Prólogo



Os irmãos Potter andavam procurando confusões, como de costume, algo que não era
tão fácil na pequena localidade do Antietam, em Maryland; mas acabava sendo
divertido ficar procurando.

Quando subiram no Chevrolet de segunda mão, começaram a discutir sobre quem iria
dirigir. O carro era de Rony, o mais velho, mas não importava muito aos seus três
irmãos.

Harry queria dirigir. Precisava de um pouco de velocidade, percorrer as estradas zigzagueantes pisando fundo no acelerador. Imaginava que assim talvez pudesse fugir de seu humor sombrio, ou, possivelmente, entende-lo. Sim, sabia que continuaria dirigindo até estar em outro lugar.

Em qualquer outro lugar.

Tinham enterrado sua mãe a duas semanas atrás.
Talvez, porque o perigoso estado de animo de Harry se percebia claramente nos olhos verdes e na forma em que apertava os lábios, decidiram que ele não conduziria. Por fim, Carlos se sentou ao volante, e Rony ocupou o assento do carona. Harry se acomodou no assento traseiro junto a Denis, o menor dos quatro irmãos.

Os Potter eram um grupo duro e perigoso. Todos eles eram altos e fortes como cavalos selvagens, com os punhos preparados, em certas ocasiões, para descarregar contra algo.

Seus olhos, típicos olhos do Potter, em de distintos tons de verde, podiam congelar com o olhar. Quando se encontravam de mau humor, era sabido que não convinha se aproximar deles sem razão.

Foram jogar bilhar e tomar umas cervejas, embora Denis tenha se queixado, já que ainda não tinha vinte e um anos, a maioridade nos Estados Unidos, e portanto, não lê serviriam álcool.

De todas formas, o bar do Duff, pouco iluminado e carregado de fumaça, pareceu-lhes o lugar adequado. Os golpes das bolas de bilhar lhes proporcionavam a violência necessária, e percebia pela olhada de Duff Dempsey que estava inquieto. A apreensão dos olhos de outros clientes, que fofocavam por cima das cervejas, era bajulador.

Ninguém duvidava que os Potter estivessem procurando encrenca. No fim, sempre encontravam o que procuravam.

Com um cigarro na boca, Harry apontou com o taco. Não se barbeava há alguns dias, e a sombra de seu rosto fazia sua aparência mais feroz. Com um golpe certeiro, fez ricochetear na mesa a bola branca, que empurrou uma das lisas e a fez cair no buraco.
—Menos mal que tem sorte em algo. —comentou uma voz a suas costas.

Draco Malfoy estava sentado no bar, bebendo sua cerveja. Como estava acostumado a ocorrer depois do pôr-do-sol, estava bêbado, e o álcool tinha sido cruel com sua aparência. No passado, tinha sido a estrela da equipe de futebol americano de sua universidade, e competia com os Potter para ganhar favores das jovens. Agora, tinha apenas vinte e um anos, mas seu rosto estava sempre avermelhado e tinha envelhecido de forma considerável.

O olho arroxeado que tinha deixado na sua jovem esposa antes de sair de casa não o satisfizera.

Harry pôs giz em seu taco e logo endereçou um olhar ao Draco .

—Agora que sua mãe morreu, precisará de mais que um golpe de sorte com o bilhar para levar adiante essa fazenda. —insistiu Draco, sorrindo—Ouvi dizer que vai começar a vende-la para pagar os impostos.

—Pois o informaram mal. —respondeu Harry com frieza, rodeando a mesa para calcular sua seguinte tacada.

—Minha informação é boa. Os Potter sempre foram uns idiotas e mentirosos.

Antes que Denis pudesse tomar frente, Harry o interceptou com o taco.

—Está falando comigo. —disse em tom tranqüilo.

Manteve o olhar no seu irmão durante um momento antes de voltar-se.

—Não é, Draco? —perguntou ao bêbado.— Estava falando comigo, não?

—Estou falando com todos vocês .—disse, olhando-os um a um.

Denis, a seus vinte anos, estava curtido pelo trabalho na fazenda, mas continuava sendo um rapaz. Depois olhou para Carlos, cujo olhar pensativo e frio revelava pouco. Rony estava apoiado contra a vitrola, esperando o movimento seguinte.

Por último, olhou para Harry. Parecia furioso, pronto para brigar.

—Mas você serve. —concluiu Draco— Sempre achei que é o maior perdedor de toda a
cidade.

Os clientes começaram a acomodar-se para presenciar a confrontação.

—Ah, sim? — Harry apagou o cigarro e bebeu um gole de cerveja, como se tratasse de um ritual prévio a briga — Como vão as coisas na fábrica, Draco?

—Pelo menos tenho um salário. Trabalho em troca de dinheiro, não como outros. E ninguém vai quitar minha casa.

—Não enquanto sua mulher continuar trabalhando doze horas ao dia para pagar o aluguel.

—Minha mulher não é assunto seu. Eu ganho o dinheiro em minha casa. Não preciso que uma mulher me sustente, como fazia sua mãe com seu pai. Usou toda a sua herança e depois morreu.

—Sim, morreu .— disse Harry, cada vez mais furioso—, mas nunca levantou a mão para ela. Minha mãe nunca teve que vir a cidade com o um xale e óculos de sol, dizendo que estava cansada. Seu pai batia na mulher e você faz o mesmo com a sua.

Draco deixou a garrafa no bar com um golpe.

—Isso é mentira. Vou faze-lo engolir isso.

—Tente.

—Está bêbado, Harry. — murmurou Rony.

—E o que? —perguntou, olhando para o seu irmão com seus letais olhos verdes.

—Não tem muito sentido quebrar a cara dele, quando está bêbado. Não vale a pena.

Mas Harry não precisava de seus discursos. Só de ação. Levantou seu taco, o olhou atentamente e o deixou em cima da mesa de bilhar.

—Não comecem aqui .—disse Duff, embora soubesse que já era muito tarde —. Se armarem uma briga chamarei o xerife, e vamos ver se a cadeia os tranqüilizam.

—Deixa o telefone em paz. — o advertiu Harry — Vamos lá para fora.

—Você e eu .— disse Draco, olhando os Potter com os punhos fechados — Não quero seus irmãos em cima de mim enquanto dou uma surra em você.

—Não preciso de ajuda com você.

Para demonstrar, assim que saíram à rua, Harry se afastou, esquivando do primeiro golpe de Draco. Em seguida, descarregou o punho contra seu rosto e sentiu o sangue na mão.

Nem sequer sabia por que estava brigando. Draco não significava absolutamente nada para ele. Mas supôs que sua mulher se alegraria de ver que ela não era sempre a vítima no relativo a seu marido. Quanto ao Harry, precisava desabafar, e Draco proporcionava a desculpa perfeita.

Carlos fez uma careta e meteu as mãos nos bolsos, para apostar.

—Dou cinco minutos.

—Bobagem. Harry acabará com ele em três. — disse Denis sorrindo, enquanto os adversários rodavam pelo chão.

—Dez dólares.

—Feito. Vamos, Harry! — gritou Denis — Depressa.

Em efeito, a briga só durou três minutos mais. Quando Draco parecia inconsciente, e
Harry continuava golpeando-o de forma metódica, Rony se adiantou para afastar seu irmão.

—Já chega. Já chega. — repetiu, afastando Harry contra a parede — Deixe-o em paz.

Harry voltou pouco a pouco para a realidade. A cólera foi desaparecendo de seus olhos, e abriu os punhos.

— Rony, pode me soltar. Não vou continuar batendo.

Harry olhou ao lugar onde Draco jazia, gemendo, semi-inconsciente. Por cima de seu corpo, Carlos entregava dez dólares a Denis.

—Deve ter em conta o quanto esta bêbado. — comentou Carlos — Se tivesse sóbrio,
Harry teria demorado dois minutos a mais.

—Harry nunca esbanjaria cinco minutos em um pedaço de lixo como esse.

Rony sacudiu a cabeça. Deixou de encarar Harry e passou o braço por cima dos ombros.

—Quer outra cerveja?

—Não.
Olhou para a janela do bar, onde tinham se reunido quase todo os clientes. Limpou o sangue do rosto com gesto ausente.

—Será melhor que alguém o recolha e o leve para casa. — gritou — Vá embora daqui.

Quando se meteu no carro, os golpes recebidos começavam a fazer-se notar. Escutou sem muito interesse os comentários entusiastas de Denis e usou o lenço do Carlos para limpar o sangue da boca.

Pensou que não ia a lugar nenhum. Não fazia nada. A única diferença entre Draco Malfoy e ele era que Draco estava sempre bêbado.

Odiava a maldita fazenda, a maldita cidade, a maldita armadilha em que tinha a impressão de estar se metendo mais e mais a cada dia que passava.

Rony tinha seus livros e seus estudos; Carlos tinha seus estranhos e importantes pensamentos, e Denis parecia ter nascido para a fazenda.

Ele não tinha nada.

Ao final da cidade, onde a terra começava a tornar-se íngreme e as árvores eram mais frondosas, viu uma casa. A antiga casa dos Barlow. Escura, desabitada e assombrada, segundo os falatórios. Erguia-se sozinha, sem ninguém que se interessasse por ela, com uma reputação que fazia que a maioria dos vizinhos passasse por cima sua existência ou a olhasse com apreensão.

Exatamente o mesmo, fazia Harry Potter.

—Pare.

—O que houve Harry? Sente se mal? — perguntou Carlos, mais apreensivo que preocupado.

—Não. Pare, Rony, por favor.

Assim que o carro se deteve, Harry saiu e começou a subir a rochosa costa. As sarças e os arbustos se enganchavam em seu jeans.

Não precisava olhar para trás para ouvir as maldições e os murmúrios que indicavam que seus irmãos o seguiam.

Ficou de pé, olhando os três andares de pedra. Supunha que a tinham tirado da pedreira que se encontrava a uns poucos quilômetros da localidade. Algumas das janelas estavam quebradas e cobertas com tábuas, e as varandas estavam encurvadas, como as costas de um ancião. O que em erguia entre as folhagens, áspero e desfolhado.

Mas à luz da lua, enquanto se ouvia o uivar do vento entre as árvores e o mato, aquele lugar tinha algo acolhedor. A forma em que se mantinha em pé duzentos anos depois de que tivessem posto seus alicerces. A forma em que se sobrepunha ao passar do tempo, às inclemências e ao abandono. E, sobre tudo, pensou Harry, a forma em que passava por cima das desconfianças e dos falatórios do povo.

—Quer procurar fantasmas, Harry? — perguntou Denis ao chegar perto.

—Talvez.

—Lembra quando passamos uma noite aqui? — comentou Carlos, esmagando o mato entre os dedos, com gesto ausente — Deve fazer dez anos. Rony subiu as escadas e começou a fazer as portas chiarem, e Denis molhou as calças.

—Isso é mentira.

—É verdade. Lembro-me perfeitamente.

Os outros dois irmãos não prestaram atenção a previsível troca de insultos.

—Quando vai? —perguntou Rony em voz baixa.

Sabia. Tinha pressentido ao ver como Harry olhava a casa, como se pudesse ver seu interior, como se pudesse ver através dele.

—Esta noite. Tenho que ir embora daqui. Tenho que fazer algo longe daqui. Se não, acabarei como Malfoy, ou talvez pior. Mamãe morreu. Já não precisa de mim. Embora, na verdade, nunca tenha precisado de ninguém.

—Tem idéia para onde quer ir?

—Não. Talvez para o sul, no momento.

Não podia afastar o olhar da casa. Poderia ter jurado que o observava, formando uma opinião sobre ele. Esperando.

—Enviarei dinheiro quando puder. — acrescentou. Embora se sentisse como se o estivessem esfolando vivo, Rony se limitou a assentir.

—Vamos nos virar bem.

—Tem que terminar os estudos de direito. Mamãe queria que o fizesse. —olhou para trás, onde seus dois irmãos seguiam discutindo acaloradamente — Eles se darão bem quando souberem o que querem.

—Denis sabe o que quer. A fazenda.

—Sim. —pegou um cigarro, com um débil sorriso— Venda parte das terras se for necessário, mas não venda tudo. Temos que conservar o que é nosso. Antes de tudo se acabe, esta cidade recordará que os Potter eram muito especiais.

O sorriso do Harry se alargou. Pela primeira vez em várias semanas, cessava a dor interior que o consumia. Seus irmãos estavam sentados no chão, sujos de terra e arranhados pelos arbustos, rindo.

Prometeu-se que recordaria deles assim, tal e como estavam naquele momento. Os Potter se mantinham unidos sobre um terreno rochoso que ninguém queria.

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