CAPITULO 54 - RAIZ DE MANDRÁGO
CAPITULO 54 - RAIZ DE MANDRÁGORA E LÍNGUA DE SALAMANDRA
Os cobertores estavam amontoados embaixo de Harry quando ele acordou, mas mesmo assim, se sentia aquecido. Saphira dormia em sua almofada, a respiração saía em rajadas freqüentes.
Pela primeira vez desde que entrou em Farthen Dur, Harry se sentiu seguro e esperançoso. Estava aquecido, alimentado e pôde dormir quanto quisesse. A tensão diminuiu dentro dele, tensão que vinha se acumulando desde a morte de James e, antes disso, desde que deixou o vale Palancar.
“Eu não preciso ter mais medo. Mas e quanto a Draco?” Não importava se a hospitalidade dos varden era excelente, ele não podia aceitá-la sem sentir um peso na consciência sabendo que, intencionalmente ou não, era o responsável pela prisão de Draco. De algum modo, essa situação tinha de ser resolvida.
O olhar dele passeava pelo teto áspero da caverna enquanto pensava em Gina. Censurando-se por sonhar acordado, inclinou a cabeça e olhou para fora do abrigo para dragões. Um gato grande estava sentado à beira da caverna, lambendo uma de suas patas. O gato olhou de relance para ele, e Harry viu o brilho de dois olhos vermelhos.
- Solembum? - Perguntou ele incrédulo.
- Obviamente. - O menino-gato sacudiu sua grossa juba e bocejou languidamente, exibindo suas longas presas. Ele espreguiçou-se e pulou para fora da caverna, pousando com um baque seco em cima da Isidar Mithrim, que estava seis metros abaixo. - Você não vem?
Harry olhou para Saphira. Agora, ela estava acordada, observando-o imóvel.
- Vá. Eu ficarei bem. - sussurrou ela. Solembum esperava por ele embaixo do arco que levava para o resto de Tronjheim.
No momento em que os pés de Harry tocaram Isidar Mithrim, o menino-gato virou-se com um golpe leve de suas patas e desapareceu, atravessando o arco. Harry foi correndo atrás dele, esfregando o rosto para se livrar do sono. Ele atravessou a passagem arqueada e viu-se em pé no topo de Vol Turin, a Escadaria Sem Fim. Não havia mais aonde ir, então ele desceu para o andar abaixo.
Estava em pé em uma galeria coberta por um teto arqueado que se curvava levemente para a esquerda e contornava a câmara central de Tronjheim. Entre as colunas inclinadas que sustentavam os arcos, Harry podia ver Isidar Mithrim reluzindo brilhantemente acima dele, como também a base distante da cidade-montanha. A circunferência da câmara central aumentava a cada andar sucessivamente. A escadaria atravessava o piso da galeria em direção a um andar idêntico abaixo, e descia por um grande número de galerias até desaparecer na distância. A canaleta que servia de escorrega corria pelo lado externo e curvo da escada. No topo de Vol Turin havia uma pilha de almofadas de couro que serviam para escorregar. À direita de Harry, um corredor empoeirado levava às salas e apartamentos daquele andar. Solembum caminhava lentamente pelo corredor, abanando a cauda.
- Espere. - disse Harry.
Tentou alcançar Solembum, mas só conseguiu vislumbrá-lo rapidamente nos corredores abandonados. Depois, quando Harry fazia uma curva, viu o menino-gato parar em frente a uma porta e miar alto. Espontaneamente, a porta deslizou para dentro. Solembum entrou rápido, depois a porta se fechou. Harry parou em frente a ela, perplexo. Ergueu a mão para bater, mas antes que fizesse isso, a porta se abriu mais uma vez, e uma luz morna inundou o local. Depois de um momento de indecisão, deu um passo à frente.
Entrou em uma singela suíte de dois quartos, decorada com entalhes feitos em madeira e plantas presas na parede. O ar era morno, fresco e úmido. Lampiões brilhantes pendiam nas paredes e no teto baixo. Pilhas de itens curiosos entulhavam o chão, ocultando os cantos. Uma grande cama, que estava coberta por mais plantas, encontrava-se no lado oposto do cômodo.
No centro do quarto principal, em uma elegante poltrona de couro, estava sentada a vidente e bruxa Ângela. Ela sorriu alegremente.
- O que você está fazendo aqui? - disse Harry surpreso.
Ângela entrelaçou as mãos em cima do colo.
- Bem, por que você não senta no chão para que eu lhe conte? Eu lhe ofereceria uma cadeira, mas estou sentada na única disponível. - Perguntas fervilhavam na mente de Harry enquanto ele se ajeitava entre dois frascos de causticantes e borbulhantes poções verdes. - Então! - exclamou Ângela, inclinando-se para a frente. - Você é um Cavaleiro. Eu já suspeitava disso, mas só fui ter certeza ontem. Sei que Solembum já sabia, mas ele nunca me disse nada. Eu devia ter percebido no momento em que você mencionou James. Saphira... Gostei do nome, é apropriado para um dragão.
- James morreu. - disse Harry abruptamente. - Os ra'zac o mataram.
Ângela foi pega de surpresa. Ela enrolou rapidamente um cacho de sua espessa cabeleira.
- Sinto muito. De verdade. - disse ela baixinho.
Harry sorriu de modo amargo.
- Mas você não está surpresa, não é? Afinal, previu a morte dele.
- Eu não sabia de quem seria aquela morte. - disse ela, balançando a cabeça. - Mas não... Não estou surpresa. Encontrei James uma ou duas vezes. Ele não gostava muito da minha atitude "frívola" quanto à magia. Isso o irritava.
Harry franziu o rosto.
- Em Teirm você riu do destino dele e disse que parecia uma piada. Por quê?
A expressão do rosto de Ângela ficou séria brevemente.
- Relembrando o fato, foi algo de mau gosto, mas eu não sabia o que se abateria sobre ele. Como posso dizer?... De certo modo, James era amaldiçoado. O seu destino era falhar em todas as suas tarefas, exceto em uma, embora nenhuma das falhas fosse culpa dele. James escolheu ser um Cavaleiro, mas seu dragão foi morto. Amou uma mulher, mas o afeto dele foi a ruína dela. E foi escolhido, presumo, para guardar e treinar você, mas, no final, também falhou nessa tarefa. A única vez em que teve êxito foi quando matou Lucius, e ele não poderia ter realizado uma façanha melhor do que essa.
- James nunca me falou de mulher nenhuma. - retrucou Harry.
Ângela deu de ombros negligentemente.
- Ouvi essa história de alguém que não poderia ter mentido. Mas chega dessa conversa! A vida continua, e não devemos perturbar os mortos com nossas preocupações. - Ela pegou com as duas mãos uma pilha de juncos que estavam no chão e, habilmente, começou a trançá-los, encerrando a discussão.
Harry hesitou, mas acabou cedendo.
- Tudo bem. Por que você está em Tronjheim em vez de Teirm?
- Ah, até que enfim uma pergunta interessante. - disse Ângela. - Depois de ouvir novamente o nome de James durante a sua visita, pressenti o retorno do passado na Alagaésia. As pessoas comentavam que o Império estava caçando um Cavaleiro. Então eu concluí que o ovo dos varden devia ter eclodido, aí fechei a minha loja e parti para saber mais sobre essa história.
- Você sabia sobre o ovo?
- Claro que eu sabia. Não sou uma idiota. Tenho muito mais idade do que você possa crer. Pouquíssimas coisas acontecem sem que eu saiba. - Ela fez uma pausa e concentrou-se na trama que fazia. - Bem, eu sabia que devia me aproximar dos varden o mais rápido possível. Já estou aqui há quase um mês, embora eu não sinta muito apreço por este lugar. Ele é bolorento demais para o meu gosto. E todas as pessoas em Farthen Dur são muito nobres e sérias. Provavelmente, todas elas estão destinadas a ter uma morte trágica. - Ela soltou um longo suspiro e surgiu uma expressão de zombaria em seu rosto. - E os anões são apenas um bando de tolos supersticiosos que se contentam com quebrar pedras durante a vida toda. O único aspecto compensador deste lugar é a qualidade dos cogumelos e fungos que brotam dentro de Farthen Dur.
- Então, por que continua aqui? - perguntou Harry sorrindo.
- Porque gosto de estar sempre onde eventos importantes vão acontecer. - respondeu Ângela inclinando a cabeça. - Além disso, se eu tivesse ficado em Teirm, Solembum teria partido sem mim, e eu gosto muito da companhia dele. Mas diga-me, em quais aventuras você se envolveu desde que conversamos naquela vez?
Durante a hora seguinte, Harry resumiu suas experiências dos últimos dois meses e meio. Ângela ouvia em silêncio, mas quando ele mencionou o nome de Drasco ela falou de repente:
- Draco
Harry concordou com a cabeça.
- Ele me disse quem era. Mas deixe-me terminar minha história antes de fazer qualquer julgamento.
Ele continuou sua narrativa. Quando terminou, Ângela recostou-se pensativa em sua cadeira, seus juncos estavam esquecidos. Sem dar um aviso, Solembum pulou do lugar onde estava escondido e pousou no colo dela. Ele enroscou-se, olhando Harry de modo arrogante.
Ângela acariciou o menino-gato.
- Fascinante. Voldemort aliado aos urgals. E Draco finalmente se revelou... Eu o aconselharia a ter cuidado com Draco, mas, obviamente, você está a par desse perigo.
- Draco tem sido um amigo leal e um aliado determinado. - disse Harry firmemente.
- Não importa, tenha cuidado. - Ângela fez uma pausa e, depois, disse com repulsa. - E também há a questão desse Espectro, Durza. Acho que esse é o maior perigo para os varden agora, além de Voldemort. Eu odeio Espectros, pois praticam a espécie de magia mais profana, usando a necromancia. Eu gostaria de arrancar o coração dele com um grampo de cabelo sem ponta e jogá-lo aos porcos!
Harry ficou surpreso com a impetuosidade repentina dela.
- Não entendo. James me disse que os Espectros eram feiticeiros que usam espíritos para realizarem seus desejos, mas por que isso os torna tão malignos?
Ângela balançou a cabeça.
- E não os torna. Feiticeiros ordinários são exatamente isso, ordinários, não são melhores nem piores do que nós. Eles usam sua força mágica para controlar os espíritos e os poderes dos espíritos. Os Espectros, entretanto, abrem mão desse controle em sua busca por poderes maiores e permitem que seus corpos sejam controlados pelos espíritos. Infelizmente, somente os espíritos mais malignos desejam possuir os humanos e uma vez que se estabeleçam, nunca mais partem. Tal possessão pode acontecer por acidente, se um feiticeiro invocar um espírito mais forte do que ele. O problema é que, depois que um Espectro é criado, é terrivelmente difícil matá-lo. Como sei que você sabe, somente duas pessoas, Laerte, a elfa, e Irnstad, o Cavaleiro, conseguiram sobreviver a esse feito.
- Já ouvi as histórias. - Harry apontou para o quarto. - Por que você está vivendo em um andar tão alto em Tronjheim? Não é inconveniente ficar tão isolada? E como você trouxe todas essas coisas até aqui em cima?
Ângela jogou a cabeça para trás e riu ironicamente.
- Quer saber a verdade? Estou me escondendo. Assim que cheguei a Tronjheim tive alguns dias de paz, até que um dos guardas que me deixaram entrar deu com a língua nos dentes sobre quem eu era. Aí, todas as pessoas daqui capazes de usar a magia, embora elas mal sejam dignas desse termo, perturbaram-me para entrar para o grupo secreto delas. Especialmente aqueles gêmeos drajl que o controlam. Finalmente, ameacei transformar todos eles em sapos, perdão, em rãs. Mas como isso não os deteve, subi para cá furtivamente no meio da noite. Deu muito menos trabalho do que você imagina, especialmente para alguém com minhas habilidades.
- Você teve de deixar os gêmeos entrarem na sua mente para ter permissão de entrar em Farthen Dur? - perguntou Harry. - Eu fui forçado a deixá-los penetrarem minhas lembranças.
Um brilho gelado surgiu nos olhos de Ângela.
- Os gêmeos não ousariam me sondar com medo do que eu poderia fazer com eles. Oh! Eles adorariam fazer isso, mas sabem que tal esforço os deixaria arrasados e gaguejando coisas sem nexo. Eu venho aqui muito antes de os varden começarem a examinar a mente das pessoas... e eles não vão começar a me sondar agora.
Ela olhou de relance para o outro quarto e disse:
- Bem! Esta foi uma conversa muito esclarecedora, mas temo que você tenha de ir agora. Minha poção de raiz de mandrágora com língua de salamandra está prestes a ferver, e preciso ir cuidar dela. Volte novamente quando tiver tempo. E, por favor, não diga a ninguém que estou aqui. Eu odiaria ter de me mudar de novo. Isso me deixaria muito... Irritada. E você não vai gostar de me ver irritada!
- Guardarei seu segredo. - garantiu Harry levantando-se. Solembum pulou do colo de Ângela quando ela ficou em pé.
- Ótimo! - exclamou ela.
Harry despediu-se e saiu do quarto. Solembum guiou-o de volta ao abrigo para dragões, depois o dispensou com um movimento de sua cauda antes de ir embora caminhando lentamente.
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