Capítulo 2
Capítulo 2
Pela vitrine de exposição da loja, Gina viu o caminhão encostar no meio-fio. Com um filho em cada braço, precipitou-se para fora.
- Dra. Granger.
- Sra. Potter.
Hermione saltou da cabine da picape e soltou um grito de puro prazer, e depois se lançou sobre a amiga, com a visão turva. Fora-se a fria e clínica doutora, notou Harry, e viu-se rindo do jeito como as duas tagarelavam e se abraçavam. Tivera algumas reservas sobre Hermione Granger, e talvez ainda conservasse umas poucas. Mas não havia a mínima dúvida quanto à profundidade daquele afeto.
- Oh, eu senti saudades de você. Senti saudades de você. - repetiu várias vezes Hermione, quando as lágrimas lhe arderam os olhos. - Oh Gina, você está tão deslumbrante, e olhe só estes dois. Seus filhinhos. - Deixou as lágrimas escorrerem. Jamais tivera de conter-se, nem de sentir-se tola com a amiga. Fungando, tocou a bochecha de Nate e depois passou de leve o dedo pela suave cabeça do bebê. - Não a vejo há alguns anos, e veja o que você faz. Casada e mãe de dois filhos. Eu tenho de segurar um.
Sempre disposto, Nate estendeu os braços.
- Você deve se parecer com seu papai. - comentou Hermione, maravilhada, ao ver o menino franzir os lábios para cima à espera de um beijo.
- Papai. - ele concordou. - Joga bola. Harry! - Saltava para cima e para baixo como uma mola. - Harry, me faz pocotó.
- Mostra bem o que você sabe, preferir seu tio a uma dama.
Mas Harry içou Nate em volta dos ombros, onde o pequeno podia gritar e agarrar-lhe os cabelos.
- Você se acharam. - riu Gina, satisfeita, para os dois. - Sinto não ter podido pegar você.
- Eu diria que você tinha as mãos cheias. - Hermione virou-se para dar a Harry um sorriso amável. - E seu cunhado se virou muito bem. No todo.
- Você deve estar cansada. Entre na loja. Já vou fechar. Harry, entre para tomar um pouco de chá.
- Eu tenho de voltar, mas obrigado, de qualquer modo. Para o chão, Nate.
Ele rodopiou com o menino, provocando uma série de risadas de sacudir-lhe a barriga. Prudente com o filho, Gina agarrou firme a mão de Nate tão logo ele tocou os pezinhos no chão.
- Obrigada. - Ela beijou Harry de leve nos lábios. - Eu lhe devo uma. Quero dar a Hermione um jantar de boas-vindas amanhã, quando ela já tiver tido tempo para descansar. Você vem, não vem?
- Uma boca-livre. - Ele piscou-lhe o olho. - Pode contar comigo. Até amanhã.
- Obrigada pela carona. Fazendeiro. - Harry parou na porta do motorista.
- Às ordens. Mione.
Gina ergueu uma sobrancelha quando o carro se afastou.
- Mione
- É só uma brincadeirinha. - Objetivamente, ela ergueu os olhos e dirigiu-os à rua, notando o tráfego leve, os antigos prédios de pedra, as pessoas passando o tempo diante das entradas das casas. - Eu estou tentando imaginar Gina Weasley como moradora e dona de loja de "Cidade Pequena".
- Tornou-se meu lar assim que a vi. Entre para conhecer por dentro. - ela repetiu. - Diga o que acha da loja.
Agora conseguia imaginá-la, percebeu Hermione logo que pisou na loja Past Times. O estilo, a elegância das cintilantes antiguidades, os lindos abajures antigos, as peças de vidro e o conjunto de estatuetas. Emanava um aroma de especiaria e talco de bebê que a fez sorrir.
- Mamãe. - ela disse, após girar em um círculo. - Qual é a sensação?
- Incrível. Estou louca para você conhecer Draco. - Transferiu-se para um quarto dos fundos, acomodando o bebe em um berço, e depois ergueu Nate e sentou-o em uma cadeira alta, onde ele se ocupou com um biscoito. Isso lhe deu tempo para respirar. - Claro, você viu Harry, logo teve uma idéia bastante boa da aparência física dos Potter.
- São todos assim? Altos, morenos e absurdamente bonitos?
- Todos. Com fama de meninos maus para combinar. - Ela se recostou e fez uma longa avaliação. - Hermione, é sempre isso que as pessoas dizem quando não se viram durante algum tempo, mas eu tenho de dizer de qualquer modo. Você está maravilhosa.
Hermione sorriu, ajeitando um anel de cabelos castanho-escuros.
- Tomei coragem para picar tudo quando estava na Europa alguns meses atrás. Você vivia tentando me convencer a fazer alguma coisa com meus cabelos.
- Eu nunca teria sido tão valente, nem criativa assim. Fica bem em você, Hermione. E...
- As roupas? - Ela abriu o sorriso. - Isso foi a Europa, também. Eu tive uma crise de estilo visual, por assim dizer. Caminhava pela Margem Esquerda e captei por acaso um vislumbre da mulher refletida em uma das vitrines. Parecia um espantalho desleixado, os cabelos desgrenhados escorridos pelo rosto, e usava o mais horroroso terninho marrom. Pensei: Coitadinha, ter uma aparência dessas em uma cidade como esta. E então percebi que era eu.
- Você é muito dura consigo mesma.
- Eu estava um caos. - afirmou, categórica, Hermione. - Um clichê, o prodígio desalinhado com um cérebro afiado e sapatos medonhos. Entrei no salão de beleza mais próximo, não me dei tempo algum para pensar, racionalizar, intelectualizar, e me coloquei nas mãos deles. Quem imaginaria que um corte de cabelos decente faria tão grande diferença na forma como eu me sentia? Parecia tão superficial. Dizia isso a mim mesma até quando saí com várias centenas de dólares em cremes para a pele.
Riu consigo mesma ao perceber que, após todo esse tempo, continuava saboreando aquele momento.
- Depois me dei conta de que, se as aparências não eram importantes, não seria um problema apresentar uma boa.
- Então eu vou repetir. Você está maravilhosa. - Gina estendeu o braço para as mãos de Hermione. - Na verdade, como você está feliz com a mudança, vou lhe dizer com toda a franqueza que eu não a teria reconhecido. Está impressionante mesmo, e fico muito feliz por vê-la com essa aparência tão fabulosa.
- Eu tenho de dizer o seguinte. - Ela deu um aperto forte nas mãos de Gina. - Gina, você foi minha primeira amiga de verdade.
- Hermione.
- Minha primeira, sério, a única pessoa próxima que não me tratava como uma excentricidade. Faz muito tempo que venho querendo lhe dizer o que isso significou para mim. O que você significa para mim. Mas até com você eu tinha dificuldade de pôr esse tipo de coisa para fora.
- Você está me fazendo chorar de novo. - conseguiu dizer Gina.
-Tem mais. Eu fiquei muito nervosa com a vinda para cá, temendo que a amizade, a ligação, talvez não fossem as mesmas. Mas são. Droga. - Hermione deu uma copiosa fungada. - Você tem algum lenço de papel?
Gina mergulhou a mão em uma sacola de fraldas e retirou uma embalagem de bolso. Entregou um lenço de papel a Hermione e usou outro em si mesma.
- Estou tão feliz. - disse chorando.
- Eu também.
Hermione decidiu que a velha casa de pedra, de formato irregular, logo na saída de cidade, combinava à perfeição com Gina e Draco Potter. Tinha o charme rústico e masculino de Draco Potter, e a classe e a graça feminina de Gina, tudo resultando em uma unidade harmoniosa.
Teria identificado Draco como irmão de Harry a um quilômetro de distância e um olho fechado, tão poderosa era a semelhança. Portanto, não se surpreendeu quando, assim que a viu, ele puxou-a para dentro dos braços num apertado abraço.
Já registrara a informação de que os Potter gostavam de mulheres.
- Gina tem se afligido e alvoroçado há duas semanas. - ele disse a Hermione por cima de uma taça de vinho na grande e arejada sala de estar.
- Não tenho me afligido nem me alvoroçado. - Draco sorriu e, estendeu a mão para afagar a da mulher, quando ela se sentou no braço do sofá perto dele.
- Ela poliu tudo duas vezes, sugou com o aspirador de pó cada pêlo de cachorro.
Ele deu ao cão de caça dourado, que tirava uma soneca no tapete, uma afetuosa cutucada com o pé.
- Quase todo o pêlo do cachorro. - corrigiu Gina.
- Estou lisonjeada.
Hermione sobressaltou-se um pouco quando Nate derrubou os blocos de construção e jogou-os para todos os lados.
- Muito bem, é isso ai. - disse com brandura Draco. - Se não for construído direito, simplesmente derrube tudo e comece de novo.
- Papai. Brincar.
- Todo o segredo está na base. - disse Draco, levantando-se e estendendo-se no chão com o filho. Começaram a recolocar os blocos, Draco movendo as grandes mãos com as pequenas e rechonchudas de Nate. - Gina disse que você quer dar uma olhada de perto na pousada.
- Quero. Quero me hospedar lá, pelo menos durante algum tempo, se vocês tiverem um quarto vago.
- Oh, mas... queremos você aqui, Hermione. - Hermione sorriu para a amiga.
- Fico grata, e quero passar algum tempo aqui, também. Mas realmente ajudaria muito se eu pudesse ficar algumas noites lá, de qualquer modo.
- Caçando fantasmas. - disse Draco, com uma piscadela para o filho.
- Se você preferir. - rebateu Hermione friamente.
- Ei, não me entenda mal. Eles estão lá. A primeira vez que dei uma boa agarrada em Gina foi quando a peguei assim que desmaiava no saguão da pousada. Eles a apavoraram com a aparição.
- Não é verdade. - disse Gina. - Achei que Draco estava aprontando uma brincadeira de mau gosto, e, quando percebi que não era ele, fiquei... super nervosa.
- Fale-me disso. - Fascinada, Hermione curvou-se para a frente. - Que foi que você viu?
- Eu não vi nada. - Gina exalou um sopro. O filho se achava entretido demais com os blocos para notar o assunto da conversa. E, de qualquer modo, era um Potter. - Foi mais uma sensação... de não estar sozinha. A casa estava abandonada e vazia há anos. Draco ainda nem tinha começado as reformas. Mas se ouviam ruídos. Passos, uma porta se fechando. Tem um lugar na escada, um lugar frio.
- Você sentiu?
A voz de Hermione saiu nivelada agora, como a de um cientista avaliando dados.
- Até os ossos. Foi muito chocante. Draco me contou depois que um jovem soldado Confederado tinha sido morto ali, no dia da Batalha de Antietam.
- Dois cabos. - Hermione assentiu com a cabeça diante do olhar surpreso de Gina. - Andei pesquisando a área, as lendas. Dois soldados, de lados opostos, se encontraram nas matas em 17 de setembro de 1862. Consta que estavam perdidos, ou talvez desertando. Ambos eram muito jovens. Combateram ali e feriram gravemente um ao outro. Um seguiu com dificuldade para a casa de Charles Barlow, agora a Pousada Potter. A ama da casa, Abigail, era sulista, casada com um comerciante ianque. Ela mandou levarem o menino ferido para dentro, e o acompanhou escada acima para ser tratado. Em vez disso, o marido desceu, disparou a arma e o matou ali mesmo na escada.
- Está correto. - concordou Gina. - Muitas vezes você vai sentir o cheiro de rosas na casa. As rosas de Abigail.
- Sem dúvida. - Hermione refletiu sobre a informação. - Bem, bem... Não é fascinante? - Seus olhos ficaram sonhadores por um momento e mais uma vez se aguçaram. - Eu consegui contatar um descendente de uma das criadas de Barlow que estava lá na época. Parece que Abigail fez o possível para cuidar do menino, mesmo depois de morto. Mandou os criados revistarem os bolsos dele, e encontraram algumas cartas. Ela escreveu para os pais e providenciou o transporte do corpo de volta à cidade natal para o enterro.
- Eu nunca soube disso. - murmurou Gina.
-Abigail manteve tudo no máximo sigilo, na certa para evitar a ira do marido. O nome do menino era Gray, cabo Franklin Gray, dos Estados Confederados da América, CSA, e ele nem chegou a completar o décimo nono aniversário.
- Algumas pessoas ouvem o tiro, e o choro. Luna, a mulher de Rony, administra a pousada para nós. Ela pode lhe contar mais.
- Eu gostaria de visitar a casa amanhã, se puder. E a floresta. Preciso visitar a fazenda, também. O outro cabo, nome desconhecido, foi enterrado pelos Potter. Espero descobrir mais. Meu equipamento deve chegar aqui amanhã à tarde, ou depois de amanhã.
- Equipamento? - perguntou Draco.
- Sensores, máquinas fotográficas, medidores de temperatura. A melhor forma de lidar com a parapsicologia é como uma ciência. Diga-me uma coisa, houve quaisquer relatos de atividades telecinéticas... movimento de objetos inanimados? Poltergeists?
- Não. - Hermione teve um rápido tremor. - E com certeza teríamos sabido.
- Bem, a esperança é a última que morre. - Aturdida, Gina olhou-a fixamente.
- Você era tão...
- Séria? Ainda sou. Acredite em mim, levo isso muito a sério.
- Tudo bem. - Com um rápido balanço da cabeça, Gina levantou-se. - E é melhor eu levar o jantar a sério.
- Vou dar uma mãozinha. - Gina arqueou uma sobrancelha quando a amiga se levantou.
- Não me diga que também aprendeu a cozinhar na Europa.
- Não, não sei cozinhar nem um ovo.
- Você dizia que era genético.
- Eu lembro. Agora acho que é só uma fobia. Cozinhar é um negócio perigoso. Lâminas afiadas, calor, chama. Mas eu lembro de como se põe uma mesa.
- Já é muito bom.
Tarde naquela noite, Hermione se instalou no quarto e aconchegou-se no grande assento de janela acolchoado com um livro e uma xícara do chá de Gina. Vindo ao longe do corredor, ouviu vagamente o choro irritável de um bebê, e em seguida passos atravessando-o. Momentos depois, o silêncio retornou, quando, imaginou, Gina amamentava o bebe. Nunca imaginaria a Gina Weasley que conhecera como mãe. Na faculdade, ela sempre fora brilhante, enérgica, interessada em todo mundo e tudo. Claro, atraía companhia masculina, lembrou Hermione com um pequeno sorriso. Uma mulher com a aparência de Gina sempre atrairia homens. Não era apenas a beleza, porém, mas o jeito de tratar as pessoas, que a tornava tão popular entre os homens e as mulheres.
E a desalinhada, séria e deslocada Hermione ficara muito chocada e deslumbrada quando Gina lhe oferecera amizade. Era tão lamentavelmente tímida, pensava agora, fitando sonhadora pela janela com a xícara aquecendo-lhe as mãos. Ainda era, admitiu, sob o verniz que criara nos meses recentes. Não tinha quaisquer talentos sociais então, e nenhuma defesa contra o rápido andamento do ambiente da faculdade.
Com exceção de Gina, que achara natural tomar uma menina jovem, desajeitada e sem atrativos sob sua proteção.
Era uma coisa que Hermione jamais esqueceria. E ali sentada, no adorável quarto de hóspedes, com a grande cama de quatro colunas e lindos abajures encimados por globos, sentia uma profunda e afetuosa satisfação pelo fato de a amiga haver encontrado uma vida tão maravilhosa.
Um homem que a adorava, era óbvio, pensou Hermione. Qualquer um via o amor de Draco pela mulher toda vez que ele olhava em sua direção.
Um homem forte, bonito, fascinante, dois filhos encantadores, uma loja bem-sucedida, uma bela casa. Sim, emocionava-a encontrar Gina tão contente.
Quanto a si mesma, o contentamento vinha-lhe fugindo, nos últimos tempos. A academia, que a cercara a vida toda, tornara-se nos últimos tempos mais uma prisão que um lar. Na verdade o único lar que já conhecera. Mas fugira dele. Por alguns meses, pelo menos, sentia-se compelida a explorar outras facetas de si mesma que não o intelecto.
Queria sentimentos, emoções, paixões. Queria correr riscos, cometer erros, fazer coisas tolas e excitantes.
Talvez fossem os sonhos, aqueles estranhos e recorrentes sonhos, que a haviam influenciado. Fosse o que fosse, o fato de a amiga mais íntima haver se estabelecido em Antietam, um lugar de história e lenda, fora tentador demais para resistir.
Não apenas lhe dava a oportunidade de visitar a amiga e retomar uma importante relação, mas lhe oferecia a chance de mergulhar em maior profundidade em um passatempo que rapidamente vinha se tornando uma compulsão.
Não saberia na verdade indicar com exatidão quando e como o estudo do paranormal começara a atraí-la. Parecia haver sido uma coisa gradual, um artigo aqui, uma pergunta ali.
Depois, claro, os sonhos. Haviam começado vários anos antes, estranhos e pequenos fragmentos de imagens que pareciam lembranças. Com o tempo, ficaram maiores e mais claros.
E ela começara a documentá-los. Afinal, como psiquiatra, entendia o valor dos sonhos. Como cientista, respeitava a força do inconsciente. Encararia toda a questão como faria com qualquer projeto, de forma organizada, precisa e objetiva. Mas sua objetividade era sistematicamente superada pela pura e simples curiosidade.
Então, estava ali. Fora coincidência, imaginação ou destino que a fizera acreditar que se dirigira a um lugar ao qual se destinava ir? Fora atraída para ali?
Veria.
Enquanto isso, desfrutaria. O tempo com Gina, a beleza do campo, o encantamento profissional e pessoal de estar em uma terra histórica. Ia entregar-se ao seu passatempo, trabalhar em sua confiança e explorar as possibilidades.
Achava que se saíra bem com Harry Potter. Houvera uma época, não muito tempo atrás, em que teria gaguejado e enrubescido, ou murmurado e curvado os ombros na presença de um homem tão... viril. A língua teria engrossado e se amarrado em nós diante da apavorante perspectiva de puxar conversa de natureza não acadêmica.
No entanto, não apenas conversara com ele, mas mantivera o controle da situação e de si mesma. E, quase o tempo todo, sentira-se à vontade fazendo isso. Chegara até a brincar com ele, e achava que poderia fazer uma primeira tentativa de paquera da próxima vez.
Que mal faria, afinal?
Rindo da idéia, levantou-se e enfiou-se debaixo do edredom de dupla face. Não estava a fim de ler, e se recusava a sentir-se culpada porque não ia terminar o dia com algum estímulo intelectual. Em vez disso, fechou os olhos e curtiu a sensação dos macios lençóis na pele, a gostosa e confortável depressão dos travesseiros recheados de penas sob a face, o aromático perfume do buquê no vaso na cômoda do outro lado do quarto.
Vinha ensinando a si mesma a levar tempo para apreciar as texturas, os aromas e os ruídos. No momento, ouvia o suspiro do vento contra as janelas, o rangido e gemido das ripas de madeira acomodando-se, o delicado sussurro de sua perna mexendo-se pelo lençol.
Pequenas coisas, pensou com um sorriso esboçando-se em volta da boca. As pequenas coisas que nunca se dera tempo para apreciar. A nova Hermione Granger não se apressava e apreciava muito.
Antes de aconchegar-se mais, estendeu a mão para desligar o abajur. No escuro, deixou a mente vagar pelos prazeres que poderia explorar no dia seguinte. Uma ida à pousada, com certeza. Aguardava ansiosa a visita casa mal-assombrada, conhecer Luna Potter. E Rony. Ele era o irmão casado com a gerente da pousada. E também o xerife, pensou. Na certa um bom homem para se conhecer.
Com sorte, teriam um quarto vago, e ela poderia instalar o equipamento assim que chegasse. Mas mesmo que não, tinha certeza de que ia organizar uma visita à pousada, e acrescentar algumas histórias a seu arquivo.
Queria um passeio nas matas, mais uma vez, segundo a opinião geral, assombradas. Esperava que alguém pudesse indicar a área onde os dois cabos haviam supostamente se encontrado e lutado.
Pela maneira como Gina explicara as condições, Hermione achava que poderia atravessar a floresta e ter uma visão direta da fazenda dos Potter. Desejava enormemente saber se teria uma reação ao lugar, como tivera quando Harry passara pelas terras que margeavam a estrada.
Tão conhecido, pensou, sonolenta. As árvores e as pedras, o gorgolejo do riacho. Tudo tão estranhamente conhecido.
Podia-se explicar, imaginou. Ela visitara o campo de batalha antes. Lembrava-se da caminhada pelos campos, estudando os monumentos, representando cada passo da luta na cabeça. Não se lembrava de haver passado por aquela extensão específica da estrada, mas talvez tivesse passado enfiada no banco de trás do carro da família e interrogada pelos pais.
Não, a floresta não lhe teria acenado então. Devia estar ocupada demais absorvendo dados, analisando-os e registrando-os para anotar a forma e cor das folhas, o ruído do riacho apressando-se sobre as pedras.
Compensaria isso amanhã. Compensaria muitas coisas.
Assim, caiu no sono, sonhando com as possibilidades...
Era terrível, terrível, ouvir os sons da guerra. E dilacerante saber que tantos jovens combatiam, morriam. Morriam como seu Johnnie morrera - seu filho alto, bonito, que jamais lhe sorriria de novo, jamais entraria sorrateiramente na cozinha para pegar mais biscoito.
Enquanto os ruídos da batalha ecoavam ao longe, Sarah reprimia o medo, forçando-se a levar adiante a rotina de mexer o guisado que vinha cozinhando em fogo lento. E a lembrar-se que tivera Johnnie durante 18 anos maravilhosos. Ninguém podia tirar-lhe as lembranças dele. Deus também lhe dera duas lindas filhas, e isso era um conforto.
Preocupava-se com o marido. Sabia que ele sofria pelo filho morto todo dia, toda noite. A batalha que chegara tão assustadoramente perto de casa era apenas mais um cruel lembrete do que custava a guerra.
Era um homem tão bom, pensou, enxugando as mãos no avental. Seu John era forte e bondoso, e o amor que sentia por ele continuava tão inteiro e rico como há vinte anos, quando ela recebera a aliança e o nome dele. E nunca duvidara do amor dele por ela.
Após todos esses anos, ainda sentia o coração saltar quando ele entrava na sala, e suas necessidades continuavam satisfeitas com estremecimentos sempre que ele a procurava à noite. Ela sabia que nem todas as mulheres eram tão afortunadas.
Mas se preocupava com ele. John não ria mais tão espontâneo desde o terrível dia em que haviam sabido que Johnnie desaparecera em Buli Run. Tinha olheiras e uma amargura nos olhos que não existiam ali antes.
Johnnie fora para o Sul, temerária e idealisticamente, e o pai se sentira muito orgulhoso dele.
Era bem verdade que no estado fronteiriço de Maryland havia simpatizantes sulistas e famílias dilaceradas em duas quando tomavam partido. Mas não houvera partidarismo na família Potter. Johnnie fizera sua opção com o apoio do pai. E a opção o matara.
Era isso que ela mais temia. Que John se culpasse, além de culpar os ianques. Que ele jamais conseguisse perdoar nenhum dos dois, nem tornasse a encontrar a paz.
Sabia que, não fosse por ela e as meninas, ele teria deixado a fazenda para lutar. Assustava-a a necessidade dentro dele de pegar em armas, de matar. Era a única coisa na vida dos dois que nunca discutiram.
Sarah arqueou as costas, apertando a mão aberta na base da espinha, para aliviar uma dor incômoda. Tranqüilizava-a ouvir as filhas conversando, enquanto descascavam batatas e cenouras para o guisado. Entendia que a incessante tagarelice delas era para bloquear os nervos que saltavam ao ouvirem o eco dos disparos de morteiro no ar.
Haviam perdido metade de um campo de milho nessa manhã, o combate chegara realmente perto. Agradecia a Deus por a luta ter mais uma vez mudado de direção e por não estar amontoada com as filhas no porão. Por John estar são e salvo. Não suportaria perder outro a quem amava.
Quando ele chegou, Sarah passou café e foi servi-lo ao marido. John exibia tão grande cansaço no rosto que, em vez disso, ela pôs a xícara de lado e envolveu-o nos braços. Ele cheirava a feno, animais e suor, e tinha os braços fortes quando retribuiu o abraço.
- Está se deslocando, Sarah. - Ele roçou com os lábios a face dela. - Não quero que você se aflija.
- Eu não estou me afligindo. - Ela sorriu quando ele arqueou uma sobrancelha salpicada de prateado. - Só um pouco.
Ele correu o polegar sob os olhos dela, pelas sombras que os assombravam.
- Mais que um pouco. Maldita guerra. Malditos ianques. Quem lhes dá o direito de vir às minhas terras e fazer essa matança? Canalhas.
Afastou-se e pegou o café. Sarah lançou um olhar às filhas que as fez levantar-se em silêncio e sair.
- Já estão se retirando. - ela murmurou. - O ruído dos disparos começou a ficar cada vez mais distante. Não pode durar muito mais.
John sabia que ela não falava dessa única batalha, e abanou a cabeça. A amargura retornou-lhe aos olhos.
- Vai durar enquanto eles quiserem que dure. Enquanto os homens tiverem filhos para morrer. Preciso ir inspecionar as coisas. - Ele largou o café, sem tê-lo provado. - Eu não quero você nem as meninas pondo o pé fora da casa.
- John. - Ela estendeu o braço e tomou-lhe a mão, segurando a dura e calosa palma na sua. Que poderia dizer? Que não havia ninguém a quem culpar? Claro que havia, mas os homens que fabricaram a guerra e a morte eram sem nome e sem rosto para ela. Em vez disso, levou à sua face a mão dele. - Eu amo você.
- Sarah. - Por um momento, para ela, ele suavizou os olhos. - Bela Sarah.
Roçou com os lábios os dela e saiu.
No sono, Hermione agitava-se, mudava de posição e murmurava.
John deixou a casa sabendo que quase não podia fazer nada. Ao longe, viu os pés de milho que secavam enegrecidos e despedaçados. Sabia que haveria derramamento de sangue em seu terreno. E não queria saber se os homens que ali morreram já haviam sido retirados ou não.
Era a sua terra, sua, malditos sejam. Sabia que quando arasse na primavera, seria assombrado pelo sangue e morte que haviam sido derramados na terra.
Enfiou a mão no bolso, fechando-a na miniatura do filho que sempre levava consigo. Não chorava; tinha os olhos secos e duros ao examinar a terra. Sem a terra, ele não era nada. Sem Sarah, estaria perdido. Sem as filhas, morreria de bom grado.
Mas agora não tinha outra opção senão viver sem seu menino.
Com a expressão sombria, ficou ali parado, as mãos nos bolsos, os olhos na terra. Quando ouviu o choramingo, uniu as sobrancelhas. Já verificara o gado e trancara-o em segurança. Teria perdido um bezerro? Ou teria um dos cachorros fugido do estábulo onde os trancara para impedi-los de ser atingidos por uma bala perdida?
Seguiu o som até a casa de defumação, temendo que tivesse um animal ferido para tratar ou abater Embora fosse fazendeiro a vida toda, continuava a sua atingido pela culpa e dor sempre que era necessário aliviar um animal de seu sofrimento.
Mas não era um animal, era um homem. Um dito barriga-azul, despejando sangue na terra dos Potter. Por um instante, sentiu um quente jorro de prazer. Morra aqui, pensou. Morra aqui, como meu filho morreu na terra de outro homem. Você poderia ter sido quem o matou.
Sem compaixão, usou a bota para virar o homem de costas. O uniforme da União estava imundo e empapado de sangue. Alegrou-o constatar aquilo e sentiu-se friamente emocionado.
Então viu o rosto, e não era um homem. Era um menino. Tinha as suaves faces pálidas, os olhos vidrados de dor. E logo os fixou nos seus.
- Papai? Papai, cheguei em casa.
- Eu não sou seu pai, menino.
Os olhos fecharam-se.
- Me ajude. Por favor, me ajude. Estou morrendo...
No sono, Harry enroscou o punho nos lençóis, e embolou-os com o corpo agitado.
Agradecimento especial:
Silvia Cecil: Obrigado pelo apoio garota, Universo Alternativo é diferente e eu gosto muito das fics UA. Os fantasmas são o mistério da fic. Na verdade é uma serie de quatro livros, e as aparições dos fantasmas ocorrem no decorrer de cada um dos livros. Este é o quarto e ultimo livro e desvenda todo o mistério dos fantasmas. Beijos.
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