Capitulo 24 - BESOUROS ESCUDO
Capitulo 24 - BESOUROS ESCUDO
Um cheiro verdadeiramente horrível, de rato cozido e peixe podre, libertava-se da choupana quando Gina e Rony trouxeram a Muriel Dois Mott acima, depois de um longo dia nos Pântanos sem verem sinal do Rato Mensageiro.
- Não me diga que o rato chegou aqui antes de nós e que Tia Zelda o está cozinhando para o jantar. - riu Rony, enquanto amarravam a canoa e se perguntavam se seria boa idéia aventurarem-se no interior da choupana.
- Oh, não diga isso, Rony. Gostei tanto do Rato Mensageiro. Espero que o Papai o mande de volta rapidamente.
Gina e Rony percorreram o caminho até a casa com as mãos cobrindo o nariz. Gina abriu a porta, sentindo um certo receio.
- Argh!!
No interior o cheiro era ainda pior. Somando-se aos fortes odores de rato cozido e peixe podre, havia também um certo travo de cocô de gato.
- Entrem, meus queridos. Estamos só cozinhando. - A voz de Tia Zelda vinha da cozinha, que, percebeu Gina, era de onde provinha aquele cheiro horripilante.
Se aquilo era o jantar, pensou Rony, preferia comer as próprias meias.
- Chegaram bem na hora. - disse Tia Zelda, parecendo bastante animada.
- Que sorte! - pensou Rony, interrogando-se se Tia Zelda ainda teria algum olfato, ou se incontáveis anos passados cozinhando couves o tinham arruinado por completo.
Gina e Rony aproximaram-se contrafeitos da cozinha, interrogando-se que tipo de jantar podia cheirar tão mal.
Para sua surpresa e alívio, não era o jantar. E nem sequer era Tia Zelda quem estava cozinhando. Era o Garoto 412.
O Garoto 412 tinha um aspecto muito estranho.
Vestia um traje de malha multicolorido que lhe assentava mal, e que se consistia num camisolão de retalhos muito largo e calções de malha que estavam quase caindo. Mas a sua boina vermelha continuava firmemente enterrada na cabeça e secava devagar, fumegando tenuemente no calor da cozinha, enquanto o resto de suas roupas estava secando à lareira.
Tia Zelda tinha finalmente conseguido vencer a batalha do banho, mas apenas porque o Garoto 412 se sentia tão desconfortável quando tinha chegado coberto daquela espessa lama negra da leira do Boggart, que ficou bem satisfeito em desaparecer na barraca de banho para tirá-la do corpo. Mas recusou separar-se de sua boina vermelha. Essa batalha, Tia Zelda tinha perdido. Mesmo assim, estava contente por poder finalmente lavar suas roupas e achava que ele ficava muito querido no velho conjunto de malha que Tiago usava quando era pequeno. O Garoto 412, pelo contrário, achava que tinha um ar completamente estúpido e evitou olhar para Gina quando ela entrou.
Concentrou-se em remexer aquela papa fedorenta, ainda sem se mostrar completamente convencido de que Tia Zelda não estivesse mesmo fazendo compota de besouro, sobretudo porque ela estava sentada à mesa com uma série de potes de conserva vazios à sua frente. Estava ocupada desapertando as tampas e passando os frascos para Marcia, que estava sentada do outro lado da mesa tirando Encantamentos de um livro de feitiços muito grosso chamado:
Conservas de Besouros Escudo
500 Encantamentos
Todos com a Garantia de 100% de Eficácia
Ideal para o Feiticeiro Moderno consciente de Questões de Segurança
- Venham, sentem-se. - chamou Tia Zelda, desimpedindo um espaçinho para eles na mesa. - Estamos fazendo Potes de Conserva. A Marcia está preparando os Encantamentos, e vocês podem preparar os besouros, se quiserem.
Gina e Rony sentaram-se à mesa, tendo o cuidado de respirarem apenas pela boca. O cheiro vinha da panela de papa verde brilhante que o Garoto 412 remexia lentamente, com grande concentração e cuidado.
- Aqui estão. Tomem os besouros. - Tia Zelda empurrou uma grande tigela na direção de Gina e Rony.
Gina espiou lá dentro. A tigela estava cheia de besouros de todos os tamanhos e feitios.
- Yaargh! - Gina até estremeceu; não gostava nada de bichos rastejantes. Rony também não estava nada entusiasmado. Desde que Fred e Jorge tinham lhe enfiado uma centopéia pelo pescoço abaixo quando era pequeno, tinha sempre evitado tudo o que se arrastasse ou desatasse a fugir.
Mas Tia Zelda nem sequer percebeu.
- Bobagem, são apenas umas criaturinhas minúsculas com muitas perninhas. E têm muito mais medo de vocês dois, do que vocês têm deles. Vamos, primeiro a Marcia vai passar o Encantamento de mão em mão. Cada um de nós tem que segurar o Encantamento que é para o besouro nos Gravar e se lembre de nós quando o soltarmos, e depois vai colocar cada Encantamento num frasco. Cada um de vocês pode ir passando um besouro ao, ahn, Garoto 412. Ele enche o frasco com o Conservante, e eu volto a apertar as tampas com força. Assim, acabamos num instantinho.
E foi isso que fizeram, só que Gina acabou apertando as tampas, depois do primeiro besouro subir por seu braço acima e dela só ter conseguido desalojá-lo aos pulos e gritos.
Foi um alívio quando chegaram ao último frasco.
Tia Zelda desapertou a tampa e passou-o a Marcia, que virou a página do livro de feitiços e tirou de lá mais um pequeno Encantamento em forma de escudo. Fez o Encantamento passar de mão em mão, para que todos pudessem segurá-lo por um momento, depois deixou-o cair no interior do frasco de conserva e passou-o para Rony.
Com esta é que Rony não estava contando. Do fundo do frasco espreitava o último inseto, uma enorme centopéia vermelha, igualzinha àquela que tinha corrido por seu pescoço abaixo há anos atrás. Estava frenética, dando voltas no fundo do frasco à procura de um lugar onde se esconder. Se não tivesse causado um estremecimento tão grande em Rony, ele talvez até tivesse tido pena do bicharoco, mas a única coisa que conseguia pensar era: tenho que pegar nela. Marcia estava esperando, com o Encantamento já no frasco. O Garoto 412 estava parado com a última colherada cheia de papa de Conservante na mão, e todo mundo estava esperando.
Rony respirou fundo, fechou os olhos e mergulhou a mão no frasco. A centopéia viu a mão e fugiu para o outro lado do frasco. Rony tateou o fundo do frasco, mas a centopéia era rápida demais para ele. Fugia de um lado para o outro, até ter avistado o abrigo que constituía a manga pendente de Rony e correu para lá.
- Apanhou-a! - exclamou Marcia. - Está na manga. Rápido, para o frasco. - Sem se atrever a espiar, Rony sacudiu freneticamente a manga por cima do frasco e acabou virando-o. O Encantamento saltitou por cima da mesa, caiu no chão e Desapareceu.
- Bolas. - disse Marcia. - São um bocado instáveis. - Tirou outro Encantamento do livro e enfiou-o rapidamente no frasco, esquecendo-se de Gravá-lo.
- Apresse-se, vamos. Anda. - instou Marcia, irritada. - O Conservante está se dissipando rapidamente. Anda.
Estendeu a mão e deu um hábil piparote na centopéia que se agarrava à manga de Rony, atirando-a diretamente para dentro do frasco. O Garoto 412 cobriu-a rapidamente com a pegajosa papa de Conservante verde. Gina apertou a tampa com força, pousou o frasco sobre a mesa com um gesto floreado, e todos ficaram olhando o último Frasco de Proteção se transformando.
A centopéia estava no fundo do Pote de Conserva em autêntico estado de choque. Estava dormindo debaixo de sua pedra favorita, quando uma Coisa Enorme com uma Cabeça Vermelha tinha pegado a pedra e a tinha erguido até o Espaço. Mas o pior ainda estava por vir: a centopéia, que era uma criatura solitária, tinha sido atirada numa pilha de besouros barulhentos, sujos e verdadeiramente malcriados, que a empurraram, sacudiram e até tentaram morder suas pernas. A centopéia não gostava que ninguém se metesse com suas pernas. Tinha uma boa quantidade de pernas e cada uma delas tinha que ser mantida em perfeito estado de funcionamento; caso contrário, a centopéia poderia se meter numa grande confusão. Bastava uma perna mais esquiva e pronto: uma centopéia podia ficar correndo em círculos para toda a eternidade. E assim a centopéia tinha aberto caminho até o fundo daquela pilha de besouros sem categoria e amuara, até subitamente perceber que todos os outros besouros tinham desaparecido e não havia mais nenhum lugar onde se esconder. Todas as centopéias sabiam que não ter nenhum lugar para se esconder era o mesmo que o fim do mundo e agora via que era bem verdade porque ali estava ela, flutuando numa papa verde pegajosa, enquanto lhe acontecia uma coisa terrível. Uma a uma, estava perdendo suas pernas.
Não só isso, mas o seu longo corpo esguio estava se tornando mais curto e mais gordo e a centopéia tinha agora a forma de um triângulo rechonchudo com uma cabecinha pontiaguda. Nas costas tinha um par de rijas asas verdes encouraçadas e a frente estava coberta de pesadas escamas verdes. E como se isso não bastasse, a centopéia agora só tinha quatro patas. Quatro grossas patas verdes. Se é que podiam se chamar de pernas. Certamente não eram aquilo que a centopéia chamaria de pernas. Tinha duas em cima e duas embaixo. As duas patas de cima eram mais curtas que as de baixo. Tinha cinco coisas pontiagudas no extremo de cada uma, que a centopéia podia mexer à vontade e uma das pernas superiores estava agarrando uma pequena vara de metal afiado. As pernas de baixo tinham umas coisas verdes, achatadas e grandes, nas extremidades e cada uma dessas coisas tinha cinco outras daquelas coisinhas pontiagudas. Era um completo desastre. Como alguém podia viver com apenas quatro patas gordas terminadas em coisinhas pontiagudas? Que tipo de criatura podia ser essa?
Essa criatura, embora a centopéia não soubesse, era um Besouro Escudo.
A ex-centopéia, que era agora um Besouro Escudo completo, pairava em suspensão no espesso Conservante verde. O besouro moveu-se lentamente, como se estivesse experimentando sua nova forma. Tinha uma expressão de surpresa no rosto enquanto espreitava o mundo através daquela névoa esverdeada, aguardando o momento em que seria libertada.
- O Besouro Escudo perfeito. - comentou Marcia, orgulhosa, segurando o frasco de compota na frente da luz e admirando a ex-centopéia. - Foi o que saiu melhor de todos. Bom trabalho, pessoal.
Em breve todos os cinqüenta e sete frascos de conserva estavam alinhados pelos parapeitos, protegendo a choupana. Eram uma imagem estranha, seus ocupantes de um verde brilhante flutuando sonhadoramente na papa verde, passando o tempo a dormir até que alguém abrisse as tampas dos frascos e os libertasse. Quando Gina perguntou a Marcia o que acontecia quando alguém desenroscava a tampa, Marcia respondeu-lhe que o Besouro Escudo pulava para fora e a defendia duramente, até à morte, ou até conseguirem voltar a apanhá-lo e enfiá-lo no frasco, o que quase nunca acontecia. Um Besouro Escudo liberto não tinha a menor intenção de voltar para o frasco de novo.
Enquanto Tia Zelda e Marcia limpavam os potes e panelas, Gina sentou-se à porta, escutando toda aquela balbúrdia que vinha da cozinha. Quando o entardecer começou a cair, viu aquelas cinqüenta e sete fontes de luz verde refletirem-se no chão de pedra, e em cada uma delas viu uma pequena sombra que se movia lentamente, à espera que chegasse o seu momento de liberdade.
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