Audição



N/A: A música usada durante a fic é 'Além do que se vê', dos Los Hermanos.



Ela acordou com a cabeça doendo imensamente. Abriu os olhos e a claridade fez com que ela os fechasse novamente.

Abriu novamente os olhos e olhou para o seu quarto, assim como uma semana atrás, ela só via os traços, e não enxergava nada muito distinto, mas era um sinal de que sua visão começava a voltar.

O problema era o tanto que sua cabeça latejava, talvez por estar desacostumada com tudo aquilo, mas o fato é que parecia que alguém tinha lhe dado uma forte pancada na cabeça e que seu crânio iria rachar. Deitou-se novamente e cobriu a cabeça com acoberta, daria tudo para que a dor parasse. Achava muito bom estar se recuperando, mas daquele jeito nem poderia usufruir o seu sentido perdido.

A porta se abriu, mas ela continuou deitada imóvel, como se ainda estivesse dormindo. Não se sentia animada a conversar com ninguém, nem tampouco queria deixar alguém preocupado, era mais fácil fingir que dormia.

A pessoa levantou algum objeto que estava em cima do criado mudo, e em seguida tornou a colocá-lo em cima do móvel. Ela ouviu uma respiração forte que aprendera a diferenciar das outras: Harry.

“O que ele está fazendo aqui?”

Pensou em simular que estava acordando naquele momento e perguntar a ele por que estava no quarto dela, mas resolveu esperar e ver se por acaso ele faria algo mais. Por alguns segundos ela só ouviu a respiração dele, que parecia bem descompassada e mais pesada que o normal, então ele se sentou na beirada da cama dela.

-Ora, Gina, para quem não conseguia dormir, você está se saindo uma verdadeira dorminhoca... –sussurrou ele, numa voz estranhamente arrastada.

A essa altura a respiração dela também estava descompassada devido à alteração dele. Como se já não fosse o simples fato de estar perto dele, ainda era bem cedo e ele não deveria estar no quarto dela. Gina resolveu se mexer e fingir que ele a acordara.

Mas tão logo ela se mexeu ele se levantou e saiu do quarto antes que ela pudesse completar seu teatro. Assim que ele fechou a porta ela, tirou a coberta de cima da cabeça. Abriu os olhos e percebeu que não estava mais enxergando.

-Droga, por que o efeito tem que ser tão rápido?

Ficou sentada na cama por algum tempo e então se lembrou que ele havia mexido com alguma coisa em cima do criado mudo. Tateou o móvel e sentiu algo que não estava lá quando ela fora dormir na noite passada.

-O que é isso? –disse ela levantando o objeto para pegar o que estava debaixo- Parece papel... Uma carta? Para que Harry deixaria uma carta no meu criado mudo?



Moça, diz pra mim como vai você

É preciso força, pra sonhar e perceber

Que a estrada vai além do que se vê



-Justo quando preciso ver a visão vai embora... –resmungou ela.

Mas reclamava mais por reclamar que por verdadeira decepção, sabia que sua visão não estaria boa o bastante para que ela pudesse ler qualquer coisa que estivesse escrita. E Harry devia saber disso.

Fosse o que fosse, não era algo bom, porque ele não tivera coragem de lhe falar pessoalmente. Mais que isso, ele só queria que ela soubesse dentro de algum tempo, um mês ou dois, quem sabe. Afinal, ela não daria a carta para ninguém para que lesse para ela, e tão cedo não poderia decifrar o que estava escrito naquele pedaço de papel.

“Não quero saber.”

Ela soltou o papel, que caiu no seu colo. Se ali não havia boas notícias, más notícias é que não queria. Pegou o papel novamente e o colocou no exato lugar onde o encontrara, fingiria que nem tinha percebido que aquilo tinha sido posto ali. Levantou-se da cama e trocou-se, descendo logo em seguida.

Harry estava tomando café da manhã quando ela entrou na cozinha. Ela sentou ao lado dele e pôde perceber que ele continuava com a respiração pesada, parecia ansioso.

-Está tudo bem, Harry?

-Claro, por que não? –respondeu ele, mas sua voz não era tão convincente quanto ele gostaria que fosse.

-Você me parece alterado. O que aconteceu ontem à noite?

Ele engasgou-se com o suco que tomava.

-O que disse?

-Perguntei aconteceu ontem quando Dumbledore o chamou para conversar. Sou cega, Harry, não surda, sabe? Eu tenho outros quatro sentidos para perceber a realidade.

-E você sabe usar esses sentidos corretamente? –disse ele tentando fugir da pergunta que ela lhe fez.

-Ah sim, claro que sei. Pela audição sei que a sua respiração está com um ritmo anormal, pelo tato já senti que suas mãos estão suando frio e o meu olfato sente cheiro de álcool o que diz que você bebeu ontem à noite (fato bastante incomum, por sinal). Bom, agora diga, o que foi que aconteceu?

Estranho seria se ela tivesse conversado com ele com tanta naturalidade há apenas alguns dias, mas desde o dia do aniversário dele e de toda aquela cena na enfermaria do St. Mungus eles haviam reconquistado parte da cumplicidade de antes. Havia um esforço sincero de ambas as partes em passar uma borracha no passado e conviverem pacificamente dali pra frente.

-Eu deixei algo no seu criado-mudo hoje pela manhã, não sei se você percebeu.

“Realmente não tem coisa boa ali”.

-Percebi, e por acaso eu não enxergo, se você não percebeu.

-Bom, mas eu já te dei as respostas que você quer.

-Ah isso não é muito justo, sabe?

Ele riu nervosamente e lhe deu um beijo na bochecha, levantando logo em seguida.

-Tenho que ir, Gina, Dumbledore mandou que eu passasse em Hogwarts hoje pela manhã, quer que eu veja algo. Acho que é sobre a poção, devem ter descoberto algo mais.

Ela nem pôde responder algo, ele saiu rápido para que ela não tivesse tempo de insistir no assunto. Depois que ele saiu ela ficou ainda algum tempo sentando tomando café e conversando com Tonks, que entrou na cozinha pouco depois.

-Acho que devíamos sair um pouco... Você nem sequer teve férias decentes, e o verão está acabando! Talvez se hoje pudéssemos ir ao Beco Diagonal... –falou a Auror.

-Acho que com a situação do jeito que está, não creio que alguém possa sair daqui para passear, muito menos eu, que nem ao menos posso cuidar de mim sozinha.

-Ora Gina, ninguém aqui está preso! Ainda existe algo chamado liberdade, você conhece? –exclamou ela levemente irritada- Não é recomendável que alguém saia daqui, mas essa situação já é o suficiente para deixar alguém louco, sem uma distração sequer não há como viver!

Gina riu e balançou a cabeça, concordando com a amiga. Sabia que não devia sair dali exceto para ir ao hospital, mas passear seria tão bom! Não agüentava mais aquela vida. É certo que apenas uma semana atrás houvera uma grande festa por ali, mas o assunto mais comentado durante a comemoração fora a guerra, e durante o café da manhã, almoço e jantar também se discutia a guerra. Não agüentava mais guerra, precisava de um pouco de paz, nem que fosse paz de espírito.

-Eu adoraria ir ao Beco, entrar no Caldeirão Furado e ouvir aquela confusão de gente entrando e saindo, conversando e rindo. –disse ela com a cabeça escorada na mão, num ar bastante sonhador- Depois andar pelas ruas dali e descobrir se ainda há alguma moda bruxa para se seguir, sentir a movimentação do mundo. Essa casa é tão vazia, ninguém além de você e mamãe fica por aqui mais que algumas horas durante o dia. E ainda assim tem dia em que você nem aqui está e que mamãe está ocupada demais. Realmente, Tonks, sair um pouco dessa casa só por diversão é tudo o que eu preciso. E se não for para ir ao Beco pelo menos para dar uma volta pela vizinhança.

Tonks sorriu.

-Pronto! O seu caso é gravíssimo, você precisa realmente se distrair... Eu posso alegar que caso você se estresse demais sua situação de saúde pode piorar... É se eu disser isso ninguém vai se opor...

Gina deu uma gargalhada e jogou os cabelos para trás, estava sinceramente agradecida à amiga por toda a atenção, cuidado e dedicação. Tinha que pensar em alguma coisa para recompensá-la por tudo assim que ficasse curada de vez.



Sei que a tua solidão me dói

E que é difícil se feliz

Mais do que fomos nós

Você supõe o céu



Ela estranhou a rapidez com que Tonks conseguiu que as duas tivessem um dia de folga, mas não reclamou nem muito menos questionou, imaginava que a amiga pudesse ter usado meios não tão legais para conseguir que ninguém importunasse o passeio.

-Iremos só nos duas, Tonks? –perguntou ela enquanto ajeitava seu cabelo.

-Ah sim, sua mãe hoje está de péssimo humor, e achou que vamos correr risco sem necessidade, então não quer ir. Chamei Remo, mas ele tem andando muito ocupado, coitado. Harry está em Hogwarts, resolvendo alguns assuntos com Dumbledore, deve voltar ao final da tarde. Rony e Hermione foram chamados por Moody para receberem algumas instruções, Harry também deveria ter ido, mas você sabe, uma ordem de Dumbledore é sempre mais urgente que uma ordem de Moody...

Era isso o que mais gostava em Tonks, ela não a tratava como se Gina fosse uma criança ou uma débil, somente reconhecia que ela estava debilitada por algum tempo. Tonks não tinha problemas em lhe contar o que as pessoas estavam fazendo, se estavam em alguma missão ou se estavam tentando arranjar uma folga para aliviar o estresse. Gina não podia participar de nada que estava acontecendo, mas saber o que acontecia era um consolo, pelo menos demonstravam ter confiança nela. Pior seria se todos continuassem a lhe tratar como se ela fosse menor de idade e não pudesse saber de nada.

-Bom, pelo menos nós podemos ver os gêmeos no Beco –comentou Gina.

-Ah claro, e os dois conversam e brincam por umas cinco pessoas –riu Tonks- E falando em ver... você já está conseguindo ver algo de vez em quando, tem sentido alguma melhora?

-Bom, a poção que eu tomei no St. Mungus está acelerando um pouco a recuperação da minha visão, mas o efeito é muito passageiro, e bastante incômodo. Quando eu posso ver eu fecho os olhos porque minha cabeça dói tanto que mal consigo ficar com os olhos abertos. Mas quando não dói tanto eu consigo ver uns borrões, alguns traços pouco distintos... Não é muito, mas tem melhorado sim, desde a semana passada até hoje já consigo sentir uma pequena, mas notável, diferença.

Gina calçou seus sapatos e levantou-se. Tinha se arrumado para sair e estava realmente bonita, ainda que não pudesse ver. Tonks até mesmo estranhara aquela arrumação toda, mas Gina estava pensando além... Se Harry voltasse no meio da tarde e não estivesse muito cansado, talvez depois de perguntar a sua mãe onde Gina e Tonks estavam ele fosse para o Beco Diagonal encontrar com elas. Era uma possibilidade pequena, mas na qual ela queria acreditar.

-Estou pronta, vamos?

As duas desceram as escadas e avisaram a Molly que já estavam saindo, mas não puderam sair antes de ouvir alguns cinco minutos de recomendações de cuidado, atenção e vigilância constante.

-Pode deixar, mamãe. Voltaremos às sete horas sãs e salvas.

-Gina está segura comigo, Molly. Pode ficar tranqüila por aqui que nada vai nos acontecer.

Molly falou um ‘está bem’ de má vontade e saiu para cuidar de suas obrigações, Gina riu ao pensar que a mãe estava realmente nervosa, quando a abraçou pôde sentir o coração dela bater forte e descompassado, além do que ela realmente demonstrava estar ansiosa.

-Vamos logo, Tonks. Vamos antes que mamãe volte e nos impeça de ir.

Tonks riu e pegou um punhado de pó-de-flu e o jogou na lareira falando bem alto.

-Beco Diagonal!

Tonks a segurava firme, mas isso não diminuía a sensação de mal-estar que sentia ao viajar pela lareira, ainda mais sem a visão, o que agravava sua tontura. Aquela impressão de estar sendo tragada era realmente péssima. Ao pararem na lareira certa ela tirou parte da fuligem que estava no seu corpo.

-Ainda estou suja?

Tonks tirou o pouco que ficara e as duas começaram a andar pelas ruas, antes de se dirigirem para algum lugar.

-Essa felicidade toda é só por causa do passeio? –perguntou Tonks, mudando seu cabelo para lilás.

-Claro que sim, teria outro motivo?

-Eu imagino que sim. Um motivo alto, de olhos verdes, cicatriz na testa e um monte de problemas nas costas.

Gina riu.

-Ora, Harry nem mesmo está aqui!

-É, mas as pessoas não costumam ficar suspirando só por passearem.

Ela sentiu que havia corado um pouco, mas não se deu por vencida.

-Isso porque você pode sair várias vezes, mesmo que as razões não sejam muito agradáveis. Já eu só saio raramente e mesmo assim para ir ao hospital.

-Aham, vou fingir que acredito...

As duas entraram em várias lojas pela parte da manhã, pesquisaram preços, se inteiraram sobre as novidades, riram bastante e até puderam esquecer um pouco que o riso não era algo diário na vida delas.

Ao entrar na loja de artigos de Quadribol Gina praticamente só ouvia vozes de crianças e adolescentes, alguns poucos adultos estavam na loja. Na verdade ela entrou lá só por saudade, pois sabia que o campeonato de Quadribol estava com muitos problemas, era difícil levá-lo adiante com a guerra acontecendo. Não era à toa que só crianças conversassem entusiasmadas ali, eram as únicas que sonhavam sem limites.

Depois ainda foram na loja dos gêmeos, que ficaram felizes de ver Gina alegre. Ficaram na loja mais tempo do que deveriam, e por isso quando foram almoçar já passava de uma hora. Para almoçar se dirigiram ao Caldeirão Furado, que nesse horário estava apinhado de gente.

-Será que esse pessoal não tem outro lugar para ir comer? –resmungou Tonks.

-Ora, se tivesse outro lugar nós poderíamos não comer aqui.

-Ah, mas nós vamos nos hospedar aqui depois do almoço...

-Vamos?

Tonks suspirou cansada.

-Estou exausta, Gina. Depois desse almoço quero deitar numa cama e dormir por uma hora, antes de irmos realmente fazer as compras.

Gina sentou-se numa cadeira e percebeu que também estava bem cansada.

-É, realmente é melhor dar um descanso antes de voltar pras ruas.

Tonks leu o cardápio para Gina, e não demoraram muito a fazerem o pedido, mas este demorou um pouco até chegar. Almoçaram conversando animadamente, o primeiro almoço que ela podia se lembrar desde que saíra de Hogwarts em a guerra não havia sido mencionada nem sequer uma vez, o que para Gina era um grande alívio. Depois de almoçarem pediram um quarto com duas camas, e logo em seguida já estavam instaladas no quarto 13.

Gina entrou no quarto e colocou sua bolsa na mesa, jogando-se numa das camas logo em seguida.

-Você tem um despertador com você? Porque eu não sou de acordar fácil por conta própria, e nós não podemos ficar aqui mais que uma hora.

-Eu trouxe um –respondeu Tonks revirando sua bolsa- Já imaginava que eu ia querer deitar depois de comer, então resolvi trazer para caso isso realmente acontecesse.

Gina só sorriu e virou para um lado da cama, e em pouco tempo adormeceu.



Sei que o vento que entortou a flor

Passou também por nosso lar

E foi você quem desviou

Com golpes de pincel



Ela incrivelmente não sonhou com nada, estava tão cansada que dormiu calmamente, somente descansando. Acordou com o som agudo do despertador de Tonks, que berrava bem alto.

-HORA DE ACORDAR! HORA DE ACORDAR! HORA DE ACORDAR!

Tonks correu e o desligou rapidamente. Era péssimo acordar daquele jeito, mas se não fosse assim não acordariam. Gina levantou e tirou da própria bolsa um pente, que por sorte sempre carregava para todo os lugares. Mas ela tinha que admitir que mesmo aquele pente normalmente não ficasse ali, hoje ele estaria, afinal ela ainda não havia perdido as esperanças de que Harry aparecesse a qualquer momento. E mesmo que soubesse que ele não se importaria se estivesse descabelada, sua vaidade feminina e seu amor lhe impediam de se estar na frente dele sem estar ‘apresentável’.

Amor. Ela já aceitava que definitivamente o amava, e que se não corria para os braços dele é porque entendia muito bem a difícil situação que ele estava vivendo. Afinal, Gina sabia da profecia, sabia que o que havia sido quebrado naquele fatídico em que Sirius morrera dia era somente uma lembrança, e que depois ele ouviu tudo pela lembrança do próprio Dumbledore. “Se não houvesse nada disso...” pensou ela num ar sonhador.

Ar sonhador este que não passou despercebido a Tonks, que se sentia mal e até mesmo culpada por ver Gina daquele jeito.

-Ora, pare de mentir para mim. Você ainda gosta dele.

-O quê?

-Você me entendeu muito bem, mocinha. Você gosta de Harry.

-Gosto, nunca disse que não.

-Mas você tem esperanças de voltar para ele.

-Dizem que a esperança é a última que morre, não é mesmo? Você vai ver, assim que tudo isso acabar... –começou ela a dizer, mas foi interrompida por Tonks.

-Assim que tudo isso acabar para nós, pode ser o fim para Harry, você não vê Gina? Harry tem uma missão muito grande que veio para ele sem que ele quisesse ou pedisse, e que por conseqüência não pôde recusar. Eu sei que você gosta dele, e não duvido que ele goste de você, mas o que vocês imaginam para si está muito longe da realidade que vivem.

Ao invés de absorver as palavras da amiga ela só ouviu uma frase de tudo o que ela dissera “o que vocês imaginam para si...”. Então quer dizer que Harry também imaginava voltar para ela quando tudo acabasse? Sabia que ele ainda a amava, afinal a aliança ainda estava no dedo dele, mas ele sempre tivera o péssimo hábito de perder as esperanças cedo demais.

-Gina, você está ouvindo o que estou dizendo? –perguntou Tonks num tom irritado.

-Estou, claro que estou. E fico agradecida por você se preocupar, mas peço que você não me impeça de sonhar e de imaginar um futuro melhor. Ultimamente é tudo o que eu posso fazer, já que nem pelo sonho de futuro pacífico eu posso lutar, me deixe pensar no que fazer quando ele chegar.

Tonks suspirou de desânimo e abriu a porta. Gina estava certa, não podia a impedir de sonhar.

-Ok, Gina. Só não sonhe demais e esqueça qual é o seu presente.

-Quanto a isso você nem precisa se preocupar, não tem nem como eu esquecer o presente que vivo.

As duas foram ao balcão e pagaram o preço pelo quarto e voltaram às ruas, para comprar tudo o que precisavam. Já que iam sair, a Sra. Weasley passara a elas tudo o que estava em falta na casa. Havia uma lista enorme de material de limpeza, alguns alimentos, coisas supérfluas sem as quais não se vivia e algumas outras utilidades que foram lembradas de ultima hora.

Como já haviam pesquisado os preços pela parte da manhã, agora só lhes restava entrar nas lojas certas e comprar o que precisavam, mas isso não significava que o processo não fosse demorado. E depois de comprarem tudo o que o Largo Grimmauld precisava ainda foram fazer algumas compras pessoais, o que não também não foi rápido.

Assim que terminaram de fazer tudo o que tinham para fazer voltaram à loja das gemialidades, para se despedirem dos gêmeos e avisar que à noite Molly provavelmente faria purê de batatas.

-Iremos lá se tiver tempo, maninha –disse Jorge.

-É, estamos trabalhando duro numa nova invenção, e ela tem nos tomado muito tempo –continuou Fred- Mas nós devemos aparecer por lá hoje sim.

Gina conversou um pouco com Fred enquanto Jorge puxou Tonks para um canto e conversaram algo em tom baixo, Gina não perguntou nada porque deveria ser algo relacionado à Ordem. Ainda demoraram por lá uma meia hora, e depois voltaram para casa.

Molly estava já aflita, embora tivessem voltado antes do horário combinado, mas era uma situação que Gina já imaginava, não era nada incomum.

-Bom, eu vou subir para tomar meu banho –disse Gina, depois de tranqüilizar a mãe que nada de estranho ou perigoso havia ocorrido durante o dia.

Ela entrou no quarto e finalmente pôde descarregar a decepção que sentia. Harry não aparecera, voltara para casa e talvez nem se dera conta do fato de que Gina não estava ali.

Ela se despiu e esperou a banheira encher-se de água, logo em seguida entrou na água morna e sentiu todas as tensões irem se aliviando aos poucos.

Ficou largada dentro da banheira por um tempo, sem pensar em nada, somente deixando toda a fadiga do dia ir embora. Mas de repente ela começou a notar que havia algo estranho, que por um momento não soube o que era, e quando descobriu sentiu que era verdadeiramente estranho.

Já era umas sete horas da noite, período que geralmente as pessoas chegavam para jantar, e os que dormiam ali estavam subindo e descendo escadas, conversando, tomando banho nos banheiros que havia perto do dela. A casa a esse horário costumava ser movimentada e até barulhenta, mas hoje não estava assim.

Ela sentou-se na banheira e ficou a ouvir, ou a tentar ouvir, a movimentação da casa, mas foi em vão. Alguns poucos ruídos davam para se ouvir, coisa muito esquisita. Terminou rápido o seu banho e trocou-se, indo para a cozinha logo em seguida.

Sua mãe terminava de colocar os pratos e talheres na mesa, que ela não podia ver quantos eram.

-Por que a casa está vazia, hoje? Onde está todo mundo?

-O quê, minha filha? Estava ajeitando tudo por aqui e não prestei atenção ao que você falou.

Ela ia repetir a pergunta, mas ao perceber pela voz o cansaço da mãe ela resolveu mudar a pergunta.

-O que a senhora fez durante o dia, mamãe?

Molly ficou tensa e começou a responder rápido, sem grande convicção.

-Ora, o de sempre. Organizei a casa, envie mensagens para a Ordem, deixei tudo limpo.

-Houve uma faxina pesada ontem, hoje não havia muito que limpar e a senhora não poderia estar tão acabada.

-Olha onde já se viu! Não estou acabada, estou cansada e pronto, não tenho esse direito?

-Por que você está irritada?

-Gina, você está me deixando louca!

-Nenhuma das perguntas que eu te fiz deveria te deixar tão alterada...

Durante alguns segundos houve um silêncio incômodo, que só serviu para reafirmar em Gina que havia definitivamente algo estranho por ali. Foi Gina quem voltou a falar primeiro.

-Onde está o pessoal? Por que ninguém está aqui?

Tonks apareceu com os cabelos molhados naquela hora, do seu quarto ela ouvira a breve discussão entre mãe e filha. Já sabia que Gina percebera que a casa não estava em seu estado normal. Na verdade Tonks já esperava por isso, os outros sentidos de Gina estavam muito aguçados devido à falta da visão, e ela sabia que Gina perceberia quase de imediato.

-Molly, fale logo de uma vez.

Gina ficou parada esperando uma resposta, mas sua mãe nada falou.

-O que está acontecendo? Mamãe?

-Harry, Rony e Mione foram embora, minha filha. Não há nenhum tipo de previsão para a volta deles, e para ter uma visão bem realista, não há garantia para a volta deles.

Gina foi atingida em cheio com a notícia, ainda cedo Harry lhe disse que devia ir a Hogwarts só resolver alguns assuntos, e Tonks lhe confirmara que ele fora na escola e que voltaria mais tarde. Não pôde se despedir de Harry, nem de seu irmão nem mesmo de Mione.

-Lupin e Moody estão com eles, mas não sei nada relacionado a esses dois –voltou a dizer a Sra. Weasley.

Gina acabara de perder totalmente a fome, saiu da cozinha em direção ao seu quarto, deixando para trás duas pessoas preocupadas com ela.



É eu sei, é o amor que ninguém mais vê

Deixar eu ver a moça

Toma o teu, voa mais

Que o bloco da família vai atrás



Ela se atirou na cama, sem conseguir conter as lágrimas. Sentia-se a pior pessoa possível. Nem sabia se o pior era ter perdido as três pessoas queridas, ainda lhe ardia a raiva e decepção de terem-na tratado como uma criança, fazendo tudo nas costas dela, sem lhe contar nada.

“Aí está a verdadeira razão deste passeio... Que compras que nada! Muito menos era para eu me esquecer de tudo isso por um segundo... Só queriam me manter longe de casa enquanto todos iam embora”.

Iam embora.

Gina tinha ainda as palavras de sua mãe ecoando em sua cabeça . “E para ter uma visão bem realista, não há garantia para a volta deles”. Pelo visto até mesmo sua mãe já não tinha boas esperanças, ao admitir que o próprio filho poderia não voltar vivo.

A sua raiva misturada à desilusão e ao desespero que agora estava começando a sentir fazia com que ela não conseguisse parar de chorar, por mais que não quisesse. Seus soluços estavam mais altos do que ela gostaria, sabia que em breve alguém poderia subir para tentar acalmá-la, e não queria ser encontrada daquele jeito, mas o fato é simplesmente não podia segurar.

E Harry! Como podia ter sido tão falso? Mentir para ela com toda aquela frieza? No café ele saíra como se fosse para resolver alguns assuntos desagradáveis, mas que estaria de volta à noite para conversarem, e agora talvez ela nunca mais ouvisse a voz dele.

“Ele estava triste, Gina” disse sua consciência.

Ela se acalmou um pouco e sentou-se na cama, tentando analisar a situação mais racionalmente. A verdade é que pela manhã Harry estava abalado, ela pôde constatar isso por três sentidos diferentes: ouvindo a respiração descompassada, sentindo as mãos dele suando frio e podendo sentir o cheiro leve de álcool que emanava dele. Harry nem mesmo era de beber, a bebida mais alcoólica que ele tomava era cerveja amanteigada, mas ela duvidava que ele tivesse passado a madrugada bebendo algo tão fraco.

-Como é que pode tanta coisa acontecer assim de repente... –sussurrou tristemente para si- Ainda hoje de manhã ele estava aqui...

Uma luz acendeu na cabeça dela.

De manhã antes de todos se levantarem Harry entrara no seu quarto e lhe deixara uma carta. Lembrou de imediato a conversa que ambos tiveram no café a respeito da carta.

-Eu deixei algo no seu criado-mudo hoje pela manhã, não sei se você percebeu.

-Percebi, e por acaso eu não enxergo, se você não percebeu.

-Bom, mas eu já te dei as respostas que você quer.

Ele tentara lhe avisar, de um jeito estranho, mas tentara. Talvez o simples fato de ele lhe deixar uma carta já fosse motivo para ela entender o que aconteceria durante o dia.

Gina pegou a carta entre as mãos, ainda não se importando tanto com o fato de querer saber o que estava escrito, o importante era a situação por trás daquilo tudo. Harry se importara com ela, preocupara-se com ela, e isso era mais importante que as palavras e explicações que a carta continha.

Ela passou a mão com carinho pela carta, estranhamente calma e sentindo-se confortada, mas ao fazer isso percebeu que havia algo de diferente com o pergaminho. Ele não estava liso como deveria estar, muito pelo contrário, estava cheio de ondulações e de parte levemente disformes.

Sem ter seu sentido da visão tudo o que podia era tentar conciliar os outros sentidos para entender o que se passava ali. Trouxe o pergaminho até próximo as narinas e inspirou profundamente. Tossiu. Havia cheiro de álcool no papel, ele provavelmente devia ter lhe escrito aquilo tudo enquanto bebia. Mas então ela inspirou novamente para ver se não havia nada mais, e ao fazer isso seus olhos marejaram.

Lagrimas.

Havia num canto do papel um cheiro extremamente sutil, e só mesmo seu olfato apurado poderia perceber. Harry havia chorado, e chorado por ela. Chorado do mesmo jeito que ela estava chorando agora, e que chorara há alguns minutos. Ele não queria ter partido.

Gina começou a respirar ofegante, agora sentia uma necessidade imensa de saber o que estava escrito ali, mas ao mesmo tempo estava angustiada, porque mesmo que sua visão precária voltasse agora, ela não seria suficiente para poder entender o que estava escrito.

Levantou-se com a carta nas mãos, engoliria seu orgulho e sua privacidade e pediria a Tonks que lesse a carta para ela. O que não podia era ficar sem saber o que estava escrito ali.

Desceu as escadas correndo, a coisa mais imprudente que poderia fazer, mas simplesmente não podia evitar.

-Tonks! –gritou ela- Tonks onde está você?

A moça saiu da cozinha, estava lá terminando de guardar as louças do jantar.

-Estou aqui, Gina. Você precisa de algo?

Gina estendeu a carta para a direção de onde a voz vinha.

-Leia para mim, Tonks, por favor –pediu ela numa voz quase inaudível.

Tonks secou as mãos no pano de pratos e estendeu suas mãos para pegar a carta, mas parou no meio do caminho.

-Não posso, Gina querida. A carta é sua, você não vai querer que outra pessoa saiba do conteúdo.

As lagrimas não paravam de rolar pelo rosto da garota, mas ela pouco se importava com isso naquele momento.

-Claro que não quero! Mas acontece que eu não-posso-ver! –esbravejou ela, mas logo amansou a voz- Tonks, não faça isso comigo, não me deixe na angústia de não saber o que ele sentia. Leia a carta, por favor, faça o trabalho que os meus olhos não podem fazer.

Tonks continuou com as mãos abaixadas. Seu coração estava partido de ver a menina daquele jeito, lamentava-se por tudo o que acontecera a ela e por não poder ajudá-la concretamente, mas para o bem de sua própria consciência ela não podia ler o que Harry havia escrito para Gina.

Gina fechou os olhos com força, tentando segurar toda a raiva que tinha de sua impotência visual e a frustração de nem mesmo poder saber o que havia naquele pergaminho. E o pior de tudo é que se sentia uma idiota. Estava em pé, com uma carta agora já amassada nas mãos, e chorando com uma criança na frente de uma Auror adulta que estava acostumada a ver pessoas partirem e morrerem. Tonks devia estar com pena dela, mas ela não queria pena de ninguém.

Ela abriu os olhos e a visão do cabelo roxo berrante de Tonks ofuscou seus olhos. Com cuidado os abriu novamente e olhou para a mulher que estava na sua frente, além dos cabelos nada chamativos dela podia ver o rosto apreensivo de Tonks. Enxergava-a quase nitidamente, bom, nem tanto, mas estava vendo muito melhor do que vira naquele dia pela manhã.

Tonks aparentemente percebeu o que acontecera com os olhos de Gina, que se iluminaram no instante em que ela abrira os olhos.

-Gina, você está vendo?

-Tonks, me traga uma lupa, uma que aumente bastante as letras.

A mulher nem titubeou, saiu correndo até o escritório, e no mesmo momento em que ela saiu sua mãe entrou.

-Gina...?

Gina olhou para a mãe, seu rosto parecia muito mais velho desde a ultima visão que tivera dele, e isso a entristeceu. Gina só sorriu levemente para a mãe, sem dizer nada.

Tonks voltou com a lupa e a entregou a Gina. A garota voltou para o seu quarto sem dizer nada a ninguém, deixaria que Tonks explicasse a sua mãe o que estava acontecendo.

Ela sentou-se na sua cama e olhou para carta através da lupa, estava lacrada e na parte da frente estava escrito com uma letra torta “Para: Gina”. Ela abriu a carta com suas mãos tremendo, ao mesmo tempo em que ansiava, temia ler o que estava escrito ali. Depois de aberta ela forçou um pouco a vista e colocou a lupa por sobre o papel, e com algum esforço conseguiu ler o conteúdo.

“Minha doce Gina,

Talvez demore a você pode ler por si própria o que escrevo aqui, mas isso é para mim um conforto. Quero atrasar esta despedida ao máximo possível para você, já que para mim ela acontece inevitavelmente no momento que escrevo essa carta.

Antes de tudo, eu te amo.

É verdadeiro e sincero tudo o que sinto por você, mas tenho que admitir: não nascemos para ficarmos juntos. Nós noivamos para tentarmos esquecer que acabaríamos nos separando por causa das minhas obrigações, e por uns breves momentos isso funcionou, mas já não funcionava há muito tempo pelo menos para mim. E quando rompi nosso noivado você ficou com raiva de mim, o que me doeu muito, mas hoje vejo que foi melhor isso. Prefiro te ver com raiva que deprimida.

Agora chegou o momento de nos separarmos definitivamente. Se você está no Largo Grimmauld é porque a Toca e todos os outros lugares não são seguros o suficiente. Você tem uma grande noção de tudo o que acontece, mas aposto que isso não chega nem perto do que é sentir essa realidade na pele. Voldemort está prestes a se confrontar com Dumbledore, se um dia ele o temeu, parece que agora não teme mais. Acredito na força de Dumbledore, mas sei que somente eu posso derrotar Voldemort, então o que entendo é que se houver uma tentativa de tomada de Hogwarts e do Ministério, esses dois vão cair. Só não cairão se eu fizer algo antes.

Creio que você já entendeu o que se passa na minha cabeça, e que na verdade já está na cabeça de todos da Ordem há muito tempo. Eu vou morrer. Mesmo que eu o derrote, não sairei vivo da batalha. Isso é uma verdade que tentei afastar de você por todo o tempo que estive ao seu lado, não suportaria ver você perder as esperanças. Fui até um pouco egoísta nesse ponto, preferia te esconder a verdade a ver você perder os nossos sonhos. Sim, os nossos. Vivi todos os meus sonhos através do seu sorriso, e isso me manteve controlado o suficiente para não enlouquecer de medo pelo futuro.

Só te peço uma coisa: depois que tudo isso acabar (isto é, imaginando que isso acabe), por favor, chore por mim, vá ao meu enterro e depois me deixe quieto no caixão. Viva a sua vida, lembre com saudade de um namorado que muito te amou, mas arrume outro que te faça feliz, e que realmente se case com você e que lhe dê tantos filhos quanto a família Weasley possa suportar. Me deixe no seu passado e viva o seu futuro.

Com todo amor possível, Harry”

Ela largou a carta e jogou a lupa longe, que se chocou contra a parede e se quebrou um vários pedaços. Estava tonta. Suas mãos, suas pernas, tudo tremia. Sua cabeça latejava e seu coração parecia querer sair do peito. Harry não podia ter dito tudo aquilo para ela, não podia estar deixando-a dessa maneira.

Gina saiu do seu quarto com falta de ar, de repente sentia-se sufocada por aquelas paredes, por aqueles quadros e por tudo que havia naquela casa. Ela abriu a porta da rua e sentou-se encostada à parede do lado de fora da casa.

Ar puro, céu claro.

Ela começava a ver indistintamente, sua visão estava escurecendo. “Pouco importa” pensou ela. Mas então ela viu que somente alguns lugares estavam escuros, e o estranho é que a escuridão se movimentava. Gina não pôde gritar antes que o Comensal a agarrasse.



Põe mais um na mesa de jantar

Porque hoje eu vou aí te ver

E tira o som dessa tv pra gente conversar



Ela acordou com a cabeça doendo intensamente, mas ao abrir os olhos percebeu que já não enxergava novamente.

-Justo agora...

Lembrou-se do que aconteceu antes que ela desmaiasse. Depois de ler a carta de Harry ela saíra do Largo Grimmauld, e lá fora pega por Comensais. Eles utilizaram uma Chave de Portal e a levaram para algum lugar, ela pegou sua varinha e tentou lutar contra eles, mas eram muitos e além de tudo sua visão não ajudava muito. Algum deles com certeza a havia estuporado.

Sentou-se no chão duro e frio, tentando pensar em algo que pudesse fazer. Ela não ouvia som algum, provavelmente tinham protegido o lugar em que ela estava presa com algum feitiço imperturbável.

Saiu engatinhando com cuidado procurando a parede, e ao achá-la levantou-se com cuidado. Teria que fazer alguma marca na parede para que pudesse ter noção do tamanho do como em que estava. Pegou uma pedra no chão e começou a fazer de um círculo um buraco fino na parede.

Demorou algum tempo para poder fazer isso bem feito, e quando terminou começou a andar tateando pelas paredes, contando quantos passos havia de uma parede a outra e só parou quando chegou no buraco que havia feito.

“É um lugar bem pequeno” pensou ela, analisando a medição que havia feito “Um cubículo 15 passos por 15 passos”

Isso a desanimou. Já não tinha mais sua varinha, e se algum Comensal entrasse ali ela não poderia tentar uma luta corpo a corpo, porque ela poderia bater muito facilmente contra as paredes. Eles tinham a encurralado definitivamente.

Mas depois de voltar a se sentar ela começou a ficar preocupada não consigo mesma, mas com Harry, com a Ordem e com toda a sua família. Como ela pôde ser tão burra para sair do Quartel General daquele jeito?! Agora ela seria usada como isca. Se Harry já tinha uma alta probabilidade de cair em uma cilada, agora então ela nem podia imaginar.

-Mas Você-sabe-quem não sabe onde ele está, e não pode mandar uma mensagem ou qualquer coisa assim informando que eu fui pega... –disse ela tentando se acalmar.

Mas sabia que estava errada, Voldemort tinha meios muito mais eficientes que corujas para falar a todos o que tinha feito. Agora imaginava se a essa hora Harry saberia, porque a sua família ela tinha certeza que já havia notado a grande besteira que ela havia feito.

Depois de um tempo ela já começava a ficar agitada, todo aquele silêncio e tédio estavam a deixando louca. Precisava ouvir alguma coisa, sentir algum cheiro diferente, ou qualquer coisa que quebrasse aquela insuportável monotonia que permanecia desde que ela havia acordado. Levantou-se e começou a andar por entre o quarto, tomando cuidado para não bater contra as paredes.

Mas depois de alguns poucos minutos andar também não era o suficiente, necessitava urgente de algo que lhe informasse que havia gente por perto, mesmo que ela soubesse que não seria boas pessoas.

Começou a ficar com a respiração ofegante e sentia que estava passando mal, para quem tinha o ouvido apuradíssimo desde o momento em que acordava até a hora em que se deitava todo aquele silêncio era o fim, isso só aumentava seu temor e sua ansiedade.

Ela voltou a tatear as paredes até chegar a porta. Sabia que estava fazendo uma loucura, mas na situação em que estava não via muitas opções para si.

-ALGUÉM, POR FAVOR, APAREÇA!

O grito dela ecoou por todos os cantos do lugar, parecendo cada vez mais sombrio, ela estranhava a própria voz. Ela ficou em pé esperando ouvir o barulho de passos, mas esses não vieram.

-Calma, eles já estão vindo...

De repente se dera conta do absurdo que estava fazendo, convidava os Comensais a virem lhe ver. Mas se eles viessem não trariam salgados e fariam uma festinha, mas viriam prontos para arrasar com ela. Gina já fora capturada e a simples idéia de seqüestro dela já era uma isca e tanto, não precisavam mantê-la viva.

“Merlim, será que eu vou morrer?”

Ela desgrudou da porta, mas isso não fez muita diferença. Depois de um bom tempo ainda não havia nenhum som de nada, ninguém se aproximava.

-Isso é... Isso é, estranho. Será que não tem uma só pessoa por aqui?

Ela já negava essa possibilidade quando uma idéia ainda mais aterradora que a morte nas mãos dos Comensais se apoderou da mente dela.

Tinham a abandonado para morrer de fome e de sede.

Os Comensais eram desumanos o suficiente para fazer isso, e Voldemort certamente não se oporia a isso. Ela estava sozinha, totalmente sozinha. Não havia ninguém ali para atemorizá-la, e isso a atemorizava ainda mais. Iria morrer no meio do nada sem ninguém por perto. Definharia por alguns dias até que a morte finalmente chegasse.

Pegou uma pedra no chão e jogou em direção a porta, um barulho metálico ressoou por todo o lugar. Voltou para onde estava até a pouco e começou a berrar insensatamente, sem nem se preocupar com o que dizia, só queria que alguém a ouvisse, só queria ouvir alguém.

Batia suas mãos contra a porta metálica, e em algum momento suas mãos se feriram e sangue começou a escorrer, mas ela pouco ligou, continuou a bater e a gritar desesperadamente.

Ao ver que seus protestos de nada haviam adiantado jogou-se no chão sentindo-se derrotada. As lágrimas que saiam dos seus olhos nem mesmo estas eram livres, sabia que não podia desperdiçar a pouca água que o seu corpo tinha, mas simplesmente não poderia impedi-las. Ela abaixou a cabeça totalmente desolada.

-Alguém apareça... Por favor... –repetia baixinho, tomada pelo pânico.

De repente um rangido de porta se fez ouvir, e então passos vinham em direção à cela dela. Gina levantou a cabeça esperando para saber quem vinha. Estava tremendo de medo, mas sentia um alívio enorme em ouvir um barulho que fosse.

Os passos pararam e a porta do cômodo em que ela estava se abriu. Uma risada de desdém se fez ouvir.

-Ora, ora, se não é a pequena Gina que está aqui. Talvez não tão pequena mais –disse uma voz que ela conhecera há muito tempo.

-Tom?

Ela ouviu um muxoxo de escárnio.

-Não me chame por esse nome, menina. É um nome impróprio para minha pessoa –disse ele andando em direção a ela- O meu nome, como você bem sabe, é Voldemort.

Ela se arrepiou involuntariamente, se ouvir aquele nome já era ruim o suficiente, pior era ouvir o nome vindo da própria pessoa. Mas ela se controlou, e reunindo toda a coragem grifinória que ainda lhe restava ela pôde falar.

-O que quer comigo? Sou somente uma isca para atrair Harry?

-Potter nunca precisou de motivos para arranjar encrencas que o trouxessem até a mim. Ele sempre veio por vontade própria.

-Então por que estou aqui?

-Porque eu quero matar pessoalmente a maldita pessoa que atrapalhou os meus planos.

Ela ouviu a resposta do bruxo sem nada entender. Ela abria a boca para falar algo quando ele a segurou pelo braço e a pôs de pé.

-Você não enxerga, não é mesmo? Acho que terei de ser seu guia.

Ela sentiu-se enojada quando percebeu que caminhava de braços dados a Voldemort. A simples idéia lhe revirava o estômago.

-Por que você não me mata logo de uma vez?

Voldemort riu.

-Assim? Sem nos conhecermos melhor?

-Não quero lhe conhecer melhor –disse ela automaticamente, percebendo que estava complicando sua situação logo em seguida.

-Ora, ora, doce Gina, eu quero lhe conhecer melhor.

Ela estava andando quando de repente o chão faltou aos seus pés e ela teria caído se ele não a tivesse segurado.

-Ah me desculpe –disse ele num falso arrependimento- Esqueci de dizer que íamos descer as escadas.

Ela respirava ofegante e pela sua cabeça passava todos os momentos daquele dia (ou seria do dia anterior?) e não conseguia entender como a vida de uma pessoa mudava tanto de uma hora para outra. Voldemort falava algo com ela, mas sua mente divagava longe que ela não conseguia prestar atenção, na verdade tinha medo de prestar atenção ao que ele dizia.

-Terei de ficar bravo com você? –disse ele num tom de pai que briga com uma criança- Você não está dando confiança ao que eu falo!

-Não creio que isso faça diferença para você.

Voldemort riu e uma risada sinistra ecoou pelo corredor que andavam. De repente pararam e ele abriu uma porta, e então todo o barulho que Gina não ouvia antes veio aos seus ouvidos. Havia dezenas de pessoas ali, algumas conversavam em tom normal, mas muitas sussurravam e tudo o que ela ouvia parecia um silvo distante.

-Está com fome, Gina? –perguntou ele fingindo-se interessado.

Ela não respondeu, ele então puxou uma cadeira e fez com que ela se sentasse. Assim que se sentou ela tateou a mesa, e seu estômago novamente revirou quando percebeu que estava sentada numa mesa para duas pessoas regada a luz de velas. E o pior, sabia que todas as pessoas que ali estavam observavam a cena.

Voldemort sentou-se a mesa e abriu uma garrafa de vinho, servindo uma taça para ele e outra para ela. Assim como em Hogwarts o jantar se materializou no prato.

-Eu perguntei antes, mas você não me respondeu. Está com fome?

-Estou.

-Então vamos comer?

Ela percebeu que ele falara ‘comer’, então ela não sabia que horas poderia ser. Se ele tivesse falado em almoço ou janta...

Ele pegou seus talheres e partiu um pedaço de carne, colocando-o na boca e mastigando-o em seguida. Logo após engolir voltou a falar.

-Você não vai comer? Ou beber algo?

-Por que eu comeria ou beberia algo vindo de um inimigo?

Voldemort gargalhou.

-Bravo! Uma discípula do velho Moody por aqui!

Muitos dos Comensais riram também, imitando o mestre. Voldemort então colocou a comida de lado e apoiou os cotovelos na mesa, apoiando seu queixo em cima das mãos.

-Pois bem, então vamos deixar minhas gracinhas de lado, Gina, eu e meus caros servos aqui queremos saber como você descobriu a nossa tão preciosa poção Vitoriosa.

Ela percebeu que ‘Vitoriosa’ era o nome da poção que unia os feitiços e fez involuntariamente uma careta, aquilo lhe parecera tão cafona. Deu uma risada nervosa. Raciocinou rápido e percebeu que enquanto permanecesse falando continuaria viva, e aquilo não lhe parecia comprometedor, não colocaria a Ordem contando como descobrira.

-Sou cega. Foi assim que descobri. Quando se perde um sentindo os outros se apuram, ficam muito mais aguçados que os sentidos das pessoas normais. Eu trabalhava num laboratório que trabalhava em conjunto com o St. Mungus, e algumas amostras sangüíneas de pacientes vinham para nós, para que nós descobríssemos um jeito de parar hemorragias e coisas do tipo. Uma amostra que ficou comigo por acaso depois que perdi a visão que me deu a resposta que nós procurávamos.

-Nós quem?

-As pessoas que trabalhavam para salvar vidas.

-E para destruir a minha vida.

Ela riu irônica.

-Ora, não seja hipócrita, isso alterou muito pouco a sua vida.

-Aí que você se engana, minha preciosa. Depois que Aurores reverteram o feitiço contra o feiticeiro eu fui obrigado a tomar algumas decisões precipitadas, modificar planos que já estavam traçados há muito tempo. Você me complicou bastante a vida.

-Oh, que pena! –sorriu ela dissimulada.

-Pois é, e isso me complicou um pouco, sabe? Uma certa batalha que eu estava planejando cada movimento teve que ser antecipada.

O sorriso falso de Gina morreu no mesmo instante. Sabia do que ele estava falando.

-É uma pena você não poder ver a maravilha que acontecerá a qualquer momento, mas vou lhe deixar em lugar de destaque, para que com sua super audição você possa ouvir a queda do seu amado Potter.



Diz pro Tico usar o violão

Pede pro Bambo me esperar

E avisa que eu só vou chegar no ultimo vagão



Ela estava amarrada pelas mãos, que estavam penduradas. A péssima posição a deixava tonta e com falta de ar, mas o que lhe fazia sentir-se pior era a ansiedade que sentia. Ainda naquele dia, ou naquela noite, Harry e a Ordem estariam ali.

“Eu vou morrer” dizia Harry em sua carta. “Vivi todos os meus sonhos através do seu sorriso”, ou ainda “Vá ao meu enterro e depois me deixe quieto no caixão”. Tudo isso agora pela sua cabeça rapidamente, e ela se sentia péssima. Harry era um tanto quanto pessimista, mas desde o momento que sua mãe admitira que as esperanças eram realmente poucas ela estava apavorada. Talvez Harry tivesse razão para lhe escrever aquilo tudo, mas não queria ver, ou ouvir, as palavras dele se concretizarem.

“Voldemort não está me punindo” pensou ela “posso ter atrapalhado um pouco os planos dele, mas estou aqui para desestabilizar Harry emocionalmente”.

No início ela tentara discretamente se livrar das correntes que prendiam seus pulsos, mas fora em vão, estava definitivamente presa, ficaria ali exposta para todos, para dar coragem aos Comensais e para distrair os Aurores. Estava no fundo do poço.

Já devia fazer quase três horas que estava naquela posição, ofegava muito, e era praticamente o único ruído de todo o lugar, que parecia ser bem amplo. Todos esperavam a hora da luta numa calma que ela não conseguia imaginar. Sabia que Voldemort estava sentado numa cadeira posicionada no centro, como se fosse um rei e os outros seus súditos. E ela estava atrás dele, como se fosse um troféu de alguma batalha. Gina não podia ver, mas ele olhava pacientemente para os portões de seu esconderijo, com um sorriso nebulosamente calmo.

De repente um som muito alto foi ouvido. Se pudesse ver seu coração sentiria a emoção paradoxal de ver os portões negros e pesados se abrirem, e por detrás deles aparecerem uma verdadeira multidão alva. Ali estava a esperança de salvação de todos, mas a certeza da morte. Não precisava de olhos para saber que à frente estavam Harry e Dumbledore.

Um silêncio durou por alguns segundos, então vários gritos ecoaram. A luta começara.

Estando atrás de Voldemort ela ouvia os sons que chegavam até este, e seu coração bateu disparado quando ouviu aquela voz que sempre vira tão doce, desta vez tão carregada de ódio.

-Como você pôde? Como teve coragem?

Voldemort levantou-se e deu alguns passos a frente. Olhou a redor e viu Comensais e Aurores lutando.

-Ora, Potter. Você me conhece a tanto tempo, ainda esperava que eu lutasse de igual para igual? Cada um usa as armas que tem. Você usa sua varinha e sua coragem, eu uso seu medo e sua namorada.

Gina abriu a boca e quis gritar que estava bem, ou que ele não se preocupasse com ela, mas calou-se, sabendo que se falasse algo só poderia deixar Harry mais nervoso. Além disso, ela não teria forças para dizer qualquer coisa. Em sua mente milhões de coisas passavam a todo o momento.

Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima...

Harry deu dois passos em direção a Voldemort, empunhando a varinha e o observando com um olhar que faria o coração dela se partir. Ambos se encararam e por um breve minuto todo o barulho cessou, esperando os passos das peças principais.

Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês...

Se tudo começara num fim de julho, terminaria no início de setembro. Era incrível as voltas que o mundo dava para chegar sempre ao mesmo lugar. Passar tanto tempo para o marco inicial se confundir com o final.

E o Lorde Negro vai marcá-lo como seu igual, mas ele terá um poder desconhecido pelo Lord Negro...

Ambos começaram a duelar, mas Gina somente ouvia os feitiços, não podia ver o que realmente acontecia. Tudo era tão forte e tão vivo que ela conseguia escutar os feixes de luz voando de um lado para o outro. Eram tantos feitiços, tantos poderes que ela escutava, mas não conseguia absorver o que realmente acontecia.

E um deve morrer pelas mãos do outro porquanto nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver...

O futuro não só dela, mas de toda a Inglaterra estava sendo decidido naquele momento. Devia acreditar em Harry? Como um garoto de 20 anos poderia vencer o tão terrível Lord das Trevas? Além de todo desespero, angustia e dor que sentia, ainda havia aquela culpa por pensar que Harry poderia perder. E uma outra culpa, aquela que não se importava com as outras, só queria que Harry ficasse bem. Então Harry gritou algo a Voldemort, que lhe retrucou o grito. Se não vira com os olhos do corpo, com os olhos da mente com certeza vira os jatos verdes.

Aquele com o poder de vencer o Lord Negro se aproxima... Nascido daqueles que por três vezes o desafiaram, nascido ao fim do sétimo mês...

O que veio em seguida foi o silêncio, a ausência de sons, o desespero dela. Não sabia o que realmente tinha acontecido, não entendia totalmente a situação. Sentia que tudo havia acabado, mas para quem. Mas naquele momento não havia respostas para ela, não havia sons, falas ou exclamações que lhe explicassem tudo, só havia o silêncio. Só o silêncio.



É bom te ver sorrir

Deixa vir a moça que eu também vou atrás

E a banda diz assim é que se faz





N/A: Bom, a fic está chegando aos momentos finais, na verdade só falta um capítulo, o epílogo. Se alguém acompanhaou a fic até agora, muito obrigada. O epílogo será postado na semana que vem. Por favor, deixem uma resenha falando se gostaram ou não. Bjuss, Asuka

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