Paladar
Harry estava ansioso para ver Gina, mas estava suando frio e estava com medo. Achava que ela estava demorando a descer por causa dele. É claro que achou que o almoço com toda a família ia ser uma surpresa para Gina, mas ela não era preguiçosa assim e ele desconfiava seriamente ser o motivo da demora da garota.
Rony olhou para Harry, pensava como o amigo. Ele achava besteira Harry ter terminado tudo, mas sabia que o amigo estava cada vez mais transtornado, então não pudera fazer nada. Mas a questão é que parecia que ninguém sabia que o noivado fora rompido, e talvez Gina estivesse com vergonha de descer.
Harry já preparava para falar algo quando todos ouviram o grito. A principio todos ficaram parados, mas quando um segundo, um terceiro e quarto grito foram ouvidos seguidos um do outro todos aparataram no quarto da garota.
A cena era horrível, vários objetos estavam esparramados, Gina estava encolhida no chão, toda descabelada e chorava compulsivamente.
- Gina, o que está acontecendo...? –perguntou o Sr. Weasley.
Ela levantou a cabeça, e se virou para a direção do Sr. Weasley, mas algo fez com que ela chorasse mais.
- Gina, querida, você está me deixando preocupada –disse a Sra. Weasley.
Ela resmungou algo entre o choro que ninguém conseguiu entender.
- O quê?
- EU-NÃO-CONSIGO-ENXEGAR-NADA!
O silêncio que se seguiu só era quebrado pelos soluços dela, até que Carlinhos a pegou no colo.
-Nós vamos para o St. Mungus agora.
Estavam todos na sala de espera, enquanto Gina estava sendo examinada. O medibruxo ficou num misto de surpresa e raiva quando viu Gina, ela devia ter lhe contado a verdade, mas aquele não era o momento para brigar com a garota.
O Sr. Weasley não fechou a cara nem ignorou quando Percy entrou na sala. Ele parecia constrangido de estar ali, como se aqueles não fossem mais sua família, mas estava notavelmente preocupado com Gina.
- Como ela está, mamãe?
A Sra. Weasley abraçou Percy forte, contendo as lágrimas.
- Até agora não nos disseram nada.
- Mas o que aconteceu?
- Ninguém sabe –disse Carlinhos- a gente tava esperando ela descer pra almoçar quando ela gritou, a gente foi ver e ela já estava assim.
Percy se sentou desolado. Brigara com o pai e tratara mal a mãe, e embora tivesse se sentido mal nessas vezes não fora o suficiente para que engolisse o orgulho. Mas agora a situação era outra.
Uma enfermeira entrou, mas tudo o que ela disse era que os exames já tinham terminado e que o medibruxo viria em breve. Quando medico entrou todos se levantaram, ansiosos.
- Podem se sentar, a situação não é grave.
Um suspiro de alívio geral se fez ouvir.
- Não está muito claro porque isso aconteceu, mas não é definitivo, embora até a visão dela voltar completamente possa demorar algum tempo.
- Quanto tempo? –indagou o Sr. Weasley.
- Isso depende de como o organismo dela vai responder, fica entre 4 meses e 2 anos. Mas de qualquer forma é uma boa noticia saber que não durará muito.
- Ela terá que fazer exames periódicos? –questionou Fred.
- Ou que tomar remédio? –completou Jorge.
- Sim, terá. Só espero que dessa vez ela não esconda a verdade.
Um silêncio constrangedor tomou conta da sala.
- Bom, ela está acordada, embora exausta. Vocês têm cinco minutos com ela.
Ela ficou surpresa quando percebeu que a família toda estava ali, e pouco a vontade quando percebeu que Harry também estava com a família dela. E pelo visto ele também não havia falado com ninguém que o noivado acabara. Os cinco minutos acabaram num piscar de olhos e a enfermeira avisou que tinha que sair.
- Por favor, eu não posso dar uma palavrinha com ela em particular, sou noivo dela.
A enfermeira estava preparada para dizer ‘não’ quando viu a cicatriz em forma de raio.
- Você tem dois minutos, não posso dar mais que isso.
- Muito obrigado.
Ela ouviu quando a porta se fechou, mas sabia que ainda havia uma pessoa ali.
-Harry?
-Sou eu.
El não falou nada, seus olhos estavam desesperadamente parados, fixos à frente.
-Gina, você recebeu minha carta?
-Sim.
-E você entendeu...?
Harry falava devagar e temeroso, extremamente desconfortável e confuso.
-Não. Nada daquilo faz sentido, e se por algum acaso você foi sincero naquela carta, você é o maior imbecil que já conheci e não sei o que vi em você.
Ele andou um pouco e se sentou na cama ao lado dela.
-Por que não contou aos seus pais que terminamos?
-Eu contei, só que eles são bem discretos. Mamãe inclusive está muito preocupada com você, acha que você deve ficar um pouco longe de tudo. Você está perturbado.
-Eu não posso ficar longe...
-Isso não problema meu. Mas você deve estar bem melhor agora que sabe definitivamente que eu não vou te atrapalhar. Afinal, agora eu sou uma inútil por tempo indeterminado.
Havia uma dureza e uma amargura na voz dela que não lhe era familiar, Gina lhe chamava de perturbado, mas não estava enxergando a si mesma direito.
-Vá embora, Harry. Olhe, se você tem outra ou se você já não gosta de mim, não tem problema, só queria que você tivesse sido sincero.
-Eu fui.
Ela deu de ombros, como se não fosse importante. Ele pegou as mãos dela, e ela o afastou imediatamente. Não havendo mais nada a fazer e tendo esgotado seu tempo, ele foi embora.
Estava irritada, dolorida e angustiada. Voltara para casa, mas não foi exatamente o que ela imaginou. Vivera toda a sua vida naquela casa, mas agora é como se nunca estivesse estado ali. Andava batendo nas coisas, não sabia a localização de nada, e por mais que andasse colada na parede, sempre acabava se perdendo ou batendo em algum móvel.
-Calma, Gina. Você vai se acostumar com a casa desse novo jeito logo, logo...- disse Carlinhos tentando acalmá-la.
-Eu não quero me acostumar! –disse num sussurro letal.
O irmão a abraçou firme.
-Você não vai ficar assim por muito tempo, você ouviu o médico. De quatro meses a dois anos. Mas como você é uma Weasley, o mais rápido possível você já vai estar legal.
Ela não disse nada, saiu do abraço e começou a subir as escadas, passando a mão na parede para acompanhar o caminho.
Entrou no seu quarto e deu um passo a mais do que o certo para a achar a cama, o joelho, já tão castigado e dolorido começou a sangrar.
-Droga!
Ela sentou-se na cama e tocou o joelho, a textura do sangue era agradável ao toque, mas não aliviava a dor fraca e contínua que ali se instalara. Encostou os lábio no ferimento para chupar o sangue.
Um gosto muito mais doce que o mel e mais prazeroso que o chocolate veio não a sua boca, mas a sua cabeça. O gosto de sangue é bom, mas a lembrança que isso lhe trazia era muito melhor.
Harry tinha ganhado mais uma partida de quadribol para a Grifinória, mas caíra de uma altura grande e fraturara alguns poucos ossos do crânio. Madame Pomfrey o curou rápido, mas pediu que ele ficasse descansando aquela noite, pois quando a cabeça era afetada necessitava mais alguns cuidados.
Todo o time já havia saído quando ela entrou na enfermaria, ele estava dormindo na hora. Eles não estavam namorando, mas até mesmo as árvores e os pássaros já haviam percebido os longos olhares que trocavam. Ela parou ao lado dele, parecia bem, embora houvesse um pequenino corte no lábio inferior.
Ele abriu os olhos e os dois ficaram se encarando por longos minutos sem dizer nada, então num momento não muito preciso ele se sentou e a puxou para perto. De todos os gostos que pensou que o beijo de Harry pudesse ter, nunca pensara em um beijo com gosto de sangue.
Ela sorria e ainda lembrava de tudo isso quando sua mãe entrou aflita. Percebeu o machucado de Gina, mas deixou isso para depois.
-Arrume umas trouxas, Gina, vamos para Londres.
Ela entendeu que iam para o Quartel General, embora não soubesse ainda o porquê. Molly já saía do quarto da menina quando Gina a chamou.
-Mãe!
Ela olhou e viu sua filha constrangida.
-A senhora pode me ajudar a arrumar minhas coisas?
Um aperto no coração de Molly fez com que ajudasse calmamente a filha a ajeitar suas coisas mesmo que tivesse muito que fazer.
Houvera um ataque de Comensais a Ottery St. Catchpole, a cidade próxima a qual moravam, e por isso eles estavam em Londres. Para Gina a situação nunca estivera pior, se reclamava de sua casa, ali no Largo Grimmauld era muito pior. As paredes eram mais distantes umas das outras, e havia muitos quadros rabugentos pendurados, o que atrapalhava que ela andasse contornando as paredes.
Tonks ficava muito feliz em ajudá-la, mas Gina não estava gostando nada de ter que ficar dependendo dos outros o tempo todo e ainda por cima não poder fazer nada. Ficava a maior parte do tempo sentada ou deitada em algum lugar, enquanto ouvia os outros trabalhando o tempo todo, sempre ocupados e com pressa.
Numa hora que se estressou exigiu que arranjassem algo para ela fazer, e sua mãe a conduzia na cozinha, podia fazer algumas coisas não muito úteis e que qualquer feitiço poderia ter feito num segundo enquanto ela levava minutos, mas pelo menos assim ela ficava mais calma. Mas toda vez ela acabava dando um pequeno corte em sua mão, e por isso Molly sempre tinha que ficar por perto para impedir que o sangue se misturasse à comida.
Nos jantares ela sempre ficava calada, embora todos conversassem avidamente. Alguém de vez em quando conversava algo com ela, mas como só respondia com monossílabos, a pessoa acabava desistindo dela.
Ela terminava de enxaguar a louça quando ouviu um barulho seco.
-Tonks, o que foi esse barulho?
-Hã? Ah sim, foi uma bola que rolou e bateu na porta da sala de reuniões.
Sabia que Tonks não estava na reunião para fazer companhia a ela, o resto do pessoal todo devia estar lá, e por isso a porta não precisava ser protegida contra orelhas extensíveis ou coisa assim.
Gina sentou-se num sofá perto da sala de reuniões e forçou sua audição. Diziam que de se perde um sentido os outros se ampliam, pois bem, era hora de testar. Apesar da porta não estar protegida e dela não estar muito longe, não conseguia ouvir muita coisa, só algumas palavras. Talvez...impossível...Comensais...destruição...feitiços... desvantagem. Era muito pouco o que ouvia, mas seu semblante estava sério e atento ao que diziam lá dentro.
Tonks pareceu notar o incomum silêncio de Gina, ela já não conversava muito, mas sempre dava uns suspiros altos de desgosto. Ela olhou para a garota e estranhou a cena.
-Gina, você está bem?
A garota tentou parecer normal e deixou a reunião de lado, nunca saberia de fato o que eles estavam conversando.
Naquela noite estava sem sono, assim como nas tantas outras passadas, como seu corpo não cansava o suficiente, ela estava sempre sem sono à noite, só dormia por algumas poucas horas. Geralmente ficava na cama, quieta, esperando que o dia nascesse e alguma boa alma levantasse logo para que ela o seguisse, mas naquela hora estava com vontade de se mexer.
Desceu as escadas com todo cuidado para não fazer barulho e não acordar alguém, e já até se sentia vitoriosa por ter andando todo o percurso sem acontecer nada quando finalmente bateu o joelho com tudo numa cadeira que estava fora do lugar.
-Merda!
Ela só sussurra, mas foi o suficiente para Harry ouvir. Ele estava deitado numa poltrona, olhando a lareira.
-Gina?
Ela estava agachada chupando o pouco de sangue que saía e ficou quieta quando Harry falou com ela. Sabia que ele estava na casa, porque algumas vezes ouvia a voz dele conversando com alguém, mas até agora nenhum tinha dirigido a palavra ao outro.
-Gina, você está bem? Precisa de algo? –disse ele já se levantando para ajudar.
Ela ignorou a ajuda dele e se levantou sozinha, e foi rude ao responder.
-Preciso dormir, mas não acho que você possa me ajudar com isso.
Ele deu um sorriso amargo. Sabia bem do que ela estava falando. Ele reparou no que ela estava fazendo, primeiro procurou a mesa da cozinha e quando a encontrou ficou virando de um lado para outro, como se estivesse conferindo algo, quando se sentiu segura puxou a varinha do robe.
-Accio copo! –e quando esse chegou ela voltou a bradar a varinha- Accio jarra de água!
Todos lhe diziam que ela reclamava o tempo todo, e ele podia inclusive ver isso. Mas para quem resmungava tanto ela parecia estar se saindo muito bem.
-Accio pote de biscoito!
Ele sentou-se ao lado dela.
-Sempre tem insônia?
-Desde que saí do hospital. Lá eles me davam poções para dormir.
Ele riu.
-Então é por isso que você sempre está irritada, não dormir é fogo.
Ela fez um muxoxo com a mão.
-Não ver não é tão ruim quanto se possa pensar, Harry. Você consegue saborear mais as coisas, o som da água caindo é mais relaxante, o toque dos familiares é mais suave e o cheiro da comida é muito mais irresistível. O problema é não poder fazer nada e sempre bater nos móveis.
Ela tocou-lhe para ter certeza de onde ele estava e então levantou o robe, mostrando os joelhos já muito agredidos. Ele fez uma careta que ela não viu, mas imaginou que ele tivesse feito.
-Dói constantemente, não há tempo o suficiente para parar de doer, porque sempre vem algo mais para doer em cima de uma outra dor, e por isso custa a passar. Geralmente passa à noite, mas não é um grande consolo. Preferia que doesse sempre se pelo menos eu pudesse dormir tranqüilamente.
-Bom, embora nada em mim esteja doendo, eu concordo com você.
-Também tem insônia sempre?
Ele suspirou.
-Como eu já te disse uma vez, toda noite eu sonho com uma batalha onde morro. Eu acordo tremendo, suando e ofegando, até que me acalmo e viro pro lado, mas por mais que eu tente o sono já se foi e eu fico observando o teto. Às vezes levanto, às vezes não.
Ela abaixou a cabeça sem saber o que falar, então ele realmente estava tão transtornado quanto dizia estar.
-Você não pode ficar assim. Não se quiser vencê-lo.
-É fácil dizer quando não é com você. É o mesmo que lhe mandar ficar calma, mesmo que você sabe que vai bater em algo. A dor de bater num móvel é sua, não dos outros, a raiva que sente por não conseguir saber onde tudo vai estar é só sua.
Ela ficou pasma, ela não conseguia sentir-se na pele de Harry, mas ele sabia exatamente como ela se sentia. Ela abriu a boca para dizer algo quando ele continuou.
-E é humilhante quando os outros sentem pena de você, pela sua situação, você quer mandar que todos parem, que te tratem como se você fosse mais uma pessoa normal, mas é só olharem para você, pro seu jeito, o modo como você olha, como você se move e conversa que as pessoas simplesmente não conseguem lhe enxergar como uma pessoa normal.
Ela só percebeu que estava chorando quando sentiu o gosto salgado da lágrima na sua boca. E o pior é que não chorava por si, mas sim por ele. De repente todo o ódio que estava de Harry tinha se dissipado, e isso não era porque ele conseguia entender o que ela sentia, mas porque agora ela conseguia entender o que ele sentia.
Ela tocou a mão dele carinhosamente, embora lhe faltasse coragem suficiente para apertá-la com força. Ele colocou sua outra mão por cima da mão dela, e ficaram assim por um tempo, numa cumplicidade que há muito tempo tinham tido. Não precisavam de palavras, e nem mesmo as conseguiam encontrar.
Assim como na enfermaria de Hogwarts uma vez, ele a puxou para perto e um beijo aconteceu. Por ironia do destino, dessa vez o gosto de sangue vinha da boca dela.
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