Mãe



Era uma noite abafada de sexta-feira, eu estava comendo um pedaço de bolo. Harry passou flutuando por mim, montado em sua vassourinha de brinquedo.
- Cuidado, amor.
Ele deu uma risadinha para mim e bateu as mãos, quase caindo. Levantei-me de súbito para ampará-lo, mas ele voltou a se equilibrar, ainda rindo.
- Não se preocupe, querida.
A voz de Tiago soou divertida. Ele estava encostado no vão da porta, os braços cruzados. Olhava o pequeno com olhos sonhadores, um sorriso branco e terno no rosto.
- Ele vai se machucar qualquer hora... - eu falei com preocupação, levantando-me e indo até ele.
- Não vai, não se preocupe. - Ele me abraçou e me deu um pequeno beijo, voltando a olhar para Harry. - Não vamos deixar nada acontecer com ele. Vai virar jogador de quadribol, né, filhão?
O menininho riu de novo, esbarrando em uma perna de mesa. Como gostava da vassourinha! Era de longe seu brinquedo preferido.
Eu suspirei, pensando no quanto ele perdia por vivermos escondidos. Eu gostaria que ele tivesse amigos para brincar... poder levá-lo a um parque, qualquer coisa que não fosse aquela casa. Embora grande, já estava se tornando sufocante não poder sair.
- Tiago, fecha a janela. Do jeito que está abafado, vai chover daqui a pouco. - Peguei Harry no colo, era hora de colocá-lo na cama. - Aproveita e come um pedaço desse bolo que a Batilda mandou, está ótimo.
Ele se aproximou desconfiado, cortou uma fatia bem fina e mordeu um pedaço.
- Ah... bom, é...
Eu dei risada da careta. Esqueci que ele não gostava de erva doce, e Batilda havia colocado um bocado considerável no bolo. Ela sempre punha.
Aninhei Harry, ele era nosso bem mais precioso, e virei as costas enquanto meu marido ia fechar as janelas da sala.
-Lílian! - O grito urgente me sobressaltou, ainda mais quando vi um Tiago muito pálido vir em minha direção. Ele estava com os olhos arregalados, os óculos escorregando. - Ele nos achou, Lílian, está aqui! Fuja, vá se esconder com Harry, eu vou atrasá-lo! - Uma sombra passou por seus olhos enquanto os meus se enchiam de água. - Eu te amo, lembre-se sempre disso.
Demorei alguns segundos para processar a informação. Não me preocupei em contradizer Tiago, apenas passei rapidamente a mão pelo seu rosto e disse também amá-lo. Harry era mais importante que nós dois. Devíamos salvá-lo. Fazer o possível.
Subi correndo as escadas, talvez pudesse fugir por uma janela. Seria minha única chance. Mas não tinha nem chegado ao segundo andar quando a porta da frente se escancarou.
- Ora, ora... finalmente achei vocês... por que se esconderam tanto?
Ouvi a voz fria quando cheguei no corredor. Tiago soltou um feitiço, mas Voldemort somente riu. Meu marido gritava, tentando distrair nosso atacante. Mas o Lorde das Trevas percebeu de imediato a tática.
- Avada Kedavra!
A frase que Tiago falava ficou incompleta ante a maldição imperdoável. Senti minhas pernas tremerem e mordi tão forte o lábio para abafar o grito que o cortei. Meu coração falhou uma batida e as lágrimas escorreram silenciosas e quentes pelas minhas faces. Mas não gritei, não iria revelar minha posição daquele jeito, ainda tinha esperanças. Eu tinha que dar um jeito de sair da casa! Não deixaria que matassem meu filho! Meu bebê...
Ouvi passos enquanto entrava no quarto de Harry. Tranquei a porta, embora soubesse que não ia adiantar nada. Qualquer coisa para atrasá-lo nem que fosse por um segundo sequer!
Mas mal tive tempo de abir o trinco da janela.
- Alorromora!
Virei-me para a porta que se escancarou e o homem alto e branco que entrou no quarto. Eu o encarei, lívida. O que restava fazer? Senti meu sangue correr lento, minha boca se afrouxou num gemido de desespero.
- O pequeno Harry Potter... - ele deu um sorriso deformado, de dentes ameaçadoramente parecidos com presas. - Passe-o para mim, criança.
- Nunca – murmurei. Apertei meu filho nos braços. - Vai ter que me matar para pegá-lo!
Ele riu novamente. Era um som frio e perfurante, histérico.
- Já fiz isso com o seu amado maridinho. Não vai ser tão difícil assim com você.
Dei alguns passos para trás até encostar na parede. Não havia saída, então. Ouvi vozes em minha mente como se algum fantasma as sussurrasse nos meus ouvidos:
- Tenho certeza que é o melhor. Eles vão atrás de mim e, mesmo que consigam me pegar, não vão me tirar nada. É só manter Pedro escondido. É mais seguro.
- Não sei, Almofadinhas... gostaríamos que você fosse nosso fiel. É a pessoa em quem mais confiamos, né, Líli?
- É mesmo, Sírius. Além do mais, como tem tanta certeza que Aluado é o traidor?
- Ele é um lobisomem, Lílian, não ganharia nada no nosso lado. E você sabe, ele anda estranho faz tempo...

As lembranças foram interrompidas pelo rascunho de homem que havia na minha frente:
- Me entregue o garoto e você fica viva, criança.
- Jamais! - Gritei, com toda a força dos meus pulmões. Já não podia ver direito, as lágrimas sucessivas embolavam tudo à frente.
- Não quero você, só o maldito moleque. Entregue e venha comigo: vai conhecer prazeres e poder além da sua imaginação!
- Não, seu imundo! – Eu disse. Ele levantou a mão livre e me acertou no rosto, fúria no olhar.
Eu estava assustada, tremendo toda. Era mais do que poderia suportar, ter falhado em proteger aquele ser indefeso em meus braços... e a traição de Pedro...
Por mais que Tiago e Sírius fizessem brincadeiras maldosas com ele o tempo todo, não seria de imaginar que... ou seria? Afinal, Rabicho havia se cansado de ser o palhaço da turma, o fraco. Cansara das humilhações dos “amigos”. Ali estava a prova de o quanto fomos tolos ao acreditar que ele não se incomodava, não se magoava com os inúmeros comentários, em especial por causa de sua aparência.
- Ora, você arrumar uma namorada, Pedro?
Esse era apenas o mais leve e freqüente, sempre acompanhado do tom de escárnio.
Tiago já havia pagado com a vida. Eu estava prestes a entregar a minha por ser conivente. Mas Harry... por mais que Pedro quisesse se vingar de nós, e havia conseguido um jeito magistral de fazê-lo, não era justo com meu filho. Ele era inocente.
Quanto ódio tinha Rabicho acumulado no peito para ser capaz de tanto? Mas eu sabia, não é? Uma década. E ele poderia colher seus frutos: mortes. E somente mais medo entre os bruxos.
Continuei chorando, encarando Voldemort. Estava pronta para morrer, mas não iria deixar meu filho. Se só se sobrasse implorar, então era o que eu ia fazer:
- Por favor, faça o que quiser comigo, mas meu filho, não! Qualquer coisa! Prometo que nunca mais voltamos a te incomodar, mas deixa meu filho vivo! Eu te imploro!
Voldemort estreitou os olhos, a tempestade de raiva sendo controlada dentro dele.
- Patético.
Eu já não conseguia estancar meu choro, algumas gotas que escorreram pelo queixo molharam a testa de Harry, que se mexeu, olhando-me com atenção. Será que ele sabia o quanto a situação era importante?
- Por favor... é meu filho... qualquer coisa, eu faço o que você quiser, torturo quem você mandar, mas não o mate...
Ele retesou o corpo, e eu senti. Ele não iria ceder, não importava o que eu falasse ou fizesse. Era meu fim. Era a morte do meu filho.
- Sua vadia sangue-ruim! - Havia ódio naquela voz, obsessão. Por Merlim, eu sabia o que estava por vir. - Crucio!
Tentei não gritar de dor para não assustar Harry, porém não consegui. Abracei-o mais forte e escorreguei na parede, ficando sentada. Cada músculo do meu corpo doía, era como se houvesse pequenas adagas me cortando por todos os lados. Olhei para Harry, que permanecia encarando com seus olhos grandes. Pelo menos o feitiço havia sido somente em mim, não nele. Isso me deu algum consolo.
- Pode me torturar o quanto for. – Eu disse, no entanto, não consegui encará-lo. A maldição deixara como vestígios minha consciência turva e um zumbido nos ouvidos. Mal podia abrir os olhos. - Eu jamais vou soltá-lo, jamais!
Outra maldição Cruciatus. Novamente gritei com todo o ar de meus pulmões, contorci-me. Quando voltei a mim, percebi que ele levantava a varinha novamente.
- NÃO! POR FAVOR!
- Vocês acharam que podiam fugir de mim. Agora vou acabar com o que sobrou da sua família: uma menina encolhida e um bebê. Eu disse que isso aconteceria. Eu disse que os mataria.
Olhei para os olhos de meu filho. Sorri. Eu queria que essa fosse a última coisa que ele visse...

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