- capítulo único.
Como gelo
Seu toque era frio. Não gelado, como nos dias em que nevava, mas só frio. Irritantemente frio. Eu vivia esbarrando com ele para saber se sua temperatura corporal mudava para variar, mas nunca, nunca, parecia subir ou cair ainda mais. Eu me perguntava distraidamente se ele não estava passando mal, mas nunca pude chegar a alguma conclusão. Ele sempre me distraia de meu próprio devaneio com sua voz irônica, atirando comentários mordazes sobre minha família.
Numa determinada época eu parei de ligar para isso. Eu esbarrava nele ás vezes, mas era apenas por eu estar imersa em pensamentos. E isso acontecia com apenas ele. Me perguntava se ele havia percebido mais alguma coisa, mas sempre me pegava devaneando novamente para me importar. E foi num dia como esses que ele finalmente resolveu falar comigo.
Eu não estava preocupada. Seus olhos cinzentos e sua pele gelada não me saíam da cabeça. Talvez fosse apenas a convivência com Luna, talvez eu estivesse mesmo ficando maluca que nem ela. Eu não fazia idéia. E isso em vez de me deixar mais esperta, apenas me imergia mais e mais em pensamentos sobre Draco Malfoy. E então sua voz saiu num sussurro, mas não era áspero como eu esperava que fosse.
- Weasley, que é que está fazendo?
Isso finalmente me despertou dos meus devaneios constantes. Olhei em volta curiosamente, tentando saber onde estávamos, mas estava rodeada de carteiras e mais carteiras... E de Malfoy, parado á minha frente, o rosto desconfiado, os olhos cinzentos indecifráveis por baixo dos fios de cabelo loiros. Eu o encarei.
- Não sei, Malfoy. Que é que você está fazendo? – perguntei de forma inquisitiva.
Ele ergueu uma sobrancelha clara.
- Estou tentando descobrir o que diabos você está pretendendo – ele sussurrou.
- Por que está sussurrando? – Eu queria saber se ele havia me levado para algum lugar secretamente, ou algo parecido.
- Porque não quero ser visto com você. – Ele murmurou de forma maliciosa, esperando para avaliar minha reação.
Eu apenas o encarei.
- Se está esperando uma resposta, receio desapontá-lo – falei de forma fria -, estou de saída, Malfoy. Não estou pretendendo responder sua pergunta.
E quando me virei dramaticamente para a porta da sala de aula, Malfoy segurou meu braço com sua mão gelada, me prendendo na sala antes que meus dedos sequer tocassem a maçaneta da porta. Ele me puxou deliberadamente de encontro a ele me prendeu entre seus braços, um de cada lado do meu rosto. Eu estava presa na parede.
Mas não foi isso que fez eu me arrepiar. Foi seu toque gelado no meu braço, seu rosto próximo ao meu; e seus olhos cinzentos. Brilhando de humor, não mais indecifráveis. E quando que os olhos de Malfoy brilharam de humor? Não me lembro. Sorri de canto. Malfoy se inclinou e afastou os cabelos de minha orelha esquerda.
- Weasley, Weasley, Weasley. – sussurrou ele, no meu ouvido. Me arrepiei de novo. Seu hálito não era frio como sua temperatura, era quente. Como sua respiração na minha nuca.
- Malfoy, Malfoy, Malfoy. – Sussurrei asperamente, grata por minha voz continuar baixa, e não ter tremido.
Que diabos estava acontecendo?
- Não estou para brincadeiras – ele sussurrou, chegando mais perto e prensando seu corpo contra o meu. – E não lhe fiz uma pergunta para receber uma resposta.
Percebi que ele estava sorrindo. E muito pelo visto. Eu não podia ver seu rosto de onde estava, a única visão dele que eu tinha eram seus cabelos loiros. Eu queria estender a mão e tocá-los, ver se eram macios como pareciam ser. Só que eu não podia mover um músculo, eu nem queria mover um músculo. Estava tudo muito bem ali, obrigada.
- Mas mesmo assim – eu dei de ombros. Ou pelo menos tentei, com Malfoy tão desconfortavelmente próximo de mim. Ele riu sarcasticamente.
- Entendo – sussurrou Malfoy, aproximando seus lábios gelados de meu ouvido novamente. – Então, Weasley, pode me dizer por que você está tão...
Eu esperava que ele fosse usar um de seus característicos adjetivos, que nem esquisita, aérea, assanhada ou... Pobre. Me irritei. Será que Malfoy não podia poupar os comentários mordazes até quando... Estamos abraçados? Antes que ele pudesse usar a palavra, eu o interrompi, apesar de ele não ter começado ainda.
- Malfoy, basta. Acho que não quero ouvir o que você tem para dizer – sussurrei furiosamente. Ergui afinal meus braços e abaixei os de Malfoy, que ainda estavam erguidos um de cada lado de mim e empinando o nariz, me dirigi até a porta.
Malfoy me segurou de novo, sua pele gelada me deixando levemente arrepiada. Eu não deixei transparecer nada. Revirei os olhos.
- Quer fazer o favor de me deixar ir? – Pedi, cansada das investidas esquisitas de Malfoy para o meu lado.
Ele sorriu. Um sorriso um tanto convidativo, carregado de malícia.
- Weasley, eu não quero que você saia ainda – ele começou mais maliciosamente ainda, se aproximando de mim, sem largar meu braço.
- E quem é você para me fazer ficar aqui, Malfoy? – sussurrei, encarando-o com os olhos semicerrados.
Ele deu de ombros.
- Draco Malfoy.
E então o safado me beijou.
Assim mesmo! Na cara de pau! Eu juro que tentei afastar ele, mas a pele dele era gelada, e as pontas dos dedos dele estavam nas minhas têmporas, era que nem gelo. Maldição. Eu tentei, eu tentei. E foi aí que eu comecei a corresponder. Ele ainda não tinha feito nada, era só uma pressão nos meus lábios, mas adivinha quem queria beijar Draco Malfoy? Malfoy passou a língua pelo meu lábio inferior, me fazendo involuntariamente erguer as mãos e tocar nos seus cabelos loiros. Era macio como eu imaginava. Correspondi ao beijo, me deixando levar. De repente senti seus braços na minha cintura, e a pedra dura da parede nas minhas costas.
A sua língua explorava a minha boca, sem hesitação. Como se ele nem fosse um Malfoy e eu uma Weasley. Como se fôssemos feitos um para o outro. Só que eu não tinha certeza se isso era certo. Quero dizer, de repente, Malfoy vem e me beija, e eu correspondo... Onde isso pode parar? Puxa vida, eu quero ser feliz, com alguém que goste de mim, que eu goste. Talvez eu goste dele, mas e ele? Ele gosta de mim, afinal?
Interrompi o beijo, mas Malfoy capturou meu lábio inferior com os dentes e o mordeu, me fazendo olhar nos seus olhos cinzentos brilhantes. Eu suspirei audivelmente, para depois sentir um rubor no pescoço. Malfoy riu e soltou meu lábio, me abraçando apertado. Eu sorri levemente, mas depois a realidade caiu em cima de mim como se fosse uma bomba e eu fosse a Faixa de Gaza.
Empurrei Malfoy para longe de mim e olhei em seus olhos.
- Draco – sussurrei de repente, com voz sedutora -, que é que está pretendendo?
Os olhos de Malfoy brilharam de malícia. Ele sorriu; sua mão que pousava na minha cintura deslizando sutilmente mais para baixo. Eu sorri, depois encostei meus lábios nos dele, os separando lentamente.
- Qualquer coisa que esteja na sua lista – murmurou de repente. Procurei seu ouvido e afastei os cabelos loiros de lá.
- Sinto te decepcionar – sussurrei de forma sensual no seu ouvido. E empurrando-o para uma escrivaninha, me virei para a porta, a abrindo rapidamente e saindo da sala de aula, aparentemente vazia. Eu não tinha feito barulho ao jogar Draco na escrivaninha do professor, o que eu supus que não devia ter machucado. – Droga! – sussurrei furiosamente.
Continuei andando depressa, louca para sair da cena do crime, quando esbarro em alguém. Olho para cima, e Harry entra em foco. Eu dou um sorriso que esperava não ser nervoso.
- Ei, Harry – cumprimentei alegremente. No fundo eu estava desesperada, os pensamentos dos beijos de Draco assaltando minha mente o tempo todo. Era muito bom beijá-lo. Já ia continuar meu caminho quando Harry resolveu falar alguma coisa.
- Gina – Harry sorriu. E eu não queria aquele sorriso agora, eu queria aquele sarcástico, aquele irônico, eu queria poder provocar Draco Malfoy. Olhar nos seus olhos cinzentos e em vez de receber um olhar de reprovação em resposta, receber um olhar no mesmo nível. O nível de Draco, o cara de quem eu acabei de escapar.
Quem liga para Harry Potter?
E será que Harry Potter poderia parar de tomar meu tempo?
- Harry, está procurando por alguma coisa? – perguntei objetivamente. Eu não entendia realmente porque a pressa em sair dali, mas eu sabia que realmente precisava dar o fora. Alguma coisa me dizia que algo iria dar errado.
Harry pareceu despertar de alguma espécie de transe profundo.
- Ah, sim – ele falou, sacudindo a cabeça -, você viu Ron e Hermione?
- Não – respondi prontamente, querendo que Harry vá logo procurar eles e me deixe em paz. – Faz tempo que não os vejo.
- Hm – fez Harry pensativo. Resisti á vontade de bater os pés de impaciência.
- Harry? – Chamei delicadamente. – Eu estou com pressa – sorri amarelo; a melhor defesa é o ataque.
- Hum, OK – ele disse, parecendo constrangido. – Até mais, Gina.
Sorri de novo e continuei indo através dos corredores. Ainda não faltava muito para eu chegar à torre da Grifinória, onde eu estaria a salvo... Até que precisasse parar de pensar na vida e ir comer alguma coisa. Era sexta-feira. Teríamos o sábado livre para irmos a Hogsmeade.
Porém, quando eu estava muito perto do corredor que levava ao buraco do retrato, alguma coisa fria me puxou de repente para um canto e nós dois entramos num outro lugar escuro e vazio. Eu suspirei e me recostei na parede, cruzando os braços. Esperei ele falar alguma coisa, mas ele só me encarava com os olhos semicerrados.
- Malfoy – sussurrei -, qual seu problema com sentar na beira do lago e batermos um papo como as duas pessoas civilizadas que não somos?
Ele sorriu sarcasticamente.
- Weasley, você sabe das minhas metas – ele sussurrou de volta. Resolvi dar uma espiada no lugar onde estávamos. Era um armário de vassouras. Eu suspirei e puxei um balde virado de boca para baixo para perto de mim e me sentei nele, esperando pacientemente Malfoy terminar de falar para eu ir para o meu dormitório sem mais interrupções.
- Tenho apenas uma vaga idéia – comentei. – Você quer falar comigo, Malfoy? Eu estava tipo assim, querendo ir para a minha torre.
Malfoy sorriu. Um sorriso cheio de dentes. Eu estremeci involuntariamente. Aquele sorriso me provocou arrepios.
- Weasleyzinha – começou ele numa voz perigosa -, poderia parar de fugir? Apenas quero conversar com você. – Malfoy fez uma cara inocente que não me convenceu nem um pouco.
E eu me irritei de vez.
- Malfoy – eu comecei numa voz igualmente perigosa, me levantando do balde e avançando em direção a ele ameaçadoramente -, se você não falar agora o que diabos quer, eu juro que eu vou enfiar essa sua maldita cabeça loira...
- Weasley – ele disse num tom de repreensão -, você pragueja muito.
Eu rosnei.
- Malfoy! – gritei. - Pelas barbas de Merlim! Vá direto ao ponto!
Malfoy cruzou os braços e fixou os olhos cinzentos em mim.
- Gina, eu sou um idiota – declarou Malfoy; fiquei completamente pasma por ele não ter usado meu sobrenome, mas deixei-o continuar, antes de ser surpreendida numa espécie de masmorra pela terceira vez ao dia. – Estou a fim da minha pior inimiga.
A compreensão iluminou minha face. Malfoy estava afim da Hermione! Mas porque essa maldita sensação de desconforto na boca do estomago? E a realidade caiu em cima de mim pela segunda vez nesse mesmo dia. A sensação de profundo desconforto não era por solidariedade a Hermione, como eu pensei. Era porque eu não queria que ele gostasse dela. Nada contra Hermione, ela é minha futura cunhada.
Eu sorri compreensivamente, apesar de minhas ridículas recentes descobertas. Quero dizer, o que eu faço agora? Eu devo aproveitar a oportunidade e falar logo para o Malfoy que eu meio que me recuso a deixar que ele faça algo de ruim para a minha cunhadinha? Mesmo que não seja bem essa a coisa que sairia de meus lábios...
Não, fica para uma próxima vez.
- Draco – sussurrei dando tapinhas a esmo nos seus ombros -, tenho certeza de que se você abrir o jogo com a Hermione ela não te chama mais de doninha, de Barbie ou de...
Ele riu.
- Estou falando de você.
Eu congelei.
- Como é?
- Você. Gosto. De. Você.
- Puxa vida – sussurrei mortificada, puxando o balde para baixo de meus glúteos e sentando nele rapidamente, pousando a cabeça quente nas mãos comecei a ficar meio vermelha. – Que reviravolta.
Draco sorriu.
- Fale alguma coisa – pedi desesperadamente, sacudindo minhas mãos na direção fria de Draco -, não fique sorrindo desse jeito, por favor.
- Eu não tenho o que falar – disse Draco, sentando-se num balde ao meu lado. Ele não segurou minha mão nem olhou nos meus olhos, mas mesmo assim foi até bonitinho.
- Então só curta o momento.
Nós dois ficamos em silêncio.
Eu sabia que precisava falar alguma coisa, assim como sabia que Draco estava esperando que eu abrisse caridosamente a minha boca para responder à uma pergunta não feita. Se eu gostava dele também. É claro que eu gostava dele também! Gostava de tudo nele, desde os olhos cinzentos até as frases sarcásticas.
- Draco, eu também gosto de você. – E eu tinha certeza naquele momento que tudo iria ficar do jeito certo de repente. Que a gente poderia passar por cima de qualquer coisa. Não que tudo seria um mar de rosas, isso eu garanto que não é.
Mas eu quero passar por esse não mar de rosas junto com o meu oxigenado preferido.
Draco sorriu. Um sorriso não que sugeria que estava prestes a me dar um beijo total e completamente meloso e me dizer coisas lindas me comparando a dias de verões, mas um sorriso sincero, de um garoto que queria ficar com uma garota que era seu oposto.
- Então curta o momento, Gina.
E se inclinando para a frente, Draco me beijou de novo; mas desta vez não foi apenas por acaso. Quando seus lábios frios encostaram-se nos meus foi a melhor sensação de todas. A melhor. Nunca entenderei isso direito. Assim como não entenderei porque Draco demorou tanto.
Para perceber que nem tudo é o que parece. Que nem tudo é como gelo.
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