A Fotografia



Belatriz alisou a ampla saia de seda sem sentir a textura suave sob seus dedos. Estava entorpecida. Sua irmã Narcisa, a enfeitava como uma boneca, ignorando sua inércia. A loira estava bela como uma rainha, com seu longo vestido verde-oliva e enormes esmeraldas nas orelhas. Belatriz estava tão bela quanto a outra, tinha certeza, mas não se olhava no espelho. Sentia repulsa pelo vestido caro, pelos sapatos, pelo fio de pérolas em seu pescoço e até pelo seu cabelo, preso em complicado penteado que o fazia cair em cachos macios até a sua cintura. O corpete justo e bordado lhe causava desconforto, mas sentia isso como se alguém estivesse narrando suas sensações. Não havia ninguém naquele corpo, apenas a carcaça inatingível.

- Acabei Bela. – a voz de Narcisa chegando distante aos seus ouvidos, enquanto ela se dava conta que a moça já tinha parado de escovar seu cabelo e agora a observava com admiração – Você está linda querida. Bela? Bela?

- Sim Narcisa? – Sua voz estava irreconhecível e desconcertou a beldade a sua frente.

- Bem, então é isso. Os convidados já chegaram, desça quando estiver pronta.

Belatriz ouviu a porta bater as suas costas, mas não se virou nem respondeu. Quando estivesse pronta. Pela janela observou a rua em que suas irmãs e ela costumavam brincar. Andrômeda apartando docemente quando Belatriz e Narcisa brigavam. Sentiu saudade de sua infância, onde nada importava. Onde podia abraçar a irmã tranquilamente sem se preocupar com o fato de ela estar misturando seu sangue com um trouxa. A porta atrás dela se abriu, e ela sentiu vontade de gritar com Narcisa por estar voltando ali para atormentá-la. Mas o perfume que sentiu não era o de sua irmã, era o perfume que jamais esqueceria em toda vida. Virou-se apenas para se arrepender. Sirius estava lindo a sua frente, num elegante smoking preto.

- Bela... – ele sussurrou, boquiaberto.

Merlin, como ela estava encantadora! Como um anjo deslocado, caído do céu. Quis tocá-la, mas ela se retraiu.

- Bela, ainda há tempo. Por favor. Vamos embora.

“Por que Sirius? Por quê? Porque vir aqui, esfregar na minha cara a felicidade que eu não posso ter?” Virou-se novamente. Não havia lágrimas em seus olhos, nem duvidas no seu coração. Ela não iria embora. Gostaria de poder odiá-lo, as coisas seriam mais fáceis. Mas pela primeira vez conseguia separar seus sentimentos de suas obrigações e algo lhe dizia que em seu coração isso nunca mudaria. Sentiu a mão forte puxar o seu braço e a virar. Quase vacilou quando o viu. Ajoelhado a sua frente, erguia um anel em sua direção.

- Casa comigo Bela. Eu prometi não abrir mão de você acontecesse o que acontecesse, mas eu a quero comigo, pra sempre.

O anel que ele lhe oferecia não era uma simples aliança. O fino caule dourado de uma rosa formava o círculo enquanto um pequeno rubi repousava no centro da flor.

- Grifinório. - ela disse apenas.
- Como eu.

- Eu já prometi, Sirius. Ela abaixou a cabeça, e ele soube que ela se referia ao pacto que haviam selado em seu quarto.

- Eu te amo.

Ela sacudiu a cabeça, e ele se levantou. Tomou seu rosto nas mãos e olhou em seus olhos negros e opacos. Quis mergulhar naquele vazio e resgata-la das trevas em que se perdera.

- Não – ela disse baixo, mas com firmeza. Guardou seu beijo apaixonado para quando pudesse tê-la de novo. Viva, real. Pressionou seus lábios contra os dela suavemente e a deixou.

Quando a porta bateu pela segunda vez, Belatriz se encarou no espelho. Viu o pálido começo do seu fim. Soube que estava pronta, desceu as escadas.


Em seu quarto, Sirius enfiou tudo o que era necessário na mochila. Não tinha motivos para permanecer ali. Deu uma ultima olhada nas paredes vermelhas e nas fotografias alegres com os Marotos. Tiago o esperava em Godric Hollow e lá ele começaria uma nova vida. Sua mão estava na maçaneta quando se lembrou de uma coisa. Sob o parapeito da janela, estava colada com fita adesiva trouxa a única foto que tinha dela. Num verão em que Remo lhe emprestara a câmera, ele registrou daquela mesma janela sem que ela percebesse o momento em que ela sorrira no jardim para filhotes de passarinho num ninho. Um gesto tão raro e puro nela, que modificara totalmente suas feições, e que ele jamais esqueceria. Tirou o anel do bolso e o depositou sobre o mesmo parapeito. Decidido a levar dali apenas a mais linda lembrança que tinha.

Pouco depois desceu as escadas da mansão com sua mochila nas costas, passando despercebido pela multidão de desconhecidos ilustres. Não pode evitar comparar a situação a toda a sua vida. Ele sempre fora um fardo pesado, mas facilmente ignorável pela família. Uma família de estranhos, podres por dentro, mas com uma aparência perfeita, único traço que o acompanharia para o resto da vida.
Viu seu irmão, Régulo, um tolo influenciável, impecável em seu terno verde-escuro, cercado por seus amigos jovens e igualmente tolos. Na mesa central, seu pai e sua mãe, odiosamente aristocráticos, unidos num laço de interesses e indiferença. À esquerda deles, sua prima Narcisa e o pomposo Lucio, numa paródia nojenta do que seria um casamento de verdade.
Ele não pode evitar um ultimo olhar na direção de Belatriz e Lestrange, que rodopiavam ao som de uma valsa. Odiou o porco nojento que a tocava com as mãos pequenas e enrugadas, indignas de sua perfeição. A ultima coisa que se lembraria daquela casa seria o rosto de porcelana dela, tão imóvel quanto o de um bibelô. Seus olhos se encontraram uma ultima vez, e ele se forçou a sorrir, encorajando-a. Tinham um pacto inquebrável mesmo através do tempo e da dor. Ele cultivara sua rosa delicada o quanto pudera e era com o coração dilacerado que se afastava. Mas ela tinha raízes fortes e espinhos afiados e esperava que eles pudessem protegê-la enquanto ele não pudesse, mesmo que fosse dela mesma.

Rodolfo não sabia porque a esposa tinha se soltado de seu abraço e desaparecido escada acima. Mas não importava. Belatriz era a mulher mais linda que já tinha botado os olhos. Superava até mesmo a trouxa nojenta que tinha virado sua cabeça o suficiente para que ele cometesse o desatino de abusar dela. Virou o que pensava ser o décimo terceiro copo de uísque. Ou será que era o décimo sexto? Não importava também. Quanto mais alto estivesse melhor. Afinal aquela noite seria inesquecível.

Eram duas da manhã e Belatriz não conseguia pregar os olhos. Rodolfo roncava sonoramente ao seu lado, enquanto uma tempestade violenta fustigava as janelas enormes, lançando as sombras dos caixilhos sobre a cama e sobre o corpo repugnante e nu do seu marido. O nojo e o ódio que sentia dele arrepiava a sua pele e a fazia querer tomar um banho de horas e usar o mais potente feitiço de limpeza. Ele tinha roçado o seu corpo flácido no dela, beijando sua boca com selvageria e inexperiência, e depois rápido demais para que ela pudesse sequer se excitar ele havia terminado. Como não compara-lo a Sirius? O único amante que tivera? Porque aquela criatura ridícula não podia ser comparado a perfeição representada por Sirius. Não conseguiu manter a promessa que fizera pra si mesma e deixou lágrimas amargas escorrerem pelos seu rosto, na esperança de que lavassem pelo menos a sua alma machucada. Ergueu os olhos para o teto, onde um lustre luxuoso pendia com elegância. Sua vida seria assim, cheia de promessas vazias, que ela tentaria cumprir em vão. Exceto uma. Abaixou os olhos na direção do anel que rodava no dedo indicador, próximo demais da grossa aliança. Tinha ido ao quarto dele assim que o viu sair, era como se só pudesse respirar lá dentro. O brilho dourado chamou sua atenção e ela não conseguiu abandoná-lo.
Fitou o rubi e sentiu a saudade consumi-la. Ele ainda estava com ela naquela jóia exuberante. Levantou-se silenciosa como um fantasma e foi até a penteadeira. Em cima dela estava um porta jóias. Ignorou seu caro conteúdo e pegou a peça mais simples que havia. Uma correntinha de ouro puro. Abriu seu fecho delicado e deslizou o anel por ela, para em seguida colocá-lo no pescoço fino. Ele pendeu abaixo dos seus seios caindo pelo vale formado, imperceptível mesmo através da fina camisola. Voltou para cama, sentindo toque frio do metal sobre sua pele e adormeceu imediatamente.

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