Capitulo 2
Paramore - Decode
Muriel morava num pequeno chalé avarandado, numa cidadezinha no fim do mundo chamada Little Netherby, no meio do nada. Um desses lugares freqüentados por gente velha em suas férias chatas, para os quais as mães costumam mandar filhas rebeldes, a fim de mantê-las longe da influência da cidade.
Ela vivia com o namorado, Kai, e sua gata, Tullulah.
Muriel e Kai tinham um sebo na cidadezinha ao lado, Greater Netherby. Os dois eram poetas e liam suas obras em festivais de poesia ou nas salas escuras e vazias dos esfumaçados bares da cidade. Mamãe, Cho e eu fomos a um desses recitais no verão passado, num “espaço alternativo” do sul de Londres. Os poemas de Muriel eram bem engraçados, mas ela os lia com uma voz tão baixa e com tantos tiques nervosos que dava a impressão de estar pedindo desculpas pelo que estava fazendo.
Os poemas de Kai eram tão ruins que davam dor de cabeça. Não passavam de um palavreado bombástico e interminável, cheio de tolices sobre corpos nus, odores humanos e sobre o poder da luxúria. As mulheres da idade de mamãe pareciam adorá-los, encantadas com a aparência de roqueiro de Kai e com sua suposta “capacidade de entender as mulheres”. Cho e eu começamos a rir e todos nos olharam feio. Mamãe disse que precisávamos nos comportar como “adultas”. Foi o que bastou para a gente morrer de rir.
Coloquei minha bagagem no vestíbulo minúsculo e entrei no chalé. Tive a impressão de estar andando em uma dessas lojas onde se vende todo tipo de bugiganga. Não havia um centímetro de espaço livre. Pisquei várias vezes para enxergar melhor: montes de livros, caixas, pedaços de papel de parede e peças de cerâmica horrorosas brigavam por minha atenção.
- Kai não está, viajou para comprar livros – disse Muriel animadamente. Ela usava anéis em todos os dedos e centenas de pulseiras tilintavam em seus braços. Cada vez que se mexia, parecia um sino de vento num vendaval.
- Tudo bem com você? – perguntou, enquanto eu continuava no centro da sala, piscando feito uma doida.
Antes que eu pudesse responder, ela foi para a cozinha e começou a procurar xícaras, enquanto dizia:
- Quanto a você, não sei, mas eu estou louca por um café.
Resmunguei e me joguei num sofá empoeirado, disposta a ver tevê. Mas dei de cara com os olhos de uma grande gata preta sentada no espaço onde deveria estar a televisão. Piscamos uma para a outra, e ela saltou da mesinha, caiu com um baque surdo no meu colo e começou a ronronar.
Muriel voltou com duas grandes xícaras e começou a rir:
- Tallulah gostou de você para ronronar assim. Minha gata não se deixa impressionar facilmente: só vai onde quer e só faz o que lhe agrada. Muitas vezes vai comigo para a livraria.
Tomei um gole de café e fui direto ao ponto:
- Quanto tempo vou ficar aqui?
Muriel suspirou, antes de responder:
- O tempo das férias... para começar. Também é preciso resolver o problema da nova escola. Podemos tentar a Escola Comunitária de Netherby, se você quiser recomeçar a vida aqui.
Ela se sentou ao meu lado e fez uns afagos em Tallulah. Depois de um longo silêncio, continuou:
- Veja bem, Gina, você já é bastante crescida para saber que não posso obrigá-la a nada. Não posso obrigá-la a contar o que aconteceu na escola, nem forçá-la a ficar aqui. Não mando em você, nem quero mandar. Pode ir embora quando quiser. Só peço que me comunique antes de qualquer decisão.
Isso me surpreendeu, porque durante a viagem, no carro com mamãe, eu vinha ensaiando um discurso do tipo: “Você não pode me obrigar a ficar aqui. Vou fugir. Você não pode me obrigar a fazer nada!”. Dito isso, eu planejava não abrir mais a boca, exatamente como vinha fazendo com mamãe. Ficaria calada até que Cho, como uma inesperada fada madrinha, viesse me libertar com a verdade.
Meu problema tinha inclusive um nome. Eu o encontrara num dicionário de mamãe sobre problemas dos adolescentes, que ela deixava de propósito na cozinha: “mutismo eletivo”. No meu caso, porém, acho que seria melhor falar em “mutismo seletivo”.
O discurso de Muriel me deixou sem fala. Tomei meu café e me permiti sentir-me um pouco melhor. Já que eu não podia escolher entre ficar ou não, o lugar já não parecia uma prisão.
- Posso usar o telefone? – perguntei (mamãe confiscara meu celular).
Muriel ficou um tempão agitando as pulseiras antes de dizer:
- Para falar a verdade, o telefone está cortado.
Por alguns momentos, achei aquilo ótimo. Significava um tempo longe da voz irritante de mamãe. Depois, aquilo me chateou. Sem tevê, sem telefone e sem amigos. Nada de diversão e uma eternidade para meditar. É! Talvez algum tempo num acampamento militar fosse melhor que isso.
Continua...
Ana Carolina Guimaraes: Fico feliz que esteja gostando! Quanto as outras fics logo, logo eu vou postar.
Um super beijo a todos e Comentem =*
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