CAPITULO 49 - NUMA CLAREIRA ES
CAPITULO 49 - NUMA CLAREIRA ESTRELADA
Harry estava sozinho quando acordou. Ele abriu os olhos e via o teto entalhado da casa da árvore. Lá fora, a noite ainda reinava e os sons dos festejos dos elfos pairavam oriundos da cidade que resplandecia lá embaixo.
Antes que ele notasse algo a mais do que isso, Saphira pulou para dentro de sua mente, irradiando preocupação e ansiedade. Passou para ele uma imagem dela ao lado de Islanzadí na Menoa, até que sua parceira lhe fez uma pergunta:
- Como você está?
- Sinto-me... bem. Melhor do que tenho me sentido há um bom tempo. Por quanto tempo eu...
- Só uma hora. Eu teria ficado com você, mas eles precisaram de Sirius, Glaedr e de mim para completar a cerimônia. Você devia ter visto a reação dos elfos quando desmaiou. Nada assim havia acontecido anteriormente.
- Foi você que provocou isso, Saphira?
- Não foi só um trabalho meu nem de Glaedr. As memórias da nossa raça, que receberam forma e substância através da magia dos elfos, o consagraram com seja lá qual for a destreza que nós dragões possuímos, por você ser a nossa melhor esperança para evitar a extinção.
- Não entendo.
- Olhe num espelho. - sugeriu ela. - Depois descanse, se recupere, que eu irei me juntar a você novamente ao amanhecer.
Ela partiu e Harry se levantou, alongou-se, pasmo com a sensação de bem-estar que o impregnava. Chegando ao banheiro, pegou o espelho que usava para se barbear e o colocou sob a luz de uma lanterna próxima.
Harry congelou, surpreso.
Era como se as inúmeras mudanças físicas que, ao longo do tempo, alteram a aparência de um Cavaleiro humano - as quais Harry já havia começado a experimentar desde que se uniu a Saphira - tivessem sido completadas enquanto ele estava inconsciente. Seu rosto agora era tão liso e anguloso quanto o de um elfo, tinha orelhas afiladas e olhos inclinados como os deles, e uma pele tão pálida quanto um alabastro e que parecia emitir um leve brilho, como se estivesse com o resplendor da magia. Eu pareço com um jovem príncipe. Harry jamais havia aplicado tal termo a um homem antes, quanto mais a si próprio, mas a única palavra que podia descrevê-lo agora era lindo. Contudo ele não era inteiramente um elfo. Seu maxilar era mais forte, suas sobrancelhas mais grossas, seu rosto mais largo. Ele era mais belo do que qualquer humano e mais vigoroso do que qualquer elfo.
Com dedos trêmulos, Harry tateou a região em torno da nuca em busca da sua cicatriz.
Não sentiu nada.
Harry tirou sua túnica e se retorceu todo em frente ao espelho para examinar suas costas. Ela estava tão lisa quanto antes da batalha de Farthen dûr. As lágrimas brotaram dos olhos de Harry enquanto ele deslizava a mão até o local onde Durza o havia aleijado. Ele sabia que suas costas nunca mais iriam incomodá-lo novamente.
Não foi apenas aquela marca brutal que ele optara por manter que havia sumido, todas as suas outras cicatrizes e imperfeições haviam desaparecido do seu corpo, deixando-o tão imaculado quanto um bebê recém-nascido. Harry olhou seu pulso, onde havia se cortado enquanto amolava a foice de Garrow. Não havia mais nenhuma evidência do corte. As cicatrizes irregulares na parte interna de suas coxas, vestígios de seu primeiro vôo com Saphira, também haviam desaparecido. Por um instante, ele sentiu falta delas como registros de sua vida, mas seu pesar não durou, assim que percebeu que os danos provocados por todos os ferimentos que já havia sofrido, independente do tamanho, haviam sido reparados.
- Eu me tornei o que estava predestinado a ser. - pensou ele antes de respirar fundo aquele ar inebriante.
Deixou o espelho cair em cima da cama e se vestiu com suas melhores roupas: uma túnica vermelha costurada com fios dourados, um cinto enfeitado com uma pedra de jade branca, perneiras quentes de feltro, um par de botas de pano usadas pelos elfos, e sobre os antebraços, pulseiras de couro que os anões haviam lhe dado.
Descendo da árvore, Harry vagou pelas sombras de Ellesméra e observou os elfos farreando no calor da noite. Nenhum deles o reconheceu, embora o tivessem cumprimentado como um dos seus e o convidado para partilhar de suas folias desregradas.
Harry vagava num estado de consciência elevada, seus sentidos rufando com a multidão de novas imagens, sons, cheiros e sentimentos que o assaltavam. Ele podia enxergar na escuridão que o teria deixado cego antes. Podia tocar numa folha e, só pelo tato, contar os pêlos que nela cresciam. Podia identificar os odores que o vento trazia para perto de tão bem quanto um lobo ou um dragão. E podia ouvir os ruídos dos tos na vegetação rasteira, assim como o barulho que um pedaço de casca de árvore fazia quando caía na terra, a batida de seu coração era um tambor para ele.
Seu caminho incerto o levou até a Menoa, onde ele parou para observar Saphira em meio às festividades, embora não tivesse se revelado para aqueles que estavam na clareira.
- Aonde você vai, pequenino? - perguntou ela.
Ele viu Gina se levantar de onde estava, ao lado da mãe, seguir por entre os elfos que estavam reunidos e então, como uma fada da floresta, deslizar por baixo das árvores mais distantes.
- Eu ando entre a luz de vela e a escuridão. - respondeu ele antes de seguir Gina.
Harry rastreou a elfa através do seu perfume delicado de folhas de pinheiro moídas, do toque suave de seu pé no chão e da tontura provocada por seu rastro no ar. Ele a encontrou em pé e solitária na beira de uma clareira, com a postura de uma criatura selvagem, enquanto observava as constelações mudando no céu.
Enquanto Harry aparecia, Gina o olhou e ele sentiu como se ela o estivesse vendo pela primeira vez. Seus olhos se arregalaram e ela sussurrou:
- E você, Harry?
- Sim.
- O que fizeram com você?
- Não sei.
Ele foi até onde estava a elfa e juntos os dois vagaram pela mata densa, que ecoava com os fragmentos de música e vozes procedentes das festividades. Mudado como estava, Harry estava intensamente consciente da presença de Gina, do murmúrio de suas roupas sobre a pele, da exposição suave e pálida do seu pescoço, e de seus cílios, que estavam cobertos com uma camada de óleo que os fazia reluzir e encrespar como pétalas negras molhadas de chuva.
Pararam na margem de um córrego estreito de águas muito claras, invisível sob aquela luz sutil. A única coisa que denunciava a sua presença era o gorgolejo rouco da água correndo sobre as rochas. Em torno deles, os pinheiros grossos formavam uma caverna de galhos, escondendo Harry e Gina do mundo e abafando o inerte ar fresco. O vale parece imutável, como se tivesse sido removido do mundo e protegido por alguma magia contra o destruidor sopro de tempo.
Naquele lugar secreto, Harry se sentiu subitamente próximo a Gina e toda a sua paixão por ela veio à tona. Ele estava tão inebriado com a força e a vitalidade que corriam pelas suas veias - assim como pela magia indômita que enchia a floresta - que ignorou a cautela e disse:
- Como as árvores são altas, como as estrelas são brilhantes... e como você é linda, ó Gina Svit-kona. - Em circunstâncias normais ele teria considerado seu feito como o máximo da insensatez, mas naquela noite excitante e impulsiva, parecia uma atitude perfeitamente sã.
Ela foi firme.
- Harry...
Ele ignorou seu aviso.
- Gina, eu faria qualquer coisa para ganhar a sua mão. Seguiria você até o fim do mundo. Construiria um palácio para você sem usar nada a não ser as minhas próprias mãos. Iria...
- Você pode parar de me perseguir? Dá para me prometer isso? - No que ele hesitou, ela se aproximou e disse, num tom de voz baixo e suave. – Harry, não pode ser. Você é jovem e eu sou velha, e isso jamais mudará.
- Você não sente nada por mim?
- Meus sentimentos por você - disse ela - são os de uma amiga e nada mais. Estou grata por você ter me resgatado de Gil'ead e acho a sua companhia muito agradável. Isso é tudo... Desista dessa sua investida... ela só lhe trará problemas... e encontre alguém da sua idade para passar os longos anos que estão por vir.
Os olhos do rapaz ficaram cheios de lágrimas.
- Como você pode ser tão cruel?
- Não estou sendo cruel e sim gentil. Eu e você não fomos feitos um para o outro.
No desespero, ele sugeriu:
- Você poderia me conceder as suas lembranças, e daí eu teria toda a sua experiência e conhecimento.
- Isso seria abominável. - Gina levantou o queixo, com uma expressão pesada, solene e prateada, por causa das estrelas que luziam. Uma certa dureza se apossou de sua voz. - Ouça-me bem, Harry. Isso não pode e nunca acontecerá. E até que você consiga se controlar, nossa amizade deve acabar, as suas emoções apenas nos desviam do nosso dever. - Ela se curvou em direção ao Cavaleiro. - Adeus, Harry Matador de Espectros. - Então, ela saiu a passos largos e sumiu Du Weldenvarden adentro.
Agora as lágrimas rolavam pelo rosto de Harry e caíam sobre os musgos que estavam abaixo, onde ficaram sem ser absorvidas, como se fossem pérolas espalhadas por um cobertor de veludo esmeralda.
Estarrecido, Harry se sentou num tronco apodrecido e afundou seu rosto nas mãos, chorando pelo fato do seu afeto por Gina estar condenado a permanecer não correspondido e por tê-la afastado ainda mais.
Poucos instantes depois, Saphira se juntou a ele.
- Oh, pequenino. - Ela o aninhou. - Por que você tinha que infligir isso a si mesmo? Você sabia o que iria acontecer caso tentasse cortejar Gina novamente.
- Não consegui me conter. - Ele abraçou sua barriga e ficou balançando de um lado para o outro sobre o tronco, reduzido a soluços por conta da intensidade de seu sofrimento. Colocando uma de suas asas quentes sobre ele Saphira o trouxe para mais perto de si, como faria a mamãe falcão com sua prole. Ele se recostou nela todo enroscado e permaneceu ali aconchegado enquanto a noite virava dia e o Agaetí Blödhren chegava ao fim.
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