CAPITULO 43 - ÁGUA DA AREIA



CAPITULO 43 - ÁGUA DA AREIA

Quando pararam para descansar à noite, Harry não estava se sentindo melhor e seu humor havia piorado. A maior parte do dia foi gasta percorrendo longos desvios para evitar serem achados pelos soldados, que usavam cães de caça. Desmontou de Fogo na Neve e perguntou a Saphira:
- Como ela está?
- Acho que não está pior do que antes. Ela se mexeu levemente algumas vezes, mas foi só isso. - Saphira agachou-se perto do chão para que ele pudesse tirar a elfa da sela. Durante um instante, seu corpo macio pressionou o de Harry. Ele, apressadamente, colocou-a no chão.
Harry e Draco prepararam um jantar simples. Era difícil para eles resistirem à vontade de dormir. Quando acabaram de comer, Draco disse:
- Não podemos manter esse passo. Não estamos ganhando vantagem sobre os soldados. Em mais um dia ou dois eles podem nos alcançar.
- O que mais podemos fazer? - perguntou Harry de modo abrupto. - Se fôssemos só nós dois e se você estivesse disposto a deixar Tornac para trás, Saphira poderia sair voando conosco para longe daqui. Mas com a mulher junto? Impossível!
Draco olhou para ele atentamente.
- Se você quiser seguir sozinho, não vou impedi-lo. Não posso esperar que você e Saphira fiquem aqui, correndo o risco de serem presos.
- Não me insulte. - resmungou Harry. - Eu só estou livre por sua causa. Não vou abandoná-lo à mercê do Império. Eu seria muito mal agradecido!
Draco inclinou a cabeça.
- As suas palavras me alegram. - Ele fez uma pausa. - Mas não resolvem o nosso problema.
- E o que pode resolver? - indagou Harry. Ele apontou para a mulher. - Eu queria que ela pudesse nos dizer onde os elfos estão. Talvez pudéssemos pedir abrigo a eles.
- Considerando como os elfos protegem a si mesmos, duvido que ela revelaria a localização. Mesmo se revelasse, o povo dela poderia não nos receber. Por que eles se disporiam a nos abrigar? Os últimos Cavaleiros que tiveram contato com eles foram Voldemort e os Renegados. Duvido que guardem boas memórias disso. E eu não tenho nem a honra duvidosa de ser um Cavaleiro igual a você. Não, eles não gostariam de me receber mesmo.
- Eles nos aceitariam. - disse Saphira confiante, enquanto mudava a posição das asas para ficar mais confortável.
Harry deu de ombros.
- Mesmo que nos protegessem, não podemos achá-los e será impossível perguntar a ela até que recupere a consciência. Devemos fugir, mas em qual direção: norte, sul, leste ou oeste?
Draco entrelaçou os dedos e pressionou os polegares contra suas têmporas.
- Acho que a única coisa que podemos fazer é sair do Império. Os poucos lugares seguros dentro dele estão muito longe daqui. Seria difícil chegar a eles sem que fôssemos capturados ou seguidos... Não há nada para nós ao norte, exceto a floresta Du Weldenvarden, onde nós poderíamos nos esconder, mas não gostaria de voltar a passar por Gil'ead. Ao oeste, resta apenas o Império e o oceano. Ao sul, fica Surda, onde você poderia encontrar alguém que lhe diria o caminho até os varden. Quanto a seguir rumo ao leste... - Ele deu de ombros. - Ao leste, o deserto Hadarac está entre nós e sejam quais forem as terras que existam naquela direção. Os varden estão em algum lugar depois dele, mas sem as instruções corretas poderíamos levar anos até encontrá-los.
- Mas nós estaríamos seguros. - acrescentou Saphira. - Desde que não encontrássemos nenhum urgal.
Harry contraiu a testa. Uma dor de cabeça ameaçava afogar seus pensamentos com pontadas quentes.
- É perigoso demais ir para Surda. Teríamos de atravessar a maior parte do Império, evitando todas as cidades e vilarejos. Há pessoas demais entre nós e Surda para passarmos despercebidos.
Draco levantou uma sobrancelha.
- Então, você quer atravessar o deserto?
- Não vejo outras opções. Além disso, assim podemos deixar o Império antes que os ra'zac cheguem aqui. Com seus cavalos alados, eles chegarão a Gil'ead em poucos dias, então não temos muito tempo.
- Mesmo que cheguemos ao deserto antes que eles apareçam por aqui - disse Draco - ainda assim, poderiam nos alcançar. De qualquer maneira será difícil deixá-los para trás.
Harry esfregou o lado do corpo de Saphira, sentindo a aspereza das escamas sob seus dedos.
- Isso, pressupondo que eles seguirão a nossa pista. Mas para nos pegar, terão de deixar os soldados para trás, o que será bom para nós. Se houver uma luta, acho que nós três podemos derrotá-los... Desde que não sejamos pegos em uma emboscada como James e eu fomos.
- Se chegarmos em segurança ao outro lado do deserto Hadarac, - disse Draco devagar - aonde iremos? Aquelas terras estão bem longe do Império. Haverá poucas cidades, se houver alguma. E há o deserto em si.
- O que você sabe sobre ele?
- Só que é quente, seco e cheio de areia. - confessou Harry.
- Isso resume tudo. - retrucou Draco. - Ele é repleto de plantas venenosas e que não podem ser comidas, cobras, escorpiões e um sol escaldante. Você viu a grande planície no nosso caminho para Gil'ead?
Era uma pergunta retórica, mas Harry respondeu assim mesmo:
- Vi e já havia visto outra vez.
- Então, você conhece bem o tamanho dela. Ela preenche o âmago do Império. Agora, imagine algo duas ou três vezes maior e terá a noção da vastidão do deserto Hadarac. É isso que está propondo atravessar.
Harry tentou visualizar uma área tão gigantesca, mas não foi capaz de lidar com as distâncias envolvidas. Ele pegou o mapa da Alagaésia de sua bolsa. O pergaminho tinha um cheiro de mofado quando ele o desenrolou no chão. Harry examinou a planície e balançou a cabeça, satisfeito.
- Não é para menos que o Império termine no deserto. Tudo do outro lado fica longe demais para Voldemort controlar.
Draco passou a mão pelo lado direito do pergaminho.
- Toda a terra além do deserto, que está em branco neste mapa, era dominada por um só senhor quando os Cavaleiros viviam. Se o rei tiver novos Cavaleiros sob seu comando, acho que ele pode expandir o Império a um tamanho nunca imaginado. Mas esse não era o ponto que eu queria destacar. O deserto Hadarac é tão grande e guarda tantos perigos que as chances de o atravessarmos ilesos são mínimas. É uma decisão desesperada de se tomar.
- Nós estamos desesperados. - disse Harry de modo firme. Ele estudou o mapa cuidadosamente. - Se fôssemos pelo meio do deserto, levaríamos mais de um mês para atravessá-lo, talvez até dois. Mas se traçarmos uma rota na direção sudeste, pelas montanhas Beor, podemos atravessá-lo muito mais depressa. Depois, podemos acompanhar as montanhas, em direção ao leste, pelo deserto, ou podemos tomar o rumo oeste, para Surda. Se este mapa estiver certo, a distância entre o ponto onde estamos e as Beor é quase idêntica à que cobrimos no caminho para Gil'ead.
- Mas levamos quase um mês para fazer isso!
Harry sacudiu a cabeça, impaciente.
- Nossa viagem para Gil'ead foi lenta por causa dos meus ferimentos. Se apertarmos o passo, levaremos uma fração daquele tempo para chegar às montanhas Beor.
- Basta. Já deixou o seu ponto de vista bem claro. - reconheceu Draco. - Contudo, antes de concordar com isso, há algo que deve ser resolvido. Como sei que você deve ter notado, peguei suprimentos para nós e para os cavalos enquanto estávamos em Gil'ead. Mas como vamos obter água suficiente para todos? As tribos nômades que vivem no deserto disfarçam seus poços e oásis para que ninguém roube a água. E carregar água o bastante para mais do que um dia é impraticável. Pense na quantidade que a Saphira bebe! Ela e os cavalos bebem mais água de uma vez do que nós dois bebemos em uma semana. A não ser que você saiba fazer chover sempre que precisarmos, não vejo como poder seguir o caminho que você propôs.
Harry se apoiou em seus calcanhares. Fazer chover estava muito além de suas forças. Ele achava que nem o Cavaleiro mais forte poderia fazer isso. Mover uma massa de ar tão grande seria como tentar erguer uma montanha. Precisava de uma solução que não drenasse todas as suas forças. Será que é possível transformar a areia em água? Isso resolveria o nosso problema, mas só se não consumisse energia demais.
- Eu tenho uma idéia. - disse ele. - Deixe-me fazer uma experiência, depois vou lhe dar uma resposta. - Harry saiu do acampamento com passos largos, com Saphira o seguindo de perto.
- O que você vai tentar fazer? - Perguntou.
- Não sei. - resmungou ele. - Saphira, você conseguiria levar água suficiente para nós todos?
Ela balançou sua cabeça enorme.
- Não. Eu nem sei se seria capaz de levantar tanto peso, sem falar em conseguir voar levando tudo isso.
- É uma pena. - Ele se ajoelhou e pegou uma pedra que tinha uma cavidade grande o bastante para abrigar um gole de água. Apertou um pouco de terra na depressão e a estudou pensativo. Agora, vinha a parte difícil.
De alguma maneira, tinha de converter aquela terra em água. Mas que palavras eu devo usar? Refletiu sobre o problema durante alguns momentos e escolheu duas que ele esperava que fossem dar certo. O frio da magia correu pelo seu corpo, enquanto tentava romper a barreira familiar em sua mente, e ordenou:
- Deloi moi!
Imediatamente a terra começou a absorver a força dele a uma velocidade assombrosa. Harry lembrou de repente do aviso de James de que certas tarefas consumiriam toda a sua força e acabariam com sua vida. O pânico encheu seu peito. Tentou liberar a magia, mas não conseguiu. Ela ficou ligada a ele até que a tarefa fosse cumprida ou que ele morresse. Tudo o que podia fazer era permanecer imóvel, ficando mais fraco a cada momento.
Quando ficou convencido de que realmente ia morrer ajoelhado ali, a terra brilhou e transformou-se, virando uma pequena poça de água que mal encheria um dedal. Aliviado, Harry se pôs sentado, ofegante. Seu coração batia dolorosamente, e a fome corroía suas entranhas.
- O que aconteceu? - Perguntou Saphira.
Harry balançou a cabeça, ainda chocado pelo gasto das reservas de energia do seu corpo. Ficou feliz por não ter tentado transformar algo maior.
- Isso não vai dar certo. - disse. - Eu nem tenho força para sequer beber um copo d'água.
- Você deveria ter tido mais cuidado. - censurou-o. - A magia pode trazer resultados inesperados quando as palavras da língua antiga são combinadas de novas maneiras.
Ele olhou fixamente para ela.
- Eu sei disso, mas essa era a única forma de testar a minha idéia. Eu não podia esperar até estarmos no deserto! - Ele lembrou que ela só estava tentando ajudar. - Como você transformou o túmulo de James em diamante sem se matar? Eu mal posso com uma pitada de terra, sem falar em todo aquele arenito.
- Eu não sei como fiz aquilo. - disse ela calmamente. - Apenas aconteceu.
- Você pode fazer de novo? Mas desta vez, para fazer água?
- Harry, - disse ela, olhando diretamente nos olhos dele - não tenho mais controle sobre as minhas habilidades do que uma aranha tem sobre as dela. Coisas como aquela acontecem quer eu queira ou não. James lhe disse que eventos incomuns acontecem perto dos dragões. Ele disse a verdade. James não tinha explicação para isso, como eu também não tenho. Às vezes, posso provocar algumas mudanças apenas usando alguns sentimentos, quase sem pensar. No resto do tempo, como neste momento, tenho tantos poderes quanto Fogo na Neve.
- Você nunca deixa de ser poderosa. - disse ele docemente, colocando uma das mãos no pescoço dela. Ficaram em silêncio durante um longo período. Harry lembrou-se do túmulo que havia feito para James e como ele estava deitado dentro dele. Harry ainda podia ver o arenito fluindo acima do rosto do ancião.
- Pelo menos, demos a ele um enterro decente. - sussurrou ele. Preguiçosamente, Harry girou o dedo na terra, produzindo pequenas cristas. Duas delas formaram um vale em miniatura, então ele acrescentou montanhas em volta. Com a ponta da unha, abriu um rio no meio do vale e o fez mais fundo porque estava raso demais. Acrescentou mais alguns detalhes até que se achou olhando para uma reprodução plausível do vale Palancar. A saudade de casa cresceu dentro dele, e ele apagou o vale com um golpe da mão.
- Não quero falar sobre isso. - resmungou zangado, evitando as perguntas de Saphira. Cruzou os braços e ficou olhando fixamente para o chão. Quase contra a sua vontade, seus olhos se voltaram para o lugar onde havia raspado a terra. Pôs-se de pé, surpreso. Embora o solo estivesse seco, o sulco que fizera estava ladeado por umidade. Curioso, raspou mais terra e achou uma camada úmida poucos centímetros abaixo da superfície.
- Olhe para isso. - disse animado.
Saphira baixou o nariz até a descoberta dele.
- Como isso pode nos ajudar? A água no deserto deve estar retida tão fundo no solo que teríamos de cavar semanas para achá-la.
- Exato. - disse Harry satisfeito - Mas desde que ela esteja lá, posso pegá-la. Veja! - Ele aprofundou o buraco e acessou a magia mentalmente. Em vez de transformar a terra em água, ele simplesmente trouxe à superfície a umidade que já estava na terra. Com um gotejar sutil, a água encheu o buraco. Ele sorriu e bebeu dela. O líquido era fresco e puro, perfeito para beber. - Viu! Podemos obter tudo o que quisermos!
Saphira cheirou a água.
- Aqui, tudo bem. Mas e no deserto? Pode não haver água bastante no subsolo para que você possa trazê-la à superfície.
- Vai dar certo. - garantiu Harry a ela. - Tudo que estou fazendo é trazer a água à superfície, que é uma tarefa bem fácil. Desde que eu faça isso lentamente, minhas forças resistirão. Mesmo que eu tenha de fazer subir a água que esteja a cinqüenta passos embaixo da terra, não será problema. Especialmente se você me ajudar.
Saphira olhou para ele de modo incrédulo.
- Tem certeza? Pense bem na sua resposta, pois nossas vidas estarão em perigo se você estiver errado. - Harry hesitou, mas depois disse confiante:
- Tenho certeza.
- Então, vá contar ao Draco. Ficarei de vigia enquanto vocês dormem.
- Mas você ficou acordada a noite toda, como nós. - opôs-se ele. - Você deve descansar.
- Eu ficarei bem. Sou mais forte do que você pensa. - disse ela gentilmente. Ouviu-se o barulho das escamas arrastando umas nas outras enquanto ela se enrolava, mantendo um olho atento na direção do norte, onde estavam seus perseguidores. Harry a abraçou, e ela produziu um zumbido baixo. Os lados do seu corpo vibraram. - Vá.
Ele se demorou e relutante voltou até Draco, que perguntou:
- E então? O deserto está franqueado para nós?
- Está. - confirmou Harry.
Ele jogou-se debaixo de sua manta e explicou o que havia descoberto. Quando terminou, Harry virou-se para a mulher. O rosto dela foi a última coisa que viu antes de dormir.



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