Capítulo Único



A bolsa batia com força contra seu corpo, enquanto Hermione tentava andar o mais rápido possível em direção à sua casa. Segurava contra o peito alguns livros com aparência pesada e velha. Garoava, os pingos grossos caiam lentamente contra a face e corpo da castanha, as ruas estavam escorregadias e haviam diversas poças d’água na calçada. Os carros espirravam água nas pessoas, e, apesar da hora, havia várias pessoas nas ruas de Londres.


O cabelo estava despenteado, preso frouxamente num rabo-de-cavalo improvisado, impecavelmente seco. Hermione estava muito cansada, tivera que fazer uma reunião improvisada com um pai de uma criança que não estava se desempenhando na escola em que tinha arranjado emprego de assistente. Por isso, chegara atrasada na faculdade e tivera que ficar até mais tarde. Tinha chegado ao nível dos outros alunos, porém ainda teve que ficar até mais tarde para terminar as tarefas.


A chuva aumentou de intensidade, pingando mais freqüentemente e mais forte. Hermione tentou andar mais rápido, mas acabou esbarrando em alguém e quase caindo. Então virou para uma rua menos movimentada e começou a correr o mais rápido que conseguia. A distância diminuía, mas parecia cada vez mais longe. O que seu marido diria? Os atrasos não eram tão constantes, é claro, mas Rony reclamava toda vez que chegava atrasada, mesmo por um minuto. Não queria perder a cabeça, nem ao menos brigar. Corria cada vez mais devagar, arfando bastante, enquanto tentava diminuir o atraso inutilmente. Faltava ainda uma boa distância até sua casa. Continuou correndo, mas acabou diminuindo o passo até começar a andar.

Virou a rua e chegou finalmente avistou sua casa no fim da rua. Era uma casa simples, porém grande, branca com janelas grandes de vidro verdes esmeralda, e podia-se ver cortinas espessas e amareladas através da janela. Nenhuma luz acesa. Bom sinal. Rony também não estava esperando na porta, como algumas vezes fizera e eles tiveram uma briga feita, com tapas e socos, na rua. Hermione parou na frente da porta e revirou a bolsa, procurando a chave. Soltou os livros e eles caíram no chão com um baque surdo, e a castanha ainda não encontrara a chave.

Remexia neuroticamente na bolsa, então ouviu o barulho das chaves e colocou-as na porta. Errou diversas vezes de chave, até que conseguiu acertar e abriu a porta. Entrou em casa e fechou a porta delicadamente, para evitar acordar o marido ou os filhos. Foi até a cozinha, só de pensar que ainda teria que cozinhar já ficava de mau humor. Deixou a bolsa na mesa da cozinha, pegou uma maça, foi para a sala e deitou-se no sofá. Estava tão cansada que adormeceu sem mesmo morder a maça.

Hermione acordou tarde no dia seguinte, que para o alívio dela era sábado, e quando a preguiça permitiu que ela fosse para a cozinha, onde encontrou Rony olhando-a feio. Ela sorriu para o marido, enquanto fritava um ovo fingindo que estava tudo normal. “Quem sabe ele nem tenha percebido!” pensava ela aliviada. “E toda essa preocupação para nada!” suspirou aliviada, enquanto servia um ovo no prato do ruivo. Ele fitou o ovo por um instante, antes de afastar o prato e alegar:

— Eu não estou com fome. – Não estava com fome? Ele? Isso não estava muito bem. Hermione ergueu as sobrancelhas. — E não me venha fingindo que está tudo bem, Hermione, porque eu sei que não está.

— E você atribui – Disse ela, parando para pensar por um instante – “não estar bem” à que? – Completou, sentando-se na mesa e cortando desajeitadamente o ovo. Notou então que sua filha estava parada na frente da porta da cozinha. — Quer algo, Rose? – Perguntou, indicando para a filha entrar e se sentar ao seu lado. A garotinha de quatro anos assentiu com a cabeça e foi com seus passos pequenos até a mesa.

— Acho que vou querer... – Disse, fingindo que estava pensativa. Era uma brincadeira que mãe e filha sempre faziam nos sábados, quando era vez de Rony cozinhar e ele odiava demora. – Uma laranja... Ou uma torrada... Uma panqueca, isso! – Disse, por fim, batendo palmas.

Hermione deu um beijo carinhosamente na testa de Rose e foi ao fogão cozinhar as panquecas. A garotinha estranhou. Olhou para o pai, que ainda fitava o ovo frito como se decidir se o comeria ou não fosse a decisão que salvaria sua vida. Rose puxou o prato dele e comeu um pedacinho do ovo, esperando o “ei!” que o pai sempre dizia quando ela fazia isso. Ele nunca foi dito.

— Mamãe... Hoje não é dia de o papai cozinhar? – Perguntou ela, parecendo confusa. Hermione assentiu com a cabeça, porém entregou a panqueca para a filha? — Não é uma regra? – Completou.

— Nem sempre as regras são cumpridas. – Resmungou Rony olhando feio para Hermione, que rebateu o olhar. Rose olhou para os dois, incerta se perguntava o que significava aquilo ou não, mas decidiu comer sua panqueca. Quando terminou de comer, foi brincar no quintal, e então Hermione logo disparou:

— Você está louco? Quer traumatizar nossa filha? – Gritou ela. Rony olhava com raiva para ela também. Eles ficaram se encarando por vários momentos, até Rony gritar:

— E QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA CHEGAR TÃO TARDE? ONDE VOCÊ ESTAVA?

— Trabalhando! Tive uma reunião com um pai de um aluno! Você sabe que eu ganho por hora, devia estar dando graças a Deus! E a porcaria da faculdade quis que eu fizesse as tarefas! NÃO POSSO FAZER NADA! – Resmungou Hermione, olhando fixamente para Rony, com extrema raiva. Terminou de engolir seu ovo, e bateu com força o garfo na mesa. – E pare de ser ciumento! Até parece que eu estaria em outro lugar! Droga, Ronald.

Ele tinha um tom de desdém na voz: — Você poderia estar bem onde quisesse, com esse jeitinho seu de...

— CONTINUA! CONTINUA SE É HOMEM! O QUE VOCÊ ESTAVA PRESTES A DIZER? COM CERTEZA MEU JEITINHO É MELHOR QUE O SEU! EU NÃO FUI DESPEDIDA PORQUE ESTAVA BÊBADA! SOU MUITO, ORA, SE NÃO COMPLETAMENTE MAIS SENSATA QUE VOCÊ E NÓS DOIS SABEMOS DISSO!

— NÃO FOI DESPEDIDA PORQUE NÃO TEM UM EMPREGO DESCENTE! ASSISTENTE DE PRIMÁRIO! ISSO NEM SEQUER SUSTENTA A FAMÍLIA!

— E quem é você para falar de sustentar aqui? – Disse ela, com tom irônico na voz, enquanto observava Rony levantar-se e cambalear até a pia com o prato. – Você nem sequer SE sustenta! Deve ter bebido tanto ontem! E depois você que se preocupa onde EU estava. ONDE VOCÊ ESTAVA? Ah, já sei, num bar! Vá ver se eu estou na esquina!

Ele a observou. Ela continuava gritando alguma coisa, chorando de raiva e lavando a louça.

— Fala sério, Hermione! Saí com uns amigos, não pode? Não sou que nem você. Sou confiável.

— CONFIÁVEL? Você? Não me faça rir. Você nem ao menos presta para procurar emprego! Devia cuidar das crianças e vai beber! Enquanto eu trabalho como um cão e ainda devo satisfações? Alguém precisa de dinheiro para pagar as contas! E não se pode deixar nada na sua mão, não é? POUPE-ME, ok?

— Está insinuando que eu não presto para nada? – Disse ele, agora com um tom de magoa na voz.

— EU NÃO DISSE ISSO.

— As piores verdades são ditas no silêncio. – Reclamou ele, pegando um prato e jogando com força no chão.

— ÓTIMO, RONALD! EU VOU EMBORA. NÃO AGUENTO MAIS VOCÊ! CHEGA! – Disse Hermione, pegando a bolsa que estava na mesa, e saindo bruscamente da casa. No jardim, despediu-se da filha, e disse pra avisar o irmão que não sabia quando voltava.

— Mas aonde você vai, mamãe? – Perguntou Rose, parecendo um pouco calma demais para a situação. Ela não entendia bem o que estava acontecendo. Então Hermione sussurrou em seu ouvido:

— Para onde o destino permitir – Dizendo isso, beijou a testa da filha e saiu andando calmamente.


FIM!

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