Capítulo 6



Capítulo 6

Durante a estada na pousada, Hermione estabelecera uma rotina. Acordava cedo o suficiente para juntar-se aos outros hóspedes no café-da-manhã. Não era a comida, por mais maravilhosa que fosse a preparada por Luna, que a cutucava para fora da cama e para baixo. Queria a oportunidade de entrevistar os companheiros, sob o disfarce de uma arejada conversa matinal.
Era difícil para ela manter-se casual, não cair nos hábitos de analista ou cientista. Fora recompensada entre café e waffles naquela manhã por um jovem casal que afirmava haver sentido uma presença na suíte nupcial durante a noite.
Agora, sozinha em seu quarto, tarde da noite, a pousada silenciosa em volta, Hermione releu as anotações que fizera às pressas de manhã.
Os entrevistados confirmam a experiência um do outro frio súbito, um forte perfume de rosas, o som de uma mulher chorando. Três sentidos envolvidos. Entrevistados mais excitados do que assustados com a experiência. Muito claros e firmes ao relatarem cada fenômeno. Nenhum dos dois teve uma visão, mas a entrevistada descreveu uma sensação de profunda tristeza que ocorreu logo após a flutuação de temperatura e durou até desaparecer o perfume de rosas.
Interessante, pensou Hermione, enquanto redigia as anotações em um estilo mais formal, incluindo nomes e datas. Quanto a ela, dormira como um bebê, embora por apenas algumas breves horas. De qualquer modo, raras vezes dormia mais de cinco horas, e na noite anterior, virou-se com três, na esperança de gravar um fenômeno pessoalmente.
Mas o quarto permanecera confortável e silencioso durante toda a noite.
Após ter refinado as notas, e terminado a entrada do dia no diário, transferiu-se para o livro que brincava com a idéia de escrever. A assombração de Antietam.
Gostou muito do título, embora imaginasse alguns dos colegas mais ilustres resmungando sobre ele em chás da faculdade e festas sociais da universidade Que resmunguem, pensou. Ficara na linha a vida toda. Era hora de balançar um pouco o barco.
Seria um novo desafio escrever uma coisa mais descritiva, até sentimental, do que seca e factual. Dar vida à sua visão e impressões da cidade pequena, com as tranqüilas colinas, a sombra das montanhas ao longe, aqueles campos vastos e férteis.
Precisava passar algum tempo no campo de batalha, absorver o ambiente. Mas no momento tinha muito a dizer sobre a pousada e seus habitantes originais.
Trabalhou durante uma hora, depois duas, perdendo-se na história dos Barlow, a trágica Abigail, o inflexível Charles, os filhos que haviam perdido a mãe tão jovens. Graças a Luna, tinha outra personagem a acrescentar. Um homem que Abigail amara e mandara embora. Hermione desconfiava que o homem talvez fosse alguma autoridade em Antietam naquela época. O xerife, quem sabe. Era uma coincidência adorável demais para omitir, e ela pretendia pesquisá-la a fundo.
Estava tão absorvida no trabalho que levou vários minutos para notar o zumbido de seu equipamento. Surpreendida por aquilo, recostou-se de repente e fitou o monitor do sensor.
Seria uma corrente de ar? Perguntou-se, e levantou-se de um salto, estremecendo. O medidor de temperatura era muito sensível. Hermione viu, estupefata, os números despencarem rapidamente dos confortáveis 22 graus centígrados. Abraçava-se quando chegou a um grau abaixo de zero, e viu a própria respiração sair em baforadas rápidas enquanto o coração martelava.
Mas não sentia nada além do frio. Nada. Não ouvia nada, nem sentia cheiro algum.
A dama não entra aqui.
Fora o que Emma lhe dissera. Mas o senhor entrava? Tinha de ser Charles. Lera tanto sobre ele que a idéia a encheu de uma confusa raiva, medo e antecipação.
Movendo-se depressa, Hermione checou o gravador, as câmeras. O fraco ponto de luz em uma máquina registrou sua presença e por um instante, um instante quase rápido demais para notar, a de alguma outra coisa.
Então se extinguiu, e o calor retornou ao quarto. Quase enlouquecida de excitação, ela pegou o gravador.
- A ocorrência começou às duas horas, oito minutos e quinze segundos da manhã, com drástica queda de temperatura de vinte e quatro graus centígrados. Uma pequena, mas mensurável flutuação de energia durando apenas uma fração de segundo, seguida de imediata elevação de temperatura. A ocorrência terminou às duas horas, nove minutos e vinte segundos da manhã. Duração de sessenta e cinco segundos.
Parou por um momento, o gravador na mão, tentando fazer com força de vontade tudo recomeçar. Sabia que fora Charles, sentia-o, e ainda tinha o pulso disparado. Imparcialmente, perguntou-se a quanto estaria sua pressão sanguínea.
- Venha, venha, seu opressor, seu covarde! Seu filho de uma cadela! Volte!
O som de sua própria voz com aquela rude intensidade forçara-a a dar várias inspiradas fundas. Perdendo a objetividade, advertiu a si mesma. Qualquer projeto estava condenado sem objetividade.
Então se obrigou a sentar-se, monitorou o equipamento por mais trinta minutos. Com precisão, acrescentou o evento aos arquivos e desligou o computador.
Agitada demais para dormir, saiu do quarto. No corredor, ficou em silêncio, à espera, mas nada havia além da escuridão e quietude. Desceu para o térreo, demorando-se na escada enquanto tentava visualizar o assassinado soldado confederado, a chocada Abigail, os criados apavorados, o assassino Barlow.
Eram todos menos substanciais que pensamentos para ela.
Tentou cada cômodo. O salão onde alguns diziam que se sentia cheiro de fumaça de lenha de um fogo que não ardia, a biblioteca, que tanto Gina quanto Luna evitavam o máximo possível, porque não se sentiam à vontade ali. No terraço envidraçado, nada além de plantas cobertas de folhas, cadeiras confortáveis e a luz da lua através do vidro.
Ela lutava contra o desânimo ao perambular para a cozinha. Houvera um momento, lembrou a si mesma. Passara por ele. A paciência era tão importante quanto uma mente aberta e curiosa.
Foi atraída para a janela, e aquela mente aberta e curiosa vagou para além dos jardins e o gramado, pelas árvores até os campos ao longe. E a casa onde Harry dormia.
O impulso foi tão forte que a chocou. Impulso de sair, caminhar pela relva, por aqueles campos. Queria entrar naquela casa, ir até ele. Tolice, disse a si mesma. Era improvável que estivesse sozinho. Imaginou-o enroscado com a bonita morena, ou alguma outra beldade, mas o impulso permanecia, tão poderoso, tão elementarmente físico, que lhe causou um frio na barriga. Seria o lugar que a atraía? - perguntou-se. Ou o homem?
Era algo em que pensar. Alguma coisa que teria de reunir coragem para explorar. Chega da Hermione silenciosa como um rato e insípida, encostada em um canto, pensou. Chega de passar a vida escondida atrás de uma escrivaninha ou com um livro na mão. Fora a busca da experiência que a levara ali. E se Harry Potter oferecia experiência, ia prová-la.
Em seu próprio tempo, claro. Em seu próprio ritmo.
Ele a via como uma mulher que podia manter-se firme com ele, e ela ia encontrar um modo de fazer exatamente isso.
Ele queria levá-la para a cama.
Como isso a faz sentir-se, dra. Granger?
Assustada, cheia de vida, curiosa.
Assustada, diz você. Com a experiência sexual?
O sexo é uma Junção biológica básica, uma experiência humana. Por que isso me deixaria assustada? Porque permanece desconhecido, respondeu a si mesma. Então assusta, enche de vida e desperta a curiosidade. Ele desperta a curiosidade. Uma vez que eu tenha controle da situação...
Ah, dra. Granger, então é uma questão de controle? Como se sente sobre a possível perda de controle?
Desconfortável, por isso não pretendo perdê-lo.
Ela exalou um suspiro e fechou a parte interrogativa do cérebro. Mas não conseguiu fechar bem o torturante impulso, e assim saiu logo da cozinha e subiu para deitar-se.
Mas sonhava, e sonhos muitos risonhos...
Um braço de homem em torno dela, os dois rolando em um colchão macio como crianças que brigam. Risadinhas abafadas contra lábios cálidos, dedos provocantes passeando por seus longos e embaraçados cabelos.
Silêncio, John, vai acordar o bebê.
É você quem está fazendo esse barulho todo.
Mãos rápidas que se esgueiraram sob a camisola de algodão, encontrando pontos maravilhosos onde demorar-se.
Você usa roupas demais, Sarah. Quero você nua.
Tapinhas de brincadeira e lutas, mais risadas.
Eu continuo gorda por causa do bebe.
Está perfeita. Ele é perfeito. Deus, como eu quero você. Quero você, Sarah. Amo você. Deixe que eu ame você.
Embora cessassem as risadas, a alegria permanecia. E a macia cama de penas cedia em silêncio sob o peso e o ritmo do acasalamento...
Ela amanheceu grogue no dia seguinte, não por falta de sono, mas pelo sonho que não a deixava. Durante a maior parte da tarde, ficou fechada no quarto, usando o modem para captar dados sobre a população de Antietam, de cerca de 1862.
A impressora despejava alegremente listas de nomes do censo, certidões de nascimento e atestados de óbito quando Luna bateu na porta.
- Desculpe interromper você.
- Não, tudo bem. - Distraída, Hermione espiou por trás dos óculos. - Estou tentando encontrar o amante de Abigail, se é que ela teve um.
- Oh. - Obviamente confusa, Luna correu a mão pelos cabelos. - Mas como você conseguiria?
- Processo de eliminação, idades, situação conjugal. - Lembrando-se, Hermione tirou os óculos e Luna entrou em foco. - Você parecia muito segura de que ele não tinha esposa.
- Não, não podia.
- E não estava no exército, mas você falou alguma coisa sobre uma renúncia a um posto quando deixou a cidade.
- É tão curioso ouvir você falar disso, falar deles, como se fossem reais e estivessem aqui.
Hermione sorriu e recostou-se na cadeira.
- E não estão?
- Bem, estão, acho que sim. - Luna balançou a cabeça. — Acabei me distraindo com a história. Vim lhe dizer que tenho de correr ao hospital.
- Hospital? - Assustada, Hermione saltou da cadeira. - Uma das crianças se machucou? Ficou doente?
- Oh, não, não. Harry...
- Sofreu um acidente. - O rosto de Hermione ficou de uma palidez mortal. - Onde está ele? Que aconteceu?
- Hermione, é Savannah. Está em trabalho de parto. - Curiosa, Luna viu a outra desabar como se não tivesse ossos na cadeira. - Eu não pretendia assustar você.
- Está tudo bem. - Ela acenou debilmente com uma das mãos. - Devia saber que não se deve tirar conclusões precipitadas.
- Harry ligou há cerca de duas horas, depois que Neville o chamou. Eu precisava arranjar uma babá antes de poder ir. Vou deixar Connor e Emma com Ed no restaurante. Você ainda não conheceu Ed. Ela é simplesmente maravilhosa. Não pode cuidar de Ally também, mas há uma creche no hospital.
- Ã-hã.
Hermione quase se recuperara.
- Eu não queria que você achasse que a abandonei. Tem umas costeletas frias e uma torta na cozinha, se ficar com fome. Preciso pegar o carro, mas eu devo lhe dizer que pode ir para a cabana, ou a fazenda, e tomar um emprestado, se precisar sair.
- Não preciso ir a lugar algum. - Calma de novo, ela sorriu. - Savannah vai ter o bebê. É maravilhoso. Está tudo bem?
- Ótimo, segundo as últimas notícias. Apenas eu quero estar lá.
- Claro que quer. Dê ao pai e a mãe os meus melhores votos. Eu teria prazer em ficar com Ally para você, se quiser.
- É muita bondade sua. Mas eu estou amamentando, e não sei quanto tempo vai demorar. - Luna mordiscou o lábio inferior e começou a arrumar tudo na cabeça. - Não estamos esperando novos hóspedes, e eu deixei um recado para os que andam por aí hoje. Em geral sirvo chá dentro de uma hora, mas...
- Não se preocupe, a gente se vira. Vá, Luna, vejo que você está morrendo de vontade de chegar lá.
- Não há nada como um bebê novo.
- É, tenho certeza que não.
Quando ficou só, Hermione tentou concentrar-se, mas já via tudo. Toda a família Potter estaria andando de um lado para outro na sala de espera, na certa levando os enfermeiros à loucura. Fariam barulho, claro. Um deles apareceria na sala de parto para verificar o andamento, e viria com informações para os outros.
Iam todos desfrutar cada minuto. Era o que faziam as famílias muito ligadas, desfrutar uns aos outros. Ela imaginava se eles faziam idéia da sorte que tinham.
Trabalhou mais duas horas no computador eliminando facilmente os nomes masculinos da lista, antes de a fome a mandar meio zonza para a cozinha embaixo.
Alguns dos outros hóspedes já haviam provado a torta deixada por Luna. E alguém tivera a consideração de deixar café pronto. Ela serviu-se de uma xícara, pensou em montar um sanduíche e decidiu-se por amoras assadas em torta crocante e fina.
Quando o telefone tocou, atendeu automaticamente.
- Alô. Oh, Pousada Potter.
- Você tem uma voz boa e sensual para o telefone, Hermione.
- Harry?
- E bom ouvido. Achamos que ia querer saber que o número dos Potter foi aumentado em um.
- Que foi que ela teve? Como está?
- Uma menina, e as duas estão sensacionais. Miranda Potter pesa 4,57kg, e mede 54cm de bela fêmea.
- Miranda. - Hermione deu um suspiro. - Que ótimo.
- Luna está voltando, mas talvez demore um pouco, pois vai pegar as crianças, contar todos os detalhes a Ed, e tudo mais. Eu achei que talvez você quisesse saber.
- Queria mesmo. Obrigada.
- Estou no clima para comemorar. Quer comemorar comigo, dra. Granger?
- Ah
- Nada chique demais, eu não tive tempo de trocar de roupa antes. Posso aparecer e pegar você. Pagar uma cerveja.
- Parece irresistível, mas...
- Ótimo. Dentro de meia hora.
- Eu não disse...
Ela só pôde franzir a testa diante do rude zumbido do tom de discar.
Não ia caprichar muito. A simples vaidade a fez dar uma rápida conferida no espelho e retocar a maquilagem, mas era tudo que ele ia ter. A calça de malha e o suéter marrom claro com que trabalhava essa noite eram confortáveis, e sem dúvida bastariam para uma cerveja casual.
O fato de que complementara o visual com as grandes argolas cor de cobre era para si mesma. Começara a gostar do ritual de decorar o corpo nos últimos meses.
Deixou um bilhete para Luna na porta e saiu da pousada para esperar Harry.
Sinais do outono próximo punham um certo aspecto inóspito no ar. O dia fora quente e abafado, mas agora o ar esfriara. Escuridão suave e completa, como se esperava no campo.
De vez em quando, o ronco de um carro passava na estrada abaixo. Depois voltava o silêncio, lindo.
Tivera certeza de que ia sentir saudade do barulho da cidade, o rumor reconfortante da vida, sua periódica e alegre rudeza. Em Nova York, finalmente ensinara-se a entrar nessa vida, passar tempo nas lojas e museus, esbarrar nas pessoas, em vez de desviar-se delas por timidez. Era uma espécie de terapia que receitara para si mesma, e dera certo.
Parara de andar olhando para os pés, parara de correr de volta ao apartamento, onde estaria a salvo e sozinha com seus livros.
Mas não sentia saudade. Gostava daquela quietude, do ritmo mais lento, e da oportunidade de conhecer as pessoas. Agora ia tomar um drinque com um homem muito atraente.
No todo, não era um mau fim para um dia produtivo.
Viu os faróis se aproximarem e desviarem para a alameda. Mudando a bolsa de ombro, dirigiu-se para a caminhonete.
- É o que eu gosto de ver, uma mulher esperando por mim.
- Sinto decepcioná-lo. - Ela subiu para a cabine. - Eu queria aproveitar esse clima incrível. Já começa a cheirar a outono.
- Você está linda. - Estendendo a mão, ele deu um peteleco em uma das argolas, o que a fez dançar.
- Você também. - Era absolutamente verdade: o toco do rabo-de-cavalo, a camisa de trabalho desbotada, o sorriso descontraído. - Aonde vamos?
- Só ao Duffs. – Harry passou o braço pelo encosto do banco e deu marcha à ré. - Não é muita coisa, mas é o lar.
Sem dúvida não era muita coisa, decidiu Hermione em um primeiro exame. Uma taberna mal iluminada, com ofuscantes lâmpadas fosforescentes acima da mesa fluorescente de sinuca, apenas suavizadas pelas nuvens de fumaça dos cigarros. Uma jukebox tocava música country. A decoração constava de cascas de amendoim, pôsteres de cerveja e uma gravura curiosamente encantadora de cachorros em um jogo de pôquer.
O ar tinha um cheiro rançoso, e meio perigoso.
Ela gostou.
A caminho do balcão, um balcão todo arranhado e protegido por um sujeito magricela de aparência irritável, Harry apresentou-a a meia dúzia de pessoas.
Ela recebeu o olhar com que os estranhos são cumprimentados por uma comunidade fechada, uma combinação de curiosidade, desconfiança e interesse. Alguém gritou para Harry pegar um taco, mas ele balançou a cabeça e ergueu dois dedos para o homem atrás do balcão.
- Como está indo, Duff?
O magro garçom grunhiu enquanto tirava as tampas das garrafas.
- O de sempre.
- Esta é Hermione, amiga de Gina, de Nova York.
- Nova York é um buraco do inferno.
- Já esteve lá? - perguntou educadamente Hermione.
- Nem me pagando.
Ele fez deslizar as garrafas no balcão e voltou carrancudo aos outros clientes.
- Duffe uma simpatia. - comentou Harry, conduzindo-a a uma mesa. - E o cara mais feliz da cidade.
- Logo vi. - Ela sentou-se. - Afinal, sou uma profissional.
Com um sorriso, ele bateu sua garrafa na dela.
- A Miranda Catherine Potter! - ela brindou com ele. - Então, conte-me tudo.
- Bem, nas duas vezes em que a vi, Savannah estava meio pirada. Disse que os homens da família Potter deviam ser trancafiados, entre outras coisas que tinham a ver com partes da anatomia.
- Parece justo, vindo de uma mulher em trabalho de parto.
- É, bem, Gina e Luna não são tão antipáticas assim. Mas também, Savannah é mais extrovertida. De qualquer modo, cuspiu pregos por algum tempo. Depois, quando tudo acabou, arrulhou para pétalas de rosa.
- E Neville?
- Passou de suar em bicas a sorrir feito um tolo demente. É o que acontece toda vez que nós ganhamos um bebê.
- Nós?
- É uma coisa familiar. Você podia ter ido.
- Parece que Savannah estava bem acompanhada. - Ela inclinou a cabeça. - E aí, isso lhe dá alguma idéia?
- Hum? Oh. - Ele se recostou sorrindo. - Me dá a idéia de que meus irmãos fazem um belo trabalho quando se trata de formar famílias. Não há necessidade de eu me intrometer. E você? Pensando em assentar-se e chocar uma ninhada?
- Chocar uma ninhada? - Ela teve de rir. - Não.
Ele pegou um amendoim na tigela de plástico em cima da mesa e abriu-o.
- Então, que faz você quando não está desvendando mentes, perseguindo fantasmas ou fazendo conferências?
- Eu vivo em um buraco do inferno, lembra-se? Há sempre muita coisa a fazer. Assaltos, assassinatos, orgias. Tenho uma vida muito cheia.
Ele passou a mão sobre a dela.
- Alguém em particular ajuda a preenchê-la?
- Não. Ninguém em particular. - Ele deu um meigo sorriso e curvou-se para a frente. - Como vai Daria?
Ele pigarreou e ganhou algum tempo tomando a cerveja.
- Está ótima. Elegante.
Não valia a pena dizer que ele empurrara um pouco a boa e velha Daria, apesar do convite dela para fazer seu jantar e qualquer outra coisa que precisasse.
- Algum progresso na caça?
- Não é uma maneira muito sutil de evitar um assunto.
- Eu não estava tentando evitar o assunto. - Ele tornou a pôr a mão sobre a dela, agarrando os dedos para separá-los. - Encontrou algum fantasma recentemente?
- Na verdade, sim.
Ela teve o prazer de ver o sorriso sumir do rosto dele.
- Bobagem.
- Não, é verdade. Tenho documentação muito legal de um acontecimento. Uma queda de mais de cinco graus na temperatura, registrada, em menos de dois minutos.
Ele tomou outro gole.
- Seus equipamentos caros precisam ser consertados?
A reação dele divertiu-a, intrigou-a.
- Você é muito resistente. Julga-se ameaçado?
- Por que eu iria me sentir ameaçado por uma coisa que nem existe?
Na testa de Hermione surgiu uma ruga sob a franja.
- E isso que estou perguntando.
- Por que você...? - Ele se conteve, estreitou os olhos. Ela sorria suavemente e, ele notou, em completo controle. - E assim que você analisa seus pacientes?
- Você se sente um paciente?
- Corta essa.
- Desculpe. - Ela jogou a cabeça para trás e riu. - Foi irresistível. Na verdade eu não faço terapia individual, mas você daria um paciente sensacional. Quer tentar associação de palavras?
- Não.
Desta vez ela arqueou as duas sobrancelhas.
- Não está com medo, está? É muito simples. Eu digo uma palavra, você responde com a primeira coisa que lhe vem à cabeça.
- Eu não tenho medo desses tolos jogos de salão. - Mas ficara irritado, apenas o suficiente para encolher os ombros. - Ótimo. Manda ver.
- Lar.
- Família.
Isso a fez sorrir.
- Pássaro.
- Pena.
- Carro.
- Caminhonete.
- Cidade.
- Barulho.
- Campo.
- Terra.
- Sexo.
- Mulheres. - Então ele levou as mãos juntas dela aos lábios e mordiscou de leve os dedos. - Hermione.
Ela ignorou a onda de aceleração no pulso.
- O que conta é a primeira coisa que vem à sua mente. E, no todo, eu diria que você é um homem elementar, fixado em seus costumes e feliz com eles. Considere isso uma análise de bolso.
- Por que eu não tento o mesmo com você?
- Assim que você conseguir o diploma, meu rapaz da roça. - Ela esperou um segundo. - Se está com fome, por que não experimenta amendoim?
- Prefiro a sua mão. - E para prová-lo, continuou a mordiscar em toda a volta da palma. - E longa e meio ossuda. Como o resto de você.
Em um movimento casual, ela puxou a cadeira para a frente e curvou a cabeça para a dele.
- Você acha mesmo que eu ia me deixar seduzir com duas cervejas na taberna local?
- Valeu a tentativa. - Ele roçou os lábios no pulso dela. - Seu pulso está disparado, dra. Granger.
- Uma reação química básica ao estímulo. Nada pessoal.
- Podemos tornar pessoal. - Ele olhou para trás e viu a mesa de sinuca vazia. - Que tal uma aposta?
- Depende de que tipo de aposta.
- Que tal um joguinho de sinuca, uma aposta amistosa?
- Sinuca? - Ela estreitou as sobrancelhas. - Não conheço as regras.
Melhor ainda, ele pensou.
- Eu explico. Você deve aprender rápido. Qualquer pessoa esperta o suficiente para ter um monte de letras depois do nome pode aprender um simples jogo.
- Tudo bem. Qual é a aposta?
- Se eu ganhar, vamos para a caminhonete e damos uns amassos. Estou realmente ansioso para saber o seu gosto.
Ela respirou devagar e assegurou-se de que mantinha os olhos calmos.
- E se eu ganhar?
- Que é que você deseja? - Ela pensou, e sorriu.
- Quando eu mudar meu equipamento para a fazenda, você me ajuda com o projeto, em um nível puramente profissional.
- Certo. - Com a confiança de um veterano, ele se levantou e conduziu-a à mesa de sinuca. - Como você é iniciante, eu lhe dou duas tacadas de vantagem.
- E muita generosidade sua sem a menor idéia se era ou não.
Como homem justo, e que raras vezes perdia nesse jogo em particular, ele explicou cuidadosamente as regras. Isso também lhe deu a oportunidade de se encaixar nela, a boca na orelha enquanto dava as instruções sobre como usar o taco.
- Falta-lhe controle. - ele disse, fungando nos cabelos. - Mas não precisa forçar. Dê a tacada de leve.
Hermione tentou ignorar que tinha o traseiro colado nele e, seguindo a orientação das mãos dele, bateu com o taco.
- Legal. - ele murmurou. - Você tem boas formas. E orelhas grandes e lindas. - Mordiscou uma antes que Hermione se endireitasse. Mas quando ela se voltou, em vez de recuar, ele pôs-lhe as mãos confortavelmente nos quadris. - Por que não fazer de conta que já jogamos e partirmos para os amassos?
- Aposta é aposta. Recue, fazendeiro.
- Eu sei esperar. - ele disse sorrindo. Imaginava-se envolvendo-a e embaçando os vidros das janelas da caminhonete. - Quer disputar quem começa?
- Deixo isso para você.
Ela se afastou e passou giz na ponta do taco ao fazê-lo.
As regras eram bastante simples, ele pensava. Ganhava-se ou perdia-se, a depender de qual bola se encaçapava primeiro. Depois, era só continuar encaçapando, evitando a bola oito. Se metesse essa primeiro o resto era despachado. A menos que batesse com outra bola antes, perdia.
Fora isso, quem encaçapasse todas as bolas primeiro e depois a oito, vencia.
Ela observou-o curvar-se sobre a mesa, pernas longas, braços longos, mãos grandes. Sua aparência distraiam-na o suficiente para não ver que ele desfizera o triângulo das bolas, mas viu o resultado. Três bolas caíram nas caçapas, e ele ganhou o direito de continuar jogando.
Lábios franzidos, ela estudou a técnica de Harry, a velocidade e direção das bolas que rolavam no feltro verde. Já vira esse jogo, claro. Havia uma mesa no clube campestre do qual seus pais eram sócios. Mas nunca prestara muita atenção.
Tratava-se de óbvia geometria e física aplicada, concluiu. Cálculos rápidos, mão firme e bom olho eram só o que precisava.
Harry encaçapou mais duas bolas antes de olhar para ela. Tinha sulcos na testa, a cabeça inclinada. Era interessante observá-la pensando, disse a si mesmo. Seria ainda mais interessante vê-la sentindo. Mas não parecia justo dominar o jogo quando ela ainda não tivera nem uma chance de jogar.
Para equilibrar um pouco a balança, ele tentou uma tacada quase impossível. Quase conseguiu, mas a bola bateu na boca da caçapa e saiu.
- Sua vez, doutora.
Contornou a mesa para ajudá-la com a posição, mas ela o deteve com um encolher de ombros.
- Prefiro fazer isso sozinha.
- Ótimo. - Ele sorriu com afetação e superioridade. - Deve bater na de faixa amarela. Uma tacada limpa até a caçapa lateral.
- Estou vendo. - Murmurando consigo mesma, ela curvou-se sobre a mesa e mirou com cuidado, estreitando um pouco os olhos para manter as bolas em foco, e deu a tacada, colocando a bola na caçapa.
- Legal. - Com genuína satisfação, ele voltou à mesa para pegar a cerveja. - Até deixou a bola em boa posição para a próxima jogada. Se...
Ela ergueu a cabeça e dirigiu-lhe um olhar suave.
- Se importa?
- Ei. - Ele ergueu a mão, palma para fora. - Só estou tentando ajudar. Vá em frente.
Estalou a língua quando ela se preparou para uma tacada enviesada. Ela não via que a bola três estava livre? Ele ergueu a cerveja para esconder o sorriso. Naquele ritmo, ia tê-la exatamente onde a queria dentro de cinco minutos.
E então deixou cair o queixo. Ela batera a bola no lado e mandara-a, limpinha, para a caçapa da quina. Não deu nem um sorriso, não ergueu os olhos, mas voltou direto ao trabalho. Alguns clientes aproximaram-se para olhar e dar palpites. Podiam ser tão invisíveis como os fantasmas dela.
Ela jogava sistematicamente, parando apenas um pouco, entre as tacadas, as sobrancelhas franzidas e os olhos desfocados, enquanto circulava a mesa. Ele esqueceu a cerveja pendurada dos dedos, suportou as cotoveladas e comentários dos observadores, e ela, rápida, tranqüila e sem uma falha, limpou a mesa. Para agravar o insulto, usou uma das bolas dele, a única em que ele podia - e devia - haver batido quando sentiu pena dela, para meter a bola oito na caçapa e vencê-lo em seu próprio jogo.
Lábios franzidos, Hermione endireitou-se e examinou a mesa.
- É isso?
Ouviram-se gargalhadas e assovios. Vários homens bateram no ombro dela e ofereceram-se para lhe pagar uma cerveja. Harry apenas apoiou o taco na mesa.
- Foi assim que você pagou seus estudos na universidade? Fazendo batota em sinuca?
Rubra com o sucesso, agora que concluíra o serviço, ela olhou-o radiante.
- Não, eu tinha inúmeras bolsas, e um generoso fundo universitário. Nunca joguei sinuca antes.
- Macacos me mordam. - Ele enfiou as mãos nos bolsos e examinou-a. - Você venceu o jogo. Não foi sorte de principiante.
- Não, não foi. Foi ciência. O jogo se baseia em ângulos e velocidade, não é? - Deliciada com o novo conhecimento, ela passou a mão nos cabelos. - Quer jogar de novo? Posso lhe dar duas bolas de vantagem desta vez.
Ele ia xingar, mas não resistiu e riu.
- Que diabos! Vamos jogar uma melhor de três.



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