Capitulo 6 - PARA A TORRE
Capitulo 6 - PARA A TORRE
Gina não podia acreditar no que lhe estava acontecendo. Mal tivera tempo de dar um beijinho de despedida em todo mundo, e Marcia já a cobria com o seu manto púrpura e lhe dizia que se mantivesse junto dela. E depois a grande porta negra dos Potter abriu-se de forma relutante com um chiar de dobradiças, e Gina foi surrupiada do único lar que conhecera.
Provavelmente era melhor que Gina, coberta como estava pela capa de Marcia, não pudesse ver a expressão desorientada dos seis rapazes Potter, ou a desolação nos rostos de Lílian e Tiago enquanto viam o manto púrpura com quatro pernas esvoaçar na dobra da esquina no extremo do corredor 223 e desaparecer de vista.
Marcia e Gina seguiram pelo caminho mais longo para a Torre dos Feiticeiros. Marcia não queria arriscar-se a ser vista no exterior com Gina, e os escuros e labirínticos corredores do Lado Oriental pareciam ser uma aposta mais segura do que o percurso mais curto de que se servira nessa manhã. Marcia avançava a passos largos, e Gina tinha que correr para conseguir manter-se lado a lado com ela. Por sorte, não levava mais do que uma pequena mochila às costas, com um punhado de tesouros para se lembrar de sua casa; embora, com toda aquela pressa, tivesse se esquecido do seu presente de aniversário.
Já estavam a meio da manhã e a hora de pico já tinha passado. Para grande alívio de Marcia, os corredores bolorentos estavam praticamente vazios enquanto ela e Gina avançavam silenciosamente, virando desembaraçadamente quando deviam, à medida que Marcia se recordava de suas antigas deslocações à Torre dos Feiticeiros.
Escondida sob o pesado manto de Marcia, Gina não conseguia ver quase nada, por isso concentrou-se nos dois pares de pés que via por baixo de si: os seus próprios pezinhos rechonchudos nas gastas botas castanhas, e os longos e pontiagudos sapatos de Marcia, nas peles de píton púrpura, que avançavam sobre as escuras lajes cinzentas do corredor. Em breve Gina deixara de reparar nas suas botas e ficara como que hipnotizada pelas pítons púrpura e bicudas que dançavam em frente dos seus olhos, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita, enquanto atravessavam quilômetros e quilômetros de infindáveis corredores.
E desta forma o estranho par avançou sem ser notado através do Castelo. Passando pelas pesadas portas sussurrantes que escondiam as várias oficinas onde as pessoas do Lado Oriental passavam as suas longas horas de trabalho fazendo botas, cerveja, roupas, barcos, camas, selas, velas, pão e, mais recentemente, armas, uniformes e grilhetas. Passando pelas frias salas de aula onde crianças aborrecidas repetiam a tabuada e passando pelos grandes e vazios armazéns cheios de ecos de onde o Exército dos Guardiães tinha recentemente retirado a maior parte das provisões de Inverno para seu próprio uso.
Por fim, Marcia e Gina atravessaram a estreita arcada que levava ao pátio da Torre dos Feiticeiros. Gina prendeu a respiração no ar frio e atreveu-se a uma espiadela por sob a capa. Soltou uma exclamação.
Erguendo-se à sua frente estava a Torre dos Feiticeiros, tão alta que a Pirâmide dourada que tinha no topo quase desaparecia nuns farrapos de nuvens baixas. A Torre brilhava prateada sob o sol de Inverno, tão brilhante que lhe fazia doer os olhos, e o vidro púrpura nas centenas de janelinhas refulgia e cintilava com uma misteriosa escuridão que refletia a luz e escondia os segredos que estavam por detrás dele. Uma fina névoa azulada pairava em torno da Torre, graduando seus contornos, e Gina mal conseguia dizer onde terminava a Torre e começava o céu.
O ar era diferente também; tinha um cheiro doce e esquisito, de encantamentos mágicos e incenso antigo. E enquanto Gina ficava ali, incapaz de mais um passo, sabia que estava rodeada pelos sons, suaves demais para serem ouvidos, de antigos encantos e sortilégios.
Pela primeira vez desde que saíra de casa, Gina estava com medo.
Marcia colocou um braço protetor sobre os ombros de Gina, pois até ela se lembrava como era quando se via a Torre pela primeira vez. Aterrorizador.
- Anda, estamos quase lá. - murmurou de forma encorajadora, e juntas escorregaram e deslizaram por sobre a neve que cobria o pátio em direção aos enormes degraus de mármore que conduziam à cintilante entrada de prata. Marcia estava preocupada em manter o equilíbrio, e foi só quando chegou à base das escadas que percebeu que não havia mais ninguém de sentinela. Confusa, olhou para o relógio. O render das sentinelas só devia acontecer dali a quinze minutos, por isso onde estava o rapaz que ela repreendera nessa manhã por atirar bolas de neve?
Marcia olhou ao redor, repreendendo-se a si mesma. Alguma coisa estava errada. A sentinela não estava ali. E no entanto, ainda estava ali. Estava, compreendeu ela, entre o Aqui e o Não Aqui.
Estava quase morto.
Marcia mergulhou repentinamente em direção a um pequeno amontoado de neve junto da arcada, e Gina ficou a descoberto.
- Cave! - sibilou Marcia, começando a esgaravatar no montículo de neve. - Está aqui. Congelado.
Sob o monte de neve estava o corpinho branco e magro do sentinela. Estava todo enrolado, e o seu fino uniforme de algodão estava ensopado pela neve e colava-se gelado ao corpo, as cores brilhantes do bizarro uniforme parecendo muito espalhafatosas sob o frio sol de Inverno. Gina estremeceu ao ver o rapaz, não por causa do frio, mas por uma desconhecida memória, sem palavras, que lhe atravessou o pensamento.
Marcia limpou cuidadosamente a neve que cobria a boca azul escura do rapaz, enquanto Gina punha uma mão no braço branco e fino como um galho. Nunca sentira alguém tão frio antes. Com certeza já estava morto, ou não?
Gina viu como Marcia se debruçava sobre o rosto do rapazinho e murmurava algo que não conseguiu ouvir. Marcia calou-se, pôs-se à escuta e parecia preocupada. Depois voltou a murmurar, com mais urgência:
- Apresse-se, Pequena Cria. Apresse-se. - Interrompeu-se por um breve instante, e depois soprou uma longa e lenta expiração sobre o rosto do rapaz. A respiração tombava infindável da boca de Marcia, uma morna nuvem rosada que envolveu a boca e o nariz do rapazinho e que, lentamente, muito lentamente, parecia estar afastando o horrível tom azul e a substituí-lo por uma cor de maior vivacidade. O rapaz não se moveu, mas Gina teve a impressão de já conseguir ver um tênue subir e descer em seu peito. Já respirava novamente.
- Depressa! - sussurrou Marcia a Gina. - Se o deixarmos aqui não vai conseguir sobreviver. Temos que levá-lo para dentro. - Marcia pegou o rapaz no colo e subiu com ele os largos degraus de mármore. Ao chegar ao topo as sólidas portas de prata da Torre dos Feiticeiros abriram-se silenciosamente perante si. Gina respirou fundo e seguiu Marcia e o rapaz para o interior.
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