Capítulo único
Porque eu estava pútrida.
Eu estava suja, morta e decomposta. Não importava mais se eu estava perdida, desorientada em vida ou em morte...
A vida estava morta.
Eu toquei sua face inanimada, seu sorriso inexistente. Moldei-te em minhas mãos, como fiz por tantos anos. O amor poderia me carregar se eu caísse?
Senti seus lábios frios e esperei que uma lágrima tua escorresse pelo meu rosto também. Mas esperei em vão, os mortos não choram.
Eu não te amava, eu respirava você. Pois a única razão da minha existência estava em teus carinhos de ilusão.
Enfeitiçado por mim, literalmente.
O fato é que a poção não me fez feliz, mas ela me fez viva! Não diga que é egoísmo, não insinue que é amor em excesso... É apenas instinto de sobrevivência.
E hoje, eu realmente provarei que te amo como eu nunca chegarei a amar-me.
Tudo por você, eu estou me redimindo.
Toquei tua nuca, teus ombros, teu corpo... Eu queria ter a ultima parte viva de você, eu precisava manter-me sóbria até me entregar aos braços do infinito, enfim.
Talvez, se eu pressionasse meus dedos contra teu pulso, poderia sentir a leve vibração do teu sangue, mas minha pele era indigna de tocar tua vida, e me dei por satisfeita em apenas tocar-te a morte.
Tua respiração torna-se ofegante, dificultada pelo veneno que corre em ti, brigando contra teu corpo, amparando tua dor e teus sofrimentos.
“Já vai acabar, meu bem.” Pensei alto cá comigo, tentando acalmar os pensamentos mais infiéis que martelavam em minha consciência.
Tua mão soltou-se do laço que tinha com a minha, fria, sem forças para esbofetear-me o rosto, talvez...
A respiração era contada, havia espaços de tempo entre as baforadas de fôlego, seus olhos se intensificaram contra mim, tua boca se entreabriu pedindo por mais oxigênio.
Havia tanto tempo, até que não havia mais.
Matei-te ao modo que você preferiu, sem uma gota de bruxaria, sem uma gota do meu sangue mágico.
Tudo tem seu preço, e eu sei que tua liberdade vale mais que tua vida corrompida ao meu lado. Você estava livre de mim, para sempre. Livre de todos os seus medos e livre do meu amor doentio.
Você estava livre, mas eu estava mais morta do que você, agora.
Nós nos confundimos entre a vida e a morte, entre o respirar ou não.
A vida é bela e cruel, mas a morte é bem mais. Ela tem a verdade que a vida esconde só para si.
A verdade da morte está justamente no mistério.
Nossa vida era uma mentira, nosso amor nunca foi nosso. Era uma beleza enlouquecedora, que roubou de mim a sanidade que eu nunca tive.
Toquei suas pálpebras agora fechadas, eu não suportaria nem mais um instante na companhia dos teus olhos.
Encarei meu ventre, era você dentro de mim, era a parte que se salvava de toda aquela infelicidade.
Rancor, culpa, redenção. Tudo se confundia em mim. Seria a morte tão cruel?
“Me perdoe”, eu sussurrei para a parte de você que vivia em mim, antes de fazer jorrar o sangue mágico e imundo que eu carregava nas veias.
Meu pulso era a fonte, o cano de escape para que minha vida fugisse de um abrigo tão indigno, para que ela fugisse de mim.
Eu toquei meu sangue quente, e em seguida meu ventre, abraçando-o fortemente, para que ele não se separasse de mim.
A dor era excruciante, e tão real que me fazia imaginar erroneamente que estava viva.
Lembro-me apenas dos feixes de luz, dos gritos de horror, e do choro infantil que parecia sair de mim.
“Tom Riddle” Eu sussurrei para a enfermeira que segurava minha criança, pouco antes de estender os braços para a morte que me acolhia, feliz de estar caminhando para longe.
Feliz de estar caminhando para ti.
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N/A: Fic escrita para o Challenge Deathfics II. Espero que vocês tenham gostado! E comentem ;D
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