Capítulo Único

Capítulo Único



Broken


 


 


 


 


            Os carros passavam apressados lá embaixo, as pessoas se amontoavam pelas ruas. Mais um dia de trabalho chegando ao fim. Não fazia muita diferença agora. Não se lembrava desde quando não fazia diferença mais. Seus olhos apenas vagavam, absortos, vazios, seguindo os pontinhos cinzentos na calçada.


            A temperatura chegava aos 5°C. Não que ele tivesse notado isso também. Ninguém o tinha avisado pra colocar as luvas antes de sair de casa ou deixar uma blusa a mais separada pra que ele vestisse. Isso também não importava. O céu que ficava grafite na sua frente não importava. A respiração que condensava no vidro da janela não importava.


            Sentiu um suspiro longo e cansado deixar seus lábios, pra então se virar e encarar a sala vazia. Ninguém para avisá-lo que o expediente acabara. Se ainda tivesse alguém ali.


            Pegou o molho de chaves em seu bolso esquerdo e trancou as gavetas da escrivaninha. Vestiu o casaco, que já nem sabia mais a cor, enquanto seus passos ecoavam silenciosos no carpete marfim. Aquilo era marfim, certo? Não sabia mais.


 


 


 


 


            Tentar andar no meio de tanta gente pelas calçadas era realmente difícil, ainda mais quando as mesmas corriam para se abrigar do frio e da neve. A paisagem de casacos e sobretudos pretos e cinzas enfeitava sua vista. Seus olhos não enxergavam realmente o que vinha adiante. Deixava apenas que seus pés fizessem o serviço, levando-o pra casa.


 


“Casa”. Era assim que ela costumava referir-se àquele lugar.


 


 


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            Assim que passou pela porta o ar quente bateu em seu rosto, provocando um choque térmico. Tinha certeza que seus lábios e dedos estariam roxos. O simples ato de trancar a porta demorava o dobro do que demorava antes. Seus movimentos eram metódicos, presos, tornara-se um robô sem notar.


            Não se deu ao trabalho de abrir as cortinas. Elas estavam do mesmo jeito, não sabia mais há quanto tempo.


            Seguiu direto pelo corredor até o quarto. Abriu a porta com cuidado. Tornara-se um hábito. Também não se deu ao trabalho de fechá-la. Não havia ninguém na sala, ouvindo alguma música no volume máximo.


            Sua respiração já era alta o suficiente. Nenhum outro barulho. Apenas tirou os sapatos e sentou-se na cama, recostando-se na cabeceira. Os olhos passeando por ali, nada vendo, enfim. Nada de cacos de vidro no chão. E já não havia mais o cheiro de lavanda e cigarro. O computador desligado.


            Seu rosto já era sombras, enquanto a última luz do dia sumia.


 


 


Eu queria que você soubesse que eu adoro o jeito que você sorri
Eu quero te abraçar bem forte e levar sua dor pra bem longe
Eu guardo sua foto, e eu sei que ela me ajuda bastante
Quero te abraçar bem forte e roubar sua dor


 


 


 


            Seus olhos se voltaram à mesinha de cabeceira. O porta-retratos sem vidro o encarava, enquanto a foto nublava seus olhos cinzentos. Há quanto tempo não via aqueles All Stars vermelhos? Desde quando o cheiro de cigarro tinha sumido?


            Não sabia.


            Quantas vezes tentara roubara aquela dor? Das maneiras mais erradas possíveis, disso ele sabia.


            No escuro que o afogava agora dava pra ver todas as falhas. Sempre, sempre. Sempre fazendo a coisa errada. As coisas erradas na hora errada. Mesmo quando não as queria. E sua mania de ferir e magoar, quando tentava ferir a si mesmo. Causar-se um real motivo pra tanta dor.


            Por que seus amigos de longa data já não lhe serviam mais. E ele fingia acreditar na realidade nublada diante de seus olhos.


            Como roubar uma dor que não era sua? Como roubar aquela dor que ele mesmo provocara...


            Na falta da luz seus olhos pesaram. Caindo, caindo. Aquela realidade distorcida, como das outras vezes. Juntando os cacos.


 


 


 


“Porque eu fico em pedaços quando estou solitário
E eu não me sinto bem quando você vai embora”


 


 


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            A água quente do chuveiro tinha o acordado, e agora seus pés queimavam no chão gelado do corredor. Os braços ao redor do corpo. Os fios loiros escurecidos pela água caíam nos olhos.


            Draco acendeu a luz da sala e ela lhe feriu. As pálpebras se abriam e fechavam, acostumando-se à claridade repentina. Passou direto pelo sofá em direção ao bar anexo. Olhando com cuidado a tão apreciada coleção. Seus dedos se prenderam a uma das garrafas e ele a retirou, pegando um copo que estava próximo. Rumou ao sofá dessa vez e se acomodou de qualquer jeito. Não fazia diferença. Não agora.


 


 


“Você se foi pra longe, e não me sente mais aqui”


 


 


            Ligou a tv em um canal qualquer. Apenas imagens borradas passando em sua frente. Encheu o copo e abandonou a garrafa na mesinha de centro. Flashes dolorosos que se faziam recentes a cada dia que passava.


            Em alguma gaveta, dentro de algum armário, a pequena flor jazia, esperando enquanto as pétalas secavam e caiam. A mancha do uísque derramado ainda estava lá no tapete. Que ele não sabia mais a cor.


            Além do cinza de seus próprios olhos era difícil enxergar qualquer outra. Era trabalhoso demais enquanto seus olhos cansavam.


            As imagens ainda passavam, borradas. Sons distantes. Não importava.


 


 


 


“O pior já passou e nós podemos respirar de novo
Eu quero te abraçar bem forte, e mandar minha dor pra longe
Há muita coisa que foi deixada de aprender, e ninguém contra quem lutar
Eu quero te abraçar bem forte e roubar sua dor”


 


 


 


 


            O copo cheio que pendia de sua mão esquerda. Seu olhar se fixava. Não dava mais pra se afogar agora. Toda a graça sumira. Não havia sentido na fuga desenfreada e irracional. O líquido dourado não brilhava aquela altura. E a vontade de solta-lo no chão era quase grande demais.


            Mas não queria mais manchas. Já não precisava de mais nenhuma além das inúmeras invisíveis que se prendiam por algum lugar. Tão fortemente agarradas. Dissolvendo a cor de todas as coisas.


 


 


            Colocou-o também na mesinha e sucumbiu à vontade de deitar-se. Não sabia que horas eram. Muito menos o que tinha diante de si. Seu estômago embrulhava, não pela fome. E seu estado febril era tão psicológico que chegava a ser real. Era impossível manter a barreira durante as 24 horas. Juntando os cacos. Caindo.


 


 


 


“Porque eu fico em pedaços quando fico exposto
E eu não me sinto como se eu fosse forte o bastante
Porque eu fico em pedaços quando estou solitário
E eu não me sinto bem quando você vai embora

Porque eu fico em pedaços quando fico exposto
E eu não me sinto como se eu fosse forte o bastante
Porque eu fico em pedaços quando estou solitário
E eu não me sinto bem quando você vai embora”


 


 


 


 


            Há muito já desistira de tentar ser forte. Era algo contra o qual não havia discussão. Não conseguia mais lutar contra seus inimigos invisíveis. Sair do poço onde se atirara inutilmente.


            E lá fora a neve caía sobre a rua, sobre os prédios, sobre o carro. Enquanto ele se perdia em algum lugar.


            Perdera a conta de quanto tempo gastou procurando-a. Perdera a conta de quanto tempo perdeu por toda sua vida.


            Fazendo a coisa errada. E errando de propósito. Seus pecados eram maiores do que podia suportar. Sempre, sempre. Caindo no poço. Caindo no líquido dourado. Caindo em si mesmo, onde não tinha como escapar.


            Pelo seu orgulho arrogante. No cheiro do cigarro que empestiava a sala e o quarto. Sempre. Doía demais encostar no travesseiro.


 


 


 


“Porque eu fico em pedaços quando fico solitário
E eu não me sinto bem quando você vai embora”


 


 


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            As listras coloridas enchiam a sala. Escuro. E o barulho seco e baixo se assemelhava a um aparelho de hospital. A linha contínua se esgueirando por seus ouvidos. Começara a achar que também já não ouvia. Já não falava. Tampouco achava que as lágrimas e a respiração condensada poderiam mudar a íris monocromática que se seguia. Sempre, sempre. Caindo. Caindo.


 


 


 


 


“Você se foi, você não me sente mais.”


 


 


 


 


 


 


 


 


N/A: Capítulo pequeno eu sei....mas apenas tentei mostrar o lado dele...não é bem uma continuação, mas acho que essa história ainda pode ser trabalhada...


Se vcs realmente gostarem.....quem sabe


 


 


Obrigada a todos os leitores!Amo vcs!


e comentem porfavor! preciso saber se vcs gostam ou não do q eu escrevo...Críticas e elogios...


Espero ter conseguido expressar os sentimentos dele claramente...


 


 


mais uma vez obrigada!


Beijosss!!!!!

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