Prólogo
Prólogo - 73 mil dias de espera
A televisão, antiquada e barulhenta, mostrava naquele fim de tarde a figura de um homem alto e magro exibindo seus sorrisos largos e amarelados para um amontoado de gente. O som chiado do aparelho revelava com esforço as frases do repórter que, meio ao barulho exacerbado do evento, dizia ser aquele o novo ministro da magia.
Logo a frente do aparelho uma pequena mesinha de madeira avermelhada carregava em cima de si as folhas acinzentadas do Profeta Diário. Na capa, o mesmo rosto. Levemente enrugado em volta dos olhos opacamente azuis. Na realidade, só se podia perceber o lado esquerdo já que o direito era, por inteiro, tomado por uma máscara amarronzada. O olho se destacava meio ao material ainda mais opaco e sem vida do qual a máscara era feita. Lábios finos e contraídos davam um ar tenso à expressão do homem enquanto as sobrancelhas fincadas e negras o faziam parecer permanentemente irritado.
Abaixo da foto havia, em letras garrafais, uma manchete da qual só se podia ler a primeira palavra já que as outras eram cobertas pelos pés que descansavam sobre a mesa com seus sapatos exageradamente pretos e impecáveis. O resto do corpo, por sua vez, descansava confortavelmente sobre o sofá rosado de quatro lugares. Algumas almofadas brancas deixavam-no ainda mais aconchegante além de contrastar com a parede carmim que dava ao ambiente um ar aquecido.
Dwayne Wahlgreen agora bocejava diante das notícias embora ainda mantivesse os dois olhos negros colados ao aparelho. Afinal, essa nova mania trouxa incorporada à vida bruxa não o convencia muito. Era como assistir ao Profeta Diário porém com hora marcada e em cores. Em sua humilde opinião, era muito mais prático comprar o jornal e pronto, poderia ler o quanto quisesse e se informar a respeito de tudo sem precisar perder horas de seu tempo afundado no sofá. Mas – que podia ele fazer? – Morgana adorava as invenções trouxas e queria todas em sua casa. Na realidade, Morgana adorava novidades, fossem quais fossem, pensou o homem. E, considerando o bruxo respeitado que era, havia uma óbvia necessidade em se manter informado a respeito dos novos intercâmbios entre os dois mundos que, há algum tempo, andavam de mãos dadas e, vez ou outra, confundiam-se e misturavam-se.
Esta noite, no entanto, todas as notícias pareciam ser sobre o mesmo assunto: Cárcius Alterwood. O novo ministro parecia estar sendo recebido com alegria pela população bruxa – ou, ao menos, era o que se podia achar através das cenas mostradas no noticiário e no Profeta Diário. Era estranho, pensava Dwayne, que ninguém sequer questionasse a morte do outro ministro. Martin Parker era um bom ministro. Meio lento, talvez, na altura de seus 70 anos e quase 100 quilos. Parecia-se com uma tartaruga em diversos aspectos mas ninguém esperava que morresse tão repentinamente. Já ocupava o cargo fazia tanto tempo, pensou o homem se espreguiçando no sofá salmon, mas talvez fosse bom assim. Mudanças podiam ser boas na atual conjuntura. O caos em que os bruxos se encontravam realmente precisava de uma ordem pra seguir e ser imposta.
Dwayne Wahlgreen levantou-se finalmente e estalou as costas doloridas. Seus cinqüenta e poucos anos se mostravam presentes, vez ou outra, quando ele ficava por muito tempo em posições desagradáveis. Se não fosse por isso – e também pelas entradas em seu cabelo acinzentado – nem sequer aparentaria a idade que tinha. O sorriso muito largo e de dentes perfeitamente alinhados e brancos lhe conferia um ar jovial que era completado pela magreza e pelo porte que exibia com sua postura perfeita.
Assim que achou o botão pra desligar a televisão, após alguns minutos fazendo tentativas ineficazes, desligou a luz e se pôs a subir a escada. Morgana já dormia há tempos e, com ela, os muitos gatos que tinham. A essa hora apenas as corujas acompanhavam o homem. Suas três lindas e bem cuidadas corujas. Eram sua grande paixão, afinal, junto à mulher e ao seu trabalho. Esse último se mostrava cada vez mais difícil nos últimos tempos – isso era verdade – mas ainda assim continuava sendo um dos motivos pelo qual ele se levantava todas as manhãs.
Hogwarts era, apesar de tudo, sua segunda casa. Cada canto, cada sala, cada mísera parede desgastada era um mundo de recordações inesgotável. E mesmo os alunos – que, ultimamente, lhe traziam mais problemas que orgulhos – eram todos considerados os filhos que nunca teve. Eram tempos difíceis aqueles, pensou. Tempos em que sobrenomes valiam mais que lealdades e ditavam características. Mas talvez o novo ministro tivesse chegado em boa hora, afinal. Era só o que podia esperar, disse pra si mesmo enquanto apagava a última luz e deitava em sua cama, era o que realmente precisavam após 200 anos de mortes e tragédias irreparáveis.
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