CAPITULO 35 - UM LABIRINTO DE

CAPITULO 35 - UM LABIRINTO DE



CAPITULO 35 - UM LABIRINTO DE RESISTÊNCIA

Nasuada cruzou os braços sem disfarçar sua impaciência e examinou os dois homens à sua frente.
O da direita tinha um pescoço tão grosso que forçava sua cabeça para a frente, num ângulo quase reto em relação aos seus ombros, dando-lhe uma aparência lerda e teimosa. Isso era intensificado pelas pesadas sobrancelhas com seus dois tufos de fios emaranhados - quase longos o bastante para cobrirem os olhos - e pelos lábios bulbosos que permaneciam franzidos na forma de um cogumelo rosa, mesmo quando ele falava. Porém, ela não foi tão estúpida a ponto de dar importância ao seu aspecto repulsivo. Não importa sua aparência grotesca, sua língua era tão mordaz quanto a de um bufão.
A única característica identificável do segundo homem era sua pele clara, branca mesmo sob o sol implacável de Surda, muito embora os Varden já estivessem em Aberon, a capital, há algumas semanas. Pela sua cor, Nasuada imaginou que ele tivesse nascido na região norte do Império. Ele retorcia uma boina de tricô como se fosse uma corda resistente nas mãos.
- Você. - disse ela, apontando em sua direção. - Quantas das suas galinhas ele matou novamente?
- Treze, senhora.
Nasuada voltou sua atenção para o homem grotesco.
- Um número infeliz, sob todos os aspectos, mestre Gamble. Está evidente. Você é culpado por roubo e também por ter destruído propriedade alheia sem oferecer uma indenização apropriada.
- Eu nunca neguei isso.
- Só fico me perguntando como você comeu treze galinhas em quatro dias. Você nunca fica satisfeito, mestre Gamble?
Ele lhe dirigiu um sorriso jocoso e coçou a lateral do seu rosto. O roçar de suas unhas compridas na barba a incomodou, e foi só com força de vontade que ela se absteve de pedi-lo para parar.
- Bem, não quero ser rude, senhora, mas encher o meu estômago não seria problema se você nos alimentasse apropriadamente, com todo o trabalho que fazemos. Sou um homem robusto e preciso de um pouco de carne na barriga depois de passar metade do dia quebrando pedras com uma picareta. Fiz o máximo que pude para resistir à tentação, sei que fiz. Mas, três semanas apenas alimentado com pequenas rações, vendo esses fazendeiros conduzindo seus animais gordos que não compartilhariam nem se vissem alguém morrendo de fome... Bem, admito, isso me venceu. Não sou um homem muito forte quando o assunto é comida. Gosto dela quente e em bastante quantidade. E não gosto de imaginar que sou o único disposto a conquistá-la.
E este é o âmago do problema, refletiu Nasuada. Os Varden não tinham condições de alimentar os seus membros, nem mesmo com a ajuda do rei de Surda, Orrin. Ele lhes havia aberto o seu erário, mas timidamente Voldemort estava acostumado a se apropriar dos suprimentos dos seus compatriotas quando andava com seu exército pelo Império, sem pagar por eles. Seu sentimento é nobre, mas torna a minha tarefa mais difícil. Contudo, ela sabia que gestos como esse ajudaram a separar ela, Orrin, Hrothgar e Islanzadí da tirania de Voldemort. Seria fácil cruzar essa fronteira sem notar.
- Entendo os seus motivos, mestre Gamble. No entanto, embora os Varden não sejam uma nação e não respondamos à autoridade de ninguém a não ser a nossa própria, isso não dá a você ou a qualquer um o direito de ignorar a regra da lei, como foi estabelecido pelos meus predecessores ou como é observado aqui em Surda. Por essa razão, eu o ordeno a pagar uma moeda de cobre por cada galinha que você roubou.
Gamble a surpreendeu concordando sem protestar.
- Como quiser, senhora. - disse ele.
- É isso? - exclamou o homem pálido. Ele torceu ainda mais o seu boné. - Esse preço não é justo. Se eu as vendesse em qualquer mercado, elas...
Ela não pôde mais se conter.
- Sim! Você ganharia mais. Mas acabo de saber que o mestre Gamble não tem como lhe pagar o preço total das galinhas, pois sou eu que pago o seu salário! Assim como pago o seu. Você se esquece de que se eu decidisse confiscar as suas aves para o bem dos Varden, você não conseguiria nem uma moeda de cobre por cada galinha e ainda teria sorte por isso. Está entendido?
- Ele não pode...
- Está entendido?
Depois de um instante, o homem pálido acalmou-se e murmurou:
- Sim, senhora.
- Muito bem. Ambos estão dispensados. - Com uma expressão de sarcástica admiração, Gamble tocou na sobrancelha e se curvou na direção de Nasuada antes de sair do salão de pedra ao lado do seu oponente mal-humorado. - Vocês também. - disse ela para os guardas que estavam um de cada lado da porta.
Assim que todos se foram, ela afundou-se em sua cadeira, deu um sorriso típico de quem estava exausta e se esticou para pegar o leque, agitando-o sobre o seu rosto numa tentativa fútil de dissipar as marcas de suor que se acumulavam na sua testa. O calor incessante drenava a sua força e tornava árdua até mesmo a menor tarefa.
Suspeitava que se sentiria cansada mesmo no inverno. Estava familiarizada com os segredos mais íntimos dos Varden, mesmo assim foi necessário mais trabalho do que ela esperava para transportar toda a organização de Farthen dûr pelas montanhas Beor, e levá-la para Surda e Aberon. Ela estremeceu, lembrando-se dos dias longos e desconfortáveis que passou em cima de uma sela. Planejar e executar sua partida havia sido excessivamente difícil, da mesma forma que integrar os Varden ao seu novo ambiente enquanto um ataque contra o Império era preparado simultaneamente. Cada dia não é suficiente para resolver todos esses problemas, lamentava ela.
Até que finalmente ela deixou cair o leque e tocou o cordão da campainha, chamando sua criada, Farica. O estandarte que estava pendurado à direita da escrivaninha de cerejeira balançou assim que a porta escondida atrás dela se abriu. Farica saiu rapidamente e ficou em pé com o olhar baixo na altura do cotovelo de Nasuada.
- Tem mais alguém? - perguntou Nasuada.
- Não, senhora.
Tentou não demonstrar seu alívio. Uma vez por semana ela estabelecia uma espécie de tribunal sumário para resolver as várias contendas dos Varden. Todos que julgavam ter sido injustiçados poderiam pedir uma audiência com ela e conseguir seu julgamento. Nasuada não conseguia pensar numa tarefa mais difícil e ingrata. Como seu pai costumava dizer depois de negociar com Hrothgar:
- Um bom acordo deixa todo mundo furioso. - Parecia verdade. Voltando sua atenção para a questão em curso, ela afirmou para Farica:
- Quero que aquele tal de Gamble seja designado para uma nova função. Dê a ele um trabalho no qual o seu talento com as palavras seja de alguma utilidade. Intendente, talvez, contanto que seja um trabalho no qual ele venha a receber refeições completas. Não quero mais vê-lo novamente por causa de algum furto.
Farica acenou com a cabeça e foi até a escrivaninha, onde escreveu as instruções de Nasuada num códice de pergaminho. Apenas essa prática já a tornara indispensável. Farica perguntou:
- Onde posso encontrá-lo?
- Numa das frentes de trabalho na pedreira.
- Sim, senhora. Oh, enquanto estava ocupada, o rei Orrin pediu para que o encontrasse no laboratório dele.
- O que ele fez lá agora, ficou cego? - Nasuada lavou os pulsos e o pescoço com água de lavanda, depois deu uma olhada no cabelo em um espelho de prata polido que Orrin lhe presenteara e puxou sua veste até as mangas ficarem retas.
Satisfeita com sua aparência, saiu de seus aposentos com Farica a reboque. O sol estava tão radiante hoje que dispensava as tochas para iluminar o interior do castelo Borromeo, nem o calor adicional que elas provocam poderia ser tolerado. Feixes de luz caíam e atravessavam as aberturas, em forma de cruzeta, destinadas aos disparos de flechas, e brilhavam sobre a parede interna do corredor, rasgando o ar com barras de poeira dourada em intervalos regulares. Nasuada olhou por uma seteira em direção ao barbacã, onde cerca de trinta soldados da cavalaria alaranjada de Orrin estavam partindo para mais uma de suas intermináveis rondas pela zona rural que cercava Aberon.
Não adiantará muito, caso Voldemort decida ele mesmo nos atacar, pensou ela amargamente. Suas únicas proteções eram o orgulho de Voldemort e, esperava ela, o medo que o soberano tinha de Harry. Todos os líderes sabiam do risco de usurpação, mas os próprios usurpadores estavam duplamente temerosos da ameaça que um único indivíduo poderia representar. Nasuada tinha ciência de que participava de um jogo extremamente perigoso contra o louco mais poderoso da Alagaësia. Se ela julgasse mal até que ponto poderia pressioná-lo, ela e o resto dos Varden seriam destruídos, junto com qualquer esperança que pudessem ter de acabar com o reinado de Voldemort.
O cheiro limpo do castelo a lembrava dos tempos em que ficava lá quando era pequena, quando o pai de Orrin, o rei Larkin, ainda governava. Ela não via Orrin com tanta freqüência naquela época. Ele era cinco anos mais velho e já havia assumido o seus deveres como príncipe. Hoje em dia, no entanto, ela normalmente se sentia como se fosse mais velha.
Na porta do laboratório de Orrin, ela teve de parar para esperar os guarda-costas, que estavam sempre postados do lado de fora, anunciarem sua presença ao rei. Logo a voz de Orrin se expandiu pela escadaria:
- Lady Nasuada! Fico feliz que você tenha vindo. Tenho algo para lhe mostrar.
Preparando-se mentalmente, ela entrou no laboratório com Farica. Logo as duas se depararam com um labirinto de mesas repletas de arranjos fantásticos de alambiques, provetas e retortas, era uma moita de vidro aguardando prender suas vestes em qualquer um dos seus incontáveis galhos frágeis. O odor forte de vapores metálicos fizeram com que os olhos de Nasuada lacrimejassem. Levantava as barras de suas vestes para que não tocassem no chão, ela e Farica seguiram em fila indiana em direção aos fundos do salão, passaram por ampulhetas e pratos de balança, por livros grossos arcanos encadernados com ferro negro, por astrolábios para anões e pilhas de prismas de cristal fosforescentes que produziam luzes azuis espasmódicas.
Encontraram Orrin perto de uma bancada coberta de mármore, onde ele mexia num cadinho contendo mercúrio com um tubo de vidro que estava fechado numa ponta, aberto na outra, e devia ter pelo menos um metro de extensão, embora tivesse apenas meio centímetro de espessura.
- Majestade. - disse Nasuada. Como condizia para alguém que, hierarquicamente, era do mesmo nível do rei, ela permaneceu ereta enquanto Farica fazia uma reverência. - Você parece que se recuperou bem da explosão da semana passada.
Orrin fez uma careta suave.
- Aprendi que não é inteligente combinar fósforo e água num espaço fechado. O resultado pode ser bem violento.
- A sua audição voltou inteiramente?
- Não totalmente, mas... - Sorrindo como um garoto com sua primeira adaga, acendeu uma vela de cera com a brasa de um braseiro. Ela não podia entender como ele conseguia manter aceso o braseiro naquele ambiente abafado. Ele carregou a vela acesa até a bancada e a usou para acender um cachimbo cheio de erva de cardo.
- Não sabia que você fumava.
- De fato não fumo, - confessou ele - mas descobri que, até o meu tímpano sarar, eu posso fazer isso... - Deu uma tragada no cachimbo e encheu as bochechas de fumaça até um filete escapar da sua orelha esquerda, como se fosse uma cobra saindo da toca. Era tão inesperado que Nasuada caiu na gargalhada e, um instante depois, Orrin se juntou a ela soltando uma coluna de fumaça pela boca. - E uma sensação das mais peculiares. - confessou ele. - Coça loucamente quando está saindo. - Tornando-se séria novamente, Nasuada perguntou:
- Havia mais alguma coisa que você queria discutir comigo, majestade?
Ele estalou os dedos.
- É claro. - Depois de mergulhar seu longo tubo de vidro no cadinho, ele o encheu de mercúrio, depois tapou a ponta aberta com um dedo e mostrou o conjunto para ela. - Você concordaria que a única coisa que há nesse tubo é mercúrio?
- Sim. - É por isso que ele queria me ver?
- E quanto a agora? - Com um rápido movimento, ele inverteu o tubo e, removendo o dedo enfiou a ponta aberta no interior do cadinho. Em vez de entornar todo, como Nasuada esperava, o mercúrio no tubo caiu até a metade, depois parou e manteve a sua posição. Orrin apontou para a parte que ficou vazia acima do metal suspenso. E perguntou: - O que ocupa esse espaço?
- Deve ser ar. - afirmou Nasuada.
Orrin sorriu e balançou a cabeça.
- Se isso fosse verdade, como o ar iria passar pelo mercúrio ou se dissipar pelo vidro? Não há rota disponível pela qual a atmosfera possa entrar. - Ele acenou na direção de Farica. - Qual é a sua opinião, criada?
Farica olhou para o tubo, depois encolheu os ombros e disse:
- Não pode ser nada, majestade.
- Ah, mas isso é exatamente o que eu acho que é: nada. Acredito que resolvi um dos mais antigos enigmas da filosofia natural ao criar e provar a existência de um vácuo! Ele invalida completamente as teorias de Vacher e indica que Ládin era, de fato, um gênio. Os malditos elfos sempre parecem ter razão.
Nasuada se esforçou para permanecer cordial quando perguntou:
- Para que propósito isso serve então?
- Propósito? - Orrin a encarou com um espanto genuíno. - Nenhum, é claro. Pelo menos nenhum no qual eu possa pensar. No entanto, isso nos ajudará a entender os mecanismos do nosso mundo, como e por que as coisas acontecem. É uma descoberta extraordinária. Quem sabe onde chegará? - Enquanto falava, foi esvaziando o tubo e o colocou cuidadosamente numa caixa forrada com veludo, específica para instrumentos delicados. - A perspectiva que realmente me entusiasma, no entanto, é usar a magia para desvendar os segredos da natureza. Ora, ontem mesmo, com um único encanto, Cho me ajudou a descobrir dois gases inteiramente novos. Imaginem o que poderia ser descoberto se a magia fosse sistematicamente aplicada às disciplinas da filosofia natural. Eu mesmo estou considerando aprender a mexer com magia, se tiver talento para tal, e se puder convencer alguns usuários de magia a divulgar seu conhecimento. É uma pena que o seu Cavaleiro de Dragões, Harry, não a tenha acompanhado até aqui, tenho certeza de que ele poderia me ajudar.
Olhando para Farica, Nasuada disse:
- Espere por mim lá fora. - A mulher fez uma reverência e depois saiu. Assim que Nasuada ouviu a porta do laboratório se fechar, ela disse: - Orrin. Você perdeu a noção das coisas?
- O que você quer dizer?
- Enquanto passa o seu tempo trancado aqui, conduzindo experiências que ninguém entende, colocando em risco o seu bem-estar, seu reino se agita com a iminência de guerra. Inúmeras questões aguardam a sua decisão e você fica aqui soprando fumaça e brincando com mercúrio?
Seu rosto endureceu.
- Estou a par dos meus deveres, Nasuada. Você pode liderar os Varden, mas eu ainda sou o rei de Surda e você faria bem ao lembrar disso antes de se dirigir a mim de forma tão desrespeitosa. Será que eu preciso lembrá-la de que o seu refúgio aqui depende da minha boa vontade?
Ela sabia que se tratava de uma ameaça inútil, muitos dos habitantes de Surda tinham parentes entre os Varden e vice-versa. Estavam muito intimamente ligados para que uns abandonassem os outros. Não, a verdadeira razão que fez Orrin se sentir ofendido era a autoridade. Como era quase impossível manter grandes grupos de guerreiros armados de prontidão durante longos períodos - como Nasuada havia aprendido, alimentar tal quantidade de pessoas era um pesadelo de logística - os Varden haviam começado a pegar trabalhos, estabelecer fazendas e também a se incorporar à região que os hospedava. Onde isso irá me levar? Serei líder de um exército inexistente? Serei general ou conselheiro hierarquicamente abaixo de Orrin? Sua posição era precária. Se ela fosse muito diligente ou tomasse iniciativas demais, Orrin entenderia como uma ameaça e se voltaria contra sua autoridade, especialmente agora que ela estava recoberta pelo manto do glamour depois da vitória dos Varden em Farthen dûr. Mas se ela esperasse muito tempo, perderiam a chance de explorar a fraqueza momentânea de Voldemort. Sua única vantagem sobre o labirinto da oposição resumia-se ao poder que tinha sobre os elementos que haviam instigado este ato da trama: Harry e Saphira. Ela disse:
- Não desejo minar o seu comando, Orrin. Essa nunca foi a minha intenção e peço desculpas se deixei transparecer isso. - Ele curvou o pescoço como se fosse um pêndulo. Sem saber como continuar, ela se apoiou sobre as pontas dos dedos na aba da bancada. - É só que... muitas coisas têm que ser feitas. Eu trabalho dia e noite... mantenho um bloco de papel ao lado da minha cama para fazer anotações... contudo nunca consigo me superar, sinto-me como se estivéssemos o tempo todo à beira de um desastre.
Orrin pegou um pilão que já estava manchado de preto devido ao uso excessivo e o rolou entre as mãos num ritmo constante e hipnótico.
- Antes de você vir para cá... Não, isso não está certo. Antes do seu Cavaleiro se materializar dos pés à cabeça vindo do nada, assim como Moratensis originou-se de sua fonte, esperava viver a minha vida tal qual meu pai e meu avô que me antecederam. Ou seja, me opondo a Voldemort em segredo. Desculpe-me se demorou para me acostumar a essa nova realidade.
Era o máximo de arrependimento que ela poderia esperar.
- Entendo.
Ele parou de agitar o pilão por um breve instante.
- Você acabou de ascender ao poder enquanto eu detenho o meu há alguns anos. Se você me permite ser arrogante o bastante para lhe dar um conselho, descobri que é essencial para a minha sanidade guardar uma certa parte do dia para os meus próprios interesses.
- Eu jamais poderia fazer isso. - opôs-se Nasuada. - Cada momento que desperdiço pode ser o momento de esforço necessário para se derrotar Voldemort.
O pilão parou novamente.
- Você presta um desserviço aos Varden quando insiste em trabalhar excessivamente. Ninguém pode funcionar apropriadamente sem momentos de paz e tranqüilidade. Não precisam ser pausas muito longas, bastam apenas cinco ou dez minutos. Você poderia até a praticar sua arte de manejar arco e flecha, e ainda assim continuaria voltada para as suas metas, embora de uma maneira diferente... Foi por isso que construí este laboratório em primeiro lugar. É por isso que sopro fumaça e brinco com mercúrio, como você disse... para que eu não grite de frustração todo dia.
Apesar de sua relutância em abandonar a percepção que tinha de Orrin como um sujeito fútil e preguiçoso, Nasuada não pôde deixar de reconhecer a legitimidade da sua argumentação.
- Vou considerar sua recomendação.
Parte da sua antiga frivolidade voltou quando ele sorriu.
- Isso é tudo que peço.
Depois de andar até a janela, ela empurrou ainda mais a cortina e olhou para baixo na direção de Aberon, ouviu os gritos de ágeis mercadores vendendo suas mercadorias para clientes insuspeitos, viu a eterna poeira amarela soprada pela estrada que vem do oeste enquanto uma caravana se aproxima dos portões da cidade, viu o ar que emitia uma luz trêmula sobre os telhados com telhas de argila e carregava o aroma da erva de cardo e do incenso dos templos de mármore e os campos que cercavam Aberon como se fossem as pétalas estendidas de uma flor.
Sem se virar, ela perguntou:
- Você já recebeu cópias dos últimos relatórios vindos do Império?
- Sim. - respondeu ele enquanto se juntava à Nasuada na janela.
- Qual é a sua opinião sobre eles?
- Que são muito pobres e incompletos para que se possa tirar conclusões significativas.
- Porém eles são o melhor que temos. Diga-me quais são suas suspeitas e suas apostas. Interprete e parta dos fatos conhecidos como faria se isso fosse uma das suas experiências. - Ela sorriu. - Prometo que não tentarei racionalizar o que você disser.
Ela teve que esperar a resposta dele e, quando veio, foi com o peso doloroso de uma profecia apocalíptica.
- Aumento de impostos, tropas esvaziadas, cavalos e gado confiscados por todo o Império... Parece que Voldemort reúne as suas forças como se estivesse se preparando para nos enfrentar, embora não possa dizer se ele pretende fazer isso como ataque ou defesa. - Sombras esfriaram seus rostos enquanto uma nuvem de estorninhos passava em frente ao sol. - A pergunta que pesa sobre mim agora é quanto tempo ele levará para se mobilizar? Isso determinará o curso de nossas estratégias.
- Semanas. Meses. Anos. Não dá para prever suas ações. - Ele acenou com a cabeça.
- Os seus agentes continuam a espalhar informações sobre Harry?
- Isso se tornou cada vez mais perigoso, mas sim. Minha esperança é de que se inundarmos cidades como Dras-Leona com rumores sobre os feitos de Harry, quando chegarmos lá e seus habitantes o virem, eles se juntem a nós por iniciativa própria e possamos evitar um cerco.
- A guerra raramente é fácil.
Ela deixou o comentário passar sem contestação.
- E como vai a mobilização do seu próprio exército? Os Varden, como sempre, estão prontos para lutar.
Orrin abriu as mãos num gesto conciliador.
- E difícil incitar uma nação, Nasuada. Há nobres que eu preciso convencer a me apoiarem, armas e armaduras a serem fabricadas, suprimentos a serem reunidos...
- E enquanto isso, como alimento o meu povo? Precisamos de mais terras do que você nos cedeu...
- Bem, eu sei disso.
-... e só as conseguiremos invadindo o Império, a não ser que você queira fazer com que os Varden se liguem permanentemente à Surda. Se for isso, você terá que encontrar lares para as milhares de pessoas que eu trouxe de Farthen dûr, vai desagradar os cidadãos que já vivem aqui. Seja qual for a sua escolha, faça-a rapidamente, porque temo que, se você continuar a adiar tal decisão, os Varden se tornarão uma horda incontrolável. - Ela tentou fazer com que isso não soasse como uma ameaça.
Entretanto, Orrin obviamente não gostou da insinuação. Seu lábio superior se curvou e ele disse:
- Seu pai jamais perdeu o controle de seus homens. Acredito que você também não deixará que isso aconteça, se pretende continuar sendo a líder dos Varden. Quanto aos nossos preparativos, há limites para um tempo tão curto, você simplesmente terá de esperar até estarmos prontos.
Ela agarrou o peitoril da janela até as suas veias saltarem dos pulsos e suas unhas afundarem nas fendas entre as pedras, contudo não deixou que nem uma parte da sua raiva transparecesse em sua voz.
- Nesse caso, você me daria mais ouro para que os Varden possam comprar comida?
- Não, já lhe dei todo o dinheiro de que podia dispor.
- Como comeremos, então?
- Sugiro que você levante os fundos por conta própria.
Furiosa, ela lhe dirigiu seu sorriso mais largo e luminoso - segurando - o tempo suficiente para deixar Orrin inquieto - e depois fez uma reverência como se fosse um criado, sem desarmar sua expressão demente.
- Adeus então, Majestade. Espero que o resto do seu dia seja tão agradável quanto foi a nossa conversa.
Orrin murmurou uma resposta ininteligível enquanto ela voltava para a entrada do laboratório. Em sua fúria, Nasuada prendeu sua manga direita numa garrafa de jade e a derrubou, rachou a pedra e liberou uma grande quantidade de um líquido amarelo que se espalhou por sua manga e deixou sua saia ensopada. Ela girou o pulso em sinal de aborrecimento, mas não parou.
Farica se uniu novamente a ela na escadaria, e juntas atravessaram a série de corredores que levavam até as dependências de Nasuada.



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