Capitulo 35 - NOS SUBTERRÂNEOS
Capitulo 35 - NOS SUBTERRÂNEOS
- Você fala. - disse Gina, esfregando o galo na cabeça.
- Claro que falo. - respondeu o Garoto 412.
- Então por que nunca falou antes? Nunca disse absolutamente nada. Exceto o seu nome. Quer dizer, número.
- É a única coisa que devemos dizer quando somos capturados. Posto e número. Mais nada. Foi isso que fiz.
- Você não foi capturado. Foi salvo. - observou Gina.
- Eu sei. - retorquiu o Garoto 412. - Quer dizer, eu sei, agora. Naquela altura não sabia.
Gina sentia uma sensação estranhíssima por poder estar tendo uma conversa com o Garoto 412 depois de todo este tempo. E ainda mais estranha por esta conversa estar acontecendo no fundo de um poço, na mais completa escuridão.
- Quem me dera que tivéssemos uma luz. - disse Gina. - Não consigo parar de imaginar que o Caçador está se aproximando de nós no escuro. - Gina estremeceu.
O Garoto 412 enfiou a mão debaixo do chapéu, retirou o anel e enfiou-o no dedo indicador direito. Serviu perfeitamente. Fechou a outra mão em concha sobre o anel-dragão, aquecendo-o e desejando que ele emitisse o seu brilho dourado. O anel respondeu, e um brilho suave alastrou-se a partir das mãos do Garoto 412 até conseguir ver Gina perfeitamente a olhar para ele através da escuridão. O Garoto 412 sentiu-se muito feliz. O anel brilhava mais do que nunca, e não tardou que projetasse um cálido círculo de luz em torno de ambos, sentados no chão arenoso.
- Isso é fantástico. - disse Gina. - Onde o encontrou?
- Aqui embaixo. - respondeu o Garoto 412.
- O quê? Encontrou-o aqui? Agora mesmo?
- Não. Encontrei-o antes.
- Antes de quê?
- Antes... lembra-se de quando nos perdemos no haar?
Gina anuiu.
- Bom, caí aqui embaixo. E pensei que ia ficar preso aqui para sempre. Até que encontrei o anel. É Mágyko. Iluminou-se e mostrou-me a saída.
Então foi isso que aconteceu, pensou Gina. Agora tudo fazia sentido. O Garoto 412 confortavelmente sentado perto da lareira à espera deles, quando ela e Rony tinham por fim conseguido encontrar o caminho, gelados e ensopados de terem andado horas dando voltas à procura dele. Ela soube logo que ele tinha um segredo qualquer.
E durante este tempo todo ele tinha andado com o anel sem mostrá-lo a ninguém. O Garoto 412 era uma autêntica caixinha de surpresas.
- É um anel lindíssimo. - disse ela, admirando o dragão dourado enrolado em torno do dedo do Garoto 412. - Posso pegar nele?
Com alguma relutância, o Garoto 412 tirou o anel do dedo e deu-o à Gina. Ela recebeu-o cuidadosamente na concha das mãos, mas a luz começou a dissipar-se e a escuridão adensou-se em volta deles. Não tardou que a luz do anel tivesse desaparecido por completo.
- Deixou-o cair? - perguntou o Garoto 412, acusador.
- Não, - retorquiu Gina - ainda o tenho na mão. Mas comigo não funciona.
- Claro que funciona. É um anel Mágyko. - retorquiu o Garoto 412. - Deixa eu ver. Vou te mostrar. - Pegou o anel e o túnel encheu-se imediatamente de luz. - Viu, é fácil.
- Fácil para você. Para mim não.
- Não sei porquê... - disse o Garoto 412, intrigado.
Mas Gina tinha visto porquê. Tinha visto uma e outra vez, ao ter crescido numa casa de Feiticeiros. E embora Gina soubesse muito bem que ela não era Mágyka, sabia reconhecer quem era.
- Não é o anel que é Mágyko. É você. - disse ela ao Garoto 412.
- Eu não sou Mágyko! - retorquiu o Garoto 412.
E soou tão convicto que Gina não quis prosseguir com a discussão.
- Bom, seja o que for, é melhor guardar o anel. - disse ela. - E então, como é que saímos daqui?
O Garoto 412 voltou a pôr o anel no dedo e conduziu Gina, confiante, pelas curvas e contracurvas do túnel, que tanto o tinham confundido antes, até finalmente chegarem ao topo das escadas.
- Cuidado. - disse ele. - Da última vez caí daqui e quase perdi o anel.
No fundo das escadas, Gina deteve-se. Alguma coisa tinha feito com que o cabelo de sua nuca se eriçasse.
- Eu já estive aqui antes. - murmurou.
- Quando? - perguntou o Garoto 412, um bocado ciumento. Aquele era o seu lugar.
- Nos meus sonhos. - murmurou Gina. - Conheço este lugar. Costumava sonhar com ele no Verão quando estava em casa. Mas era maior do que isto...
- Anda. - instruiu o Garoto 412, determinado.
- Pergunto-me se será maior, se haverá um eco. - Gina ergueu a voz ao falar.
Haverá um eco haverá um eco haverá um eco haverá um eco haverá um eco haverá um eco haverá um eco... ecoou por toda sua volta.
- Chiiiiu. - sussurrou o Garoto 412. - Ele pode nos ouvir. Através do chão. Eles são treinados para ouvirem como cães.
- Quem?
- Os Caçadores.
Gina calou-se. Tinha se esquecido do Caçador, e agora não queria que a recordassem.
- Há gravuras por todas as paredes - sussurrou Gina - e sei que sonhei com elas. Parecem bem antigas. E é como se contassem uma história.
O Garoto 412 não tinha prestado muita atenção às gravuras antes, mas agora aproximou o anel das paredes de mármore macio que formavam aquela parte do túnel.
Conseguia ver formas simples, quase primitivas, em tons de azul-escuro, vermelho e amarelo, revelando o que pareciam ser dragões, um barco sendo construído, depois um farol e um naufrágio.
Gina apontou para mais gravuras ao longo das paredes.
- E aquelas parecem-se com projetos para uma torre ou algo assim.
- É a Torre dos Feiticeiros. - disse o Garoto 412. - Olhe a Pirâmide no topo.
- Não sabia que a Torre dos Feiticeiros era tão antiga. - disse Gina, fazendo correr um dedo sobre a tinta e pensando que podia ser a primeira pessoa a ver aquelas gravuras depois de milhares de anos.
- A Torre dos Feiticeiros é muito antiga. - disse o Garoto 412. - Ninguém sabe quando foi construída.
- E como é que você sabe? - perguntou Gina, surpreendida pela convicção do Garoto 412.
O Garoto 412 respirou fundo e recitou em tom monótono:
- A Torre dos Feiticeiros é um Monumento Antigo. Preciosos recursos são desbaratados pela Feiticeira ExtraOrdinária para manter a Torre na sua espalhafatosa opulência, recursos que poderiam ser utilizados para curar os doentes, ou para tornar o Castelo um lugar mais seguro para todos. Viu, ainda me lembro. Todas as semanas tínhamos que recitar coisas assim em nossas aulas de Conheça o Seu Inimigo.
- Argh! - concordou Gina compreensiva. - Ei, aposto que Tia Zelda ia ficar interessada nisto tudo aqui embaixo. - sussurrou enquanto seguia o Garoto 412 ao longo do túnel.
- Ela já sabe disto tudo. - disse o Garoto 412, recordando-se dos desaparecimentos de Tia Zelda do armário das poções. - E acho que ela sabe que eu sei.
- Por quê? O que ela disse? - quis saber Gina, perguntando-se como lhe tinha escapado tudo aquilo.
- Não disse nada. Mas deu-me um olhar esquisito.
- Ela dá olhares esquisitos em todo mundo. - observou Gina. - E isso não quer dizer que ela desconfie que eles andaram metendo o nariz em túneis secretos.
Caminharam um pouco mais. A linha de gravuras tinha terminado e eles tinham chegado a uns degraus íngremes que se erguiam do chão. A atenção de Gina foi atraída por uma pequena rocha caída perto do último degrau. Pegou-a e mostrou-a ao Garoto 412.
- Ei, olha para isto. Não é bonita?
Gina estava segurando uma grande pedra verde em forma de ovo. Era extremamente lisa e macia, como se alguém a tivesse polido, e refletia um brilho baço sob a luz do anel. O verde tinha uma qualidade iridescente, como a asa de uma libélula, e repousava pesada, mas perfeitamente equilibrada, na concha de ambas as mãos de Gina.
- É tão macia. - disse o Garoto 412, acariciando-a lentamente.
- Toma, fique com ela. - disse Gina impulsiva. - Pode ser a sua própria pedra de estimação. Como o Petrocas Trelawney, mas maior. Podemos pedir ao Papai que lhe arranje um feitiço quando voltarmos ao Castelo.
O Garoto 412 pegou a pedra verde. Não sabia o que dizer. Ninguém nunca lhe tinha dado um presente antes. Colocou a pedra no seu bolso secreto no interior do casaco de pele de carneiro. Depois lembrou-se do que Tia Zelda tinha lhe dito quando ele tinha levado algumas ervas do jardim para ela.
- Obrigado. - disse.
Alguma coisa na maneira como ele falou fez com que Gina se recordasse de Rony. Rony.
Rony e o Caçador.
- Temos que voltar. - disse ela ansiosamente.
O Garoto 412 concordou com um aceno de cabeça. Sabia que tinham que voltar e enfrentar o que quer que os esperasse lá fora. Tinha estado só a aproveitar a sensação de segurança por um tempo.
Mas sabia que não podia durar.
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