O leilão
Mary olhava boquiaberta para um vaso de formato esquisito que, segundo a sua descrição, exalava constantemente um perfume capaz de entorpecer as pessoas, a ponto de elas aceitarem tudo o que lhes for proposto. O preço pago por ele fora tão alto, que Mary olhou duas vezes em direção ao computador para entender que lá haviam mais zeros do que elfos-domésticos na mansão Doumajyd.
- É um leilão cheio de tesouros, não é? – comentou Nissenson ao seu lado, observando o vaso sendo retirado com cuidado, por um homem usando máscara, do pedestal onde estava exposto no meio do salão.
A sala onde estavam possuía uma parede toda de vidro, de onde se tinha uma visão completa do grande salão. De lá também eram visíveis outras dezenas de paredes de vidro como aquelas, que deviam ser das outras salas. Mas nada podia ser visto através deles, o que fazia Mary imaginar que os outros compradores também deveriam estar na mesma situação, olhando admirados para o desenrolar do leilão tentando enxergar inutilmente quem estaria por trás daquele vidro enegrecido magicamente.
- Está na hora da Sorriso de Vênus. – avisou MacGilleain, vendo na tela do computador a lista dos próximos itens a subirem no pedestal.
Mal o dragão terminara de falar, uma mulher com um chamativo vestido prateado entrou, carregando elegantemente uma almofada onde repousava a tiara. Com um andar treinado, como o de uma modelo, ela colocou a almofada no pedestal e saiu de cena, da mesma forma rápida como entrou.
No mesmo instante que a tiara entrou, Mary apoiou os braços no vidro, involuntariamente tentando enxergar melhor, e logo em seguida Doumajyd se juntou a ela.
- Começou. – informou MacGilleain, quando os números começaram a aparecer na tela.
O lance inicial era de três milhões e, assim que o leilão foi iniciado, o número subira rapidamente para dez milhões.
- O que é isso? – perguntou Nissenson perplexo olhando para a tela, quando o valor aumentou para quinze milhões.
Hainault, que lia tranquilamente em uma poltrona, erguera os olhos do livro para ver a tela.
- O que aconteceu? – Doumajyd se aproximou, tentando entender o que acontecia.
- Vinte e cinco milhões? – perguntou MacGilleain incrédulo, continuando dando lances para que ficassem sempre na frente.
- Vinte e cinco?! – ecoou Mary com a voz fraca, e então olhou para a tiara, ao mesmo tempo tão perto e tão longe dela – Está bem na nossa frente...
O cronômetro informava que ainda restavam cinco minutos até os lances serem encerrados.
- Tem alguém dando lances toda a hora. – comentou Nissenson, também espantado com o que estava acontecendo.
- Isso quer dizer que tem alguém disputando conosco? – perguntou Hainault do seu canto.
- Talvez o próprio vendedor esteja aumentando os lances. – deduziu MacGilleain, quando o valor já estava em 55 milhões.
- Talvez ele queira ver a nossa reação. – sugeriu Hainault, o único dragão que mantinha a calma enquanto todos os outros cercavam o computador.
- Ele quer que nós compremos por um preço extremamente alto. – suspirou Nissenson – Desse jeito ele mesmo vai levar.
- Que merda! – praguejou Doumajyd, tirando as mãos de MacGilleain do teclado e passando ele mesmo a apertar o botão para dar os lances repetidamente.
- Chris! – Mary foi até ele – O dinheiro não é seu!
- E tudo bem se deixarmos assim?! – ele rosnou para ela, sem deixar de dar os lances.
- Não estou falando disso! – ela devolveu no mesmo tom.
- Acalmem-se! – pediu MacGilleain.
- Nós já compramos essa briga. – disse Nissenson – Vamos fechar esse leilão!
- A negociação aqui é na base do dinheiro vivo, não? – Doumajyd explicou o seu ponto de vista para a noiva – Não tem como alguém sair com esse tanto de dinheiro daqui sem ser percebido! Quando pegarmos o ladrão, pegamos o dinheiro de volta!
- Mas será que vai dar certo? – Mary resmungou, demonstrando a sua descrença nesse plano.
- Os lances estão sendo cada vez maiores. – Nissenson apontou para a tela – Noventa e cinco milhões.
Vendo que a quantia ultrapassava, e muito, o que tinham, MacGilleain usou a sua esfera para pedir que providenciassem mais dinheiro imediatamente.
- Trinta segundos. – Nissenson respirou fundo, quando o valo ultrapassou os 100 milhões.
- Vamos ganhar com certeza! – Doumajyd apertava o botão sem parar.
Quando o relógio marcou cinco segundos, os lances pararam. Somente quando Doumajyd apertava o botão o valor era aumentado.
- Desistiram? – perguntou Hainault.
O tempo terminara, fechando no valor exato de 155.668.700,34 dólares.
- Isso! – Doumajyd jogou o punho no ar para comemorar.
- Conseguimos! – MacGilleain e Nissenson bateram as mãos.
Mary limitou-se a cair sentada na frente do computador, incapacitada de conseguir fazer qualquer conversão. A única coisa que ela sabia é que nunca teria tanto dinheiro na vida, mesmo se juntasse por três vidas inteiras.
***
Mary esticou os braços bem alto, respirou fundo e tentou se acalmar olhando para o céu nublado. Queria muito gritar, como sempre fazia na Torre do Desabafo nos seus tempos de Hogwarts, mas um terraço de uma questionável igreja em Hong Kong não era exatamente o melhor lugar para isso.
Ela havia deixado que os dragões resolvessem os negócios do leilão e procurara um lugar para poder respirar ar puro.
- Será que assim está bom? – ela se apoiou no muro de proteção -... Está tudo bem nos casarmos?...
- Eeei!
Mary olhou em volta assustada, e então avistou Archie MacGilleain vindo em sua direção.
- Senhor Gilmore? – ela perguntou surpresa.
- Então vocês vieram mesmo até aqui. – ele comentou quando chegou até ela – Conseguiram levar a tiara?
- Sim... parece. – ela respondeu na defensiva, pois não fazia a menor idéia do porque ele estava ali.
- Cento e Cinqüenta e cinco milhões... – ele comentou, se apoiando no muro e olhando para a paisagem – Somente um Doumajyd para ter tanto dinheiro assim... O que foi? Está com uma expressão chateada. Brigou com o herdeiro?
- Não, não brigamos. – ela respondeu rápido – Mas...
- Está em dúvida. – ele completou com um sorriso.
Mesmo sentindo vontade de dizer que não, Mary simplesmente não conseguiu dizer nada, então simplesmente passou a dar mais atenção para a superfície áspera do muro.
Com a falta de resposta dela, Gilmore não insistiu, mas tirou uma esfera do bolso do seu casaco e estendeu para ela. Entendendo o gesto, Mary pegou a sua própria esfera e colocou diante da dele, criando assim, automaticamente, uma ligação, o que permitiria que eles entrassem em contato.
- Se realmente estiver com dúvidas, fique a vontade para falar comigo. Vou ficara aqui em Hong Kong até amanhã... Até mais, pequena advogada. – e então ele foi embora.
Mary segurou firmemente a esfera na mão e mais uma vez não pôde evitar o pensamento de como Archie Gilmore era semelhante à Doumajyd, mas ao mesmo tempo diferente, de uma forma que Doumajyd nunca iria ser.
- Adulto. – ela encontrou a palavra.
Então ela pôde chegar à conclusão de que a sua inquietude não estava mais relacionada com a tiara e o seu roubo. Afinal, esse problema já tinha sido praticamente resolvido. Aquele sentimento pesado vinha de algo muito mais profundo e remoto do que o roubo da tiara.
Com a cabeça doendo, Mary decidiu que não iria pensar mais naquilo por hora. Depois dali ela e o D4 iriam para algum passeio para comemorar pela cidade, e ela não queria expor suas preocupações, já que nem ela mesma sabia as definir direito, e acabar com a comemoração dos amigos, que se preocuparam tanto em ajudá-los.
Voltando a respirar fundo, ela andou para a lateral do terraço, de onde poderia olhar para o grande jardim. Mas assim que se encostou no muro uma coisa lhe chamou a atenção.
Lá embaixo estava Ryan Hainault, em uma sacada no primeiro andar, não totalmente visível, mas inconfundivelmente o dragão. Mary estava prestes a chamar a atenção dele, para que ele subisse até o terraço com ela, de onde teria uma visão muito melhor, quando perdeu todo o fôlego: ao lado dele estava o bruxo que havia roubado a tiara.
Sem entender, Mary instintivamente se baixou atrás do muro, de forma que poderia ver, mas dificilmente seria vista. Mesmo daquela distância, mesmo não ouvindo uma só palavra, ela tinha certeza que eles estavam conversando. Não era uma briga, não era uma conversa exaltada e muito menos ela reconhecia alguma expressão de fúria no amigo. Ele simplesmente conversava com a sua calma de sempre. Então, o dragão estendeu a mão para o bruxo, e esse retribuiu com um aperto no mesmo instante e saiu logo depois.
Sem perder tempo, Mary correu para as escadas e desceu todos os lances praticamente aos pulos. Mas quando chegou a entrada da igreja, só teve tempo de ver o ladrão entrando em um carro preto.
- Mentira! – ela balbuciou, diante do carro que acelerou e passou rapidamente por ela.
Mary ainda conseguiu ver, através do vidro fechado, a figura de um velho de barbas e cabelos prateados, que a encarou enquanto ela permanecia paralisada no mesmo lugar.
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