cor e fruta
Primeira Parte – A Cor – Narrado Por Lílian Evans
Ele olhou para mim quando eu entrei no restaurante, mas isso não significava nada: as pessoas costumam me encarar quando eu entro em um recinto, ou até mesmo na rua. Deve ter alguma coisa a ver com minha bolsa laranja, meu vestido laranja, minha bota do exército pintada com um spray laranja e minhas unhas, que eu pintara cuidadosamente em casa com um esmalte levemente fosforescente e totalmente alaranjado.
Quando eu olhei para ele, não foi nem um pouco sem querer. Eu olhei para ele porque ele era bonito. Mas fui recompensada: essa era a primeira vez que ele efetivamente notava a minha presença (coisa que, sejamos honestos, é algo meio difícil de não fazer) e constatei, alegremente, que ele, como eu, chamava minha roupa de estilo, e não de aberração, se é que eu poderia julgar pelo sorrisinho de canto de boca que ele deu. Porém não durou muito tempo: ele logo voltou novamente os olhos para a mesa que estava limpando.
- Desculpe senhorita, posso ajudá-la? – Olhei para o gerente do restaurante. Era um senhor de cabelos brancos que olhava com tal desaprovação para os meus cabelos – que, como todo o resto, era laranja – o que me deu vontade de rir. Contive-me. Ele estava me achando uma garota totalmente maluca. Algo como uma sujeira invadindo seu precioso estabelecimento. Não me importei nem um pouquinho.
- Sim. Eu gostaria de uma mesa para três. – Sorri, e pude claramente ver os olhos do gerente me inspecionando, como se perguntando se eu teria dinheiro para pagar a refeição. Como meu sorriso não vacilou, ele achou melhor não arriscar perder um cliente e me levou para uma mesa elegantemente coberta por uma toalha vermelha.
Sentei em um lugar que desse para ver o meu tão amado garçom. Ele recolhia copos e pratos sujos de uma mesa cujos ocupantes tinham acabado de sair.
Eu o vira pela primeira vez uma semana atrás, voltando do colégio, na rua. Ele não me vira. Não sei direito porque me chamou a atenção, aquele jovem homem andando sozinho pela rua, com uma mochila surrada jogada nas costas. Parei no meio da calçada, e fiquei encarando até ele virar a esquina, do outro lado da rua. Continuei meu caminho pensando que ele deveria ser uma pessoa muito interessante de se conhecer.
Dois dias depois disso, eu estava no ônibus, indo para a casa de minha avó, quando, repentinamente, o vi novamente caminhando pela calçada. Achei uma enorme coincidência. Pensei em chamá-lo gritando pela janela, mas a tempo lembrei-me que não sabia o nome do tal cara. Resignei-me a especular para onde ele estava indo, enquanto ele atravessava a rua. Decidi que era para a faculdade, não muito longe do lugar onde o ônibus estava parado no sinal.
Na terceira vez que eu vi, três dias depois da segunda vez e cinco dias após a primeira, eu estava saindo da livraria que minha mãe dirigia. Foi quando eu percebi que o destino devia estar tentando me dizer alguma coisa. Não tive dúvida: saí correndo atrás do homem, que a essa altura estava virando a esquina. Uma velinha reclamou furiosa comigo enquanto eu murmurava por cima do ombro desculpas por ter esbarrado nela, sem nunca parar de correr desabaladamente, exigindo o máximo de minhas botas de militar.
Não consegui alcançá-lo, porém vi quando ele entrou na porta de madeira que indicava um restaurante. Resolvi naquele exato momento que aquele lugar deveria ter uma comida inigualável, e que eu deveria começar a freqüentá-lo. No dia seguinte, no mesmo horário, passei na frente do restaurante e olhei pela janela. Vi o homem lá dentro, servindo uma mesa. Com a certeza de que agora eu poderia achá-lo sempre que quisesse, fui dormir mais calma, porém antes sugeri o lugar para um almoço com meus pais no dia seguinte. Iríamos brindar ao irmãozinho que eu ganharia dentro de pouco tempo.
Dia seguinte, aqui estava eu, e ele já tinha olhado e sorrido para mim. Tudo estava indo de acordo com o planejado. Quando ele veio atender minha mesa, dei meu melhor sorriso. Ele se aproximou o suficiente para que ele lesse o nome no cartão de identificação: Potter. “Bonito Nome” - Pensei, antes de ele me perguntar:
- Deseja alguma coisa? – Eu desejava muitas coisas, e uma delas incluía ele, morangos, chocolate derretido e pouca roupa. Não achei que seria saudável admitir isso em voz alta, então respondi simplesmente:
- Água.
Segunda Parte – O Suco – Narrado por James Potter
Eu estava assobiando uma música para mim mesmo, feliz pelo dia calmo de trabalho. Às vezes o restaurante fica tão cheio que mal é possível se mexer.
Mas aí ela entrou no restaurante, e o mundo de repente ficou meio borrado. Ela olhava diretamente para mim, e eu não pude me impedir de sorrir.
Ela era linda.
Não que eu ficasse dando em cima das clientes do restaurante. Mas aquela garota era um incêndio. Depois de vê-la, tudo ao redor fica cinza(s).
A garota incêndio era laranja dos pés a cabeça, da unha aos sapatos. Somente dois pedaços de seu corpo eram de outra cor: os olhos, verdes, e a boca, deliciosamente vermelha.
Deus, eu queria experimentar aquela boca. Parecia ter um gosto meio amargo, cítrico, não sei, mas poderia ser também o melhor dos doces.
Claro que eu não podia, baixei os olhos e voltei a prestar atenção na mesa que eu estava limpando. Mas e a roupa que ela usava? Impossível não notar. Exótica , decidi. Esse era o adjetivo certo para ela.
Eu ainda estava discorrendo mentalmente sobre a roupa dela, saboreando o adjetivo perfeito que eu encontrara, quando alguém interrompeu meus pensamentos.
- Do que você está rindo? – Perguntou-me Sirius Black, estirado no sofá da minha sala, com as pernas para cima, na maior folga do mundo. Mas, de fato, eu sorria: não havia notado isso antes.
- Nada, só me lembrando de uma coisa. – Dei de ombros, abri a geladeira, e achei, lá no fundo, uma garrafa rejeitada de suco de laranja. Não consegui me conter, tive que me servir de um pouco.
A cozinha do apartamento era separada da sala somente por um balcão, de modo que Sirius pode ver minha cara sorrindo para o copo de suco.
- Do que você está se lembrando? – Ele não era, afinal, alguém que desistia fácil.
- De uma garota que eu conheci hoje. Cabelos ruivos, roupa laranja, parecia um incêndio. – Expliquei, enquanto bebia um gole da bebida. Ao sentir o gosto, lembrei-me por que ela fora renegada: com qualquer suco de laranja que você tentasse encontrar em supermercados britânicos, aquele tinha gosto de indústria. Nada, nada natural. Desisti do pretenso suco e peguei uma laranja-fruta.
Ouvi uma gargalhada vinda de meu amigo folgado, e olhei surpreso para ele. Eu havia dito algo engraçado?
- O que foi? – Perguntei, um pouco irritado, enquanto cortava a laranja na metade. Peguei um pedaço dela e fui para sala, empurrando para fora do sofá as pernas de Sirius e sentando-me na ponta.
- Você conheceu Lílian Evans! – Ele riu mais um pouco, antes de fazer olhar de modo reprovador para mim – Ainda com essa mania de laranjas, cara?
- Eu amo laranjas, Sirius. – Falei, com um orgulho meio cômico, e, se você observasse bem, um pouco de duplo sentido.
- Ela adora laranja também. – Sussurrou maldosamente meu amigo. Então eu tive que perguntar:
- O que você sabe sobre ela?
Terceira Parte – O Marcador – Narrado por Lílian Evans
Eu senti meu coração explodir no peito quando o vi entrando pela porta da Livraria-Café Evans no dia seguinte. Muito provavelmente ele nem sabia que eu trabalhava ali, substituindo minha mãe grávida enquanto ela descansava, mas de qualquer forma não importava. Ele estava ali, e isso era tudo que eu queria saber.
Olhei fascinada enquanto ele entrava, sorria para mim e ia escolher um livro. Infelizmente, a livraria não era grande o suficiente para que eu tivesse uma visão limpa dele, mas era possível ganhar rápidos flashes entre as estantes, se eu prestasse atenção.
Meu Pai, que homem lindo.
Eu estava tão ocupada observando de modo sonso o Garçom Potter que por pouco não noto o cliente de pé na minha frente, querendo pagar ansioso pela coleção completa dos livros de Sir Conan Doyle¹, uma versão bonita de capa dura, que era o orgulho do meu pai na sala lá de casa.
- Se o senhor gastar mais dois reais em compras vai poder parcelar em quatro vezes sem juros. – Informei ao cliente, lembrando-me da minha função de caixa eficiente.
- E o que custa dois reais? – Apontei para ele toda uma estante atrás de mim que continham alguns itens de papelaria: canetas, lápis, borrachas, e o meu preferido: marcadores de livro em formatos de frutas. – Ele fungou e escolheu uma lapiseira, podendo assim parcelar sua compra.
Com o canto do olho, percebi que o meu amado Potter subia para o andar de cima com uma pequena pilha de livros, onde um pequeno café e a sessão infantil o esperava.
Esperei com os olhos no relógio, e quinze minutos depois ele estava de volta – devia ter parado para tomar alguma coisa no café, certamente. Veio em minha direção sorrindo, piscando, sendo, enfim, maravilhoso. Entregou-me três livros: A Dama do Falcão, A Luneta Âmbar e O Retorno do Rei ² . Fiz uma anotação mental:
“Ele gosta de livros de ficção”.
- Deseja mais alguma coisa? – “Tipo eu, todinha para você?”
- Eu vou querer um daqueles marcadores de livro. O em forma da laranja, por favor. – Não consegui evitar um sorriso, e ele piscou para mim. Se eu não estivesse sentada, minhas pernas teriam derretido, eu tinha certeza.
Passei o marcador, e a nota fiscal estava sendo impressa quando o telefone tocou. Tive que achá-lo debaixo da pilha de folhas do dever-de-casa que eu estivera fazendo antes dele chegar.
- Livraria-Café Evans, boa tarde, em que posso ajudá-lo? – Enquanto usando minha melhor voz de secretária, eu entregava a nota fiscal e dava um último sorriso para o homem da minha vida.
- Lily? Vem cá para o hospital agora. Sua mãe está em trabalho de parto. – Fiquei pálida ao escutar a voz de meu pai, praticamente em pânico, ditar o nome do hospital, andar, sala, tudo. Quando ouvi uma última ordem para fechar tudo e ir até lá correndo, bati o telefone no gancho assustada, e li em voz alta o que havia anotado das indicações do meu pai:
St. James Hospital, terceiro andar, sala 303.
Ao levantar os olhos notei o garçom Potter olhando para mim. Quando percebeu meu olhar, ele sorriu.
- Desculpe, meu nome é James e achei por um instante que você estava me chamando.
James? Bem, isso devia ser um bom sinal para o nascimento prematuro de meu irmãozinho, com certeza.
Olhei em volta. Não havia mais ninguém na livraria, exceto, eu podia adivinhar, Jane, uma amiga minha que trabalhava no café do andar de cima para juntar dinheiro: ela queria ingressar na faculdade de odontologia. Peguei o telefone interno:
- Jane, mamãe entrou em trabalho de parto, você foi liberada mais cedo. Desça agora que eu vou fechar tudo. – E então virei para James Potter, o meu garçom preferido:
- Desculpe, eu queria muito conversar com você, queria mesmo, porém agora eu tenho que sair. Sabe – Eu tagarelava enquanto guardava meu material de estudo na mochila – Minha mãe está no hospital e meu pai está em pânico. Ele odeia sangue, odeia grito, odeia dor e deve estar assustado até a morte porque minha mãe vai ter o filho dele um mês antes do previsto. Estou só imaginando como ele conseguiu levá-la de casa até o hospital sem bater o carro. Deve ter sido uma cena muito engraçada, se bem conheço meus pais.
Jane desceu as escadas com sua mochila nas costas no mesmo momento em que eu fechava a minha. Ela era uma morena bonita, porém de cabelos espetados em todas as direções.
- Boa sorte com o bebê, Lily! – Ela riu antes de sair. – Me ligue quando tiver um tempo!
Eu berrei que ligaria,mas não tive certeza se ela ouvira, pois eu já não podia vê-la . Coloquei a mochila nos ombros e olhei para o papelzinho onde eu anotara o nome do hospital novamente. Então eu me toquei.
O nome do hospital. Não o endereço, não como chegar lá, não a estação de metro onde eu deveria descer.
Ah, não que eu pudesse pegar o metro se eu soubesse a estação, porque estava totalmente sem grana.
Ah, Deus.
Pensei rapidamente nas opções que eu tinha: abrir a caixa registradora da loja não era uma idéia, pois ela só abre na hora que tem alguém comprando alguma coisa. Se eu não tivesse a chave ( e eu não tinha) não conseguiria nada com ela.
Pensei em andar até minha casa e pegar o dinheiro, mas para ir daqui até lá a pé iria levar pelo menos quarenta minutos, e eu ainda teria que descobrir o endereço, de modo que minha mãe poderia ter trigêmeos e eu ainda não ia chegar cedo o suficiente para substituir meu pai na tarefa de fazer companhia a ela durante o parto (porque eu sei que por mais medroso que meu pai seja, ele não vai querer deixá-la sozinha).
O que eu iria fazer?
Quarta Parte – A Lambreta – Narrado por James Potter
E então eu me perguntei, o que eu estou fazendo aqui? Quer dizer, oi, eu estava seguindo uma garota que fora com os pais ao restaurante, pelo amor de Deus. E ela era bonita, engraçada e um pouco tagarela, mas era óbvio que este era um momento especial, indo ao hospital ver a mãe ter o bebê e tudo mais.
Resolvi que sair da minha posição de choque – onde eu estava desde que ela dissera “eu queria muito conversar com você” – e saí para deixar a bonita garota incêndio fechar a livraria e ir embora.
Ou ao menos eu tentei, pois mal havia dado cinco passos quando ela me chamou.
- James! James! – Claro, existem certas pessoas que pegam intimidade fácil, e aparentemente a garota era uma dessas. Não que eu me importasse. – Você pode me ajudar?
- Huum... Claro. Acho.
- Você sabe onde fica o St. James Hospital?
- Sei. – Eu ainda não entendera onde ela queria chegar com aquela conversa.
- Seria pedir muito você me levar até lá? – Arregalei os olhos, surpreso. Levá-la até lá? Pensei nas minhas possibilidades.
- Olha, eu não tenho como te levar até lá, mas se quiser empresto dinheiro e digo o caminho...
Ensinei o caminho, Lílian – pois se ela me chama pelo primeiro nome eu também podia chamá-la - estava com pressa e agitada, saiu correndo mal eu tinha acabado de falar, lançando uns ‘muito obrigada’ e agradecimentos eternos já correndo para a estação de metro mais próxima.
Uma semana mais tarde meu telefone tocou, estridente: era a minha querida garota incêndio. Queria me ver, estava feliz, ganhara uma irmãzinha, muito linda, pequena. Ela tagarelou um pouco, marcou de me encontrar no final de semana, eu combinei de passar na casa dela – sou romântico – ficamos ambos felizes. Só me esqueci de perguntar como diabos ela arranjara meu telefone.
Mas incêndios não dão satisfação a ninguém, e quando eu vi já havia desligado, feliz e exausto daquele furacão de garota.
A porta da casa dela tinha uma aparência simpática, mas eu estava nervoso e queria que Lílian a abrisse logo, antes que eu tomasse inimizade pela porta – já antipática – de madeira.
Ela abriu, eu respirei aliviado. E o sorriso que a ruiva deu para mim valeu toda aquela espera ingrata.
- Acho que vamos nos dar muito bem! – Ela gargalhou, pegando o capacete que eu lhe estendia, e subiu, sem medo, na garupa da minha lambreta, um aparelho pequeno, barato e orgulhosíssimo em sua cor laranja contrastando contra o escuro da noite.
Enquanto sentia ela me segurar apertado, sobre a pretensão de não cair, eu senti seu perfume cítrico e imaginei, mais uma vez, se seus lábios teriam esse gosto meio amargo, delicioso.
Mas dessa vez eu tinha a certeza que os provaria logo, o que tornava minha dúvida muito, muito doce.
Sir Conan Doyle - O autor de Sherlock Holmes.
A Dama do Falcão, A Luneta Âmbar e O Retorno do Rei ² - São três livros de ficção. A Dama do Falcão é um livro de Marion Zimmer Bradley. É um livro independente, mas que faz parte da coleção Darkover, desta mesma autora. A Luneta Âmbar é de autoria de Philip Pullman, é o terceiro livro da trilogia Fronteiras do Universo (His Dark Materials em inglês). O Retorno do Rei é o terceiro livro da trilogia O Senhor dos Anéis, de J.R.R.Tolkien. São livros muito bons e eu recomendo todos :)
N/A: one-shot bobinha feita para a Marii* :D
Desculpa a todos pela demora para postar, eu simplesmente não conseguia fazer com que ela ficasse legal, reescrevi trocentas vezes.
Espero que todos tenham gostado ^^
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