viu de corpo inteiro. Boquiaberto por causa do assombro e da incredulidade, observou que o Lobo Negro, o guerreiro mais feroz de toda a Inglaterra e inclusive do mundo inteiro, montava seu poderoso cavalo de guerra e segurava entre os braços uma moça, com tanta ternura como se tratasse de um bebê.
Perdido em suas reflexões, Harry não prestou a menor atenção aos ligeiros sons que se produziram ao seu redor quando alguns pequenos ramos se abriram e alguém saiu correndo de entre os arbustos, para dirigir-se a toda velocidade para o povoado. Harry não deixava de contemplar a expressão teimosa e rebelde daquela jovem que agora era sua esposa. Também era mentirosa e arteira, mas no momento não desejava pensar nisso, e muito menos quando se dispunha a lhe dar um beijo. Gina mantinha os olhos cerrados, e suas longas pestanas projetavam sombras sobre suas aveludadas bochechas. O olhar de Harry desceu para seus lábios, lábios generosos e tentadores que incitavam um homem a beijá-los.
Relaxadamente, acomodada contra seu peito, Gina sentiu a mão que se fechava sobre seu queixo.
- Ginevra…
Abriu os olhos diante da nota estranha e rouca de sua voz, e se encontrou de frente a olhos abrasadores e lábios finamente cinzelados. Compreendeu então o que ia permitir que acontecesse, a menos que evitasse. Sacudiu a cabeça e tratou de afundar o cotovelo nas costelas para afastá-lo, mas ele impediu fechando o braço em torno dela.
- Não! - exclamou Gina.
Harry a paralisou com o olhar, e de seus lábios brotou uma ordem:
- Sim!
Gina tentou protestar, mas suas palavras foram abafadas por um beijo possessivo que pareceu eternizar-se e que se tornou mais insistente quando ela mais resistia. Harry apertou os lábios contra os seus, até que finalmente eles se abriram permitindo que a língua se introduzisse neles. O beijo lento e prolongado; obrigou-a a lembrar o que tinha ocorrido entre eles em Hardin, e isso foi exatamente o que Gina fez. Com um gemido de rendição, ela se entregou e lhe devolveu o beijo, dizendo a si mesma que um beijo significava muito pouco. Mas o certo é que, ao terminar, tremia como uma folha.
Harry afastou a cabeça, observando os sonolentos olhos azuis e Gina detectou em seu rosto uma expressão de estranheza e enorme satisfação.
- Por que sinto que me conquista quando é você que se entrega?
Gina encolheu os ombros e lhe deu as costas.
- Isto não foi mais que uma pequena escaramuça, sua graça. - disse. - Ainda resta liderar a guerra.
O caminho que conduzia a Claymore rodeava os bosques riscando um amplo arco, e embora fosse mais largo, eliminava a necessidade de abrir espaço entre as árvores. Caso se encontrasse sozinho, Harry teria seguido a rota mais curta, mas agora que estavam tão perto se sentia ansioso. De repente, desejava que Gina compartilhasse sua ansiedade. Ao não encontrar nada mais que dizer para aplacar a tensão que existia entre eles, Harry respondeu à pergunta que ela já tinha lhe feito antes sobre o paradeiro dos homens que os tinham acompanhado até o priorado.
- Se por acaso ainda lhe interessa saber, - disse com um sorriso - os cinqüenta homens que estavam conosco no priorado se afastaram dali em grupos de cinco. Cada grupo tomou uma rota diferente a fim de que os homens de Weasley tivessem que dividir suas forças para ir caçá-los. - Depois, em tom zombador, acrescentou: - Quer saber o resto?
Gina negou com gesto de desdém.
- Já conheço o resto. Depois de escolher uma posição vantajosa entre as árvores e as rochas, suponho que seus homens se esconderam como serpentes, à espera de lançar-se sobre o povo de meu pai pelas costas.
Harry se pôs a rir diante da inflamada opinião que ela tinha de seu código ético.
- É uma pena que não me ocorresse essa idéia. - disse com um sorriso.
Embora Ginevra não se dignasse em replicar, mostrou-se mais relaxada, e Harry percebeu sua curiosidade em saber mais. Disposto agora a satisfazer essa curiosidade, continuou sua explicação quando já dobravam a última curva do caminho.
- Algumas horas atrás meus homens se encontravam a uns quinze quilômetros atrás de nós. Durante as últimas horas não deixaram de se aproximarem de nós, e dentro de pouco se fecharão em filas e avançarão diretamente nas nossas costas. - Em tom bondoso, acrescentou: - Permaneceram lá atrás, na retaguarda, à espera de serem atacados pelas costas pelos homens de seu pai.
- Algo que não seria necessário se não tivesse me seqüestrado. - replicou ela intencionadamente.
- Já basta! - ordenou ele, irritado pela atitude hostil de Gina. - Tendo em conta todo o acontecido, não foi maltratada.
- Não fui maltratada! - Exclamou Gina com incredulidade. - Parece-lhe um gesto de amabilidade forçar uma donzela indefesa e acabar não só com sua honra, mas também com suas possibilidades de se casar com um homem que ela mesma escolhesse?
Harry abriu a boca para responder, mas a fechou ao não encontrar argumentos que justificassem suas ações, embora não pudesse condená-la completamente. Do ponto de vista de Ginevra, ele tinha agido de maneira desonrosa ao mantê-la cativa. Do seu próprio ponto de vista, por outro lado, tinha-a tratado de forma totalmente cavalheiresca.
Um momento depois dobraram a última curva do caminho, e todos aqueles pensamentos desagradáveis desapareceram da mente de Harry. Em um ato de reflexo, sua mão se esticou sobre as rédeas e, sem se dar conta, fez com que Zeus se detivesse bruscamente, o que quase jogou Gina ao chão.
Gina recuperou o equilíbrio e dirigiu um duro olhar de recriminação para Harry, mas ele tinha a vista fixa em algo que se encontrava mais adiante. Esboçou um sorriso e depois de apontar com a cabeça na direção que olhava, disse com um estranho tom de voz:
- Olhe.
Ela voltou à cabeça e observou o belo panorama que se desdobrava diante de seus olhos. Diretamente diante deles, envolto no dourado esplendor outonal, estendia-se um vale salpicado de cabanas com teto de palha e campos perfeitamente cuidados. Mais adiante, aconchegado entre colinas suavemente onduladas, via-se um povoado pitoresco. E em uma posição mais elevada, ocupando completamente uma grande área, se elevava um castelo gigantesco em cujas altas torres ondulavam as bandeiras, e cujas vidraças coloridas reluziam sob o sol como jóias diminutas.
Enquanto o cavalo continuava avançando, agora a trote, Gina se esqueceu temporalmente de seus problemas e admirou o esplendor e a simetria que se desdobrava diante de seus olhos. Um muro alto, coroado por doze torres graciosamente arredondadas, encerrava completamente o castelo pelos quatro cantos.
Enquanto Gina observava, os guardas situados nas ameias fizeram soar as trombetas. Apenas um minuto depois a ponte levadiça desceu. Não demoraram em cruzá-la vários cavaleiros, hasteando estandartes que ondulavam como se tivessem vida própria. Gina viu os camponeses abandonarem os campos e as cabanas e vir correndo do povoado, para se perfilarem ao lado do caminho. Evidentemente, pensou Gina, quem quer que fosse o administrador do lugar devia estar esperando-os e tinha planejado esse espetacular recebimento.
- Bom. - disse Harry. - O que lhe parece?
Gina se voltou e com expressão agradável respondeu:
- É um lugar maravilhoso. Nunca tinha visto nada igual.
- Se compara com seu Reino de Sonhos?
Gina sentiu que Harry se sentia contente ao comprovar que ela apreciava o esplendor do castelo e a beleza de sua alocação. Seu sorriso era quase irresistível, e para não se deixar dominar por ele, Gina se apressou a voltar à cabeça para frente. De repente, escutou o distante trovejar dos cascos dos cavalos que se aproximavam por trás e supôs que deviam ser os homens de Harry que cortavam a distância que os separava dele. Pela primeira vez em muitos dias, Gina se sentiu verdadeiramente consternada por seu próprio aspecto. Ainda usava o vestido de noiva que pôs na noite em que Harry a tirou do castelo de Weasley, mas agora estava sujo e amassado por causa da descida pelo muro e da cavalgada através dos bosques. Além disso, a chuva tinha estragado completamente o vestido e a capa, que depois de secar sob os raios do sol estavam enrugados e desbotados.
Evidentemente, dirigiam-se para o castelo de uma pessoa importante e embora dissesse a si mesma que não se importava o que um nobre inglês, e seus servos pudessem pensar dela, detestava a idéia de ter um aspecto malcuidado diante deles, e, portanto deixar mal as pessoas de seu clã. Tratou de se consolar pensando que ao menos nessa manhã tinha tido a oportunidade de lavar o cabelo nas gélidas águas do riacho que corria perto do lugar onde acamparam para passar a noite, mas estava certa de que mesmo assim seu cabelo, a única coisa de valor que possuía, se transformou em um matagal de mechas e raminhos de folhas.
Voltou-se para Harry, olhou-o com um gesto de apreensão e perguntou:
- Quem é o senhor do castelo? Quem possui um lugar como este?
Harry afastou o olhar do castelo que se elevava sobre a colina, e que parecia lhe fascinar quase tanto como a Ginevra, e em tom de voz zombador e animado respondeu.
- Eu.
- Você! - exclamou ela. - Disse que demoraríamos dois dias a talvez três para chegar a Claymore…
- Os caminhos se encontravam em melhor estado do que eu esperava.
Horrorizada diante da perspectiva de que seus vassalos a vissem pela primeira vez com aquele aspecto, Gina levou automaticamente a mão ao cabelo emaranhado, um gesto que indicava universalmente a preocupação de uma mulher por sua aparência.
Para Harry não tinha nada de errado com ela, mas deteve o grande corcel para que Ginevra pudesse arrumar um pouco o cabelo com os dedos. Divertia-lhe a preocupação que tinha com seu aspecto, pois ele achava adorável seu cabelo emaranhado, sua pele de veludo, seus vivazes olhos azuis, que brilhavam saudáveis depois de tantos dias passados ao sol e ao ar livre. De fato, decidiu, seu primeiro ato oficial como seu marido seria lhe proibir que escondesse aquela magnífica cabeleira debaixo dos habituais véus e capuzes. Gostava de vê-lo descer livremente sobre seus ombros, ou, melhor ainda, estendido sobre o travesseiro, como um espesso tecido de cetim…
- Poderia ter me dito! - exclamou Gina em tom de recriminação. Moveu-se na cela e tentou alisar o estragado vestido, enquanto olhava ansiosamente às pessoas que se alinhavam dos lados do caminho. Os cavaleiros que se aproximavam procedentes do castelo formavam evidentemente uma guarda de honra, que vinha para escoltar seu senhor.
- Nunca imaginei que esta pudesse ser sua morada. - disse ela nervosa. - Olhava-a como se jamais a tivesse visto.
- E não a vi, ao menos não com este aspecto. Faz oito anos que chamei os arquitetos e juntos riscamos os planos do lar que desejava uma vez que tivesse terminado de guerrear. Tinha a intenção de vir para ver o resultado, mas Henrique sempre necessitava com urgência da minha presença em alguma outra parte. De certo modo, foi melhor. Agora acumulei uma fortuna bastante grande para me assegurar que meus filhos nunca tenham que ganhar o ouro com seu sangue ou com a força de seus músculos, como tive que fazer.
Gina o olhou fixamente, confusa.
- Quer dizer que terminou de guerrear?
- Se tivesse atacado o castelo de Weasley, - disse ele em tom irônico - teria sido minha ultima batalha. Mas como estão às coisas, venci a última resistência quando a tirei dali.
Gina ficou tão aturdida diante daquelas assombrosas revelações, que talvez fosse ela a razão pela qual tinha tomado essa decisão, sem poder se conter, perguntou:
- Quando decidiu tudo isso?
- Faz quatro meses. - respondeu ele com resolução. – Se alguma vez voltar a participar de uma batalha, será porque alguém sitiou o que é meu. - Guardou silêncio, com o olhar fixo à frente, e os músculos de seu rosto relaxaram lentamente. Finalmente afastou o olhar do castelo, e olhou para Gina, e esboçando um sorriso, perguntou: - Sabe que é o que mais desejo em minha nova vida, além de uma cama macia onde dormir de noite?
- Não. - respondeu Gina que o olhou sem poder evitar ter a sensação de que apenas o conhecia. - O que é o que mais deseja?
- Comida. - afirmou ele sem rodeios, recuperando já seu bom humor. - Boa comida. Não… não apenas boa comida, mas excelente, e servida três vezes ao dia. Delicada comida francesa, picante comida espanhola e abundante comida inglesa. Desejo que me sirvam em um prato, preparada com perfeição, em vez de pendurada em um espeto, meio crua ou quase queimada. E depois desejo comer, massas, bolos e todo tipo de doces. - Sacudiu a cabeça e, depois de fazer uma pausa, acrescentou: - Na noite anterior de uma batalha a maioria dos homens pensa em seus lares e em suas famílias. Sabe o que era que me mantinha acordado?
- Não. - respondeu Gina, que se esforçou por conter um sorriso.
- A comida.
Gina perdeu a batalha em mostrar-se indiferente e pôs-se a rir diante daquele comentário por parte de um homem que os escoceses chamavam filho de Satanás, mas embora Harry lhe dirigisse um breve sorriso, não deixava de desfrutar a vista que oferecia os campos e o castelo, como se quisesse se fartar deles.
- Na ultima vez que estive aqui foi há oito anos, - explicou - quando trabalhei com os arquitetos. O castelo tinha sido sitiado durante seis meses, e os muros externos estavam virtualmente em ruínas. O castelo tinha sofrido graves danos e as colinas que o circundavam tinham sido arrasadas.
- Quem sitiou? - perguntou Gina receosa.
- Eu mesmo.
Dos lábios de Gina veio uma réplica sarcástica, mas no último momento não quis estragar o agradável estado de ânimo reinava entre os dois. Em vez disso, disse:
- Não é nada estranho que escoceses e ingleses sempre estejam se enfrentando, porque suas respectivas formas de pensar são opostas.
- Sério? - Perguntou Harry. - Por quê?
- Bem... - respondeu ela com uma atitude de amável superioridade - Concorda comigo que os ingleses têm o estranho costume de sitiar seus próprios castelos, como têm feito há séculos, quando poderiam estar lutando contra os escoceses… ou contra outros inimigos - retificou imediatamente - e destroçar seus castelos.
- Interessante idéia. - brincou. - Além disso, tentamos fazer as duas coisas. - pôs-se a rir, e continuou: - De qualquer forma, possuo algum conhecimento sobre a história escocesa, e pelo que entendi dos clãs estiveram batalhando entre si durante séculos, apesar de que também arrumaram tempo para cruzar nossas fronteiras e fazer incursões, incendiar e, em geral, nos chatear.
Depois de decidir que era melhor deixar de lado aquele tema, Gina voltou o olhar para o castelo que brilhava ao sol, e perguntou com curiosidade:
- Foi essa a razão pela qual sitiaram este lugar, porque o queria para você mesmo?
- Ataquei-o porquê o barão ao qual pertencia tinha conspirado com outros vários barões para assassinar Henrique, e quase tiveram êxito. Naquele tempo, este lugar se chamava Wilsely, devido à família a quem pertencia. Henrique me entregou com a condição de colocar um novo nome.
- Por quê?
- Porque foi o próprio Henrique quem nomeou barão Wilsely - respondeu Harry asperamente - e o recompensou com este lugar. Wilsely foi um dos poucos nobres em quem confiava. Eu o chamei de Claymore em honra da família de meu pai. - acrescentou Harry ao mesmo tempo em que esporeava Zeus até pô-lo a trote.
Enquanto observava os cavaleiros que tinham saído do castelo se aproximarem, Gina ouviu a suas costas um surdo retumbar de cascos, voltou-se e viu os cinqüenta homens que os tinham acompanhado até o priorado galopando para eles.
- Sempre planeja as coisas com tanta precisão? - perguntou com um tom oculto de admiração.
- Sempre. - respondeu Harry olhando-a com expressão de superioridade.
- Por quê?
- Porque a precisão é a chave para deixar a batalha a cavalo, em vez de ter que lidera-la com o escudo. - explicou com amabilidade.
- Mas agora já não lidera batalhas, de forma que não precisa pensar na precisão e essas coisas.
- Isso é verdade, - disse ele sorrindo abertamente - mas se trata de um costume que não será fácil de romper. Os homens que nos seguem, estão há anos lutando a meu lado. Sabem como penso e não preciso lhes dizer o que desejo para que o façam.
Não houve mais tempo para continuarem falando, pois o guarda do castelo já se aproximava com Hagrid na frente. No instante em que Gina se perguntava se os guardas teriam intenção de se deterem, os vinte e cinco homens obrigaram suas montarias a girar em um circulo, com tal precisão que sentiu vontade de aplaudir. Hagrid se posicionou então diante de Harry enquanto que, atrás, os cinqüenta cavalheiros formaram colunas precisas.
Gina se sentiu emocionada diante do espetáculo que ofereciam os magníficos corcéis e os estandartes que ondulavam ao vento, e apesar de sua determinação de não se preocupar com o que seu povo pudesse pensar dela quando a visse, experimentou um súbito nervosismo ao mesmo tempo em que uma esperança incontrolável. Fossem quais fossem seus sentimentos para com seu marido, aquele ia ser seu povo a partir de agora, e a horrível verdade era que não podia evitar o desejo de lhes agradar. Imediatamente depois, tomou novamente consciência do aspecto que oferecia e de seus defeitos físicos, em geral. Mordeu o lábio inferior e pediu a Deus para que lhe permitisse agradar aquelas pessoas, e depois considerou com a mesma rapidez como devia comportar-se durante os próximos minutos. Devia sorrir aos aldeãos? Não, decidiu, pois tendo em conta as circunstâncias não lhe parecia apropriado. Mas tampouco seria mostrar-se muito distante, pois em tal caso a considerariam uma mulher fria e altiva. Enfim, era escocesa, e os escoceses eram considerados por muitos como um povo insensível e arrogante. E embora se sentisse orgulhosa de ser escocesa, não desejava, sob nenhuma circunstância, que aquela gente, seu povo, tomasse erroneamente por uma mulher intratável.
Encontravam-se a poucos metros de distância dos aproximadamente quatrocentos aldeãos reunidos ao lado do caminho, e Gina decidiu que seria melhor sorrir um pouco, para evitar que pensassem que era insolente e orgulhosa. Esboçou um leve sorriso, alisou o vestido pela última vez e depois se sentou muito reta no cavalo.
Quando o grupo começou a abrir espaço entre os espectadores, a excitação que Gina sentia deu lugar ao maior dos assombros. Na Escócia, quando um senhor retornava ao seu lar, vitorioso ou derrotado, era saudado com gritos de saudações e sorrisos. Os camponeses reunidos ao lado do caminho, entretanto, mantiveram-se silenciosos, vigilantes e incomodados. Alguns se mostravam claramente hostis, no entanto a maioria parecia assustada ao ver passar seu novo senhor. Gina se deu conta disso, e se perguntou a que podia se dever a este último. Ou por acaso era a ela a quem temiam?
A resposta chegou apenas um segundo mais tarde, quando entre a multidão alguém gritou em tom beligerante:
- Rameira de Weasley!
Ávida em demonstrar ao seu heróico senhor que compartilhavam os sentimentos deste a respeito de seu matrimônio, a multidão começou a exclamar:
- Rameira de Weasley! Rameira de Weasley!
Tudo aconteceu tão repentinamente, que Gina não teve tempo de reagir, porque a seu lado um menino de uns nove anos se agachou como um relâmpago, agarrou um punhado de barro e o jogou, alcançando-a em plena bochecha direita.
O grito de assombro e medo de Gina se viu apagado por Harry, que se lançou imediatamente para frente, protegendo-a com seu corpo de um ataque que nem tinha visto, nem tinha podido antecipar. Hagrid, que só teve o apoio de um braço, levantou e jogou algo que facilmente poderia ser uma adaga, lançou um grito capaz de gelar o sangue nas veias, desmontou como uma exclamação ao mesmo tempo em que empunhava o machado de guerra, e se lançou contra o menino. Na equivocada crença de que Harry tinha sido o objetivo da agressão deste, o gigante o agarrou pelo cabelo e o levantou para o alto vários centímetros, e enquanto o menino gritava e agitava grosseiramente as pernas no ar, o machado do gigante riscou um amplo arco…
Gina reagiu sem pensar com uma força que era fruto do terror, jogou-se apressadamente para trás, desequilibrando Harry, e antecipando-se à ordem que ele mesmo se dispunha a dar, exclamou.
- Não! Se detenha! Não faça!
Hagrid baixou o machado imediatamente e se voltou, mas não para olhar Ginevra e sim Harry, à espera de seu veredicto. Ela fez o mesmo, e ao observar a expressão refletida no rosto de seu marido soube em seguida qual ia ser a ordem que estava a ponto de lhe dar ao Hagrid.
- Não! - gritou histericamente, apegando-se ao braço de Harry.
O duque voltou à cabeça para ela e sua expressão pareceu ainda mais assassina do que foi apenas alguns momentos antes.
- Assassinar um menino só por repetir suas próprias palavras, - disse Gina horrorizada - por tentar demonstrar que lhe apóia em tudo, inclusive em seus sentimentos por mim? Pelo amor de Deus, é só um menino. Um menino estúpido…
A voz lhe faltou e Harry se voltou para Hagrid e, em tom lacônico, ordenou:
- Que se apresente diante de mim manhã pela manhã.
Depois, cravou as esporas no cavalo negro e o pôs a trotar. Como se tivessem recebido um sinal silencioso, os cavalheiros que o seguiam se lançaram atrás dele e formaram colunas do lado de Harry e Ginevra.
Já não surgiram mais gritos da multidão que, perdida no mais completo silêncio, viu passar a comitiva. Ainda assim, Gina não recuperou o fôlego até que deixaram para atrás os aldeãos, e depois se sentiu exausta. Apoiou-se contra o corpo excessivamente rígido de Harry e voltou a lembrar a cena que acabava de viver. Ocorreu-lhe então que a ira de Harry contra o menino tinha sido por ela, e que aceitou seu desejo só para lhe conceder uma pausa temporária. Voltou-se na cela e o olhou. Ao comprovar que ele mantinha a vista fixa para frente, disse em tom vacilante:
- Milorde, queria lhe dizer… obrigada por ter economizado…
A vista de Harry desceu repentinamente para seu rosto, e Gina estremeceu diante da ardente fúria de seus olhos.
- Se voltar a me desafiar em público - advertiu-lhe grosseiramente - ou se atrever a se dirigir a mim nesse tom, não serei responsável pelas conseqüências. Juro diante de seu Deus!
Diante dos mesmos olhos de Harry, Gina passou de olhá-lo com gratidão a com ira, para terminar lhe dando as costas.
O duque observou sua nuca, indignado porque ela o tivesse acreditado capaz de permitir que decapitasse aquele menino por uma travessura que merecia um castigo muito menos duro; indignado porque com sua atitude Gina tinha induzido a todos os seus servos a acreditarem o mesmo. Mas, sobre tudo, Harry se sentia indignado consigo mesmo por não ter previsto que aquela cena pudesse acontecer entre os aldeãos, e por não ter tomado medidas necessárias para evitá-la.
Cada vez que planejava um cerco ou participava de uma batalha, considerava tudo o que pudesse sair errado. Entretanto, ao se aproximar de Claymore, tinha acreditado em sua boa sorte e, simplesmente, imaginou que tudo sairia bem.
Por outro lado, decidiu Harry, em uma batalha seus homens se antecipavam inclusive na sua mais pequena ordem, que cumpriam sem vacilar. Certo que em uma batalha não teria que discutir com Gina, uma Gina que parecia opor-se a tudo.
Cego diante da beleza que tanto tinha desejado contemplar depois de oito longos anos, Harry se perguntou carrancudo como era possível que fosse capaz de intimidar os cavalheiros, nobres, escudeiros e soldados endurecidos pela batalha, obrigando-os a fazerem o que desejava com um único olhar, e, entretanto parecesse incapaz de obrigar a comportar-se como era devido uma jovem escocesa teimosa e desafiante. Era tão condenadamente imprevisível que jamais podia prever suas reações. Era impulsiva, teimosa e desrespeitosa. Enquanto cruzavam a ponte levadiça observou os rígidos ombros de Gina, e se deu conta muito tarde de quanto deve ter sido humilhante para ela a cena que tinha presenciado. Com um suspiro de piedade e de admiração teve que admitir também que aquela jovem, embora se sentisse muito assustada era corajosa e extremamente compreensiva. Qualquer outra mulher de sua classe não teria suplicado pela vida do rapaz, mas sim exigido sua cabeça.
O enorme pátio de treinamentos do castelo estava lotado daqueles que viviam ou trabalhavam dentro dos muros do castelo, que constitua um verdadeiro exército de rapazes, lavadeiras, faxineiras, cozinheiras, carpinteiros, ferreiros, arqueiros, servos e lacaios, além dos guardas do castelo. Os membros da fila, mais elevado, os oficiais, empregados, o mordomo, o padeiro chefe e muitos outros, encontravam-se alinhados formalmente nos degraus que conduziam ao salão.
Ao olhar ao redor Harry observou que virtualmente todos olhavam Gina com hostilidade, e decidiu que nesta ocasião não deixaria ao azar suas reações. Para que todos os presentes no pátio de treinamentos pudessem ver claramente Gina e a ele mesmo, Harry se voltou para o capitão da guarda e assinalou com um breve gesto os estábulos. Harry não desmontou até que o último cavalheiro desapareceu para levar para lá seus cavalos. Voltou-se estendeu as mãos, tomou Gina pela cintura, levantou-a e a depositou no chão. Ao fazer, observou que ela estava tensa, e que procurava não olhar para ninguém. Desta vez não tentou arrumar o cabelo, nem alisar o vestido, e Harry encolheu o coração de pena já que, evidentemente, ela tinha chegado à conclusão de que já não importava o aspecto que oferecesse.
Consciente do desagradável murmúrio que se elevava entre a multidão reunida no pátio de treinamentos, o duque a tomou pelo braço e a conduziu até o pé da escada, mas quando Gina começou a subir por ela a reteve firmemente pelo braço e se voltou para as pessoas.
Gina conseguiu sair do poço de vergonha em que se sentia perdida, e dirigiu um olhar de desespero que Harry não sentiu. Estava ali de pé, imóvel, observando seus vassalos com uma expressão implacável no rosto. Apesar da desventura e vergonha que sentia, Gina teve de repente a impressão de que dele emanava um estranho poder, uma força que parecia comunicar-se com todos os presentes, como se tratasse de um feitiço. O povo guardou silêncio, olhando-o fixamente. Então, e só então, Harry falou. Sua profunda voz ressonou na estranha quietude que se produziu no pátio, com o poder e a força do trovão.
- Contemplem sua nova senhora, minha esposa. – declarou - E saibam que quando ela der uma ordem, será como se eu próprio tivesse dado. Qualquer serviço que prestem a ela estarão prestando a mim. A lealdade que dedicarem a ela estarão dedicando a mim.
Seu duro olhar percorreu a todos os presentes durante um momento ameaçador em que todos contiveram a respiração. Depois, voltou-se para Gina e lhe ofereceu o braço.
Gina olhou seu marido com uma expressão próxima à reverência, conteve as lágrimas de gratidão e admiração e sentimento com a mão em seu braço.
Atrás deles, o armeiro começou a aplaudir, timidamente. O ferreiro se uniu em seguida. Depois, uma dúzia de servos aplaudiu. Quando Harry e Gina estavam chegando a porta do salão, onde Rony e frei Gregory esperavam, todo o pátio explodiu em sonoros aplausos. Não foi o tipo de saudação desinibido e espontâneo que indica entusiasmo de coração, mas a resposta de pessoas muito impressionadas para resistir.
Ronald Potter foi o primeiro a falar depois que entraram no salão. Estreitou os ombros de Harry com um gesto de afeto.
- Eu gostaria de fazer isso com uma multidão, querido irmão. - brincou, para acrescentar intencionadamente: - Pode nos conceder alguns minutos? Há algo que precisamos discutir com você.
Harry se voltou para Gina, desculpou-se e se dirigiu com o Rony para a lareira, em frente à qual já esperavam Sir Godfrey, Sir Eustace e Sir Lionel. Gina se deu conta de que todos eles deviam ter se adiantado para chegar antes a Claymore, junto com Rony Potter.
Ainda atônita pela atitude incrivelmente agradável de Harry ao pronunciar aquele discurso, Gina afastou o olhar de seus largos ombros e olhou ao redor com um incipiente respeito. O salão onde se encontrava era enorme, com o teto muito alto sulcado de vigas de madeira, e o chão de pedra nu de juncos. Por cima, uma ampla galeria, sustentada por arcos de pedra ricamente esculpida, envolvia o espaço por três de seus lados, em vez de fazer por um sozinho. Na quarta parede havia uma bela lareira, tão grande que um homem podia permanecer de pé dentro nela. Nas paredes tapeçarias penduradas que representavam cenas de batalhas e caçadas, e observou horrorizada que alguém tinha colocado duas grandes tapeçarias no chão, perto da lareira. No lado extremo mais afastado do salão, diretamente em frente de onde ela se encontrava, havia uma mesa longa, disposta sobre um estrado, com taças, bandejas e terrinas de reluzente ouro e prata, muitos deles com jóias engastadas. Embora só tivessem acendido poucas tochas sustentadas na parede, aquele salão não era tão escuro e sombrio como o do castelo de Weasley. A razão, observou Gina com admiração, devia-se a um enorme vitral situado no alto do muro, ao lado da lareira.
A atenção de Gina se viu bruscamente interrompida por uma alegre exclamação que chegou de cima:
- Ginevra. - Era tia Elinor, que teve que ficar nas pontas dos pés para olhar por cima da balaustrada que rodeava a galeria, e que chegava à altura de um homem. - Ginevra! Minha pobre menina!
A senhora desapareceu completamente de vista enquanto percorria com toda pressa à galeria. E embora Gina não pudesse vê-la, escutou seu alegre monologo perto já da escada que descia até o salão.
- Ginevra, sinto-me tão feliz de te ver, minha pobre menina!
Gina jogou a cabeça para trás, percorreu a galeria com a vista e se adiantou, seguindo o som da voz de sua tia.
- Sentia-me tão preocupada com você, querida menina, que apenas mal pude comer ou dormir. Embora, a verdade, não estava em condições de fazer nenhuma das duas coisas depois de percorrer meia Inglaterra no lombo do cavalo mais incômodo que tive a desgraça de montar em minha vida.
Escutando atentamente, Gina seguiu o curso da voz para o lado extremo oposto do grande salão, em busca do corpo de onde surgiam aquelas palavras.
- E o tempo esteve abominável! - Continuou tia Elinor. - Quando já achava que a chuva estaria a ponto de me afogar, saiu o sol com tal força que acreditei que morreria assada: ardia-me a cabeça, doíam-me todos os ossos, e certamente teria encontrado a morte caso Sir Ronald não consentisse em que nos detivéssemos por um momento para que eu pudesse recolher umas ervas curativas.
Tia Elinor desceu os últimos degraus e se materializou diante dos olhos de Gina, a vinte e cinco metros de distância. Caminhou para ela sem deixa de falar.
- O que foi uma verdadeira sorte, pois uma vez que o convenci de que tomasse minha infusão, algo que a princípio recusou, deixou de espirrar. - Olhou para onde se encontrava Ronlad Potter, que nesse momento levava uma jarra de cerveja aos lábios. Interrompeu-o para insistir em que confirmasse suas palavras. - Não voltou a espirrar, não é verdade, querido rapaz?
Rony baixou a jarra e respondeu obediente:
- Não, senhora. - Dirigiu-lhe uma breve reverencia e voltou a levar a jarra aos lábios, com cuidado de afastar a vista do zombador olhar de soslaio que lhe dirigiu Harry.
Hagrid entrou nesse momento no salão e se encaminhou diretamente para a lareira, e tia Elinor o olhou com expressão de reprovação, sem deixar de falar com Gina, que já se aproximava dela.
- Em resumo não foi uma viagem tão má. Ao menos não foi tanto até que tive que cavalgar com esse tipo, Hagrid, como me vi obrigada a fazer quando saímos de Weasley…
Os cavalheiros que estavam em frente à lareira se voltaram para olhar, e Gina começou a correr alarmada para sua tia, em um inútil esforço em impedir que ela continuasse cometendo a imprudência de importunar o gigante com seus comentários.
Tia Elinor lhe abriu os braços, e em seu rosto apareceu um brilhante sorriso.
- Hagrid chegou aqui vinte minutos antes que você, e não quis responder a nenhuma de minhas angustiadas perguntas a respeito de você. - continuou. Antecipando-se à possibilidade de que não tivesse tempo de terminar de expressar seus pensamentos antes que Ginevra chegasse ao seu lado, tia Elinor falou mais depressa. - Mas não acredito que seja tão azedo por mera mesquinharia. Em minha opinião deve ter tido problemas com seus…
Gina lhe deu um forte abraço, mas tia Elinor se desembaraçou o suficiente para acrescentar com tom de triunfo:
- Intestinos!
A fração de segundo do tenso silêncio que se seguiu a aquela calúnia, terminou com a explosão de uma ruidosa gargalhada por parte de sir Godfrey que guardou silêncio imediatamente diante do gélido olhar que lhe dirigiu Hagrid. Gina, horrorizada, sentiu também uma vontade inconcebível de rir, estimulada em parte pela tensão a que se viu submetida durante o último dia, e pelo som das risadas abafadas que chegavam da lareira.
- OH, tia Elinor! - exclamou, rindo sem poder evitar, embora afundasse o rosto no pescoço da senhora para esconder a risada.
- Vamos, vamos, querida pipoca. - tranqüilizou-a tia Elinor, que dirigiu um severo olhar para os cavalheiros que tinham achado divertido seu diagnostico, e com seu tom de voz mais grave, disse-lhe: - Um intestino em mal estado não é motivo de risada. - Deslocou depois o olhar para Hagrid, e exclamou em tom de comiseração: - Só terão que olhar a expressão do pobre homem. É um sinal inconfundível de que necessita um bom purgante. Prepararei-lhe um com minha própria receita secreta, dentro de pouco tempo, voltará a sorrir e a se sentir alegre!
Gina tomou a mão de sua tia, evitou escrupulosamente os olhares sorridentes dos outros cavalheiros, e mirou seu regozijado marido.
- Sua graça. – disse - Minha tia e eu temos muitas coisas que falar, e necessito de um descanso. Se nos desculparem nos retiraremos a… a… - Pensou nesse momento que a discussão das disposições para dormir não era um tema que desejasse abordar antes que fosse absolutamente necessário, e se apressou a concluir: - Ao quarto de minha tia.
Seu marido, que segurava uma jarra de cerveja na mesma postura em que estava quando tia Elinor pronunciou pela primeira vez o nome do Hagrid, conseguiu manter uma expressão séria ao responder.
- Certamente, Ginevra.
- Que idéia maravilhosa, menina. - exclamou em seguida a senhora. - Deve estar se sentindo mortalmente fatigada.
- Além disso, - acrescentou Harry, que dirigiu um olhar sereno e implacável para Gina - peça a uma das donzelas que lhe mostre seu quarto que estou certo lhe parecerá mais cômodo. Esta noite teremos uma festa, de forma que quando despertar pode lhe pedir tudo o que necessite para se preparar.
- Sim, bem… obrigado. - disse ela em tom vacilante.
Mas enquanto acompanhava sua tia para a escada, para o lado mais afastado do salão ficou intensamente consciente do silêncio que se fez entre os homens que estavam em frente à lareira, e estava igualmente certa de que todos esperavam escutar tia Elinor pronunciar outra frase descabelada. E a senhora não os desiludiu.
Antes de começar a subir pela escada, deteve-se para mostrar a Gina alguns detalhes do que agora seria seu lar, vários dos quais ela já tinha observado.
- Olhe para acima, querida. - disse tia Elinor encantada, assinalando o vitral. - Não te parece lindo? Feito de cristal colorido! Não pode nem imaginar o tamanho da galeria lá de acima, nem das comodidades que oferece este lugar. E os candelabros são de ouro. Dos baldaquinos das camas estão pendurados cortinados de seda, e quase todas as taças têm jóias engastadas. Na realidade... - declarou em tom pensativo. - Depois de ter visto este lugar, como já o fiz, estou totalmente convencida de que se dedicar-se à pilhagem e ao saque, deve ser uma atividade muito proveitosa. - Depois de dizer isto, voltou-se para a lareira e perguntou amavelmente ao “saqueador” que era o proprietário do castelo: - Sua graça, eu diria que se obtêm grandes benefícios ao se dedicarem à pilhagem e o saque, ou estou equivocada?
Gina, tão atônita como sobressaltada, observou que seu marido se deteve no gesto de levar a jarra de cerveja aos lábios. A desceu muito lentamente, e Gina temeu por um momento que ordenasse que jogassem tia Elinor do alto das ameias do castelo. Em vez disso, inclinou a cabeça amavelmente e replicou com expressão séria:
- É, com certeza, uma atividade muito proveitosa, senhora, e lhe recomendo isso efusivamente.
- Que agradável é lhe ouvir falar em francês! - exclamou tia Elinor.
Gina tomou à senhora pelo braço e a conduziu escada acima.
- Temos que falar em seguida com Albert para que encontre vestidos adequados. - continuou tia Elinor. - Há muitas arcas de coisas que pertenceram aos proprietários anteriores. Albert é o mordomo, e não goza de boa saúde. Acredito que tem vermes. Ontem mesmo lhe preparei uma boa infusão, e insisti para que tomasse. Hoje se sente terrivelmente mal, mas se encontrará bem amanhã, verás. E você deve dormir um pouco; esta pálida e abatida.
Quatro cavalheiros se voltaram ao mesmo tempo para Harry, escondendo a risada.
- Pelos deuses! - exclamou Rony em tom divertido. - Essa mulher não falava tanto durante a viagem. Embora, claro, estivesse muito ocupada em segurar-se ao cavalo para conservar a vida. Deve estar se desforrando, sem dúvida.
Harry moveu a cabeça na direção em que tia Elinor tinha desaparecido, e disse com cenho franzido:
- É tão ardilosa como uma velha bruxa quando o povo tem as mãos amarradas. Onde está Albert Prisma? - perguntou repentinamente ansioso em ver seu mordomo e averiguar como Claymore prosperava.
- Esta doente, como disse Lady Elinor. - respondeu Rony, que se sentou em uma cadeira, junto ao fogo. - Mas acredito que se trata de seu coração, conforme deduzi depois da breve conversa que mantive com ele ontem, quando chegamos. Disponibilizou tudo para a festa desta noite, mas te pede que lhe permita não apresentar-se diante de você esta manhã. Não quer dar uma olhada no lugar?
Harry deixou o jarro de cerveja e esfregou a nuca.
- Farei mais tarde. No momento, preciso dormir um pouco.
- Eu também. - disse sir Godfrey, que bocejou e se espreguiçou. - Primeiro desejo dormir, e depois me abarrotar de boa comida e bebida. E continuando gostaria também de ter entre meus braços, durante o resto da noite, uma moça bem disposta. Tudo nesta ordem. - acrescentou com um sorriso zombador, e os outros cavalheiros fizeram gestos de assentimento.
Uma vez que partiram, Rony relaxou na cadeira e olhou seu irmão com ligeira preocupação enquanto este franzia o cenho, contemplando distraído o conteúdo de sua jarra.
- Porque está tão carrancudo, irmão? Se for por essa desgraçada cena que aconteceu no vale, esqueça-a e não permita que estrague a festa desta noite.
- Perguntava-me se no meio da festa não apareceriam provavelmente “convidados indesejáveis”. - disse Harry olhando-o.
Rony compreendeu imediatamente que seu irmão se referia à chegada de um contingente de homens procedentes de Weasley.
- Naturalmente, irão primeiro aos emissários do Jacob e Henrique. Exigirão ver provas da celebração do matrimônio com seus próprios olhos, que o bom frade se encarregará de lhe proporcionar. Mas duvido muito que o povo de sua esposa percorra toda essa distância a cavalo, quando sabem que uma vez que cheguem aqui não poderão fazer nada.
- Virão. - afirmou Harry em tom determinante. - E farão em número suficiente para demonstrar que têm poder.
- E o que poderão fazer aqui? - Perguntou Rony com aspereza. - Não poderão fazer outra coisa a não ser nos gritar do outro lado dos muros do castelo. Fortificamos este lugar para que seja capaz de resistir o pior assalto que possa ser submetido.
A expressão de Harry se tornou dura e implacável.
- Já estou farto de batalhas! Já disse isso a você, e também disse ao Henrique. Tudo isso me provoca nauseas… o sangue, o fedor, os sons. - Sem se dar conta da presença do fascinado servo que se aproximou por trás para voltar a encher a jarra, Harry acrescentou com dureza: - Já não tenho estômago para continuar suportando nada disso.
- Então, o que pensa fazer quando Weasley chegar?
- Tenho a intenção de convidá-lo para a festa. - respondeu Harry em tom zombador.
Rony se deu conta de que seu irmão falava a sério.
- E depois? - perguntou enquanto ficava de pé.
- E depois confiaremos que compreenda que é inútil tentar lutar comigo, pois minhas forças superam às suas em número.
- E se não o fizer? - Insistiu Rony. - Ou se insistir em te desafiar para um duelo, o que é um pouco mais provável. O que fará então?
- O que quer que eu faça? - Falou Harry em tom de frustração. - Matar meu próprio sogro? Devo convidar a sua filha para contemplá-lo? Ou devo enviá-la para cima até que se limpe o sangue do mesmo chão onde algum dia brincará seus filhos?
Desta vez foi Rony quem pareceu encolerizado e frustrado.
- Então, o que se propõe a fazer?
- Dormir. - respondeu Harry, que interpretou mal deliberadamente a pergunta de seu irmão. - Irei ver meu mordomo, e depois irei dormir.
Uma hora mais tarde, depois de ter-se reunido com seu mordomo e dado instruções a uma serva de que preparasse um banho e roupas limpas, Harry entrou em seu dormitório e, iludido, estendeu-se na grande cama com baldaquim e cruzou as mãos atrás da cabeça. Percorreu lentamente com o olhar o dossel azul escuro e dourado estendido sobre o leito, com suas pesadas cortinas de brocado e seda, agora abertas e seguras mediante cordões dourados. Depois olhou para a parede oposta do quarto. Sabia que Gina devia estar do outro lado. Um servo tinha lhe passado essa informação, além de lhe dizer que Gina tinha entrado em seu dormitório apenas por alguns minutos, depois de pedir que a despertassem ao término de três horas, para tomar um banho e escolher as roupas que houvesse disponíveis para ela, a qual vestiria para a festa.
A lembrança do aspecto que oferecia Gina enquanto dormia, com o cabelo esparramado sobre o travesseiro e a pele nua e acetinada que parecia brilhar sobre a luz, o fez sentir necessidade da proximidade de seu corpo. Sacudiu a cabeça e fechou os olhos. Decidiu que era muito mais prudente esperar depois da festa para deitar-se com sua esposa. Precisaria empregar alguma persuasão para induzi-la a cumprir com esta parte de seus votos matrimoniais. Harry não abrigava a menor dúvida a respeito, e nesse momento não se encontrava no melhor estado mental para abordar semelhante questão.
Uma vez que ela tenha relaxado com o vinho e a música, a levaria para cama. Tanto faz se estivesse disposta ou não, faria amor, essa noite e todas as vezes que estivesse com vontade. Simples assim, pensou energicamente. Mas a última lembrança que cruzou sua mente antes de adormecer foi a de sua linda e impertinente esposa, que sustentava os dedos de ambas as mãos no alto e lhe informava com altiva superioridade: “Quarenta são todos estes…”
Agradecimento especial:
Nanny Black: a cara da Gina deve ter sido hilario de se ver. Espero que goste do capitulo e principalmente da zombação da ruiva. Abraços.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!