Com que roupa eu vou



O relógio tocou dez badaladas quando Hermione minha amada e pontual mulher apareceu.
- Ron, já estou indo.
E nisso saiu outra vez rumo ao closet.
Já estava acostumado com isso. Todos os anos combinávamos de aparecer n’Toca as nove e meia para conversarmos antes da virada do ano, mas nosso recorde foi há quatro anos quando saímos as dez e meia.
- Você acha que essa blusa é muito decotada? – ela perguntou com uma blusa rosa nas mãos e um pé com meia e o outro com sandália.
- Acho – respondi.
- Mas só estarão as pessoas da família.
- Então vá sem blusa.
Após isso percebi que não tinha dito o certo, mas ela nem se importou. Imediatamente saiu correndo para o quarto e em menos de alguns segundos ela apareceu novamente com um vestido que me pediu para abotoá-lo. Desde que começara a trabalhar no ministério roupas não faltavam em seu armário.
Já estava fatalmente acostumado com essa demora.
- Ron, você acha que esse casaco preto fica muito solene para a passagem do ano?
- Creio que o ano não deixará de passar por conta do seu casaco.
Nosso guarda-roupas tem seis portas, cinco portas e meia ela ocupa com suas blusas, calças, bolsas, casacos e sapatos, e eu com meia porta nunca tive dúvidas com o que me vestir. Indubitavelmente as trocas de roupas são diretamente proporcionais a quantidade delas, e eu com meia porta já estava pronto – e satisfeito – desde as oito.
Meias. Odeio meias.
Como de costume elas deveriam andar aos pares, mas só querer achar uma que o par some como mágica – sem ironias. Hermione estava aflita, pois o único par de meias que combinava com a blusa rosa; bem, agora ela estava com o casaco amarelo.
- Ron! Vá à lavanderia ver se você acha minha meia! – ela ordenou do andar de cima aos berros.
Até pensei em sugerir que fosse procurar outra meia, mas seria correr risco de ouvir um longo discurso sobre minha grave falta de senso para combinar roupas. Para que? Já estávamos atrasados.
- Mione, são dez e meia... – gritei ao perceber que ela abria a porta do guarda-roupas outra vez.
- Ronald! Por que você está sempre me apressando?
E desapareceu resmungando que eu estava ficando velho, ranzinza e que o trabalho me deixava estressado. Resolvi arrumar o Livro Caixa da loja da família, Gemialidades Weasley; mas antes resolvi checar o motivo da nova demora: Hermione transportava as tralhas de uma bolsa prata para uma bolsa branca e assim que terminou deu uma volta e tornou a conduzir as mesmas coisas para uma bolsa preta. Sentei-me do escritório e comecei a arrumar as planilhas no computador e nem olhava mais para o relógio.
- Quer me ajudar com esse zíper? – Hermione entrou no escritório segurando nos lábios uma agulha e com um carretel de linha rosa nas mãos.
- Mas eu acabei de puxá-lo.
- Você puxou para cima, agora puxe para baixo; a blusa rasgou!
Enquanto abria o zíper ouvia suas reclamações que essa época de fim de ano a fez engordar, que estava se sentindo uma baleia e brigava comigo por querer ter um filho. Como se fosse minha culpa as “descosturas” da sua blusa.
- Hermione, você não está gorda – disse tentando acalmá-la.
- Claro que estou – ela me mostrou o cós da calça – olha essa banha!
De fato não estava vendo nada.
Quase meia hora se passou quando ela apareceu novamente na porta do escritório com dois pares de sapatos nas mãos.
- Ron, qual dos dois?
- O vermelho é mais bonito.
- Mas eu já o usei no natal...
- Então vá com o preto.
- Eu iria se você não tivesse falado que o vermelho é mais bonito. Agora estou insegura.
Deu meia volta e subiu as escadas novamente deixando-me sem saber se iria com o vermelho ou com o preto. Certamente elegeria uma terceira opção.
Tirei um cochilo no próprio escritório quando ouvi um foguete estourando nas ruas – o que me deixava completamente arrependido por morar em uma vila trouxa – e gritei do primeiro degrau da escada:
- Mione, é quase meia-noite, você não acha melhor passarmos o ano novo em casa?
- E deixar sua mãe falando na minha orelha durante o ano novo todo que nós estamos abandonando ela? Nunca. Em cinco minutos estou pronta.
Comecei a andar em frente do hall para ver se aquilo atraia sorte para sairmos logo; quando meu relógio apitou. Meia-noite.
Ao começar a grande explosão de fogos de artifícios, subi até o nosso quarto onde ela se maquiava diante do espelho.
Abri os braços cheio de alegria.
- Meia noite, amor, Feliz ano novo!
- Calma! – gritou – já estou indo! – disse sem dar importância para a hora e me deixando com os braços abertos para o além.
Alguns segundos se passaram quando mamãe ligou:
- Ronald! O que você está fazendo? Por Merlin! Está todo mundo aqui! Só faltam vocês! – gritava mamãe aflita ao telefone.
- Calma mãe. – só para pagar na mesma moeda - A Hermione quer falar com você.
Pensei em chamá-la para dar explicações com a sogra, mas desisti quando ela gritava do banheiro.
- Por Merlin! Ronald!
Despachei minha mãe dizendo que em cinco minutos estaria lá, e fui ver o que estava acontecendo com minha querida e pontual mulher.
- Ronald! Meus brincos!
- O que houve com os seus brincos? – perguntei serenamente contrastando de maneira drástica com sua aflição.
- Eles caíram na privada – ela respondeu deprimida olhando para o vaso sanitário.
De fato não me agüentei e tive que rir.
- Mas que diabos você estava fazendo? Trocando os brincos sentada na privada?!
Ela ficou quieta.
- Mas foram aqueles brincos que você me deu quando namorávamos!
- Ah Mione! Por favor, aqueles brincos eram horríveis!
- Mas você sempre disse que eu ficava bonita com eles! – agora ela estava arrogante comigo e nem mais ligava pelos brincos levados pela descarga.
- Mas...
E fechou a porta na minha cara.
Acabei dormindo na cadeira da sala de jantar. Sonhei que Henrique VIII decapitou as suas seis mulheres porque elas demoravam a se trocar, mas logo fui acordado por Hermione.
- Não acredito que você está dormindo! Mal começou o ano e você está dormindo?!
- Não tinha nada melhor para fazer.
- Esse sapato combina com esse casaco?
Não acreditei que aquilo começaria outra vez.
- Nossa! Perfeito! Sem dúvidas esse sapato foi feito para esse casaco! Nunca vi algo tão bonito na minha vida! Vou mandar tirar o carro da garagem.
- Espera um pouco que vou arrumar meu cabelo.
Tornei a esperar e nisso cai novamente no sono.
Acordei assustado com ela me cutucando:
- Vamos embora! – dizia indo para o hall. Como queria ver aquela cena.
Olhei para o relógio.
Duas da madrugada.
- Agora, Hermione? Daqui a pouco estamos comemorando o natal outra vez!
- E daí? É a melhor hora! No mínimo todos os convidados do ministério que seu pai chamou já foram embora.
Levantei-me e sem querer olhei o meu reflexo na vidraça da cozinha, levei um susto comigo mesmo: cabelos desalinhados, pele sebosa, olhos inchados e um gosto de isopor na boca. Parecia ter cem anos.
- Me deixe lavar o rosto e escovar os dentes rapidinho.
Enquanto estava no banheiro via Hermione encostada na porta e batendo o pé na soleira com insatisfação:
- Ah – começou bufando – será que tenho que esperar por você todas às vezes?

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