CAPITULO 52 - JEOD PERNA-DE-PA
CAPITULO 52 - JEOD PERNA-DE-PAU
Se Rony soubesse ler, teria ficado mais impressionado com aquele tesouro em forma de biblioteca. Nessas circunstâncias, ele reservou sua atenção para o homem alto e grisalho, atrás de uma mesa oval. O homem - que Rony supôs ser Jeod - parecia tão cansado quanto ele. Seu rosto estava enrugado, aflito e entristecido e, quando se voltou na direção do grupo, sua cicatriz horrorosa ficou visível, ia do couro cabeludo até a têmpora esquerda. Para Rony, aquilo era um sinal de coragem no sujeito. Talvez desgastada e escondida, contudo, coragem.
- Sentem-se. - disse Jeod. - Não farei cerimônias dentro da minha própria casa. - Ele os observou com olhos curiosos enquanto se acomodavam nas poltronas de couro macias. - Vocês aceitam alguns doces e uma garrafa de conhaque de damasco? Não posso falar por muito tempo, mas vejo que vocês já estão na estrada há mais de uma semana e me lembro bem de como a minha garganta ficava seca depois de jornadas como essa.
Loring sorriu.
- Sim. Um pouco de conhaque cairia muito bem. O senhor é muito generoso.
- Só um copo de leite para o meu garoto. - disse Birgit.
- É claro, senhora. - Jeod chamou o mordomo, deu suas instruções e depois se recostou. - Estou em desvantagem. Acredito que vocês saibam o meu nome, mas eu não sei o de vocês.
- Martelo Forte, ao seu dispor. - disse Rony.
- Mardra, ao seu dispor. - disse Birgit.
- Kell, ao seu dispor. - disse Nolfavrell.
- E eu sou Wally, ao seu dispor. - concluiu Loring.
- E eu ao de vocês. - respondeu Jeod. - Agora, Rolf mencionou que vocês queriam fazer negócios comigo. É justo que saibam que eu não estou em posição de comprar ou vender mercadorias, não tenho ouro para investir, nem navios suntuosos para carregar lã e comida, jóias e temperos pelo mar agitado. O que, então, posso fazer por vocês?
Rony apoiou os cotovelos nos joelhos, depois entrelaçou os dedos e se concentrou para ordenar seus pensamentos. Um vacilo pode matar a todos nós, lembrou a si mesmo.
- Para ser direto, senhor, representamos um certo grupo de pessoas que por vários motivos, precisa comprar uma grande quantidade de suprimentos com pouco dinheiro. Sabemos que os seus pertences serão leiloados depois de amanhã para pagar suas dívidas, e gostaríamos de fazer um lance agora pelos itens dos quais precisamos. Nós esperaríamos até o leilão, mas as circunstâncias são urgentes e não podemos ficar aqui mais dois dias. Se vamos fazer algum negócio, tem que ser hoje à noite ou amanhã, não depois.
- De que tipo de suprimentos vocês precisam?
- Comida e seja lá o que for necessário para equipar um barco ou outra embarcação para uma longa viagem por mar.
Uma fagulha de interesse reluziu no rosto fatigado de Jeod.
- Você tem algum navio em mente? Eu conheço cada nau que navegou nessas águas nos últimos vinte anos.
- Ainda temos que decidir.
Jeod aceitou a resposta sem questionar.
- Entendo agora por que vocês vieram até a mim, mas temo que esteja havendo um mal-entendido. - Ele estendeu suas mãos envelhecidas, indicando a sala. - Tudo que você vê aqui não pertence mais a mim, e sim aos meus credores. Não tenho autorização para vender as minhas posses, e se o fizesse sem permissão, provavelmente seria aprisionado por passar a perna nos meus credores.
Ele parou de falar enquanto Rolf voltava para a sala, carregando uma enorme bandeja de prata, havia doces, taças de cristal, um copo de leite e uma garrafa de conhaque. O mordomo colocou a bandeja num tamborete acolchoado e logo começou a servir o lanche. Rony pegou sua taça e deu uns goles no conhaque adocicado, enquanto se perguntava quando as regras da educação permitiriam aos quatro pedir desculpas e sair em sua busca, novamente.
Quando Rolf saiu do recinto, Jeod tomou todo o conteúdo de sua taça num gole só, e depois disse:
- Posso não ter nenhuma utilidade para vocês, mas conheço um bom número de pessoas no meu ramo que poderiam... poderiam... ajudar. Se vocês me derem um pouco mais de detalhes sobre o que querem comprar, então terei uma idéia melhor de quem recomendar.
Rony não viu nenhum perigo nisso, então começou a recitar uma lista de itens que os aldeões precisavam coisas possíveis e coisas desejáveis que jamais teriam condições de comprar a não ser que a fortuna lhes sorrisse. De vez em quando Birgit ou Loring mencionavam algo que Rony havia esquecido - como querosene - e Jeod os encarava por alguns instantes antes de voltar seu olhar perscrutador para Rony, em quem permanecia com uma intensidade cada vez maior. O interesse de Jeod preocupava Rony, era como se o comerciante soubesse (ou suspeitasse) o que ele estava escondendo.
- Parece - disse Jeod quando Rony completou seu inventário - que esse número de provisões seria o suficiente para transportar algumas centenas de pessoas para Feinster ou Aroughs... ou mais além. De fato, eu tenho andado bastante ocupado nas últimas semanas, mas não ouvi falar de nenhuma multidão parecida nesta área, nem posso imaginar de onde uma turba assim poderia ter vindo.
Com o rosto lívido, Rony encarou Jeod, mas não disse nada. Por dentro, ele estava agitado, desdenhando de si próprio por ter permitido que Jeod acumulasse informações suficientes para chegar a essa conclusão.
Jeod encolheu os ombros.
- Bem, seja como for, isso é problema seu. Sugeriria que vocês fossem ver Galton. Na rua do Mercado para tratar da comida e o velho Hamill nas docas para tudo o mais. Ambos são homens honestos e os tratarão com sinceridade e justiça. - Esticando-se para frente, ele pegou um doce da bandeja, deu uma mordida e depois, quando terminou de mastigar, perguntou para Nolfavrell. - E então, jovem Kell, você gostou de sua estada em Teirm?
- Sim, senhor, - disse o rapaz, sorrindo. - Nunca vi nada tão grande assim.
- Sério?
- Sim, senhor. Eu...
Sentindo que estavam começando a trilhar um território perigoso, Rony interrompeu a conversa.
- Estou curioso para saber qual é a natureza da loja ao lado da sua casa. Parece estranho que haja uma loja tão humilde no meio de todos esses grandes prédios.
Pela primeira vez, um sorriso, mesmo que fosse tímido, fez o rosto de Jeod ficar mais radiante, subtraindo anos da sua aparência.
- Bem, ela era administrada por uma mulher meio esquisita: Angela, a herbolária, uma das melhores curandeiras que eu já conheci. Ela cuidou daquela loja durante vinte e tantos anos e depois, há poucos meses atrás, vendeu-a e partiu para um destino desconhecido. - Jeod suspirou. - E uma pena, pois ela era uma vizinha interessante.
- Era ela que Gertrude queria encontrar, não? - perguntou Nolfavrell, levantando os olhos na direção de sua mãe.
Rony conteve uma bronca e lançou um olhar de advertência contundente o suficiente para fazer Nolfavrell tremer em sua cadeira. O nome podia não significar nada para Jeod, mas a não ser que Nolfavrell fechasse a boca melhor, ele estaria propenso a deixar escapar algo ainda mais perigoso. É hora de ir embora, pensou Rony, enquanto largava a sua taça.
Foi aí que ele viu que o nome de fato significava algo para Jeod. Os olhos do comerciante se arregalaram, surpresos, e ele agarrou os braços de sua poltrona até a ponta de seus dedos ficarem brancos.
- Não pode ser! - Jeod se concentrou em Rony, estudando seu rosto como se estivesse tentando ver algo além da barba, até que respirou fundo e afirmou: - Rony... Rony Weasley.
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