Entre Pássaros e Sapos
Entre Pássaros e Sapos
Eu adoro comédias. Aqueles filmes engraçados em que várias personagens esquisitas fazem coisas bizarras e você chora de rir. Eu já assisti a muitas comédias, pois sou uma bruxa de origem trouxa, então conheço muito bem cinema, televisão e DVD, ao contrário da maioria dos meus amigos aqui em Hogwarts.
Bom, na verdade eu não sou de origem trouxa, eu fui criada por trouxas. Meus pais eram bruxos, mas eles já morreram. Meu pai, segundo me contaram, morreu antes do meu nascimento. Minha mãe se foi logo em seguida. Então, como eu não tinha nenhum parente para cuidar de mim, fui adotada por um casal de trouxas. Esse casal, desde o início, sabia que eu era bruxa, e eles nunca me esconderam isso. Eu não me lembro da minha mãe, mas não faz diferença, porque meus pais adotivos sempre foram ótimos comigo e eu me sinto filha deles de verdade. Enfim, voltando às comédias...
É ruim, muito ruim mesmo quando a comédia passa a ser a sua vida! Nesse caso, a minha.
Eu estava tentando andar no meio de um daqueles corredores de Hogwarts que vivem apinhados de gente para chegar a minha aula de Transfiguração a tempo, quando surge em minha frente a imagem mais perfeita de um bruxo de 15 anos que eu conheço. Sim, era ele mesmo, Troy Davies. Meu coração começou a bater acelerado quando eu vi que ele estava bem a minha frente e caminhando em minha direção. É claro que ele obviamente não estava indo falar comigo, afinal, quem fala com uma sonserina esquisita do quarto ano? Ele estava só, assim como eu, tentando atravessar a multidão. Mas ainda assim ele vinha em minha direção.
Foi quando a coisa mais horrível do mundo aconteceu: eu escutei alguém gritando meu nome. Exato, bem assim: “Anaximandra!” Geralmente as pessoas me chamam de Ana, e isso tem dois motivos. O primeiro – e mais óbvio – é o fato de que o meu nome é enorme! Meu nome tem onze letras! Quem é que vai querer ficar falando um nome de onze letras para se referir a uma pessoa só? O segundo motivo é que eu odeio meu nome. Pelo o que me disseram, foi minha mãe quem escolheu esse nome para mim, e como foi o último desejo dela que eu fosse assim batizada, meus pais adotivos não o modificaram. Resultado? Eu peço para que as pessoas me chamem de Ana. Na verdade, eu me apresento como Ana. Eu gosto de ser Ana! Mas parece que a Jules se esqueceu disso naquela hora.
Eu estava a menos de dois metros do Troy quando ela veio correndo e gritando: “Anaximandra! Anaximandra!” Eu fiquei com o rosto mais vermelho do que o cachecol da Grifinória que estava no pescoço de Troy. Resolvi fingir que não era comigo. Se Troy já não fala comigo sem saber o meu nome, imagine se ele descobrir que meu nome é uma aberração fonética de onze letras? Então eu simplesmente continuei andando. Jules, irritada com a minha atitude, me atirou uma azaração do tropeço. Minha melhor amiga é tão delicada!
Eu cai estatelada no chão, bem aos pés de Troy Davies. Dezenas de estudantes ao meu redor riram.
“Onde você estava com a cabeça? Eu passei dez minutos te chamando!” – disse Jules, me ajudando a levantar, enquanto Troy e seus amigos do quinto ano simplesmente passavam pelo lado.
Obrigada, Jules, agora minha chances de conquistar o Troy, que já eram pequenas, aproximaram-se perigosamente do zero absoluto.
Não que eu seja feia, pelo menos eu não acho. Eu sou um pouco estranha, isso sim. Tenho quatorze anos, estatura mediana, longos cabelos negros e lábios carnudos. Além disso, tenho uma magreza quase esquelética (eu sou do tipo que come por três e não engorda!). Meus olhos não são verdes, nem azuis, nem mel, nem nada! Meus olhos são uma espécie de cinza misturado com castanho, em resumo: são de uma cor indefinida. E eu acho meu nariz redondinho muito, mas muito feio. Não que ele seja grande, mas eu gostaria de ter um nariz fino e elegante como o da Jules, e não redondo e... e esquisito como o meu.
Fora a parte física, eu sou uma excluída social. Não faço parte do time de quadribol da minha casa, como meus melhores amigos Jules e Devon, e como o próprio Troy, que é batedor da Grifinória. Não participo do clube de duelos, pois não acredito na violência como forma de resolução de problemas. Não estou no clube das bexigas, nem no clube de xadrez, nem no “Grupo Oficial de Colecionadores de Cartões de Sapos de Chocolate de Hogwarts”, nem em nada! Eu apenas assisto às aulas. Só isso. Resumindo: as chances de um cara popular e perfeito como o Troy Davies começar a conversar e eventualmente se apaixonar por Anaximandra Stevens, uma excluída social, são muito, muito remotas. Mas isso não significa que sejam iguais a zero. Acho que ter esperança foi a melhor coisa que eu ganhei vivendo com pais trouxas. Fora os duzentos canais da TV a cabo, é claro.
Depois que eu me levantei e juntei todas as minhas coisas que tinham ficado esparramadas pelo chão, Jules pediu desculpas por ter gritado o meu nome completo – ela sabe que eu não gosto disso – mas ela também afirmou que me chamou de “Ana” várias vezes e que eu não havia escutado. Então eu disse:
-“Tudo bem, só cuide para não fazer isso de novo na frente do Troy Davies.”
Jules revirou os olhos, ela me ouve falar de Troy Davies desde o segundo ano, mais ou menos. Jules Umbrigde é minha melhor amiga desde os onze anos, quando entramos em Hogwarts. Uma das poucas coisas que temos em comum é o fato de termos problemas com nossos nomes. No caso dela, contudo, é o sobrenome. Pelo que ela me contou, uma de suas tias é uma megera doida que já foi diretora de Hogwarts durante alguns meses. A diretora mais odiada que a escola teve nos últimos vinte anos, ou algo assim. Muitos de nossos colegas são filhos de pessoas que estavam em Hogwarts quando essa tal tia da Jules era diretora, ou seja, muita gente já ouviu muitas histórias sobre a tal mulher. E por mais que Jules praticamente grite pelos corredores que ela não é filha dessa mulher, pouca gente parece entender isso.
Fora a questão dos nomes, nós duas somos completamente diferentes. Ela é alta, não é gorda, mas também não parece um esqueleto com vida própria como eu. Jules tem os cabelos castanho-claros, quase loiros, brilhantes olhos azuis, aquele nariz perfeito e um sorriso branco, com todos os dentes no lugar. Além disso, ela conquistou a vaga de apanhadora do time de quadribol da Sonserina ano passado, o que significa que, ao contrário de mim, ela tem talento para alguma coisa.
Pela cara de Jules, eu achei que ela ia me mandar – mais uma vez – esquecer Troy Davies de uma vez por todas, mas tudo o que ela fez foi dizer:
-“Vamos logo para a aula.”
Então nós entramos na sala de Transfiguração, onde Devon já nos esperava, guardando lugares para nós. Devon Baltkingsley é o outro grande amigo que eu tenho. Nós três sempre fomos uma espécie de grupinho excluído social da Sonserina, mas parece que o Devon andou ganhando uma pequena dose de fama depois que ganhou uma vaga de batedor na seleção do time desse ano. Pelo o que eu andei ouvindo, dezenas de garotas do quarto ano para baixo – e algumas até do quinto! – estão realmente se esforçando para chamar a atenção dele. Eu não sei o que elas vêem nele. Tudo bem, ele tem uma cabelo castanho que às vezes cai sobre os olhos de um jeito charmoso e tem todo aquele corpão de batedor, mas fala sério, ele não chega nem perto de Troy Davies! É como comparar Math Damon com Brad Pitt. O Math é lindo, mas não ganha do Brad de jeito nenhum, apesar do Brad ser mais velho. É uma pena que, aqui em Hogwarts, quase ninguém entenda uma comparação desse tipo.
De qualquer forma, quando Jules e eu nos sentamos ao lado do Devon, eu pude reparar vários olhares raivosos de garotas serem lançados em nossa direção. Como sempre acontece em uma situação desse tipo, nós duas nos entreolhamos e começamos a rir, mas tivemos que nos controlar para não rir muito alto, porque a professora McGonagall estava tentando começar a aula.
Ela já está bem velhinha, a professora McGonagall, que também a diretora da escola. Não sei como ela consegue acumular as tarefas de professora às da diretoria, mas pelo jeito a velhice é só aparente: ela tem mais pique do que muita gente mais nova.
Ela nos fez passar a aula inteira praticando transformar xícaras em ratos. Como esse feitiço nunca foi problema para mim, lá pela metade da aula eu me cansei dos ratos, que são bichinhos realmente muito nojentos, e comecei a transformar as xícaras em lagartos, sapos, e até em um sabiá. Aos poucos, fui chamando a atenção para minha mesa. Quando fiz o sabiá, a turma inteira parou o que estava fazendo para olhar. O passarinho, visivelmente emocionado com tamanha atenção, começou a cantar e a voar em círculos pela sala, até que passou sobre a professora Minerva e fez algo um tanto... constrangedor. Ele defecou em cima dela!
Caramba, isso é até constrangedor de escrever!
A sala inteira explodiu em risadas, enquanto eu ia ficando extremamente vermelha e começando a me encolher na cadeira. A professora Mcgonagall limpou as vestes com um aceno de varinha e pediu silêncio. Quando a turma se calou, ela perguntou de quem era o pássaro. Eu fiquei bem quieta. Com sorte, ninguém saberia dizer de onde o bicho tinha vindo. Na verdade, acho que ninguém estava realmente olhando quando eu fiz o sabiá. As pessoas só começaram a prestar atenção depois que ele começou a cantar. Certo?
Errado.
Como uma onda, várias cabeças começaram a girar em minha direção e dezenas de dedos foram apontados para mim.
-“Srta. Stevens, foi a senhorita quem conjurou aquele pássaro?” – perguntou a professora.
-“Na verdade, professora, eu transformei uma xícara nele.” – respondi, com humilde sinceridade.
-“Srta. Stevens, por favor, fique após a aula, preciso conversar com a senhorita. Agora voltem todos ao trabalho, a aula ainda não acabou!”
Pronto, agora eu estou definitivamente ferrada.
Quando a sineta tocou, juntei meus materiais depressa e saí rápido rumo à porta. Meu plano era fingir que me esquecera do pedido da professora e sair logo da sala. Assim, quem sabe, ela poderia acabar se esquecendo de me dar uma bronca, uma detenção ou algo do gênero.
Eu cheguei a pensar que esse plano daria certo, mas, mal eu tinha cruzado o limiar da porta, ouvi a voz da McGonagall me chamando de volta.
-“Parece que a senhorita se esqueceu de que eu queria lhe falar.” – ela disse, assim que refiz meus passos e parei a sua frente.
-“Desculpe, professora, me esqueci.” – eu não tinha escolha senão sustentar a mentira, certo?
Então ela crispou os lábios – e Deus sabe que eu conheço bem o que esse crispar de lábios significa – e abriu a boca para começar seu discurso.
-“Professora, me desculpe pelo passarinho.” – eu comecei, não a deixando falar – “Não foi minha intenção, eu só...”
-“Está tudo bem, Srta. Stevens.” – ela me interrompeu – “Eu vou acrescentar dez pontos à Sonserina pelo seu feito.”
Meus olhos se arregalaram e eu tive que me controlar para não soltar um: “Como é que é?” em alto e bom som.
-“Nunca vi uma aluna passar tão rápido dos ratos aos pássaros, a senhorita está bem adiantada, meus parabéns!” – concluiu a professora.
Naquele momento, meu estado de atordoamento era tão grande que eu mal consegui murmurar “obrigada”.
-“Contudo, tem mais um assunto sobre o qual precisamos conversar.”
Mais um? Como assim mais um?
-“Por favor, Srta. Stevens, acompanhe-me até a minha sala.”
Com um gesto, ela indicou a porta. Sentindo a curiosidade latejar em mim, eu fiz o que ela pedia. Durante o caminho até a diretoria, McGonagall elogiou minhas notas altas, fez perguntas acerca de meus interesses profissionais e questionou por que eu não estava participando de alguma das atividades extra-classe. Eu respondi pacientemente a cada pergunta, mas não consegui entender o motivo de tanta curiosidade a meu respeito. Por fim, cheguei à conclusão de que ela só estava tentando parecer simpática, pois me daria uma bronca assim que pisássemos dentro da sala da diretoria.
Tentei desesperadamente me lembrar de algo que eu tivesse feito para merecer uma bronca. A questão do pássaro me parecia resolvida, já que ela me dera dez pontos por isso. O que mais eu poderia ter feito de errado? Eu sou praticamente uma nerd que não faz nada além de assistir às aulas e estudar! Então veio a luz. Só podia ser, não havia outra explicação.
McGonagall estava me chamando porque tinha finalmente descoberto que quem havia soltado mais de cem sapos na sala de Poções no segundo ano foram Devon, Jules e eu. Aquilo tinha sido idéia da Jules. Ela descobriu que o professor Slughorn tem pânico de sapos, e como o gorducho sempre pegou muito no pé dela, Jules nos aliciou, a Devon e a mim, para a realização de um pequeno plano de vingança. Até hoje nós três damos grandes gargalhadas ao nos lembrarmos do ocorrido, mesmo eu não achando que o professor merecesse um tratamento tão traumático. Slughorn teve um ataque de nervos ao ver cem sapos verdes invadirem a sala de aula como um exército saltitante e subiu em uma das mesas, derrubando uns três caldeirões cheios de poção. Os alunos, mesmo rindo do professor, puseram-se a caçar os animais. Nós três tivemos uma sorte incrível de não termos sido descobertos.
Mas agora ela sabia. McGonagall tinha chegado ao meu nome e ia me interrogar para que eu denunciasse meus “cúmplices”. Ah, mas se ela estava pensando que eu ia entregar meus melhores amigos, ela estava muito enganada! Quando chegamos em frente a gárgula de pedra e McGonagall falou a senha, um pensamento terrível me ocorreu: e se ela me desse a poção da verdade?
Ferrada. Eu estava completamente ferrada.
Subimos a escada circular e a professora gentilmente abriu a porta para me deixar entrar. Quando eu vi quem estava lá dentro, meu queixo caiu. Meus pais. A Diretora tinha trazido meus pais a Hogwarts. A coisa estava pior do que eu pensava.
Minha mãe, Judith Stevens, estava sentada em uma das cadeiras à frente da escrivaninha da McGonagall. Meu pai, Richard Stevens, andava pela sala examinando atentamente os objetos dispostos em delicadas mesinhas e os retratos que se mexiam dos antigos diretores e diretoras da escola.
-“Ana, querida!” – minha mãe exclamou ao me ver, acordando meia dúzia diretores que ocupavam os retratos da parede ao lado.
Ela veio em minha direção e me deu um abraço forte, gesto que meu pai imitou.
-“Mas você está tão magra!” – começou minha mãe – “Minerva, você não a está alimentando direito!”
Hello, mamãe, eu sempre fui só pele e osso, se lembra?
-“Vou mandar os elfos melhorarem a comida.” – disse McGonagall, ao que meu pai deixou sua boca abrir.
-“Vocês tem elfos preparando a comida?” – disse ele, num tom que misturava incredulidade e admiração.
-“Então, o que vocês estão fazendo em Hogwarts?” – eu perguntei, não agüentando mais de curiosidade.
Naquele momento, a professora McGonagall ficou novamente séria.
-“Sentem-se, por favor.” – disse ela.
Nós obedecemos, enquanto ela contornava a escrivaninha e sentava-se em sua própria cadeira.
-“Ana,” – começou ela. Minhas sobrancelhas se ergueram, eu nunca a tinha escutado me chamar de ‘Ana’ em toda a minha vida. Era sempre ‘Srta. Stevens’. Tomando fôlego, ela continuou. – “eu trouxe seus pais aqui, pois nós quatro precisamos conversar sobre um assunto muito delicado.”
-“Se é sobre os sapos professora, eu fiz tudo sozinha, Devon e Jules não me ajudaram!” – disse depressa.
McGonagall me lançou um olhar estranho.
-“Sapos?” – disse ela – “Não sei do que a srta. está falando. Assim como não sei o que o Sr. Baltkingsley e a srta. Umbrigde tem a ver com esse assunto.”
Acho que eu preciso aprender urgentemente a ficar quieta.
-“O assunto de que precisamos tratar, Ana,” – continuou a professora – “é sobre seus pais. Seus verdadeiros pais.”
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Comentários (1)
Muito criativa sua fic..
2012-11-05