CAPÍTULO IX – Desconfianças

CAPÍTULO IX – Desconfianças



CAPÍTULO IX – Desconfianças


 


Era sir Harry.


Hermione suspirou, aliviada. Porém, antes que tivesse tempo de chamá-lo, ou de sair de seu esconderijo, um outro pensamento lhe ocorreu. Sir Harry dissera que a encontraria ali, à uma hora, como de costume. O que ele estaria fazendo lá, quase duas horas antes?


Uma dolorosa pontada de desconfiança atravessou-lhe o peito. Teria ele chegado mais cedo, na intenção de procurar sozinho pelas cartas?


Hermione não considerou o motivo pelo qual tal traição da parte de sir Harry provocava tamanho sofrimento. Limitou-se a observá-lo, desolada, o coração disparado, enquanto ele olhava em volta.


- Srta. Granger? – Harry chamou, erguendo o lampião acima da cabeça. – Hermione?


Ela esperou em silêncio.


- Diabos! – Sir Harry praguejou. – Onde ela se meteu? Hermione!


O silêncio que se seguiu foi profundo. Tanto, que Hermione temeu que ele ouvisse a sua respiração. Então, ele voltou a praguejar e começou a descer a escada.


Ele estava indo embora, sem ter procurado pelas cartas! O peito de Hermione, tão apertado momentos antes, pareceu prestes a explodir de felicidade. Ela se levantou de um pulo e abandonou o esconderijo.


Harry virou-se e, ao vê-la, não escondeu a irritação.


- Hermione! O que está fazendo? Por que não respondeu, quando chamei? Estava se escondendo?


Ao mesmo tempo em que ele voltou a subir os degraus, Hermione aproximou-se. Sentia-se tola, tanto por ter ficado tão assustada, quanto por ter suspeitado das intenções de sir Harry.


- Sim. – admitiu embaraçada. – Eu estava sozinha e ouvi alguém subindo a escada... Fiquei um pouco assustada.


- Com razão. – ele retrucou em tom rude, embora tomasse a mão dela e a apertasse com força. – Onde estava com a cabeça, quando decidiu vir sozinha até aqui, sabendo que alguém tem rondado a propriedade? Não acreditei quando o mordomo de sua tia disse que você havia saído para visitar Chesilworth!


- Esteve na casa de tia Ardis?


- Sim. Eu tinha de fazer uma visita de cortesia pela festa que me ofereceram, ontem à noite. Para ser sincero, calculei que, se chegasse cedo, encontraria mãe e filha ainda dormindo. E, também, imaginei que teria a oportunidade de conversar com você em um lugar mais agradável e menos abafado do que este sótão.


Hermione não conteve um sorriso.


- Está insinuando que não considera este aposento elegante?


- A verdade, Srta. Granger – ele respondeu com ar teatral - é que qualquer aposento se torna elegante, quando a senhorita se encontra dentro dele.


Ela riu e voltou ao baú que estivera examinando. Era incrível como passara a se sentir bem, depois de descobrir que suas suspeitas sobre sir Harry eram infundadas.


De boa vontade, Sir Harry pôs-se a trabalhar no baú ao lado. Enquanto examinavam as antiguidades, riam e conversavam. Quando ele retirou do baú um traje masculino, Hermione sentiu o coração acelerar.


Era o mesmo tipo de roupa usada por Richard Granger, lorde Chesilworth, pai de Margaret, em um retrato pendurado na galeria dos antepassados, no segundo andar.


Ansiosa, ela foi se ajoelhar ao lado de Harry, observando atentamente cada objeto que ele retirava do baú. Infelizmente, tudo o que havia eram roupas e Hermione emitiu um suspiro desanimado.


- Ao menos, estamos chegando perto. – Harry encorajou-a. – Vamos ao próximo baú.


Para isso, tinha de afastar uma poltrona pesada e, quando o fez, descobriu que havia uma caixa de metal escondida sob ela.


Hermione puxou a caixa, encarregando-se do exame de seu conteúdo, enquanto Harry dedicava-se ao referido baú. Ao virá-la, ela descobriu que um cadeado prendia o fecho. Não fazia idéia de onde encontrar a chave e quase deixou a caixa de lado. No entanto, não pôde deixar de pensar que aquele seria o recipiente ideal onde proteger cartas, ou objetos de valor, dos efeitos do tempo. Olhou em volta, à procura de um instrumento com o qual pudesse quebrá-lo. Finalmente, avistou um atiçador de brasas.


Depois de tentar quebrar o cadeado várias vezes, em vão, pediu ajuda a sir Harry. Mesmo sendo muito mais forte, ele também encontrou dificuldade, mas acabou conseguindo.


Hermione ergueu a tampa e deparou com um livro de contabilidade. Abriu-o e sobressaltou-se ao constatar a data: onze anos depois da fuga de Margaret com seu amante. Com cuidado, deixou o livro de lado e foi retirando os demais documentos, um a um. Encontrou notas de venda de cavalos e gado, todas realizadas nos anos seguintes ao casamento frustrado de Margaret.


Retirou uma escritura de terras e, então, sobre outro livro de contabilidade, estava um pacote de cartas, amarradas por uma fita preta. Nos envelopes, estava a caligrafia já tão familiar a Hermione.


Foi com mãos trêmulas que ela retirou o pacote de dentro da caixa.


- Harry...


Ele se virou e, ao deparar a expressão no rosto de Hermione, aproximou-se rapidamente.


- Meu Deus! São as cartas de Margaret?


Hermione assentiu, antes de falar com voz também trêmula:


- Esta é a caligrafia dela. Mal posso acreditar. Estas são as cartas que Margaret Granger enviou ao pai!


- É tudo verdade. – sir Harry declarou surpreso. - E difícil acreditar... Os diários, as cartas, o mapa... é tudo verdade.


Hermione estreitou os olhos.


- Está dizendo que ainda não acreditava?


Estavam sentados à sombra de um grande carvalho, em frente à Mansão Chesilworth, depois de terem devorado o lanche que Hermione levara consigo. O pacote de cartas encontrava-se ao lado de Harry e, de quando em quando, ele as tocava, como se precisasse se convencer de que eram mesmo reais. Haviam aberto as cartas, rompendo o lacre de cada envelope. Tratava-se de uma seqüência tocante de tentativas de uma filha em se reconciliar com o pai inflexível. Hermione concluiu que, se o lorde estava mesmo determinado a não fazer as pazes com Margaret, acertara em não abrir as cartas, pois elas teriam derretido até mesmo um coração de pedra. Só de passar os olhos por elas, à procura de alguma menção ao mapa, Hermione ficara com os olhos cheios de lágrimas.


- Não, eu não acreditava. – sir Harry confessou. - Talvez eu desejasse que fosse verdade e, depois que o intruso invadiu Chesilworth, achei que os diários poderiam ser verdadeiros, mas nunca cheguei a acreditar que as cartas continuariam aqui, depois de tanto tempo, ou que uma delas continha o mapa do tesouro.


- Algo parecido com um mapa do tesouro. – Hermione corrigiu-o, voltando a abrir o papel amarelado sobre a saia.


Sir Harry espiou por cima do ombro dela.


- Continua não fazendo o menor sentido. – comentou. O papel apresentava linhas desenhadas aqui e ali, além de um quadrado que Hermione acreditou indicar um edifício, com uma seta apontando na direção contrária. Em dois pontos, havia números. Em outro, a palavra “Littlejohn”. A letra “N”, escrita em um lado foi interpretada ,por Hermione e Harry, de comum acordo, como Norte.


- Eu sei. – Hermione suspirou. – Eu esperava encontrar alguma informação que nos desse ao menos uma pista da localização do tesouro, mas... Margaret fez um excelente trabalho.


- Espero que, quando encontrarmos a outra metade, isto é, se a encontrarmos, tudo se esclareça. Seria terrível descobrirmos dois mapas incompreensíveis.


- O outro mapa deve conter a chave deste. Não acredito que uma mulher que escrevia tão bem, fosse capaz de desenhar um mapa sem sentido. Acho que o detalhe mais importante é “Littlejohn”. Existe algo, perto de sua casa, chamado Littlejohn?


- Claro! – Harry respondeu com uma risada. - O problema é que existem coisas demais chamadas Littlejohn. Trata-se de um nome comum, na região. Várias famílias têm o sobrenome Littlejohn, assim como uma campina, um riacho, ou melhor, dois riachos. E, claro, uma estrada onde moram dois ou três membros de uma das famílias Littlejohn também se chama Littlejohn, por uma questão de conveniência.


Com um gemido, Hermione dobrou o mapa e guardou-o.


- Tenho certeza de que decifraremos o mistério, quando encontrarmos o outro mapa. Simplesmente, recuso-me a perder a esperança. – Sorriu. – Especialmente hoje, quando encontramos o que eu quase desisti de encontrar.


Harry inclinou-se, até que seus rostos ficassem a poucos centímetros de distância. Hermione fitou-o nos olhos, que se tornavam dourados à luz do sol. Queria que ele a beijasse de novo, mas tratou de afastar-se.


- É melhor irmos embora. – falou, começando a levantar-se. – Temos muito o que fazer, agora que encontramos o mapa.


- Claro. – ele concordou relutante. – Vou acompanhá-la até sua casa. Precisamos tomar as providências para a sua ida à Mansão Haverly.


Desamarrou o cavalo para conduzi-lo pelas rédeas até a Mansão Moulton.


Hermione sentiu o peito inflar de felicidade, diante da perspectiva de viajar com sir Harry até a casa dele.


Disse a si mesma que tal reação devia-se à possibilidade de encontrar o segundo mapa.


- Sim, claro. Quando poderemos partir?


- De quanto tempo você precisa para fazer as malas? - Ela sorriu.


- Isso posso fazer esta noite. Não costumo carregar dezenas de baús em minhas viagens.


Sir Harry fitou-a com ar surpreso. A mãe dele era incapaz de se preparar para uma viagem a Londres, ou a Bath, em menos de uma semana.


- Duvida? – Hermione desafiou com um sorriso. Ele riu.


- Não! Só um tolo lhe lançaria um desafio como esse. Você seria capaz de passar a noite em claro, só para provar que estou enganado.


Quando chegaram na Mansão Moulton, encontraram tia Ardis e Joanna sentadas na sala. Tia Ardis levantou-se, com um sorriso largo.


- Sir Harry! Que surpresa agradável!


Estendeu a mão para ele e lançou um olhar fulminante para Hermione, quando Harry inclinou-se. Hermione sabia que a tia estava furiosa, não só por descobrir que sir Harry estivera na companhia da sobrinha, mas também porque, como Hermione o fizera entrar sem ser anunciado, Ardis e Joanna não haviam tido a chance de se embelezarem para recebê-lo.


- Ora, prima, onde foi que encontrou um acompanhante tão maravilhoso? – Joanna perguntou com um sorriso falso.


- Nós nos encontramos quando eu voltava de um passeio. – Hermione respondeu depressa, temendo que a tia se pusesse contra ela, ao saber que Hermione passara horas com sir Harry. Na verdade, já temia que sua ida à Mansão Haverly encontrasse obstáculos. - Sir Harry estava chegando da cidade.


- É verdade. Vim agradecê-las pela festa maravilhosa de ontem à noite. – Harry confirmou.


Passou alguns minutos elogiando a comida, os convidados e a decoração, até tia Ardis e Joanna esquecerem completamente da sua irritação pelo fato de ele ter chegado junto de Hermione.


- Também vim por causa de uma carta que recebi de minha mãe, esta manhã. – acrescentou em tom casual.


- Como vai sua simpática mãe? – tia Ardis perguntou, como se conhecesse a outra mulher há anos, quando na verdade, jamais a vira.


- Muito bem, obrigado. Ela escreveu para dizer que ficou feliz pela minha decisão de passar por Dunsleigh, a caminho de casa. E pediu que a senhora dê sua permissão para que eu acompanhe a srta. Granger em uma visita à Mansão Haverly.


A expressão sorridente de Ardis pareceu congelar-se por um momento..


- Srta. Granger. – repetiu, parecendo atordoada. – Hermione? Sua mãe convidou Hermione para visitá-la?


- Sim. Como a senhora deve saber, minha avó e a avó da srta. Granger foram amigas.


Hermione ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada, esperando que tia Ardis simplesmente se recusasse a admitir que não sabia de algo tão importante.


- E mesmo? – a mais velha replicou em tom vago.


- Sim. Na verdade, foram muito amigas. Minha avó gostaria muito de conhecer a neta de alguém que lhe foi tão querida. Por isso, minha mãe pediu que eu leve a srta. Granger para uma visita.


- Não pode levar Hermione! – Joanna explodiu furiosa.


- Não posso? – sir Harry fitou-a com ar desdenhoso. Percebendo a mudança na expressão dele, tia Ardis falou depressa:


- Pobre Joanna. Ela ficaria desolada sem a prima. As duas são inseparáveis. Mas estou certa de que o convite de lady Potter se estende a nós, também, Joanna. Afinal, ela não pode esperar que uma jovem solteira viaje sozinha, para visitar uma família que ela nem conhece. Ora, eu jamais permitiria que Hermione viajasse com um cavalheiro, sem companhia apropriada.


Exibiu um sorriso para Harry, que compreendeu de pronto a ameaça velada. Ardis Moulton não daria permissão para que Hermione fosse à Mansão Haverly, se ela e Joanna não fossem com eles. E, claro, sir Harry não poderia levá-la sem permissão, pois isso criaria um escândalo enorme.


Assim, ele retribuiu o sorriso.


- Peço perdão se me expressei mal, Sra. Moulton. Minha mãe convidou a família inteira. A senhora, a Srta. Moulton, lorde Chesilworth, master Hart e a Srta. Olívia. Minha avó quer conhecer todos os netos da amiga.


- As crianças? – tia Ardis repetiu em tom estridente. – O senhor deve estar brincando! As crianças não têm idade para viajar.


- Eles têm doze e catorze anos, que é a idade certa para fazer uma viagem. Se não me engano, era a minha idade, quando meus pais me levaram a Londres, pela primeira vez.


Hermione teve de morder o lábio para não rir na expressão de ultraje no rosto da tia. ..


- Ora, sir Harry, eu... Bem, não haveria espaço para todos, na carruagem. Seis pessoas... e crianças são inquietas e barulhentas. Meus nervos não suportariam.


- Sra. Moulton, – ele replicou com voz aveludada – eu jamais a submeteria a tamanho sacrifício. Os Grager viajarão em minha carruagem. Assim, a senhora e sua filha terão a carruagem Moulton só para si. E eu, claro, irei a cavalo.


Ardis fitou-o desconsertada.


- Muito bem, está tudo acertado. – ele concluiu, tomando o silêncio dela por concordância. – Quando podemos partir, senhoras? Amanhã, de manhã?


- Amanhã! Seria impossível... – Ardis parou e sorriu. – Ah, já entendi! O senhor está brincando conosco! Sabe que nós, mulheres, jamais podemos nos preparar para uma viagem, em menos de três dias.


Hermione cerrou os dentes. Já era ruim o bastante o fato de a tia ter conseguido infiltrar-se, juntamente com Joanna, naquela viagem. Atrasar a partida, quando Hermione mal podia conter a ansiedade de encontrar o mapa, era demais!


- Ah, não, titia! Não será necessário esperarmos tantos, se eu ajudar a senhora e Joanna com as malas. Tenho certeza de que estaremos prontas para partir, depois de amanhã.


Hermione sabia que, de uma maneira ou de outra, a maior parte do trabalho ficaria sob sua responsabilidade. Joanna e a mãe só dificultariam a tarefa, mudando de idéia várias vezes sobre que roupas levar.


- Excelente! – sir Harry sorriu para tia Ardis. – Partiremos depois de amanhã. Agora, se me dão licença, também tenho muitas providências a tomar.


Harry não explicou que a primeira das providências seria escrever uma carta para a mãe, informando-a da chegada iminente de seis desconhecidos, para uma visita de duração indefinida. E, também, para informar a avó de que ela acabara de adquirir uma amiga falecida, cujos netos ela estava ansiosa para conhecer.


Sir Harry mal atravessara a soleira da porta, quando Joanna partiu para o ataque:


- Por que ele convidou você, Hermione? O que você fez para que ele a convidasse?


- Não fiz nada. - Hermione respondeu com ar inocente. – Tudo aconteceu porque a minha avó era amiga da dele.


- Nunca ouvi nada sobre isso- – tia Ardis comentou, desconfiada. – Aliás, quem ouviu falar de um Potter amigo de um Granger?


- Isso foi há tanto tempo, que já não tem importância. – Cassandra falou em tom casual. – Além do mais, tenho certeza que elas foram amigas antes de se casarem. Deve ser por isso que a avó de sir Harry ficou tão ansiosa por nos conhecer, pois perdeu contato com minha avó, quando uma delas se casou com um Potter, e a outra, com um Granger.


A tia não pareceu convencida.


- Por que você nunca me contou nada sobre essa amizade?


- A verdade, titia, é que eu não sabia de nada, até sir Harry me contar, esta tarde. Eu não fazia idéia de que vovó era amiga de uma Potter. Bem, é claro que ela não desejaria discutir algo assim em nossa família.


Hermione gostaria que Harry a houvesse informado sobre a mentira que contaria, antes de contá-la.


- Pois tudo isso está me parecendo muito suspeito.


- Ora, por que sir Harry inventaria uma história como essa? Não vejo outra razão para ele convidar minha família para visitar a Mansão Haverly.


- Isso é verdade. – a tia concordou, embora continuasse fitando a sobrinha com desconfiança.


Hermione decidiu escapar, antes que a tia Ardis a bombardeasse com outras perguntas difíceis. Pediu licença e saiu da sala, subindo a escada apressada, ansiosa para dar a notícia aos irmãos.


 


Hermione dobrou o último de seus vestidos e colocou-o no baú, fechando a tampa com um suspiro cansado. Depois de conversar com os irmãos, que haviam ficado mais excitados do que ela imaginara com a notícia da descoberta das cartas e quase igualmente entusiasmados com a perspectiva de visitar a casa de sir Harry, ela passara o resto do dia preparando-se para a viagem..


Além da própria bagagem, teve de supervisionar os preparativos de Olívia e dos gêmeos, uma vez que os três seriam capazes de incluir itens como bastões de críquete e coleções de borboletas, e se esquecerem das roupas de baixo. Também precisou deixar instruções relativas à administração da casa, enquanto estivessem fora, e observar de perto o trabalho das criadas, na preparação da bagagem da tia e da prima.


Tal tarefa tornara-se particularmente difícil, uma vez que Joanna mudava de idéia a todo instante, sobre que vestidos levar. E, claro, cada vestido necessitava dos sapatos e acessórios adequados. Além disso, Joanna, como sempre, não suportava deixar nenhum de seus adorados chapéus para trás. Foi preciso muita sutileza, paciência e certa dose de crueldade, para reduzir o número de caixas de chapéus a três.


Embora houvesse acabado de fechar seu baú, Hermione ainda tinha outras coisas a fazer, antes de ir se deitar. Em primeiro lugar, precisava fazer cópias do mapa que haviam encontrado. Temia, não só perder o documento precioso, mas também, que o papel frágil se rasgasse nas dobras. Acabariam destruindo o mapa se continuassem dobrando e desdobrando o papel amarelado, como certamente fariam, na tentativa de solucionar o mistério. Por isso, ela planejara colocar uma folha de papel fino sobre o documento e copiar a informação contida nele.


Quando atravessava o quarto para trancar a porta, sobressaltou-se com uma batida na mesma. No instante seguinte, a porta se abriu, antes que ela tivesse a chance de responder, e sua tia entrou.


Vestindo um robe de cetim azul, a pele engordurada por algum tipo de creme e papelotes nos cabelos, tia Ardis era uma figura realmente impressionante.


- Tia Ardis, posso ajudá-la? – Hermione perguntou, surpresa por vê-la acordada tão tarde.


- Não, querida. Eu vim ajudá-la.


- Ajudar-me? De que maneira?


- Você é como uma filha para mim, Hermione. Tenho certeza de que sabe disso.


Hermione murmurou algo incompreensível, enquanto conduzia a tia à única cadeira do quarto. Então, puxou o banquinho da penteadeira e sentou-se.


- Estou preocupada apenas com o seu bem, minha querida. – Ardis começou.


Hermione ficou apreensiva, temendo que a tia a proibisse de ir à Mansão Haverly.


- Sinto-me na obrigação de adverti-la sobre sir Harry.


Por um momento, Hermione não sabia o que dizer.


Teria tia Ardis descoberto sobre os mapas? Sobre o tesouro? Estaria ali para dizer que Harry a trairia?


- Do que está falando, titia?


- Você pode não ser mais jovem, Hermione, mas sei que não tem experiência nas coisas do mundo. Por isso, ainda não percebeu o que um homem como sir Harry procura.


Ora, tia Ardis não se referia ao tesouro!


- Está tentando me dizer que sir Harry é um libertino? - A mais velha balançou a cabeça com ênfase.


- Exatamente. Sei que, normalmente, você é a moça mais sensata que já conheci, mas um homem como sir Harry... bonito, charmoso, sedutor... bem, ele seria capaz de virar a cabeça de qualquer mulher.


Hermione sentiu o rubor aquecer-lhe as faces e amaldiçoou a pele clara, que sempre a traía. Ora, a tia pensaria que ela acalentava sentimentos por sir Harry.


- Posso garantir que não vejo nele nada além de um... um amigo.


Ardis estreitou os olhos e disse:


- Espero que esteja dizendo a verdade. Sir Harry tem lhe dado pequenas atenções, desde que chegou aqui. Sei muito bem como uma garota que não está acostumada a esse tipo de coisa pode se deixar cegar.


- Uma solteirona como eu, é o que a senhora quer dizer. – Hermione falou, empinando o queixo.


- Céus! Não! Você é uma jovem adorável, mas só teve uma única temporada e seu pobre pai, que Deus o tenha, a educou de maneira tão estranha que... bem, ninguém esperava que você conseguisse um marido. Só estou tentando dizer que a sua falta de experiência pode levá-la a interpretar um elogio de sir Harry da maneira errada.


- Não tenho qualquer ilusão a esse respeito. Não acredito que sir Harry tenha qualquer afeto por mim. Pode ficar tranqüila quanto a isso.


- Não estou me referindo a afeto. Alguns homens perseguem uma mulher, não por gostarem dela, mas apenas na esperança de receber certos favores. Aproveitam-se dela, brincam com seus sentimentos, quando não têm a menor intenção de fazer qualquer oferta honrada.


- E sir Harry é esse tipo de homem?


- Ouvi alguns rumores...


- Rumores? Não tem certeza de nada?


- Quando se ouve os mesmos rumores muitas vezes, de muitas fontes diferentes, creio que não se deve ter dúvidas com relação à verdade contida neles. Dizem que ele mantém uma amante na cidade.


- Muitos homens fazem isso. – Hermione colocou-se na defensiva. – Afinal, ele não é casado.


- Sim, mas ouvi dizer que ele persegue mulheres o tempo todo, que é um homem dominado pelos apetites mais vulgares. Na festa de lady Arrabeck, ouvi até... – Ardis baixou a voz para um sussurro. – Ouvi que ele mantém uma casa para seus bastardos, perto da Mansão Haverly.


- O quê? A senhora não pode estar falando sério! - A tia balançou a cabeça vigorosamente.


- Estou. Também não pude acreditar, quando soube. Achei que seria atrevimento demais, mas lady Arrabeck não disse uma palavra em contrário. A Sra. Livenham, que me contou isso, jurou ser verdade. Ela diz que ele tem uma casa repleta de filhos ilegítimos, com uma enfermeira para cuidar deles. Disse que são seis, ou sete.


- Sete!


- Isso mesmo. Se um homem tem tantos filhos nascidos em pecado, e que ele reconhece como seus e até mesmo sustenta, devem existir outros. E está muito claro que as infelizes mães dessas crianças não são todas atrizes, ou prostitutas, que ele mantém como amantes. Pelo que sei, mulheres sem moral sabem como evitar que essas coisas aconteçam. Quanto às mulheres casadas com quem ele se relacionam... bem, essas podem ter os filhos dele, dizendo serem dos pobres maridos traídos. O que significa que a maioria daquelas crianças é filha de jovens honestas como você, que foram seduzidas e arruinadas por ele.


- Não acredito nisso. – Hermione declarou. – Talvez ele mantenha amantes, mulheres da noite, mas não acredito que seja imoral a ponto de arruinar jovens inocentes!


- Ah... – tia Ardis sacudiu a cabeça com pesar. – Muitas vezes, o demônio aparece sob a forma de um anjo.


- Ele não faz questão de agradar. – Hermione argumentou. – Não escolhe apenas palavras doces. Muito pelo contrário, ele e eu discutimos o tempo todo.


Apesar de suas palavras, Hermione não pôde evitar a lembrança dos beijos de Harry, ou das mãos dele, passeando por seu corpo, despertando sensações que ela jamais imaginara existirem. Seriam as carícias dele tão prazerosas, justamente porque ele as aperfeiçoara com muitas outras jovens? Em uma coisa, tia Ardis estava certa: Hermione não tinha experiência alguma.


- Não entendo. – murmurou. – Se ele é um libertino imoral, por que encoraja sua própria filha a se associar com ele? Não tem medo que ele tente seduzi-la, também?


Tia Ardis soltou uma risadinha.


- Existe uma grande diferença entre a situação de Joanna e a sua. Joanna é uma jovem em idade de se casar, herdeira de uma bela herança. Quando um homem como sir Harry demonstra interesse nela, sabe que o resultado final será casamento. Mesmo que a seduzisse, a família dela o forçaria a casar-se.


- Como a senhora tentou forçá-lo, na festa de lady Arrabeck.


- Não sei de onde você tira essas idéias absurdas! Eu jamais poria Joanna em posição comprometedora, com homem algum. Quando uma moça está... ficando mais velha, quase uma solteirona, como você, e; pior, sem beleza ou fortuna, deveria estar claro que um partido como sir Harry Potter não está interessado em se casar com ela. Especialmente se considerar que você tem dois irmãos e uma irmã para criar. Que homem poderia querer carregar um fardo como esse? Você é exatamente o tipo de moça que esses homens perseguem.


Hermione levantou-se, furiosa.


- É muito bom ouvir a sua opinião sobre mim! Isso confirma tudo o que penso da senhora. Pode ficar tranqüila, pois sir Harry não tem qualquer interesse por mim, seja para me seduzir, ou para se casar. Assim como eu não tenho o menor interesse por ele, exceto por ele ser uma das pouquíssimas pessoas inteligentes com quem tive o prazer de conversar, desde que vim para esta casa. Recuso-me a acreditar que ele arruíne, deliberadamente, jovens inocentes, mas mesmo que fosse verdade, eu jamais seria apanhada nessa teia. Quanto aos meus irmãos, nem todo mundo considera crianças inteligentes e divertidas como sendo um fardo. É evidente que sir Harry gosta deles, uma vez que os convidou para visitar sua casa. O que, eu gostaria de acrescentar, ele não fez com a senhora, ou com Joanna!


- Ora! Nunca ouvi tamanha barbaridade! – tia Ardis também se pôs de pé, as faces coradas. – Depois de tudo o que fiz por você, tem a coragem de falar comigo nesse tom! E quando eu só estava tentando salvá-la da desgraça!


- E eu estava apenas dizendo a verdade!


- Vou lhe dizer uma coisa. Nunca vai encontrar um marido, se não aprender a controlar a língua!


- Não tenho o menor desejo de ter um marido que não suporte ouvir a verdade.


As duas fitaram-se por um longo momento. Então, Ardis marchou até a porta, sem olhar para a sobrinha.


- Estarei esperando por um pedido de desculpas, pela manhã. – declarou, antes de sair.


Hermione fez uma careta para a porta fechada. Sabia que teria de pedir desculpas. Por mais presunçosa e cruel que sua tia fosse, era uma parente mais velha, que merecia cortesia. Porém, o pedido de desculpas teria de esperar até a manhã seguinte, pois, no momento, Hermione fervilhava de raiva.


Não podia ser verdade! Hermione tinha certeza de que sir Harry não era uma criatura tão vil. Não acreditava que ele fosse capaz de deixar atrás de si um rastro de pobres virgens seduzidas e arruinadas. Talvez fosse dono de grande apetite. Sentiu uma onda de calor invadi-la, ao lembrar-se da própria experiência com tal apetite. Porém, não se tratava de um patife.


Ele não obteria prazer às custas do sofrimento alheio.


Não?


Pensou na noite em que ele a beijara. Certamente, sir Harry não agira como um cavalheiro, então. O que teria acontecido se Chumley não os tivesse interrompido?


E quanto às outras vezes? Tinha de admitir que o comportamento de sir Harry para com ela tivera sempre um caráter sexual. Seria isso um sinal de que ele pretendia seduzi-la e, então, abandoná-la?


Definitivamente, Hermione não sabia nada sobre os homens. Considerando o que as mulheres mais velhas diziam, eles perseguiam mulheres por apenas dois motivos: amor honrado, ou sexo imoral. E Hermione sabia que, por mais grosseira que tia Ardis fosse, estava certa ao dizer que ela era uma solteirona, sem beleza, nem dinheiro. O que não constituía a descrição de uma mulher que despertasse idéias de casamento nos homens.


Portanto, se sir Harry estava interessado nela, só poderia ser pelo sexo. Poderia ele ser tão baixo, tão cruel?


Hermione suspirou. Ainda não conseguia acreditar que sir Harry fosse um monstro assim. Ele não conversava com ela, ria com ela, fingindo gostar de sua companhia, só porque pretendia levá-la para a cama.


Porém, era impossível fazer calar a voz persistente que lhe perguntava: “Por que outra razão ele estaria interessado em você?”


 


 


 


Agradecimento especial:


 


natylindinha: capitulo postado garota, espero que goste.


 


 


 


 

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