Relíquias e Hallowen
Foi com um leve tremor que Harry e Ron entraram nas masmorras, no Sábado seguinte, para a primeira detenção com o professor Snape. As palavras deste mostraram-se verdadeiras! Harry e Ron tinham voltado para a Sala Comunal, para serem recebidos de volta como heróis. Foram puxados pelos gémeos que enchiam Ron de elogios por ser o legítimo irmão mais novo deles. Os alunos mais velhos estavam atordoados e impressionados e Harry sentiu uma pequena fissura de calor ao ver que até os seus companheiros do primeiro ano (com excepção de Hermione) tinham-nos perdoado por aquilo a que Seamus chamou “massa de vómito projétil”. Um aluno corpulento do quinto ano tinha-os congratulado por aquilo que ele dizia ser a pegadinha da história. Durante os últimos dias – mesmo quando se veio a saber que tinham feito aquela idiotice por terem bebido um poção ilegal chamada Poção de Confundimento – os seus companheiros Gryffindors tinham-nos seguido para todo o lado em multidões.
Isso apenas azedou o temperamento de Snape perante os dois e ele disse-lhes algumas coisas muito cruéis, que eles esperavam que fosse apenas para manter as aparências. Infelizmente não tinham como ter a certeza.
– Você tem certeza de que ele não vai fazer-nos estripar sapos outra vez? – perguntou Ron ansiosamente pela décima sétima vez.
– Não, – Harry respondeu, tão ansioso como o amigo. No dia anterior, Snape chamara-o de quatro-olhos louco que deveria ser tirado da própria desgraça.
Eles encontraram Snape parado na frente da sua mesa, em cima da qual estava um caldeirão cheio do que parecia ser Poção Polissuco. Teria Snape alguma tarefa humilhante para lhes dar, envolvendo transformá-los em alguma pessoa horrível?
– Não precisa olhar-me com essa cara, Potter, – cortou Snape com rispidez – Explicarei quando nosso convidado chegar.
– Estou aqui, Severus, – disse Dumbledore, tirando a Capa da Invisibilidade que pareceu extremamente familiar. – Cheguei mesmo antes deles. Permita-me tornar a sala segura.
Então ele realizou alguns feitiços complicados. Muitos Harry conseguia reconhecer; tinha passado tempo suficiente escondido para estar muito familiarizado com feitiços de proteção. Mas alguns ele desconhecia.
– Eu não deveria ter permitido vocês saírem, como o fiz na Segunda-feira. – disse Dumbledore calmamente. – Foi muita informação para assimilar, para ser honesto. Vocês ainda têm a Horcrux?
– Sim, – Harry revelou com desagrado, – Tenho-a no meu malão.
– Será isso sensato?
– Mais sensato do que trazê-la connosco, – falou Ron sombriamente. Ele não tinha, com certeza, esquecido ainda a influência do medalhão na sua mente; tinha-o feito abandonar Harry e Hermione. Acredite em mim.
– Se você passa muito tempo em contato com elas, começam a te transformar. – acrescentou Harry, dando uma palmadinha no ombro de Ron – Eu deixei meu malão o mais seguro que consegui.
Dumbledore pareceu aceitar a explicação e continuou:
– Tenho tentando falar convosco antes, mas parecia que vocês estavam sempre rodeados dos seus admiradores.
Snape encarou-os com desagrado.
– Você estava tentando deixar-nos loucos ao ponto de fazermos alguma coisa na aula novamente? – perguntou Ron a Snape, curiosamente. – Para que nos pudesse levar até Dumbledore novamente?
– Não, – respondeu o mestre de poções rapidamente.
– Há tanto para ser perguntado, – disse Dumbledore em tom de desculpa – Eu, obviamente, não estava a pensar claramente quando vos disse que precisava de uma semana. Arrependi-me disso algumas horas depois. Digam-me… vocês sabem como destruir uma Horcrux?
– Claro, – respondeu Harry – Nós destruímos todas elas. Apenas não temos os meios necessários para o fazer. Pensei em ir à Câmara, mas pareceu-nos que não podíamos ficar longe tanto tempo.
– E não acho que você gostaria que lançássemos Fogo Amigo nos campos de Hogwarts.
– Excelente dedução, Sr. Weasley, – Dumbledore assentiu aprovadoramente. – Mas que Câmara seria essa?
– A Câmara Secreta! – respondeu Ron como se fosse óbvio. – Mas nem preciso dizer que tem um Basilisco enorme dentro dela. Harry destruiu a primeira Horcrux com uma das suas presas. Hermione destruiu outra, anos depois, da mesma forma.
– A Câmara Secreta? – perguntou Snape cautelosamente.
– Eles tem uma forma de trazer mitos e contos de fadas à vida, não têm? – questionou Dumbledore calmamente. – Acho que temos a nossa tarefa de hoje, Severus. Nós temos de ir matar o Basilisco.
– Na verdade, – disse Harry, no mesmo tom calmo – Não tenho a certeza se isso é sensato. Certos eventos devem ocorrer da mesma forma que da última vez. – E então, com a ajuda de Ron, contou cada detalhe do que aconteceu. – Por isso, achamos que a Ginny tem que fazer isso. Tem de acontecer da mesma forma. Claro que podemos tomar precauções para que nenhum aluno seja petrificado. Mas a espada de Gryffindor precisa ser banhada no veneno de Basilisco. É a única maneira segura de nos livrarmos das Horcruxes, especialmente se não pudermos pegar a presa.
– Isso é… muito sensato. – falou Dumbledore pensativo.
– Seu quadro ajudou-nos. – contou-lhe Ron – Ginny vai ter uma moeda enfeitiçada, ou algo que ela irá enfeitiçar, de forma a que as moedas, que Harry e eu iremos carregar, nos mandem uma mensagem quando ela começar a escrever no diário. Todas as vezes.
– Você não gosta dessa ideia, – pronunciou Snape, de repente, encarando Harry.
– Não, eu odeio essa ideia, – respondeu Harry – Há um risco, mesmo com todas as precauções. Se eu perder a Ginny…
– Eles são casados, – Ron falou num quase sussurro.
– Para que é a Poção Polissuco? – perguntou Harry curiosamente. Era muito estranho, falar da sua esposa de dez anos, com Dumbledore e Snape escutando.
– É para quando aparatarmos perto da caverna que você falou. – disse Snape. Ele parecia igualmente grato pela mudança do tema da conversa. – Penso que todos nós concordamos que isto deve ser feito com a máxima discrição possível não é? Eu não posso ser visto perto do local. E você também não. – Ele fez uma pausa – Será que eu quero saber como você sabe o que é isso?
– Nós invadimos o seu armário pessoal, da outra vez, roubámos alguns dos ingredientes que eram mais difíceis de conseguir, para nos infiltrarmos na sala comunal de Slytherin e descobrir se Draco era o Herdeiro de Slytherin. – Ron soltou um sorriso de escárnio. Parecia estar gostando de falar daquilo, e Harry não podia o culpar. Ele também estava.
– Depois, nós também usámos quando invadimos o Ministério da Magia e Gringotts, – Harry os informou, sorrindo marotamente. – Usamo-la montes de vezes.
– Acho que vou dar-lhes outra detenção apenas por isso. – falou Snape irritado.
– Eu acho, – disse Dumbledore de repente – que deveríamos passar esta detenção apenas conversando. Há tanta coisa que ainda não mencionamos…
Harry e Ron trocaram olhares aliviados e começaram a falar. Contaram tudo o que podiam até o terceiro ano deles, com a promessa de continuarem no próximo Sábado. Mas estava ficando tarde e nem mesmo Snape poderia prendê-los por mais tempo sem causar protestos da parte dos outros professores.
– Eu acredito que vocês consigam pensar numa boa punição para vocês mesmos. – Snape soergueu uma sobrancelha.
– Claro, acho que nós passámos as últimas horas estripando sapos sem luvas, – Disse Ron – E isso nem seria bem uma mentira, você passou-nos essa detenção da última vez.
– Se vocês quiserem ter algum sábado antes do Natal, sugiro que não contém o que fizeram para receber essa detenção, – disse Dumbledore com um brilho no olhar. – Harry, fique com isto. – E entregou a capa a Harry – Use-a bem.
– Usarei – prometeu Harry – Estou com fome. Vou usá-la para entrar na cozinha.
– – – –
Querido Ron
A casa está tão quieta sem vocês aqui – Eu estou amando! – Fico feliz em saber que você foi sorteado para Gryffindor. Tenho a certeza de que o Chapéu se estava debatendo se não te colocava em Hufflepuff e foi por isso que demorou tanto tempo. Weasleys pertencem a Gryffindor. Espero ser escolhida também.
Obrigada pelo aviso sobre a tia Muriel, mas eu gosto da minha vida. Se eu roubasse a tiara ia haver uma luta para saber quem me matava: a Mamãe ou a Tia Muriel.
Papai está indo bem. Não conte à mamãe, ele terminou o projeto dele no celeiro e me deixou dar uma volta. Foi um bocadinho assustador ficar naquela altura – graças aos meus queridos irmãos, nunca fiquei muito tempo em uma vassoura – e fiquei feliz que não havia nenhum Salgueiro Lutador pelo caminho.
Ron espero que você se lave bem. Não precisamos que você esteja cheirando igual ao Fred e o George.
E que bom que você fez amizade com Harry Potter, mas se você falar sobre a minha queda por ele, vou ter que azarar você. (Mamãe acabou de ler isso sobre o meu ombro e esta me fazendo mudar) Talvez eu não te azare, mas vou ficar muito zangada consigo para sempre e sempre se você o deixar ler esta carta. Não o deixe nem tocá-la.
Amor,
Ginny
Ginny tinha sido muito mais sutil que Harry ou Ron, mas não demorou nem um minuto até Harry segurar a carta em suas mãos, apontar-lhe a varinha e murmurar as palavras favoritas deles.
– Sempre e sempre
Meu Harry,
Mal faz uma semana que estamos aqui e eu mal consigo acreditar nesse milagre. Papai e mamãe são maravilhosos, exatamente como lembrávamos. Bill parou por cá para o café da manhã, na quarta-feira, (aparentemente ele estava no país para alguma espécie de serviço do Gringotts ) e eu caí da minha cadeira.
Eu estive à beira das lágrimas em quase todos os minutos de todos os dias. E nem estou sequer em Hogwarts onde posso ver mais pessoas, além da mamãe, do papai e de um irmão ou dois. Me fale tudo sobre a sua conversa com Dumbledore e o Professor Snape. O que é esta profecia e porque é que todos a conhecem? Você acha que é algo com que nos devamos realmente preocupar? Eu queria perguntar a mamãe mas se parecesse suspeito? Além disso, ela ainda está zangada, muito zangada com o Ron, pela peça que vocês dois pregaram (Eu pagaria vários galeões para ter visto). Se a carta de Dumbledore não tivesse chegado logo depois da de Percy, Ron teria recebido um Berrador.
(Mande Ron parar de ler nesse mesmo momento) Harry, eu sinto a sua falta. Você foi muito bem na estação de trem, mas no momento em que me olhou do compartimento, eu só queria correr até você e te abraçar. Você pode imaginar a reação da mamãe se fizesse isso? Estes últimos dias na Toca têm sido mais felizes do que poderia imaginar; a única coisa faltando é você. Quatro anos é um longo tempo para esperar…
Eu encantei o papel (obviamente), e estou escrevendo no meio da noite. A mamãe não está desconfiada de nada, mas ela suspeitaria se pegasse uma carta secreta enfeitiçada. Por agora, acho melhor vocês continuarem escrevendo como fizeram na última carta (e bom trabalho, rapazes, vocês foram bem sutis).
Eu amo vocês dois, para sempre e sempre,
Ginny.
Harry sorriu, embora ele estivesse desesperado para estar com ela. Desejava poder pegar na pena, escrever-lhe uma espécie de carta de amor e enviar Hedwig de volta para a Toca, mas ela estava certa. Ainda assim, ele dobrou cuidadosamente o pergaminho e guardou-o dentro do seu malão, não sem antes enfeitiçá-lo para parecer em branco, para protegê-la e mantê-la escondida.
– – – – –
Os Sábados de detenções correram bem, apesar de que pouco se fez em relação às Horcruxes. O Professor Dumbledore trouxe a sua Penseira, tornou a conversa mais rápida e fácil. Já para não falar que poderiam haver mal entendidos e erros de comunicação; a Penseira permitiria aos dois homens mais velhos ver as memórias objectivamente.
Uma noite, Snape emergiu da Penseira com uma aparência acinzentada.
– Você podia ter-me avisado, Potter! Tem ideia do quão bizarro é estar voando sem nenhum suporte, enquanto vocês os dois e aquela Granger voam nas costas de um dragão?
– Foi bem estranho voar num dragão, para falar a verdade, – contou-lhe Harry – Agora, como é que vocês acham que podemos pegar a Taça em Gringotts?
Eles continuaram a arquitetar o plano, detalhando-o, e certificando-se de que deixavam espaço suficiente para o mudarem, no caso de precisarem. O retrato de Dumbledore estava certo em insistir especificamente que avisassem o seu homólogo. Harry não se conseguia imaginar fazendo-o de outra forma. Ainda assim, desta vez era diferente e Harry estava grato. Dumbledore tinha sido cuidadoso em relação à sua infância e tinha querido protegê-lo, mesmo que Harry se tivesse ressentido com isso. Este Dumbledore tratava Harry como um igual e a Ron também. Era muito refrescante.
O único senão nos dias que antecederam o Dia das Bruxas veio da fonte que Harry deveria ter esperado
Hermione.
Realmente incomodava Ron. Ele não gostava de a enganar (nesse ponto incomodava Harry também), mas eles não poderiam contar para ela o segredo. Não ainda, e não por um bom tempo. Mas quaisquer dúvidas que Harry tivesse a esse respeito, com Ron eram ainda piores. Ele não falava muito sobre isso, mas o olhar na sua face quando ele captava os olhares de relance de Hermione eram carregados de triste melancolia.
Harry esperava ansiosamente pelo trasgo, na verdade, o momento que iria selar a amizade dos três. Ele tentou com dificuldade não pensar em Hermione a ser carbonizada.
Mas os pensamentos de Ron não eram o único problema deles. Esta Hermione tinha ainda uma mente perspicaz e curiosa e estava começando a suspeitar deles. Numa noite, ela encarou-os durante quinze longos e torturantes minutos à saída da biblioteca. Mandou-os descreverem os efeitos da Poção da Confusão, descreverem exactamente onde e quando eles tomaram a poção, todo o tipo de perguntas que fizeram Ron suar frio.
– Eu não acredito em vocês, – falou ela depois de Harry ter balbuciado uma resposta.
– Dumbledore acredita na gente!
– Sim, – disse Hermione devagar. – Mas isso não muda os fatos. Eu estive com vocês quase o dia inteiro e não vi ninguém a entregar-vos uma poção suspeita. Além disso, a Poção da Confusão não funciona por mais do que trinta minutos. Eu estava mesmo atrás e até vocês se levantarem e lançarem as bombinhas de bosta, não estavam a agir de modo estranho.
– Mesmo confundido, Snape pareceu-me um pouco assustador, presumo. – explicou Harry de novo.
– Não se pode controlar os efeitos da confusão, – falou Hermione decidia.
– Escute, – disse Harry – Snape apenas falou que era o mais provável. Talvez possa ser outra poção.
Hermione torceu os lábios em sinal de que ainda suspeitava deles.
– Eu não acredito em nenhum de vocês. E não consigo imaginar porque Dumbledore concordaria com isso.
– Snape odeia a gente, – disse Ron enfaticamente – Ele não iria tentar tirar-nos deste problema mentindo por nós! Ele mentiria para nos colocar em problemas.
– Não! – Hermione balançou a cabeça – Vocês precisam ser honestos. E Ron, não me venha pedir ajuda em Transfiguração de novo.
Ela saiu de perto deles, pisando firme e balançando os seus livros, parecendo formidável para alguém tão jovem.
– Eu odeio isto! – Ron chutou uma parede próxima. Um dos quadros lançou-lhe um olhar reprovador. Ron fez-lhe uma careta. – Não era realmente a minha intenção, – falou ele para o Hall vazio – Eu apenas… estou ansioso pelo Hallowen.
– Eu também! – concordou Harry.
– – – – –
Harry observava melancolicamente o campo de Quidditch, a partir da torre de Gryffindor, desejando, pela centésima vez, que houvesse alguma razão para que ele pudesse jogar durante os seus próximos anos em Hogwarts. Mas ele não podia. Ele pensou que pudesse jogar naquele ano – assegurando-se de que a tentativa de Quirrell de roubar a Pedra Filosofal não interferiria realmente com o Quidditch, excepto no último jogo – mas não podia colocar Ginny em mais perigo do que aquele a que iria expô-la, e Quidditch era uma distração a que ele não se podia permitir. Ele sorriu ternamente com a recordação da forte discussão que tinham tido.
– Como assim você não vai jogar Quidditch porque estará muito preocupado? – perguntou ela furiosamente, jogando os longos cabelos ruivos para trás dos ombros – Ron poderá estar lá quando você não estiver e eu não preciso que cuidem de mim, Potter!
Sim você precisa. pensou Harry, mas ele sabia que isso só deixaria a sua esposa ainda mais furiosa.
– Quidditch vai tomar muito do meu tempo. Penso que seria perigoso jogar, principalmente durante o segundo ano.
– Perigoso para mim, você quer dizer? – os olhos de Ginny brilharam com fúria – Eu sou uma bruxa talentosa e capaz, Harry.
– Talento não tem nada a ver com isto. – Ele gritou de repente e os seus olhos alargaram-se selvaticamente. – Voldemort será perigoso suficiente sem o seu animal de estimação. O Basilisco pode matar qualquer um apenas com o olhar. E se você pensa que eu vou colocar você em risco – e qualquer outra pessoa, mas especialmente você – por estar a voar numa vassoura enquanto o Basilisco ainda está vivo, você está completamente enganada.
Ginny olhou-o aborrecida.
– Você arruinou com toda minha raiva.
– Que bom, – ele sorriu – Você sabe que eu estou certo. Você é uma bruxa muito talentosa, meu amor, mas você não é ofidioglota.
Ela abraçou-o.
– Me prometa que você não vai me trancar em algum lugar para me proteger.
– Nunca, – ele disse – Nós estamos nisso juntos. Preciso de você.
Mas isso tinha sido há quase quatro anos atrás e Harry não sabia o quão desapontante seria, para ele, estar no solo enquanto o seu antigo time – mais um pequeno aluno do sétimo ano jogando como Seeker – voavam alto no céu.
Mas naquele dia era Hallowen e ele não se podia permitir ficar distraído.
O café da manha foi normal; mesmo que Ron tremesse com ansiedade e agitação, mesmo assim conseguiu comer uma quantidade de comida que fez Hermione, que estava sentada a alguns bancos adiante, olhá-lo com repugnância. Mas ali estava o problema. Ron recusava-se, absolutamente, a dizer algo que a fizesse chorar o suficiente para se ir esconder no banheiro feminino. Harry não podia culpá-lo, mas desejava que Ron fosse um pouco mais pragmático e um bocadinho menos cortês. Harry teria de o fazer ele mesmo.
No final, ele não precisou fazer nada. Ron não aguentou seus nervos e, na primeira tentativa, lançou um perfeito Wingardium Leviosa. Flitwick bateu palmas, deliciado e concedeu dez pontos a Gryffindor. Hermione olhou-o zangada, mas preferiu não dizer nada até saírem da sala.
– Bom trabalho com o encantamento, Ron – falou ela maldosamente – Acha que consegue fazê-lo outra vez para ganhar pontos suficientes para compensar pelos que você e o Harry perderam quando estavam… confundidos?
Era a primeira vez que ela falava com qualquer um deles desde o dia na biblioteca. Ron abria e fechava a boca sem saber o que falar. Harry preparava-se para falar algo maldoso, com o seu interior se contorcendo.
– Cala a boca, Sabichona! – falou Lavender Brown de forma arrogante. – Não foi culpa deles. Não me admira que não tenha nenhum amigo!
Várias coisas aconteceram ao mesmo tempo. O rosto de Hermione se contorceu e ela saiu correndo; Harry rezou para que ela encontrasse o caminho para o mesmo banheiro; Ron lançou um olhar assassino a Lavander que a fez dar uns passos para trás e Harry, esperando evitar que o amigo matasse Lavander, puxou-o para longe dela.
– – – – –
– Lembre-se de se controlar! – Harry sussurrou no ouvido de um muito, muito quieto Ron. Ele parecia estar a um passo de saltar do seu lugar na mesa de Gryffindor, no Salão Principal, para correr até ao banheiro feminino.
– O que você sabe sobre isso? – rebateu Ron. Harry permaneceu imperturbável mas a face de Ron mostrou, imediatamente, arrependimento. – Desculpe. Isso foi estúpido. Eu estava apenas preocupado. Mas e se nós chegarmos tarde? E se o trasgo a apanhar, ou outro professor, e se ela, mesmo assim, não gostar da gente?
Harry tomou um gole de sua água lentamente. Não porque ele não queria responder a Ron, mas porque Dean Thomas e Seamus Finnegan estavam sentamos mesmo ao seu lado. Eles estavam rindos e, no geral, não pareciam estar nem um pouco desconfiados, mas Harry tinha medo.
– Vai tudo correr bem, Ron. – Ele murmurou finalmente – Hermione não se vai machucar. Ela não irá! E se ela não começar a gostar de nós… bem, nós a dobraremos um dia destes, eventualmente.
Dez minutos depois, o Professor Quirrell fez sua grande entrada, gritando acerca do trasgo, e desmaiou. Harry e Ron foram os primeiros a levantar-se e seguir através das portas, no momento em que Dumbledore falou a todos para seguirem os monitores de volta para os seus salões comunais.
Mesmo assim, eles não foram rápidos o suficiente e logo se viram encurralados no meio de uma multidão de crianças. Harry esforçou-se para conseguir passar com Ron ao seu lado. Eles não tinham muito tempo a perder; pelo que se lembravam, mal tinham chegado a tempo, da outra vez. A adrenalina aumentou no sangue de Harry. Ele apenas tinha um pensamento, à medida que ele furava a multidão: chegar até Hermione. Ron, com um olhar determinado impresso na sua face, estava ainda mais fixado naquele pensamento. Livraram-se dos outros o mais rápido e silencioso que conseguiam e aceleraram imediatamente rumo a Hermione e ao trasgo.
Cheiraram-no muito antes de o verem. Ambos pararam.
– Sempre e sempre. – declarou Harry
– Sempre e sempre! – concordou Ron e assim juntos seguiram em frente.
Os dois eram perfeita e completamente capazes de nocautearem um trasgo. Alguns feitiços atordoantes serviriam muito bem, um Sectumsempra certamente serviria e não havia dúvida que um Avada Kedavra serviria também. O único problema, tal como tinham previsto, era que não podiam usar qualquer feitiço que parasse definitivamente o trasgo. Hermione não iria nunca, jamais, acreditar que alunos do primeiro ano podia fazê-lo.
Então eles desviaram-se, pularam e utilizaram os poucos feitiços que o arsenal do primeiro ano continha.
Aproximadamente sete minutos e um atordoado trasgo depois, Harry e Ron paravam triunfantes ao lado da grande, fedorenta e ressonante cabeça, enquanto Hermione saía trémula de baixo de uma quase totalmente destruída pia. Harry estava particularmente surpreso com isto; eles tinham improvisado um pouco e o banheiro estava bem menos destruído do que da última vez. Estava bem menos machucado, embora sentisse uma ardência nos seus dedos. Ron tentava não sorrir com o seu perfeitamente bem executado Wingardium Leviosa.
– Vocês estão bem? – perguntou Ron.
– Sim – falou Harry, enquanto passava por cima da cabeça do trasgo e se afastava um pouco dela. – E você?
– E-e-eu acho que sim, – respondeu ela, trémula – Mas o que vocês estão fazendo aqui?
– Viemos resgatar você. – Falou Harry simplesmente, o que foi um erro.
– E uma ideia muito estúpida, Potter! – Harry virou-se e encontrou a Professora McGonagall e o Professor Flitwick parados em frente à porta. Os lábios dela estavam apertados numa risca fina, tão apertados que estavam brancos nos bordos. – Vocês poderiam ter morrido! Não consigo acreditar que vocês foram tão tolos.
– P-P-Por favor, Professora – Hermione estava soluçando. – Eles salvaram-me.
– Mesmo assim...
Então Ron fez algo ao mesmo tempo corajoso e estúpido. Ele interrompeu a Professora McGonagall.
– Ela poderia ter sido morta, professora.
Harry teve que mascarar sua risada.
– Professora, – ele disse inocentemente e então mentiu. – Nós não sabíamos que o trasgo estaria aqui. Nós apenas queríamos avisá-la, daí nós o vimos entrando aqui....
A Professora McGonagall suavizou um pouco ao escutar a explicação.
– Mesmo assim, Sr. Potter, vocês deveriam ter avisado a um professor.
Harry viu Ron abrir a boca para falar, mas chutou-o antes que ele tivesse tempo para ele começar. Mesmo que ele próprio não tenha sido tão gentil.
– Professora apenas não havia tempo. Ele estava bravo e não havia sinal de nenhum professor.
Snape apareceu do nada por trás da Professora McGonagall. Deu a Harry um pequeno sinal afirmativo com a cabeça; tinha-se ido certificado de que Quirell não se aproveitara da distração para tentar roubar a Pedra Filosofal. Harry respondeu de volta, assentindo com a sua cabeça.
– Cinco pontos tirados a Gryffindor, – Falou professora McGonagall firmemente – Para o Sr. Weasley e o Sr. Potter – ela suspirou – Dez pontos para Gryffindor por cada um dos dois. Foi algo imprudente o que vocês fizeram, mas não existem muitos alunos do primeiro ano que seriam capazes de duelar com um trasgo montanhês adulto e ainda ganhar.
Hermione não falou nenhuma palavra enquanto marchavam de volta para a sala comunal de Gryffindor. Ela ainda estava em choque, Harry supôs. Quando chegaram lá, Harry teve que rir com a cara que Ron fez ao ver toda a comida empilhada sobre mesas.
– Obrigada! – Hermione finalmente disse, ainda sem olhar para nenhum dos dois e se apressou para pegar um prato.
Harry e Ron sorriram um para o outro, antes que Ron, massajando o seu estômago, seguisse o caminho para fazer o mesmo.
A partir daquele momento, Hermione Granger tornou-se amiga deles outra vez. Era bom saber que enfrentar um trasgo montanhês era algo que eles não podiam fazer sem se tornarem amigos.
– – – – –
O Inverno chegou cedo. As tempestades de Novembro castigavam o castelo e, no princípio de Dezembro, Hogwarts estava coberta por uma espessa camada de neve que provavelmente não derreteria até à Primavera aquecer o frio congelante. O time de Quidditch de Gryffindor, desmotivado pela sua recente derrota, continuava a praticar mas com pouca exaltação. Oliver Wood podia ser encontrado quase todas as noites sentado na frente da lareira, com um olhar irritado. Harry podia dizer que ele estava revivendo a última partida – eles tinham sido esmagados por Ravenclaw, para prazer do Professor Snape. Ele tinha conseguido dar-lhes mais detenções do que o costume e parecia não conseguir conter os comentários maldosos nos seus encontros semanais.
Harry estava deitado em sua cama, num Domingo de manhã, com as cortinas fechadas. Hedwig tinha chegado para acordar Harry com uma carta especial de Ginny, mascarada dentro de uma dirigida a Ron. Esta era apenas a terceira que ela conseguia mandar e Harry sentia que o Natal tinha chegado um bocadinho mais cedo.
Querido Ron, Ginny escreveu.
Houve uma mudança nos planos! Nós não vamos para a Roménia este ano – Eu acidentalmente destruí a cozinha com magia (depois de ter parado de gritar comigo, mamãe disse que não tinha visto nenhuma magia acidental assim desde que os gémeos cortaram as calças de Percy e fizeram o quarto deles pegar fogo) então nós decidimos ficar para trás para repará-la e recolocar todos os feitiços da casa. Mamãe disse que estará muito cansada para ir e papai concordou. Então você virá para casa no Natal, afinal.
Mamãe decidiu que eu devo estar me sentindo muito sozinha, então ela disse que vai trazer uma menina bruxa com a minha idade para vir aqui algumas vezes durante a semana, depois do feriado. O nome dela é Luna Lovegood e ela estará em Hogwarts também, no próximo ano. Acho que nunca ouvi falar dos Lovegoods antes, mas mamãe disse que eles moram perto da gente e que eu devo ser cuidadosa porque a Luna acabou de perder a mãe. Estou feliz que irei conhecer alguém em Hogwarts, além dos meus irmãos irritantes.
Não há nada mais de novo; a vida na Toca não é tão excitante como lutar contra um trasgo! Você deveria ter ouvido mamãe. Aposto que ela vai lhe dar uma firme conversa sobre isso, assim que chegue a casa. Então se eu fosse você não ficaria demasiado animado. Papai, ao contrário, está morrendo de orgulho. Fico feliz em ouvir que está fazendo novos amigos. Esta garota, Hermione, parece ser muito legal, mesmo que tenha mau gosto na escolha dos amigos.
Vejo você no Natal!
Com amor,
Ginny
Harry leu a nota apressadamente, então bateu de leve com a ponta da varinha no pergaminho e murmurou “Sempre e sempre”. Logo depois, a carta verdadeira apareceu.
Meu Harry
Foi muito difícil destruir a cozinha sem parecer propositado, deixe-me dizer-lhe. E me sinto horrivelmente culpada por ter feito isso, mas não podia esperar até ao Verão sem te ver. Já tem sido demasiado tempo. Você sabia que essa é a vez que ficamos mais tempo sem nos ver desde a destruição da Toca? Tenho a certeza que sabe, mas eu penso nisso todos os dias. Mamãe vai perdoar-me assim que ela descobrir porque eu o fiz, embora ela tenha ficado furiosa comigo (mas é bom ter uma mãe para ficar furiosa com você novamente). Eu fico tentando perguntar-lhe sobre Voldemort, mas ela fica me dizendo que sou muito nova para isso e me corta. Eu sei que estou a ser injusta – ela não tem como saber que eu tenho, na realidade, trinta anos, mas mesmo que seja maravilhoso ter os meus pais e a minha casa de infância de novo, não posso evitar sentir-me impaciente por entrar em Hogwarts e ajudar você e o Ron. Pensaremos num jeito de nos esquivar para que possam contar-me tudo que mamãe não me contou.
Mamãe finalmente fisgou a isca e sugeriu que Luna seria uma boa companheira de brincadeira nos próximos meses. Mal posso esperar por vê-la – aposto que ela será ainda mais louca como criança! Certifique-se de que Ron sabe ter cuidado com as suas palavras perto dela. Lembre-se que ela vê as coisas de um jeito bem diferente. Aposto com você que se alguns dos nossos amigos descobrir sobre a gente, será Luna. Hermione é brilhante, mas você sabe que ela nunca vai suspeitar de algo tão impossível como uma viagem no tempo.
Falando na Hermione, estou tão feliz que vocês três são amigos novamente. Eu sabia que o trasgo iria funcionar, apesar da incredulidade de Ron. Harry, posso imaginar o que você viu quando olhou para ela, mas não deixa as sombras da obscuridade interferirem. Ela está aqui, está viva, assim como nós. Ela e Ron vão casar-se e nos darão muitos sobrinhos e sobrinhas para amar.
Eu te amo, Harry. Verei você em duas semanas (e vamos discutir o compromisso da coisa dos quatro anos).
Sempre e sempre,
Ginny.
Harry sorriu e guardou a carta, colocando-a junto com as outras que ela tinha conseguido enviar. Não era fácil para ela, ele sabia. Ela não tinha a mínima ideia de quando ele ou Ron iriam enviar-lhe cartas e ela não tinha como explicar o porquê de tanta demora para mandar uma simples nota para Ron. Era já muito que ela conseguisse roubar a varinha dos pais dela para encantar o pergaminho. Ele estava louco para vê-la e só de pensar sentia um embrulho em seu estômago.
Ele, Ron e Hermione viram-se bastante ocupados após o Halloween e com o retorno da amizade deles. Passaram tempo com Hagrid nas semanas em que ela os tinha ignorado. Alguns dias depois do Halloween eles contaram-lhe tudo sobre o que eles “sabiam” sobre o arrombamento de Gringotts, sobre o cão de três cabeças chamado Fluffy e sobre o que achavam que ele guardava. Agora ela estava cuidando de tudo juntamente com eles.
– Mas quem é Nicolas Flamel? – perguntou ela frustrada, no café da manhã do dia anterior – Eu sei que já ouvir esse nome antes! Mas ele não está em nenhum dos livros que eu estudei na biblioteca.
Harry e Ron apenas balançaram a cabeça, fingindo estar tão confusos como ela.
– Nós vamos continuar procurando, Hermione. – disse-lhe Ron – Entretanto, temos de descobrir quem a está tentando roubar.
Desta vez, eles decidiram não acusar Snape.
As coisas estavam indo devagar com Dumbledore e Snape. A tiara tinha sido destruída, pelo menos, pelo que Harry era muito grato. Dumbledore tinha-a tirado dos terrenos de Hogwarts, no início de Dezembro, e testado vários experimentos complexos nela. Queria descobrir um outro, um caminho menos perigoso de a destruir além do Fogo Amigo, que usariam como recurso, e sem estar dependentes da Espada de Gryffindor ou de uma altamente venenosa presa de Basilisco.
Nada parecia funcionar e finalmente (depois de dizer a Harry e Ron, que estavam “em outra detenção” para se chegarem para trás) tinham destruído o objecto do mal com uma temerosa exibição de dragões e quimeras feitas de chamas.
A Horcrux, agora quebrada e livre do pedaço de alma que Voldemort lá havia colocado, estava guardada num cofre no escritório de Dumbledore.
Assim, foi com bom humor que Harry desceu para o Salão Principal, alguns dias antes das férias de Natal. Ron tinha enviando uma carta para a mãe logo após receber a de Ginny, mas enquanto a resposta ainda não chegava (ele costumava mandado Errol ao invés de Hedwig), quer Harry, quer Ron tinham a certeza que a amorosa matriarca da família Weasley não negaria um órfão.
– HARRY! – gritou Ron. Ele estava pulando na sua cadeira e festejando. Até Hermione, sentada ao seu lado, estava sorrindo. – Você vem para casa connosco no Natal!
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