Uma proposta inesperada.



Uma proposta inesperada.

Acordei no meio da noite em uma cama que não era a minha. Demorei a perceber que estava na Ala Hospitalar, vestindo uma camisola branca e coberta por um alvo lençol de linho. Me sentia quente, febril, e minha cabeça doía. Receosa, levei as mãos ao rosto. Para o meu alívio, só havia uma meia dúzia de espinhas de tamanho normal.


 -“Madame Pomfrey disse que a poção ainda vai demorar mais 12 horas pra fazer efeito.”


 Quase pulei da cama ao ouvir aquela voz. Sim, era ele, Troy Davies estava falando comigo, há três camas de distância. Eu mal consegui murmurar uma resposta.


 -“Você...”


 -“Estava aqui quando te trouxeram.” – ele completou. – “Aquele seu amigo batedor lhe carregou. Você sofreu uma azaração das espinhas muito forte. Madame Pomfrey lhe deu uma poção para a pele e outra para baixar a febre. Seu amigo queria passar a noite aqui, mas a enfermeira conseguiu expulsa-lo.”


 Minha cabeça febril precisou de alguns segundos a mais para absorver tudo aquilo. Nesse meio tempo, percebi que estava empapada de suor e que o fino tecido da camisola branca se tornara um pouco transparente na parte da frente. Em um movimento rápido, puxei o lençol para cima e me cobri. Se Troy percebeu alguma coisa, fingiu não notar.


 E só então eu me toquei: eu estava sozinha na Ala Hospitalar com Troy Davies, e nem precisara fingir um acidente em Trato de Criaturas Mágicas. Tudo bem, eu tinha sido azarada pelas costas em um corredor escuro, tinha sofrido falta de ar, um desmaio e febre, mas isso não importava. Troy Davies estava falando comigo. Ele estava simplesmente falando comigo.


 Ó, meu Deus! E se ele tivesse ouvido falar da minha identidade? E se alguém tivesse conseguido esgueirar um exemplar do Profeta Diário para dentro da Ala Hospitalar? Eu sabia que Madame Pomfrey tinha se irritado com a multidão de grifinórios que vivia cercando a cama de Troy e os expulsara, mas ainda assim, e se ele soubesse? Decidi testar a água.


 -“Então, seu estômago está melhor? Ouvi dizer que aquele balaço foi bem forte.”


 -“Foi mesmo, mas já estou melhor. Madame Pomfrey realmente é uma ótima enfermeira. Eu só estou passando mais uma noite aqui em observação, mas devo ser liberado amanhã.”


 -“Que bom.” – meu sorriso foi genuíno. Não apenas meu amor estava curado, como também aparentemente não tinha ouvido falar da minha ligação com Voldemort. Ou seria possível que tivesse ouvido falar em uma tal Anaximandra, mas não soubesse que era eu. Eu tinha sido invisível para ele desde o primeiro ano mesmo.


 -“Bom? Você não é da Sonserina? Pensei que estivesse feliz por seu amigo ter me derrubado.”


 Ops, ele me pegou no flagra.


 -“Estou, quero dizer, não. Eu não concordo no uso de violência para a resolução de conflitos. A parte dos balaços é a mais violenta do Quadribol. Não acho certo. O jogo poderia se desenvolver muito bem sem essas duas bolas.” – É, acho que apesar de gaguejar um pouco, até que me saí bem na resposta.


 -“Isso é muito nobre da sua parte, mas sem os balaços, o quadribol não teria tanta graça.”


 -“O que vocês estão fazendo acordados?” – de roupão e com a varinha iluminada, a enfermeira saiu de seu quarto e interrompeu nossa conversa – “Chega de tagarelices! Voltem a dormir já! Senhor Davies, se quiser ficar acordado a noite inteira, pode muito bem voltar para a torre da Grifinória essa noite mesmo!”


 -“Não, obrigado. Já estou em uma cama, dormirei aqui mesmo.” – ele respondeu sem um pingo de constrangimento na voz.


 Eu tive que virar para o outro lado e tapar a cabeça com o lençol para esconder meu sorriso, que de tão largo parecia que ia rasgar minhas bochechas. Troy não demosntrara nenhum sinal de que tivesse ouvido falar da minha ligação com Voldemort, como também tinha dito que eu era “muito nobre”. Muito nobre. Fiquei repetindo essas palavras em minha mente até pegar no sono.


 Na manhã seguinte, Troy não estava mais na enfermaria. Devon, que estava sentado na cadeira ao meu lado, ficou um pouco ofendido com a expressão de desapontamento que eu fiz ao olhar ao redor.


 -“Está se sentindo melhor?”


 -“Estou.” – eu ainda tinha duas ou três espinhas no rosto, mas a febre e a dor de cabeça tinham ido embora por completo. – “Troy Davies foi liberado da enfermaria?”


 -“Foi.” – Devon fez uma careta ao ouvir aquele nome. – “Ele tem assistido a todas as aulas regularmente desde o primeiro horário de hoje.”


 -“E que horas são?”


 -“É hora do almoço.”


 Essa não! A essa altura, qualquer esperança que eu pudesse ter de que Troy não descobriria nada sobre meus verdadeiros pais tinha acabado de ir embora pelo ralo. Em contato com os colegas, ele ficaria sabendo de tudo rapidinho.


 -“ Madamen Pomfrey disse que eu posso te levar para almoçar se você estiver se sentindo disposta.” – Devon continuou – “Ela disse que nunca tinha visto uma azaração das espinhas tão potente. Eu estava pensando que depois do almoço poderíamos procurar a McGonagall para denunciar o ataque. Ela provavelmente já soube pela enfermeira, mas nós podemos reforçar.”


 -“Do que adianta denunciar se eu não consegui ver quem me atacou?”


 -“Podemos passar pelo corredor e perguntar aos quadros, talvez algum deles tenha visto.”


 -“Não foi você mesmo quem disse que a McGonagall não me protegeria mais? Não, melhor deixar essa história para lá.”


 - “O que você está dizendo, Ana? Que mereceu o ataque? Você tem que denunciar, se não isso nunca vai parar!”


 -“Não, eu não tenho que denunciar nada! Você não entende, eu não posso ser mais odiada, não teria como agüentar!”


 Era claro que ele não estava gostando nem um pouco da minha situação. Se havia algo em comum entre Devon e eu, era que nenhum de nós tolerava injustiças. Não querer procurar meus atacantes e vê-los punidos com certeza era uma atitude decepcionante para ele. Mas felizmente Devon nunca conseguia ficar bravo comigo tanto tempo quanto Jules, então não foi nenhuma surpresa para mim quando ele desistiu de insistir no assunto.


 -“Onde está a Jules?” – eu perguntei, mais para ter sobre o que falar do que por estar propriamente curiosa.


 -“Ela ficou com raiva porque você não nos deixou te acompanhar para fora do salão ontem. Mas no fundo, acho que ela se sente culpada por não ter estado lá para protegê-la.”


 -“Por que ela acha que eu preciso da proteção dela o tempo todo? Ela precisa parar de me tratar como uma criança!”


 -“Ela só está preocupada com você. E sem ofensa, Ana, mas você nunca foi assim tão brilhante em Defesa Contra as Artes das Trevas.”


 Eu fiz cara feia para ele. A verdade era que eu sabia tudo sobre DCAT, só não tinha reflexos de jogador de Quadribol como Jules e Devon, o que me deixava bastante lenta na hora da ação de verdade.


 -“Se ela está com raiva de mim, que fique longe!” – declarei, não querendo admitir que Devon tinha razão sobre a minha falta de habilidade em DCAT. E sim, ainda muito brava com Jules por me tratar como um bebê. –“Acho melhor você ir almoçar, eu vou ficar por aqui mesmo.”


 Ele não ficou nada satisfeito com a minha decisão, mas eu virei a cara e não quis escutar mais argumentos. Depois que ele saiu, Madame Pomfrey trouxe meu almoço em uma bandeja de prata. O cardápio era espaguete com almôndegas e a porção era bastante generosa. Também havia duas porções de sobremesa. Aquela bandeja era a imagem da pena que a enfermeira sentia por mim.


 Eu sei que não é certo se aproveitar da pena que os outros sentem por você, mas naquele dia consegui que ela trouxesse um livro pra mim da biblioteca. Além de uma terceira porção de sobremesa. Eu sou magra de ruim mesmo.


 A vantagem de passar o dia na enfermaria é que ninguém passou por lá para me incomodar. Umas três garotas do terceiro ano que apareceram no meio da tarde para pedir uma poção contra cólicas desistiram e saíram correndo quando eu as encarei e disse: “buga-buga!”. Tem momentos em que ser a pessoa mais temida da escola inteira tem lá suas vantagens. Bem, talvez a segunda mais temida. Não quero ser prepotente achando que superei a McGonagall nesse quesito. Ela é uma velhinha super da hora na maior parte do tempo, mas pise no calo dela pra você ver. Não é bonito.


 Apesar da paz daquele dia, não posso negar que fiquei um pouco decepcionada pelo fato de Devon não ter aparecido antes do jantar. Com a Jules eu já nem contava mais. Ela tem a cabeça mais dura do que uma trave de Quadribol – e acho que já foi atingida por balaços demais também – e não volta atrás quando bate o pé em uma questão. Bem, dessa vez eu é que não vou atrás dela. Se ela não quiser ficar do meu lado nessa fase difícil, eu não posso fazer nada.


 Enquanto eu tentava distrair meus pensamentos com uma quarta porção de doce que a enfermeira havia acabado de me entregar, um garoto apareceu. O último garoto que eu esperava que aparecesse, Troy Davies.


 -“Oi, Ana.” – Ele sabia meu nome. Deveria ter descoberto tudo sobre mim e agora estava ali para reclamar por ter sido tratado na mesma ala da enfermaria que a filha de você-sabe-quem sem ter sido previamente avisado. Eu não consigo uma trégua mesmo.


 -“Ana, tá tudo bem com você?”- Troy insistiu diante do meu silêncio, sorrindo com todos aqueles dentes brancos e perfeitos. –“Será que eu posso entrar?” – Para a minha surpresa, ele não parecia nem um pouco zangado, com raiva ou com medo.


 -“Pode, cla-claro.” – Ó céus, eu sou patética mesmo.


 -“Está se sentindo melhor?” – Àquela altura todas as espinhas tinham finalmente sumido do meu rosto, o que era um alívio.


  Na verdade, a poção de Madame Pomfrey tinha o efeito de um verdadeiro tratamento de pele. Minha tez nunca estivera tão lisa e macia. Pelo menos um consolo eu merecia no meio de toda a confusão, não é mesmo?


 -“Estou melhor sim, obrigada.”


 Ele se aproximou mais alguns passos. Senti um calor subir pelas minhas bochechas. Tentei me concentrar ao máximo para não ficar vermelha. Pena que a poção anti-espinhas não sirva também para impedir as bochechas de corarem.


 -“Fico muito feliz com isso.” – ele disse, e um silêncio constrangedor se seguiu à suas palavras. Tentei quebrar o gelo da melhor forma que pude pensar.


 -“Como foi voltar às aulas?”


 -“Um pouco estranho. Já tinha me esquecido o que era dever de casa.” – ele riu, e eu me obriguei a me juntar a ele, mesmo estando nervosa demais para apreciar a piada. – “Você ainda vai ficar muito tempo aqui?”


 -“Não sei, ainda estou em observação. Por causa da febre, você sabe.” – aquilo era uma mentira tão grande que até hoje eu não entendo como dizer aquilo não fez o vermelho das minhas bochechas dobrar de intensidade. Eu só tinha passado aquela tarde lá porque havia praticamente implorado à Madame Pomfrey que me deixasse ficar. E ela só deixou porque sentia pena de mim. Se eu fosse uma estudante qualquer, ela com certeza me mandaria parar de fingir e me expulsaria. Nossa, será que é isso o que significa ser filha de uma celebridade? Quer dizer, guardadas as proporções, é isso o que significa ser mimada por ser quem você é? Até que não é mal.


 -“Acha que vai estar bem até sábado?” – ele perguntou.


 Ó Deus, ele está dizendo o que eu acho que está?


 -“Nesse sábado vamos ter permissão para ir a Hogsmeade, você sabe.” – ele continuou. – “E eu estava pensando...” – aquela pausa quase me matou. Pelo amor de Merlin, menino, pára de pensar e pergunta logo! – “Bem, eu estava pensando que aquela sua idéia de Quadribol sem violência é muito legal. Então, será que você aceitaria conversar mais sobre isso no Três Vassouras sábado?”


 Meu cérebro quase entrou em curto-circuito. Troy Davies estava me chamando para sair. Troy Davies estava me chamando para sair. TROY DAVIES ESTAVA ME CHAMANDO PARA SAIR.


 -“Então? Você topa?”


 Foi então que eu percebi que minha boca estava aberta. Recolhi meu queixo e respondi:


 -“Claro, que horas?”


 Troy saiu após combinarmos os detalhes do nosso encontro. Decidi que aquela seria minha última noite na enfermaria. Dessa vez, o disco que tocou na minha cabeça antes de dormir foi outro.


  “Eu tenho um encontro com Troy Davies. Eu tenho um encontro com Troy Davies. Eu tenho um encontro com Troy Davies.”


 Minha vida nunca pareceu tão perfeita.


  


=== * * * ===


 


Nota da autora:


 Oi gente! Só queria avisar que o próximo capítulo já está pronto, mas eu só vou postar se alguém comentar pedindo. Eu sei que esse tipo de chantagem é muito chato, mas é o único modo que eu tenho de saber se ainda tem gente acompanhando a fic.


 Então é isso aí, comentem que o capítulo sai!


 
Tarí

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Comentários (1)

  • Neuzimar de Faria

    Então, pode ir se preparando para postar o próximo capítulo porque eu gosto de sua história e vou ficar cobrando. Até o próximo !

    2012-09-15
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