¤ Capítulo Único



Estrela na Tempestade

Os trovões começaram a estourar, ressoando nas paredes que o cercavam. Refestelado no sofá da Sala Comunal, James Potter apenas ignorava a tempestade. Normalmente estaria seriamente preocupado em uma situação como aquela, mas algo mais premente lhe ocupava o pensamento. A chuva jamais lhe deixara dormir confortável. Era um som incômodo, que o lembrava de centenas de outros ruídos semelhantes. Parecia o bradar de uma multidão, enfurecida e triste ao mesmo tempo. Estes sons lhe tiravam a coragem e a paz – murmúrios de morte, cada vez mais presentes na guerra que assomava.

Mais do que nunca, era durante as tempestades que James amava tê-la por perto. Incrível como, em poucos meses, Lily deixara de ser uma simples namorada. Ela compreendia cada pequeno gesto ou expressão sua, conseguia facilmente ver através de seus olhos ou palavras. Mesmo que tentasse, ele sabia que nunca conseguiria esconder algo da ruiva. E conhecendo-o assim, sabendo de cor suas manias e medos, ela tornou-se seu porto-seguro. Como boa grifinória, ela era forte.

Forte o suficiente para conter as lágrimas, encarar a guerra como uma realidade – não um pesadelo. Forte o suficiente para sorrir bondosamente e acalmá-lo. Para ignorar os raios que riscavam os céus e, sem precisar de palavra alguma, dar a James a força necessária para fazer o mesmo. Tendo as mãos suaves dela sobre seus cabelos, o moreno facilmente esquecia de todo aquele terror. Lá, estavam ambos seguros.

Fechou os olhos. Não queria ouvir os murmúrios. Não tinha porque ouvi-los naquela noite. Sem que percebesse, voltou a pensar em Lily. Voluntariamente, sua mente começava a responder a pergunta feita por ela dias antes: por que ele a amava tanto?



▫ Sua Voz ▫
A primeira característica que o encantou foi a voz dela. Já nos primeiros anos em Hogwarts, a voz de Lily possuía um tom distinto de delicadeza. Mesmo quando ela bradava, furiosa, havia em sua voz algo que James não conseguia identificar perfeitamente. Parecia que a bondade não deixava seu tom, nem mesmo em sua fúria.

Não era uma voz especialmente musical; ela dificilmente se arriscava a cantarolar qualquer coisa. Mas sua fala sempre o fazia lembrar-se de sinos ao vento, imaculados e risonhos. Uma reflexão incompleta de sua alma.

▫ Seus Olhos ▫
Em seguida, foram seus olhos que o cativaram. A primeira vez que ela o olhou diretamente nos olhos, dona de meros onze anos, James viu repreensão. Lily de fato tinha o dom de se expressar através de seu olhar. Encarou o quanto pode o par de esmeraldas vivas, sem se intimidar. Viciou-se, então. Não passava um dia sem que procurasse aquele olhar repleto de censura, embora esta continuasse presente sempre.

E como se não bastasse o tom admirável e a moldura de longos cílios, tinha o brilho. Os olhos dela estavam quase sempre brilhando; não o de esmeraldas. Era um cintilar vivo, que refletia toda e qualquer emoção que tomasse a ruiva – desde que você soubesse ler o espelho. Enquanto não aprendeu a lê-los com maestria, James continuou a buscar os olhos dela.

▫ Sua Pulseira Prata ▫
Quando reparou em tal adereço, já era audaz – ou louco – o suficiente para manter-se perto dela contra a vontade da própria. Foi durante uma das entediantes aulas de História de Magia, quando Lily apoiava o rosto sobre o braço, que ele viu. Não sabia se era prata de verdade, mas também não importava. Assim que viu o pingente de estrela, não deixou de incomodá-la até que lhe dissesse o significado. E não pode conter o sorriso quando, de má vontade, ela revelou sua paixão pelas estrelas. Fazia sentido, na verdade.

Sonhadora daquele jeito, não era de admirar que mantivesse o coração no céu. Quase desejou ser a tal pulseira, mas mudou de idéia. Preferia ser aquele que sentaria ao lado da ruiva, quando esta admirasse as verdadeiras estrelas. Ainda assim, o adereço representava o primeiro segredo revelado por ela. O início da confiança que lhe daria direito àquele coração, tempos depois.

▫ Sua Fita de Seda ▫
Não era difícil notar que Lily jamais soltava o cabelo. Pelo menos, não para alguém que a observava tanto. No entanto, quanto menos ela resistia à sua presença, mais detalhes ele percebia. Ele levou algum tempo para notar que era uma fita que lhe prendia o cabelo. Tinha alguns palpites quanto à razão – abstratas referências à sua elegância –, mas nada melhor que a opinião da própria, não é? Mais uma vez, não sossegou até saber a resposta, embora ela viesse resistindo cada vez menos. Era também muito simples.

Lily apenas achava muito mais útil e – para o espanto do moreno – elegante do que os prendedores comuns. Ele não achava que era só isso… E realmente, meses depois ela lhe revelara a fita lhe adornava o cabelo há tempos. Desde a época em que seu pai era vivo e sua mãe, cuidadosa. Uma lembrança de tempos mais felizes para ela. E ao ouvir, James inconscientemente quisera proteger aquela nova face de Lily – tão frágil!

▫ Seu Cabelo ▫
Melhores amigos, agora – grande, grande avanço para ele. Embora não fosse seu objetivo final, agora também recebia a bondade e alegria que antes só sonhava em receber dela. E eis que, como amigo, era perfeitamente aceitável que a abraçasse – desde que mantivesse as mãos onde devia. Tão perto dela, sentia claramente a textura acetinada de seus cabelos. De certa forma, mesmo seus cabelos refletiam a personalidade dela.

Justamente pelo fato de variarem de tom no claro e no escuro; costumava dizer a Lily que seu cabelo sempre parecia mais vermelho quando ela estava realmente feliz. Ela soltava seu riso prateado, balançava a cabeça e voltava a escrever – enrolando uma madeixa no indicador, sinal claro de sua concentração. Ou, em tradução, não ouse distrair-me de novo. James apenas ria junto e também enrolava uma mecha em seu dedo… E se perguntava como até mesmo o cabelo dela era quente.

▫ Seu Perfume ▫
Afinal, vitória. Ele se apaixonara mais ainda por aquela Lily amável e risonha e – melhor a conquistara também. Possuía agora o privilégio de ter os lábios rosados só para si. Ela tinha os lábios macios de quem falava com candura – na maior parte do tempo, pelo menos, brigas antigas à parte. Porém, e ele se recusava a ignorar, tão macia quanto seus lábios era a tez de seu pescoço. Tentação; e a pior de todas elas. Lily exalava um perfume distinto, suave. Menos doce do que a maioria.

James na verdade juraria que ela cheirava a lírios – tão criativo! Apesar de haver verdadeiramente um tom de lírios, havia mais algo cítrico. Jamais conseguiu identificar corretamente, e ela também se recusou a dar qualquer pista. Qualquer que fosse a fórmula, viciava. Ele ficava constantemente inebriado pela mistura singular, de modo que seus lábios não costumavam se distanciar por muito tempo do pescoço dela.

▫ Suas Mãos ▫
Tinha as mãos hábeis de uma legítima pianista. Era admirável a destreza com que a ruiva dedilhava o piano, os dedos pálidos quase invisíveis sobre as teclas. Contudo, apesar de apreciar a música, ele preferia muito mais quando os dedos compridos estavam em seu rosto ou cabelo. Sim, James era homem o suficiente para admitir o carinho feito por aquelas mãos, por mais breve que fosse, tinha a capacidade de lhe tirar o fôlego.

Assim, era egoisticamente natural que quisesse manter aquela textura branda sobre si. A graciosidade da ruiva mostrava-se totalmente através de seus dedos. Surpreendente que as páginas que corriam ásperas sob eles não houvessem lhe tirado a suavidade. Em atos mais simples que estes até. Quando ela pousava o indicador sobre os lábios, pensativa. Ou quando – com certeza só para provocá-lo – a garota colocava a mão no pescoço, movendo os dedos os dedos distraidamente. Seu pescoço e suas mãos formavam uma combinação perigosa e irresistível.

▫ O Calor de seu Abraço ▫
E, no entanto, por mais encantadoras que fossem todas as outras características, era esta que ele mais amava. Todo o corpo de Lily era sempre quente, desde as pontas dos dedos ao último fio de cabelo. Mas o abraço dela possuía um calor diferente – como se toda a amabilidade dela fosse transmitida naquele gesto. Por pior que fosse a situação, ele tinha a certeza absoluta que encontraria abrigo nos braços dela. Apesar de ela ser menor, aparentemente mais frágil, tinha um coração forte.

Quando descobriu que ela não dizia todas as palavras, que seus olhos não podiam ser completamente lidos, e que não lhe contava todos os temores e segredos, achou que jamais entenderia a verdadeira alma de sua amada. Mas o tempo acabou por lhe fazer perceber que as palavras não ditas eram apenas as que ele já sabia de cor. Que seus olhos escondiam apenas a afeição que ela demonstrava de mil outras maneiras. Que segredos não importavam quando a tinha nos braços. E, mais importante, percebeu que o calor não vinha de seu corpo. Vinha do amor incandescente que consumia a alma de ambos, e que vinha à tona naqueles momentos. Tudo o que tinha que conhecer da alma dela era aquela ternura; todo o resto ele já amava sem mesmo conhecer.



Lily beijou-lhe suavemente a testa, fazendo-o abrir os olhos. O sorriso cálido dela se transmitiu aos lábios de James. Ficaram sorrindo uma para o outro por alguns segundos, até que ele notou que a tempestade passara.
- Mas já? – e ela riu, afagando os cabelos do namorado.
- Durou mais de três horas, Jay. – ele sentou-se, atônito. Virou para a ruiva, que agora olhava através da janela. Abraçou-a, pousando o queixo sobre o ombro dela.
- No que está pensando? – e ela virou só um pouco, para que ele pudesse ver o sorriso maroto que se espalhava em seus lábios.
- Nem comece, Potter. Eu tenho o direito de perguntar primeiro; você acaba de me ignorar por pelo menos uma hora!
- Tudo isso? – não pode conter o próprio sorriso ao ver o dela, mas seu queixo cair ao ver que tanto tempo havia passado. Mas tratou de disfarçar – É que o tempo voa com você, amor.
- Muito original – e a clássica revirada de olhos – Mas você não estava exatamente comigo, meu bem.
Oh, mau sinal. Ela não estava feliz quando o chamava assim.
- Eu estava pensando em você... Sabe, tentando descobrir porque eu te amo. Foi você que pediu, afinal de contas. – e também ele revirou os olhos, como se desprezasse a necessidade daquela pergunta.
- Algum sucesso?
- Talvez…
E antes que ela pudesse descarregar a curiosidade que começava a fervilhar em seus olhos, o moreno puxou-a para seu peito. Lily deitou a cabeça lá, os braços ao redor do tronco dele. James a segurava o mais perto possível, e sua voz era apenas um sussurro quando perguntou:
- Importa realmente?
- Sim. Eu preciso de provas, ora. Eu lhe dou os beijos que prometi pelos motivos. – acrescentou, uma expressão inocente demais no rosto.
Ele suspirou; sempre cética. Sentindo-se completamente idiota, repetiu a ela o viera pensando. Quando olhou para baixo para medir sua reação, viu que a ruiva tinha um sorriso discreto nos lábios.
- Belos argumentos.
Ele sorriu abertamente, esquecendo-se de que deveria ter sido humilhante. Sussurrou ao ouvido dela “Eu também quero as minhas provas” e, antes que ela pudesse negar, cobriu-lhe os lábios com os seus próprios. Tinham os corpos juntos em um abraço forte. Afinal, James estava sentindo falta daquela alma quente junto à sua.

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