Inesperado
Gregory levantou cedo, preparou o café e sentou-se na cadeira da varanda, cruzando as pernas apoiadas sobre a balaustrada. Ele esperava por Andrew, que não tardou a se sentar ao seu lado com uma caneca de café nas mãos.
— O que vai fazer hoje? - quis saber o pai, sem olhar para o filho.
— Não sei - murmurou. - Não me sinto bem. Não irei à missa, ficarei aqui para descansar.
— Ela é uma pessoa muito especial - Gregory falou sem rodeios, fazendo o filho arregalar os olhos em sua direção. Os dois se fitaram por instantes, ao passo que os raios do sol começavam a tocar a beirada da varanda. - Mas é casada, Drew.
Andrew, envergonhado, virou o rosto para o lado oposto, observando algumas vacas que já bastavam pouco além do celeiro.
— Qualquer homem se apaixonaria por uma mulher como ela, mas não a conhecemos o suficiente. Não sabemos por que ela fugiu do marido...
— E nem precisamos, foi o senhor mesmo quem disse isso!
— Viver com ela nesta casa é diferente do que dormir com ela, Drew.
— Por quê? O que teria de diferente? O senhor acha que ela mudaria?
— Eu acho que...
— Se o senhor se incomoda tanto assim, por que ainda a mantém debaixo de seu teto?
Gregory encarou o filho, a resposta estava pronta em sua cabeça, mas nada disse.
— Sim, eu gosto dela - admitiu Andrew sem vergonha. - Ela me cativou. Mas sei que não é recíproco - e baixou o rosto para a caneca vazia nas mãos.
— Talvez não seja recíproco porque ela sabe seu lugar. Ela é casada e não pode fugir dessa condição, nem mesmo atravessando o oceano.
— Eu sei - murmurou -, mas eu queria...
Gregory sorriu e colocou sua mão sobre a do filho.
— Nós queremos muitas coisas, Drew, e algumas delas jamais vamos possuir.
Era triste ver o filho tão desolado, entendia da dor que ele sentia, e essa dor poderia vir a ser pior se algo entre ele e Kassandra acontecesse. Gregory decidiu que iria conversar com a ela, pedir que se afastasse de seu filho. Não queria que ela partisse dali, mas se fosse preciso afastá-la de Andrew, não hesitaria em pedir.
Então, depois da missa, enquanto todos se dirigiram para a fazenda vizinha, Gregory caminhou, ladeando a senhora Crabbe, com certa vagareza forçada. Não esperava, mas ela sabia que algo estava por vir, e quando eles chegaram às árvores na divisa das propriedades, ela parou de súbito, abaixando-se para pegar uma pequenina flor que nascia entre as gramas amareladas pelo calor.
— A senhora está bem? - perguntou Greig agachando-se ao lado dela, que sorriu ao fitá-lo.
— O senhor quer me dizer alguma coisa - disse piscando com suavidade. - Veio matutando desde a igreja.
Gregory ergueu as sobrancelhas sem conseguir esconder a surpresa.
— A senhora já me conhece bem.
Ela sorriu e se pôs de pé. Greig também levantou e os dois ficaram um frente ao outro.
— Não tenha vergonha, senhor McCoy, ambos somos adultos, conversas sérias são nossa especialidade - e sorriu novamente, desarmando Greig.
— Bem - ele iniciou pigarreando, os olhos vidrados nos dela -, não quero que a senhora me leve à mal...
— De modo algum.
— É sobre... sobre... - mas Greig não conseguia dar início à conversa.
— Sobre seu filho Andrew talvez? - arriscou ela.
Ele não arregalou os olhos porque já tinha se surpreendido com ela há poucos instantes, mas ao tencionar falar as palavras não lhe vieram aos lábios.
— Ele é um ótimo rapaz. Gosto muito dele, assim como de todos os seus filhos, senhor McCoy. Eu tenho notado que o interesse de Andrew por mim cresceu nessas últimas semanas. Em parte é minha culpa, eu aceitei os convites dele... mas realmente acreditei que ele somente estivesse querendo ser gentil.
Greig sorriu, deixando a preocupação de lado.
— A senhora é digna de muitas gentilezas.
— Pode ser que eu o conheça bem, senhor McCoy. Porém, o senhor não me conhece. -Ela o encarou como se quisesse confessar um grande segredo. - Nem sempre fui a pessoa que o senhor vê hoje. Eu magoei, decepcionei e humilhei.
A pausa prolongada dela deu coragem para as palavras de Greig.
— O que a senhora é agora é o que importa para mim - Gregory disse pegando a flor da mão dela. - E por isso sei que a senhora será sincera ao me responder - ele fez uma breve pausa e perguntou: - Tem algum interesse em meu filho?
Kassandra respirou fundo, endireitando a postura e o encarou.
— Não posso ser a mulher que seu filho deseja. Não sou garota inocente, com castos pensamentos e com a submissão como primeiro mandamento.
Ele baixou os olhos e sorriu com o canto da boca.
— Andrew não ficaria mais do que um mês ao meu lado - completou dando a volta em Gregory - porque ele não me conhece de verdade. Ele só vê o melhor de mim. E é somente isso que eu mostro a todos vocês - terminou de costas para ele, fitando a casa minúscula ao longe.
— A senhora é sincera e isso já basta...
— Não. Eu não sou sincera, senhor McCoy. Se eu fosse sincera, teria contado a verdade ao senhor. - Ela voltou o olhar para Gregory. - Mas passar esse tempo com sua família me mostrou muitas coisas que jamais pensei que mudariam em mim.
— Todos nós temos alguns segredos.
— O senhor é muito tolerante.
— O tempo ensina isso a nós.
— Quando se vive como o senhor vive, acredito que sim. No entanto, se o senhor pudesse viver onde vivi minha vida toda, não diria essa frase.
— A senhora exagera... - ele falou rindo, mas foi interrompido quase que de imediato.
— Eu não tenho segundas intenções para com seu filho, senhor McCoy - ela foi seca. - Não sou o tipo de mulher para ele. E não quis magoá-lo. Mas acho que já não posso me esquivar dessa conversa com ele.
— Se fossem em outras circunstâncias, a senhora seria a mulher perfeita.
— É justamente por tal não poder permitir que seu filho me coloque num pedestal. Mesmo que eu goste de estar num - ela riu baixinho, escondendo a boca.
— A senhora mereceria estar num - ele murmurou encarando-a.
— Ora, senhor McCoy, lisonjas...
— Não, eu digo o que sei. A mãe dos meus filhos não foi metade do que a senhora é.
Kassandra ergueu o queixo e a sobrancelha.
— Já lhe disse para não falar sobre o que não sabe.
— A senhora - e ele riu alto, desviando o olhar - não faz idéia do que ela fazia e deixava de fazer.
— Foi a mulher que o senhor escolheu como esposa - alfinetou. Conhecia aquele tipo de conversa fiada e ela só levava a um objetivo: a vontade masculina de possuir uma mulher que não era sua.
— A senhora me julga - ele pausou o pensamento alto.
— Não - respondeu mentido.
— Sim - ele balançou a cabeça em consentimento -, a senhora me julga. É difícil falar em Sally. Há anos que não falo nela... com ninguém. Isso me traz muita tristeza.
Kassandra olhou para as mãos dele, os dedos eram estalados sucessivamente, sem paz.
— Eu não fui um bom marido. Eu sei que não. Mas no início tudo é um mar de rosas. A gente aceita coisas que depois de alguns anos jamais passam despercebidas.
Kassandra pensou em Crabbe.
— Eu me afastei das crianças mais novas e de Sally, levava Drew e Luc comigo por todo lado. E quando chegava em casa e ouvia as lamúrias dela, eu saía outra vez. Sempre por aí, atrás de serviço. Nellie foi quem agüentou os trancos enquanto eu fugia. Ela cuidou dos irmãos.
― E o sustento da casa não é sua obrigação?
― Sim, é sim, senhora. Mas foi justamente por ele que deixei muitas coisas passaram pelos meus olhos sem dar qualquer importância.
— As diferenças existem, mas não vejo no que o senhor pode ter errado mesmo tendo se afastado da família com o intuito de arrumar um bom serviço ou por fugir das reclamações da esposa.
— Mas não fui homem - confessou passando as mãos pelas coxas da calça como que as secando. - Era meu dever cuidar tanto do sustento quanto da educação de meus filhos. Nellie fez tudo sozinha.
— E a senhora McCoy? O que fazia? - perguntou Kassandra sem se interessar se estava sendo intrometida; ele tinha dado início àquela conversa, agora que arcasse com as conseqüências.
— Ah - ele riu -, a senhora McCoy vivia na cidade com as amigas. Ela nunca gostou desse lugar. Jamais negou isso também. Ela sempre fazia questão de me lembrar.
Kassandra se sentiu um pouco incomodada, também sempre fizera questão de dizer ao marido o quanto o detestava.
— A senhora entende, não é mesmo? Sabe do que falo.
— Eu sei. Mas penso que seus filhos são ótimas pessoas. Veja o caminho que tomam! Nenhum deles se desviou do que o senhor é! São crianças e jovens respeitadores e educados.
― Eles são. E a alguém tiveram que puxar...
Greig sorriu e as linhas de seu rosto se suavizaram. Kassandra olhou para o horizonte, o sol ia a pino, nenhuma nuvem protegia os campos ressecados, mas o céu tinha um tom de azul tão profundo que transformava a paisagem numa pintura etérea.
— É melhor apressarmos o passo para cruzar a pastagem - alertou Gregory recolocando o chapéu enquanto olhava para o céu. Ele tomou a sombrinha que Kassandra segurava, abriu-a e devolveu-a para ela e em seguida estendeu-lhe o braço.
Naquela mesma noite, Kassandra encontrou-se com Andrew. Ninguém da família o vira durante todo o dia porque ele permanecera em casa, recluso, remoendo todas as recusas que recebera da senhora Crabbe. E quando a família chegou apareceu na velha carroça, Andrew saiu de casa, indo se abrigar ao lado do celeiro, num balanço antigo, onde ele e Nellie costumavam brincar. Kassandra foi até ele, chegando devagar, e o farfalhar de suas roupas a anunciou.
— Noite bonita, não acha? - ela falou olhando para o céu estrelado por entre os galhos da solitária árvore.
Andrew fitou o céu para desviar sua atenção da mulher.
— Aquela ali é... - iniciou Kassandra apontando o dedo para as estrelas, mas foi interrompida bruscamente por Andrew.
— Não faça rodeios, senhora. Diga logo o que quer me dizer!
Ela se surpreendeu com a grosseria, mas conseguia se colocar no lugar dele e entendia o que ele sentia.
— Você já deve saber do que se trata - Kassandra murmurou enquanto fitava o céu.
— Sim. Eu sei. Nellie me contou - respondeu ele cabisbaixo.
— Ne... Nellie? Como ela..?
— Ela é uma garota esperta... ela sempre foi - e ele baixou os olhos, parecia querer chorar.
— Andrew - Kassandra falou suavemente, agachando diante dele e tocando de leve nos cabelos dele, afastando-os do rosto. - Nós não podemos ficar juntos. E, lá no fundo, você sempre soube que não poderíamos. Devo-lhe desculpas por fazê-lo pensar que algo poderia acontecer entre nós... Mas eu sou casada, apesar de tudo, e não posso oferecer o que você deseja!
Andrew apenas levantou os olhos, encarando Kassandra, com um misto de indiferença e apreensão no semblante.
— Eu sei que o pai pode oferecer o melhor para a senhora, mas eu sou novo! E eu... eu gosto muito da senhora! - alardeou num desespero descomedido, como se sua última súplica a fizesse mudar de idéia.
Kassandra balançou a cabeça tentando compreender o que ele queria dizer, se pôs de pé e com as mãos na cintura, perguntou:
— Seu pai pode me oferecer o melhor? O que quer dizer com isso?
Andrew a encarou com surpresa.
— Seu pai tem algum interesse em mim?
Mas a resposta à pergunta de Kassandra ficou subentendida na expressão do rosto de Andrew, que não soube manejar palavras certas para confirmar que o espírito de seu pai era cativo dela.
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