Capitulo 15 - MEIA-NOITE NA PR
Capitulo 15 - MEIA-NOITE NA PRAIA
- Tio Alther! - exclamou Gina, feliz da vida.
Correu margem abaixo para se juntar a Alther, que estava parado na praia, olhando muito espantado para uma vara de pesca que tinha na mão.
- Princesa! - Alther rejubilava enquanto lhe dava um abraço fantasmagórico, o qual sempre fazia Gina sentir-se como se uma leve brisa de Verão a tivesse atravessado de um lado ao outro. - Ora, ora. - disse Alther. - Costumava vir pescar aqui quando era criança, e ao que parece trouxe a vara e tudo. Contava poder encontrar a todos aqui.
Gina riu. Não conseguia acreditar que Tio Alther também pudesse ter sido um rapazinho.
- Você vem conosco, Tio Alther? - perguntou.
- Desculpe, Princesa. Não posso. Sabe como são as regras da fantasmidade: Um fantasma só pode voltar a pisar... Onde, quando vivo, costumava andar. E, infelizmente, quando era rapaz nunca fui muito além desta praia. Aqui podia apanhar muitos peixes, sabe. Bem, bem, - disse Alther, mudando de assunto - é um cesto de piquenique que eu estou vendo ali no fundo do barco?
Debaixo de um rolo úmido de corda, estava o cesto de piquenique que Molly Weasley tinha preparado para eles.
Tiago inclinou-se para pegá-lo.
- Ai, minhas costas. - gemeu. - O que ela pôs aqui dentro? - Tiago levantou a tampa do cesto. - Ah, isso explica tudo. - suspirou. - Está atravancado de bolo de cevada. Mas deu um excelente lastro, heim?
- Papai. - repreendeu-o Gina. - Não seja mauzinho. Aliás, nós gostamos de bolo de cevada, não é, Rony?
Rony fez uma careta, mas o Garoto 412 pareceu animado. Comida. Estava com uma fome, já nem se lembrava do que tinha sido a última coisa que tinha comido. Ah, sim, era isso, uma tigela de mingau de aveia fria e ressequida, um pouco antes da chamada das seis da manhã. Parecia que tinha sido há uma vida.
Tiago foi tirando as outras, e bem amassadas, coisas que estavam por baixo do bolo de cevada. Uma caixa de mechas e acendalhas secas, uma lata com água, um pouco de chocolate, açúcar e leite. Começou a preparar uma pequena fogueira, e pendurou a lata com água sobre as chamas para ferver, enquanto os demais se reuniam em torno das chamas bruxuleantes, aproveitando para aquecer as mãos geladas, quando não estavam mastigando umas enormes fatias de bolo.
Até Marcia preferiu ignorar a bem conhecida tendência que o bolo de cevada tinha para colar os dentes de cima aos de baixo, e comeu quase uma fatia inteira. O Garoto 412 comeu a sua parte toda e ainda despachou os restos que todos os outros tinham deixado. Depois deixou-se cair para trás na areia úmida e interrogou-se se conseguiria voltar a se mexer de novo. Sentia-se como se alguém tivesse despejado cimento dentro dele.
Gina enfiou a mão no bolso e puxou para fora Petrocha Trelawney. Ficou muito quieto e calado na palma da mão dela, até Gina lhe fazer uma festinha com a mão. Nessa altura o Petrocha estendeu as suas quatro patinhas curtas e agitou-as desesperadamente no ar. Estava deitado de costas como um escaravelho encalhado.
- Ups, lado errado para cima. - riu Gina. Endireitou-o imediatamente, e Petrocha Trelawney abriu os olhos e piscou-os devagarinho.
Gina colou uma migalha de bolo de cevada no polegar e deu-a a Petrocha.
Petrocha Trelawney voltou a piscar os olhos, observou cuidadosamente o bolo de cevada e, finalmente, deu uma mordidinha delicada na migalha. Gina não cabia em si de contente.
- Comeu! - exclamou ela.
- Tinha que comer. - disse Rony. - Bolo duro como uma pedra, para uma pedra de estimação. Não poderia ser melhor.
Mas nem Petrocha Trelawney conseguiu agüentar mais do que uma grande migalha do bolo de cevada. Ficou mais uns minutos olhando em volta, depois voltou a fechar os olhos, e deixou-se dormir no quentinho da mão de Gina.
Depois de pouco tempo a água na lata já estava fervendo. Tiago derreteu os quadrados de chocolate na água e juntou leite. Misturou tudo a seu gosto, e quando estava quase transbordando, acrescentou o açúcar e mexeu.
- O melhor chocolate quente de todos os tempos. - sentenciou Rony. Ninguém discordou enquanto passavam a lata uns aos outros, até ter acabado, mais depressa do que desejavam.
Enquanto estavam todos comendo, Alther tinha estado a treinar a técnica de arremesso de linha com a sua vara de pesca, preocupado, e quando viu que já tinham terminado, arrastou-se para junto da fogueira. Parecia muito sério.
- Aconteceu uma coisa depois de vocês terem partido. - disse sombriamente.
Tiago sentiu que um peso lhe entupia a boca do estômago, e não era apenas do bolo de cevada. Era receio.
- O que foi, Alther? - perguntou Tiago, horrivelmente convencido que ia ouvi-lo dizer que Lílian e as crianças tinham sido capturadas.
Alther sabia o que ele estava pensando.
- Não foi nada disso, Tiago. - disse ele. - Lílian e os meninos estão bem. Mas foi uma coisa muito má. Voldemort regressou ao Castelo.
- O quê? - exclamou Marcia. - Ele não pode regressar. Eu é que sou a Feiticeira ExtraOrdinária, sou eu que tenho o Amuleto. E deixei a Torre cheia de Feiticeiros, há Magya mais do que suficiente na Torre para manter o velho ultrapassado nas Terras Inóspitas, que é o lugar dele. Tem certeza que ele regressou, Alther, e que não se trata de uma peça que o Supremo Guardião, essa ratazana nojenta, quer pregar enquanto estou longe?
- Não é peça nenhuma, Márcia. - disse Alther. - Eu mesmo o vi. Logo que o Muriel desapareceu por trás do Calhau do Corvo, ele Materializou-se no Pátio da Torre dos Feiticeiros. O lugar todo começou a crepitar de Magya Negra. Cheirava horrivelmente. Lançou os Feiticeiros num pânico cego, a correrem de um lado para o outro, como uma multidão de formigas quando pisamos um formigueiro.
- Uma vergonha. Mas em que é que eles estavam pensando? Não sei, mas a qualidade dos Feiticeiros Normais hoje em dia é surpreendentemente má. - disse Marcia, lançando um olhar na direção de Tiago. - E onde estava Endor? Supunha-se que era a minha substituta, não me diga que Endor também entrou em pânico?
- Não. Não entrou. Veio para fora e enfrentou-o. Pôs um Barrote atravessado nas portas da Torre.
- Oh, graças a Deus. A Torre está a salvo. - suspirou Marcia, aliviada.
- Não, Marcia, não está. Voldemort atacou Endor com um RelâmpagoTrovão. Matou-a. - Alther deu um nó particularmente complicado na linha de pesca. – Lamento. - disse.
- Morta. - balbuciou Marcia.
- E depois Removeu os Feiticeiros.
- A todos? Para onde?
- Foram todos atirados para as Terras Inóspitas, não havia nada que pudessem fazer. Presumo que os mantenha prisioneiros numa das Covas que tem lá.
- Oh, Alther.
- Nessa hora chega o Supremo Guardião, aquele homenzinho horrível, com seu séqüito, perdidos em vênias e lambidas de botas, praticamente babando sobre o seu novo Mestre. Quando dei por ele, já escoltava Voldemort para o interior da Torre e... anh, bem, para os seus aposentos, Marcia.
- Os meus aposentos? Voldemort está nos meus aposentos?
- Bom, ao menos vai gostar de saber que quando chegou lá não estava na melhor das condições para apreciá-los, já que tiveram que fazer o caminho todo pelas escadas. Já não sobrava Magya suficiente para que as escadas continuassem funcionando. Para dizer a verdade, para o que quer que fosse pudesse continuar funcionando.
Marcia abanou a cabeça, recusando-se a acreditar.
- Nunca pensei que Voldemort pudesse fazer uma coisa dessas. Nunca.
- Nem eu. - disse Alther.
- Pensei - continuou Marcia - que enquanto os Feiticeiros pudessem se agüentar até a Princesa ter idade suficiente para usar a Coroa, estaríamos em segurança. Nessa altura poderíamos nos ver livres dos Guardiães, do Exército da Juventude e de toda essa Escuridão que infesta o Castelo e torna a vida das pessoas tão miserável.
- Eu também, - disse Alther - mas segui Voldemort enquanto subia pelas escadas. Estava a gabar-se ao Supremo Guardião sobre como nem podia acreditar na sorte que tinha tido, não só você tinha deixado o Castelo, como tinha levado o único obstáculo ao seu regresso.
- Obstáculo?
- A Gina.
Gina olhou para Alther, completamente surpreendida.
- Eu? Um obstáculo? Por quê?
Alther fitou a fogueira, imerso em pensamentos.
- Ao que parece, Princesa, por um motivo qualquer, tem impedido aquele Necromante velho e horroroso de regressar ao Castelo. Só por estar lá. E, provavelmente, a sua mãe tinha feito o mesmo. Sempre me interroguei por que ele tinha enviado o Assassino para a Rainha e não para mim.
Gina estremeceu. Sentiu-se subitamente com muito medo. Tiago pôs um braço em volta dela.
- Já chega, Alther. Não ganha nada em estar assustando a todos nós. Sinceramente, acho que se limitou a adormecer e teve um pesadelo. Sabe muito bem que de vez em quando tem desses pesadelos. Os Guardiães não passam de um bando de rufiões que qualquer Feiticeiro ExtraOrdinário decente já teria despachado há muito tempo.
- Não vou ficar aqui para ser insultada desta maneira. - indignou-se Marcia. - Não faz a menor idéia das coisas que tentamos para nos vermos livres deles. Não faz idéia nenhuma. Às vezes, quase nem conseguíamos manter a Torre dos Feiticeiros funcionando. E nunca tivemos a sua ajuda, Tiago Potter.
- Bom, não sei qual é o problema, Marcia, Voldemort está morto. - retorquiu Tiago.
- Não, não está. - respondeu Marcia, muito sombria.
- Não seja pateta, Márcia. - resmungou Tiago. - Alther atirou-o do topo da Torre há quarenta anos.
Gina e ROny quase ficaram sem ar.
- É verdade, Tio Alther? - quis saber Gina.
- Não! - exclamou Alther, indignado. - Não atirei nada. Foi ele que se atirou.
- Seja como for. - insistiu Tiago teimoso. - Continua morto.
- Não necessariamente... - disse Alther em voz baixa, ainda fitando a fogueira. A luz das brasas projetava sombras bruxuleantes sobre todo mundo com exceção de Alther, que flutuava entre eles, infeliz, tentando distraidamente desfazer o nó que tinha acabado de dar na linha de pesca. O fogo reavivou-se por um breve instante, iluminando o círculo de pessoas à sua volta. Subitamente, Gina falou.
- O que aconteceu mesmo no topo da Torre dos Feiticeiros com Voldemort, Tio Alther? - sussurrou ela.
- É uma história um bocado assustadora, Princesa. Não quero assustá-la.
- Oh, vamos lá. Conte-nos. - pediu Rony. - A Gina gosta de histórias que metem medo.
Gina anuiu, sem a certeza de querer mesmo ouvila.
- Bom, - começou Alther - é difícil contá-la por minhas próprias palavras, mas vou contá-la como a ouvi ser contada certa vez em volta de uma fogueira num acampamento bem no interior da Floresta. Era uma noite como esta, meia-noite com a lua cheia bem alta no céu, e foi contada por uma velha e sábia Bruxa Mãe Wendron às suas bruxinhas.
E assim, ao lado da fogueira, Alther Mella alterou a sua forma até ser a de uma mulher grande, de aspecto simpático, vestida de verde. Falando no tom gutural e calmo das Bruxas da Floresta, começou a contar a história.
- É aqui que a história começa: no topo de uma Pirâmide dourada, que encima uma alta Torre de prata. A Torre dos Feiticeiros reluz sob o sol matinal e é tão alta que a multidão de pessoas reunida na sua base parece um amontoado de formigas ao jovem que está escalando os lados da Pirâmide. O jovem já tinha olhado para as formigas uma vez e sentira-se tonto pela vertiginosa sensação de altura. Agora mantém o olhar fixo na figura que segue à sua frente - um homem mais velho, mas admiravelmente ágil que, para sua grande vantagem, não tem medo de alturas. O manto púrpura do homem mais velho esvoaça nos braços do vento cortante que sopra sempre em volta do topo da Torre e, para a multidão lá embaixo, ele não parece mais do que um agitado morcego púrpura que se arrasta para o vértice da Pirâmide. Os espectadores lá embaixo perguntam-se o que estará fazendo o seu Feiticeiro ExtraOrdinário? E não é o Aprendiz dele que o segue logo atrás, quase se podia dizer, que o persegue? O Aprendiz, Alther Mella, tem agora o seu Mestre, Voldemort, ao alcance da mão. Voldemort chegou ao pináculo da Pirâmide, uma pequena plataforma quadrada de ouro martelado incrustado com os hieróglifos prateados que Encantam a Torre. Voldemort endireita-se, muito alto, o seu manto púrpura a esvoaçar por trás dele, o cinto de ouro e platina de Feiticeiro ExtraOrdinário faiscando ao sol. Está desafiando seu Aprendiz para que se aproxime ainda mais. Alther Mella sabe que não tem escolha. Num salto corajoso e aterrorizado, atira-se ao seu Mestre e apanha-o de surpresa. Voldemort é derrubado e o seu Aprendiz salta sobre ele, agarrando o Amuleto Akhu, de ouro e lápis-lazúli, que o Mestre usa ao pescoço, numa grossa corrente de prata. Muito lá embaixo, no pátio da Torre dos Feiticeiros, as pessoas exclamam de surpresa, ao verem, através de olhos semi-cerrados contra a luminosidade da Pirâmide dourada, o Aprendiz a digladiar-se com o seu Mestre. Rolam de um lado para o outro da minúscula plataforma, enquanto o Feiticeiro ExtraOrdinário tenta que Alther Mella largue o Amuleto. Voldemort fita Alther Mella com um olhar sinistro, os olhos verde-escuros relampejando de fúria. Os olhos verde-brilhantes de Alther agüentam o olhar sem pestanejar, e sente que o Amuleto se solta. Puxa com força, a corrente parte-se em centenas de pedaços, e o Amuleto está livre, em suas mãos. Fique com ele. - sibila Voldemort. - Mas prepare-se, pois hei de voltar para recuperá-lo. Hei de voltar com o sétimo do sétimo. Um grito acutilante ergue-se das pessoas lá embaixo, quando vêem o Feiticeiro ExtraOrdinário saltar do topo da Pirâmide e precipitar-se da Torre. Seu manto abre-se como um magnífico par de asas, mas não atrasa a vertiginosa queda em direção ao solo. E nesse momento desaparece. No topo da Pirâmide, seu Aprendiz segura o Amuleto Akhu e contempla em estado de choque aquilo que acabou de ver, seu Mestre penetrando no Abismo. A multidão amontoa-se em torno do pedaço de terra carbonizada que marca o ponto onde Voldemort atingiu o solo. Cada uma daquelas pessoas viu uma coisa diferente. Um diz que ele se transformou num morcego e voou para longe. Outro viu surgir um cavalo negro que se afastou a galope em direção da Floresta, e ainda outro viu Voldemort transformar-se numa serpente e deslizar para baixo de uma rocha. Mas nenhum deles viu a verdade como Alther. Alther Mella desce da Pirâmide com os olhos fechados para não ter de ver a altura vertiginosa em que está. Só abre os olhos depois de ter se enfiado pela pequena comporta que leva à segurança da Biblioteca, que se situa no interior da Pirâmide dourada. E então, com uma terrível sensação de fatalidade, vê o que aconteceu. Suas simples vestes de lã verde de Aprendiz de Feiticeiro tornaram-se numa rica seda púrpura. O singelo cinto de couro que usa sobre a túnica tornou-se bem mais pesado; agora é feito de ouro com as intricadas gravações em platina de runas e encantamentos que protegem e dão poder ao Feiticeiro ExtraOrdinário em que Alther, para seu grande espanto, se tornou. Alther olha para o Amuleto que segura na mão trêmula. É uma pequena pedra redonda de lápis-lazúli ultramarino, com veios de ouro e gravado com um dragão mágico. A pedra pesa-lhe na mão, envolta num fio de ouro apertado em cima para formar um anel. Deste anel nasce um elo de prata quebrado, arrebentado quando Alther arrancou o Amuleto da sua corrente de prata. Depois de um breve momento de hesitação, Alther abaixa-se e remove um dos cordões de couro das botas. Enfia-o pelo anel do amuleto e, como sempre fizeram todos os Feiticeiros ExtraOrdinários que o precederam, colocou-o no pescoço. E então, com o longo cabelo castanho ainda desgrenhado pela luta, o rosto pálido e ansioso, os olhos verdes escancarados de espanto, Alther percorre o longo caminho Torre abaixo para enfrentar a multidão expectante lá embaixo. Quando Alther surge através das enormes e maciças portas de prata que protegem a entrada da Torre dos Feiticeiros, é recebido com uma exclamação de surpresa. Mas nada mais é dito, pois não é possível discutir a presença de um novo Feiticeiro ExtraOrdinário. Por entre alguns resmungos murmurados, a multidão dispersa, embora uma voz ainda grite: - Assim como o ganhou, também há de perdê-lo! Alther suspira. Bem sabe que é verdade. Enquanto regressa, solitário, à Torre, para lançar mãos à obra à tarefa de desfazer a Escuridão de Voldemort, num pequeno quarto não muito distante, um bebê nasce numa família pobre de Feiticeiros. É o seu sétimo filho, e chama-se Tiago Potter.
Gerou-se um longo silêncio em torno da fogueira, enquanto Alther retomava sua própria forma. Tiago estremeceu. Nunca tinha ouvido a história sendo contada assim.
- É assombroso, Alther. - disse Tiago, num murmúrio rouco. - Não fazia idéia. C... como é que a Bruxa Mãe soube tantas coisas?
- Era uma das que estavam assistindo no meio da multidão. - respondeu Alther. - Veio falar comigo mais tarde, nesse mesmo dia, para me dar os parabéns por ter me tornado o Feiticeiro ExtraOrdinário, e contei-lhe a minha parte da história. Se quer que a verdade seja conhecida, então não é preciso mais do que contá-la à Bruxa Mãe. Ela acaba contando para todo mundo. Claro, se os outros acreditam ou não, isso já são outros quinhentos.
Gina estava pensando furiosamente.
- Mas, Tio Alther, por que é que estava perseguindo Voldemort?
- Ah, boa pergunta. Isso não contei à Bruxa Mãe. Há determinadas matérias Negras sobre as quais não é conveniente falar de ânimo leve. Mas você precisa saber, por isso vou contar. É que, sabe, naquela manhã, como em todas as outras manhãs, eu estava arrumando a Biblioteca da Pirâmide. Uma das tarefas dos Aprendizes é manter a Biblioteca organizada, e eu levava meus deveres muito a sério, mesmo que os desempenhasse para um Mestre tão desagradável. Seja como for, nessa manhã específica, tinha descoberto um estranho Encantamento, escrito com a letra de Voldemort e enfiado num dos livros. Já tinha visto um semelhante por lá antes, mas não tinha sido capaz de entender o que estava escrito, mas ao estudar este, tive uma idéia. Pus o Encantamento em frente do espelho e vi que tinha razão: estava em escrita de espelho. Nessa altura comecei a sentir um mau pressentimento quanto àquilo, porque sabia que tinha que se tratar de um Encantamento Inverso, usando Magya do lado Negro, ou do Outro lado, como prefiro chamá-la, já que o Outro lado não se serve só de Magya Negra para conseguir os seus fins. Mas continuando; tinha de descobrir a verdade sobre Voldemort e do que ele andava fazendo, por isso resolvi arriscar-me a ler o Encantamento. Mal tinha começado, quando aconteceu uma coisa terrível.
- O quê? - murmurou Gina.
- Apareceu um Espectro por trás de mim. Bem, pelo menos podia vê-lo no espelho, mas quando me voltei, não estava lá. Mas podia senti-lo. Podia senti-lo pondo uma mão em meu ombro, e nessa altura... ouvi-o. Ouvi sua voz vazia falando comigo. Disse-me que tinha chegado a minha hora. Que, tal como combinado, tinha chegado a hora de vir me recolher.
Alther estremeceu com a recordação, e levou uma mão ao ombro esquerdo, tal como o Espectro tinha feito. Ainda lhe doía com uma sensação de frio, como sempre acontecera desde aquela manhã.
Todos os outros estremeceram também e juntaram-se mais em volta do fogo.
- Disse ao Espectro que ainda não estava pronto. Ainda não. Sabem, na época eu já sabia o suficiente sobre o Outro lado para saber que nunca devemos negar nada. Mas eles estão dispostos a esperar. Para eles o tempo não existe. Não têm mais nada para fazer a não ser esperar. O Espectro me disse que regressaria por mim no dia seguinte e que era melhor que nessa altura eu já estivesse pronto, e desapareceu. Depois de ter ido embora, obriguei-me a ler as palavras Inversas, e vi que Voldemort tinha me oferecido como parte de um acordo com o Outro lado, para ser recolhido logo que lesse o Encantamento. E nessa hora soube com toda certeza que ele andava se servindo da Magya Inversa, o reflexo invertido da Magya, aquele que consome as pessoas, e que eu tinha caído em sua armadilha.
A fogueira na praia começava a se apagar, e todos se aconchegaram mais perto uns dos outros, em volta dela, enquanto Alther prosseguia com a sua história.
- Subitamente Voldemort entrou e viu-me lendo o Encantamento. E viu que eu ainda continuava ali, não tinha sido Levado! Soube que o seu plano tinha sido descoberto e desatou a correr. Subiu apressadamente a escadinha da Biblioteca, como uma aranha, correu por cima das estantes e espremeu-se através da portinhola que levava ao exterior da Pirâmide. Riu de mim, e desafiou-me a segui-lo se me atrevesse. Sabem, ele sabia perfeitamente que eu tinha terror das alturas. Mas não tinha outra escolha a não ser segui-lo. E foi o que fiz.
Estavam todos calados. Ninguém até ali, nem mesmo Marcia, tinha ouvido a história completa do Espectro. Foi Gina quem quebrou o silêncio.
- Isso foi horrível. - Estremeceu. - E então, o Espectro veio buscá-lo, Tio Alther?
- Não, Princesa. Com alguma ajuda, consegui criar uma Fórmula Anti-Feitiço. Depois disso o Espectro ficou sem poderes. - Alther mergulhou em pensamentos, durante alguns instantes, e depois disse: - Só quero que saibam que não me sinto orgulhoso do que fiz no topo da Torre dos Feiticeiros... mesmo que não tenha empurrado Voldemort. Sabem, é uma coisa terrível um Aprendiz ultrapassar o seu Mestre.
- Mas tinha que fazê-lo, Tio Alther. Não tinha? - perguntou Gina.
- Sim, tinha. - respondeu Alther sombrio. - E vamos ter que fazê-lo outra vez.
- Faremos hoje à noite. - declarou Marcia. - Vou regressar imediatamente e correr com esse homem malvado da Torre para fora. Vai aprender que não pode se meter com a Feiticeira ExtraOrdinária. - Levantou-se com toda a determinação e apertou o manto púrpura em torno do corpo, pronta para partir.
Alther saltou no ar e pousou uma mão fantasmagórica no ombro de Marcia.
- Não. Não, Marcia.
- Mas Alther... - protestou ela.
- Marcia, já não há Feiticeiros na Torre que possam protegê-la, e ouvi dizer que você deu seu FicaEmSegurança à Molly Weasley. Suplico-lhe que não regresse. É perigoso demais. Deve colocar a Princesa em segurança. E mantê-la em segurança. Eu vou voltar ao Castelo e fazer o que puder.
Marcia voltou a cair sobre a areia molhada. Sabia que Alther tinha razão. As últimas chamas da fogueira crepitaram ao extinguir-se enquanto grandes flocos de neve começaram a cair e a escuridão se fechou em torno do grupo. Alther pousou sua vara de pesca fantasma sobre a areia e pairou por cima do Canal Deppen. Correu o olhar por sobre os pântanos que se perdiam na distância. Eram uma paisagem pacífica sob o luar, amplas extensões de terras úmidas polvilhadas de neve e pontuadas por pequenas ilhas aqui e ali, tão longe quanto podia ver.
- Canoas. - disse Alther, voltando a pousar. - Quando era rapazinho, era assim que as pessoas dos pântanos se deslocavam. E é disso que vocês vão precisar.
- Pode tratar disso, Tiago. - disse Marcia, lugubremente. - Estou cansada demais para me meter a mexer em barcos.
Tiago levantou-se.
- Vamos lá, então, Rony. - disse. - Vamos Transmutar o Muriel num par de canoas.
O Muriel ainda estava flutuando pacientemente no Canal Deppen, logo depois da curva, longe da vista do rio. Rony ficou triste por ter que ver o fiel barco desaparecer, mas sabia as Regras da Magya, e por isso sabia muito bem que num feitiço não é possível criar nem destruir matéria, apenas transformá-la. O Muriel não iria desaparecer realmente, mas apenas, assim esperava Rony, transformar-se num par de canoas bem elegantes.
- Posso ter uma rápida, Pai? - pediu Rony, enquanto Tiago olhava para o Muriel e tentava pensar num feitiço adequado.
- Quanto a «rápida» não sei, Rony. Já fico contente se flutuar. Agora, deixe-me pensar. Acho que uma canoa para cada um seria o melhor. Aqui vai. Converta-se em Cinco! Oh, bolas.
Cinco Muriels muito pequenos flutuavam para cima e para baixo na frente deles.
- Pai, - queixou-se Rony - não está fazendo isso direito.
- Espere um pouco, Rony. Estou pensando. É isso: Uma Canoa na Boa!
- Pai!
Agora uma enorme canoa estava encalhada nas margens do Canal.
- Bom, vamos encarar isto com lógica. - murmurou Tiago para consigo mesmo.
- Por que não se limita a pedir cinco canoas, Pai? - sugeriu Rony.
- Boa idéia, Rony. Ainda vamos fazer de você um Feiticeiro. Escolho Canoas para Cinco Pessoas!
O feitiço esgotou-se com um silvo efervescente ainda antes de estar concluído, e Tiago acabou ficando com apenas duas canoas e uma pilha desordenada de tábuas e cordas com as cores do Muriel.
- Só duas, Pai? - disse Rony, desapontado por não poder ter a sua própria canoa.
- Vão ter que servir. - respondeu Tiago. - Não podemos transmutar matéria mais do que três vezes sem que comece a ficar frágil demais.
Na verdade, Tiago estava mais do que satisfeito por, ao menos, terem canoas.
Em breve, Gina, Rony e o Garoto 412 estavam sentados naquela que Rony batizara como canoa Muriel Um, e Tiago e Marcia estavam apertados na Muriel Dois. Tiago insistiu em ficar sentado à frente, porque:
- Eu sei o caminho, Marcia. É mais do que lógico.
Marcia roncou duvidosa, mas estava cansada demais para discutir.
- Anda Max. - disse Tiago ao cão lobo. - Vá se sentar com o Rony.
Mas Max tinha idéias diferentes. O sentido da vida para Max era ficar ao lado do seu dono e era ao lado do seu dono que ia ficar. Saltou para o colo de Tiago, e a canoa inclinou-se perigosamente.
- Não pode controlar esse animal? - exigiu Marcia, que estava desalentada por se ver outra vez tão perto da água.
- Claro que posso. Ele faz exatamente aquilo que lhe digo, não faz, Max?
Rony emitiu um som de gozo.
- Vá se sentar lá atrás, Max. - disse Tiago ao cão lobo, com severidade. Parecendo desanimado, Max saltou por cima de Marcia para a parte de trás da canoa e sentou-se ali.
- Nem pense que ele se vai sentar atrás de mim. - disse Marcia.
- A meu lado é que não pode ficar. Tenho que me concentrar no caminho por onde temos que ir. - retorquiu Tiago.
- E já são mais do que horas de se porem a caminho. - disse Alther, pairando ansioso. - Antes que comece a nevar sério. Só gostaria de poder ir com vocês.
Alther elevou-se nos ares e ficou a vê-los partir, remando ao longo do Canal Deppen, o qual voltava a se encher lentamente com o refluxo da maré e os levaria bem para o interior dos Pântanos Marram. A canoa de Gina, Rony e do Garoto 412 seguia à frente, com Tiago, Marcia e Max a segui-los.
Max estava sentado muito direito por trás de Marcia e soltava entusiasmadas baforadas de hálito canino sobre o pescoço dela. Cheirava os novos e diferentes cheiros dos pântanos e escutava os tímidos ruídos de vários pequenos animais que fugiam da frente das canoas. De quando em vez deixava-se dominar pelo entusiasmo, e babava generosamente sobre o cabelo de Marcia.
Em breve Gina alcançava uma vala estreita que se separava do Canal. Parou.
- Vamos por aqui, Papai? - gritou a Tiago.
Tiago parecia confuso. Não se lembrava minimamente daquela vala. E exatamente quando estava a ponderar se deveria responder sim ou não, seus pensamentos foram interrompidos por um grito lancinante de Gina.
Uma mão viscosa, da cor da lama, com dedos membranosos e grossas garras negras tinha surgido da água e agarrado a traseira da canoa.
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