TUDO QUE HOUVER NESSA VIDA
Primeiro é a dor. Depois a consciência de que ele existe e está em algum lugar. Tudo bem. Ele se lembra: Seu nome é Harry Potter, está numa casa confortável que era uma das propriedades que Sirius havia lhe deixado em testamento. Seu padrinho imaginava que um dia ele precisaria de um lugar tranquilo para se esconder e aquela casa tinha quase tantas proteções mágicas quanto o Banco Gringotes. Era imponente e arrogante como quase todas as propriedades dos Blacks. Dobby e Patrícia haviam humanizado um pouco o velho solar na medida do possível. Ele sempre a usara para as suas estadias em Londres. Tinham (ele e Patrícia) propriedades na França, na Nigéria e em vários lugares da Inglaterra.
Harry possuía imóveis que havia herdado dos pais e de Sirius. Patrícia tinha as propriedades do falecido bruxo das trevas Amos Okosha, das quais Harry era o administrador legal. A garota, que realmente o considerava um irmão, sempre discutia com ele, pois Harry dizia que os imóveis eram exclusivamente dela e que ela tomaria posse legal aos dezessete anos (a maioridade no mundo bruxo). Patrícia insistia que ambos eram proprietários (como irmãos que eram), como constava no testamento de seu pai. Harry nessas oras desistia, pois nunca havia sido bom em brigar com garotas e a irmã era particularmente boa em discussões.
O incômodo da dor vinha se tornando cada dia mais frequente. Tinha que recorrer a todo o seu controle para ignorá-la no fundo da mente. Estava morrendo, tinha que encarar o fato. Tinha vinte e cinco anos e sua vida estava chegando ao fim. Acordar e contemplar a escuridão com seus olhos cegos não era tão desconfortável como “a” dor. Desceu até a cozinha para diluir em água a fortíssima poção que Hermione lhe receitara. Então seus sentidos ampliados pelo “DOM” falharam (ou o chão falhou, não havia como saber) e Harry caiu, o frasco de poções em pedaços, com os cacos de vidro ferindo-lhe a mão direita.
As coisas ficaram um tanto confusas. Dobby e Patrícia, que certamente tomavam o café da manhã, apressaram-se em ampará-lo até uma cadeira. Sua irmã chorava.
- Oh, Harry, por favor, fale comigo! – a menina soluçava – Dobby, ele está tão pálido!
Antes que o elfo começasse a insistir para que ele comesse alguma coisa (para os elfos qualquer problema de saúde pode ser resolvido com uma boa refeição) o bruxo lhe deu instruções para apanhar no seu quarto um outro frasco com a poção que havia se perdido. Dobby desaparatou e aparatou quase em seguida com o remédio. Patrícia, ainda trêmula e soluçante, cuidava da mão de Harry.
O bruxo nesse momento teve uma raiva imensa de si mesmo por fazer com que as pessoas ficassem tristes por causa dele. Já não bastava magoar Gina e Roni? Gostaria de dizer alguma coisa para a garota, mas só pôde estender a mão sã e acariciar o seu rosto, tentando enxugar-lhe as lágrimas. Havia salvado o mundo mágico apenas para magoar as pessoas que amava?
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Hermione Granger aparatou na confortável mas sombria sala de estar de Harry junto com Draco Malfoy. O amigo havia-lhe explicado como burlar os intrincados segredos para a entrada da residência. Patrícia tentou sorrir-lhes de maneira hospitaleira, mas os dois bruxos perceberam a tristeza que nublava o seu belo rosto.
- Ele está dormindo novamente – disse a irmã de Harry, tentando controlar-se – Depois que tomou a poção melhorou um pouco, mas... – a voz da garota falhou e caiu num choro descontrolado.
- Shhh, calma – disse Hermione de maneira tranquilizadora, passando o braço sobre os ombros da garota – Nós vamos cuidar dele, Patrícia, não se preocupe.
- Eu acho que descobri uma forma do seu irmão voltar a enxergar – disse Draco tentando animá-la – Vamos testar essa poção assim que ele acordar – afirmou muito seguro o bruxo, tirando do bolso das suas veste negras um vidro com um líquido verde-esmeralda.
- Então você é tão bom como dizem, meu caro Malfoy? – era Harry que descia as escadas que vinham dos quartos superiores e sorria para os amigos, aparentemente recuperado. Patrícia o abraçou. Depois de tranqüilizá-la ele beijou a testa de Hermione e, para o desespero de Draco (Hermione abafou o riso), o rapaz beijou-o no rosto. Harry vestia jeans, calçava tênis e usava um pulôver creme. A mesma roupa de trouxa descolado.
- Bem, aprendi com o melhor... – ia dizendo Malfoy, mas lembrou-se a tempo que talvez não fosse muito sensato mencionar o “melhor preparador de poções do mundo” na frente de dois ex-grifinórios, não depois de tudo o que se descobriu dele há alguns anos atrás – Digamos que eu já nasci entre os melhores, Potter – consertou o ex-sonserino com a falta de modéstia e o sarcasmo característico – Agora, se você puder me arrumar uma gaze, eu acho que posso dar um jeito, pelo menos temporário, na sua cegueira. Você vai querer ver os Weasleys, não é mesmo? Principalmente uma certa Weasley... Ah, e eu dispenso o beijo dessa vez. Francamente, Potter, você passou muito tempo andando pelo terceiro mundo...
Rindo do mal-humor do loiro, Harry recebeu a gaze que Patrícia providenciara e embebeu-a na poção verde, colocando-a sobre cada um dos olhos, de acordo com as instruções de Draco. Alguns segundos depois, ele olhou, aparentemente maravilhado na direção de Hermione.
- Mione, você está muito bonita, que cara de sorte é o Roni!
Antes que Hermione pudesse responder ao elogio, ainda muito encabulada, Patrícia deu um abraço apertado em Draco e um beijo estalado no seu rosto.Harry podia enxergar!
- Ei, você pode me beijar quando quiser, garota – caçoou o loiro – Brincadeirinha, Potter! – acrescentou rápido ao ver os olhos verdes do bruxo faiscando na direção dele.
- Bem, vamos à Toca? – perguntou Hermione – o carro está aí fora.
Hermione sentou-se ao volante do furgão Ford imponente, enquanto os outros três bruxos olhavam o veículo maravilhados.
- E aí, vocês vão entrar ou não?
Patrícia, desde que era criança e morava com os seus parentes trouxas não andava de automóvel. Harry, praticamente desde que havia saído de Hogwarts e Draco, bem... Draco não confiava em engenhocas trouxas. Enquanto os irmãos sentavam atrás, Draco Malfoy, meio ressabiado, sentou-se no banco da frente ao lado de Hermione, resmungando contra máquinas estranhas que não tinham um pingo de magia.
- Você sabe mesmo fazer esse treco andar, Hermione? – perguntou o loiro, aparentando preocupação.
- Isso é muito mais seguro do que uma vassoura – respondeu a medibruxa, dando a partida e acelerando o veículo, divertindo-se com o ar de pânico do bruxo ao seu lado. – Draco, que poção foi aquela que você deu para o Harry? Nós não conseguimos diagnosticar a cegueira dele associada ao tumor – disse a última palavra mais baixo, não querendo preocupar Patrícia, que discutia alegremente com Harry a possibilidade de comprar um carro. Esse, aparentemente discordava.
- Você não vai acreditar...
- Tente – disseram ao mesmo tempo Hermione e Harry, que havia voltado a prestar atenção na conversa dos dois, apesar de parecer maravilhado com a possibilidade de enxergar toda a paisagem gelada do inverno londrino.
- O nosso amigo aqui – afirmou Malfoy apontando para o banco de trás – tem os sentidos mais aguçados que qualquer pessoa normal. Parece apenas que ele perdeu o controle da visão. A claridade o incomoda, não é mesmo?
- Realmente – ponderou Harry.
- Eu desconfiei por causa dos óculos escuros que você sempre usava. Achei que não eram só pra fazer tipo. Os seus olhos deixaram de enxergar como mecanismo de defesa. Seu cérebro não conseguia processar tudo o que os seus sentidos podiam captar através da visão. A sua magia deve ser tão poderosa que ela lhe privou um dos sentidos. Provavelmente para preservar os demais. Isso pode ter a ver com...bem, você sabe.
- Com a lesão cerebral – murmurou Harry, quase que para si mesmo.
- Pois é – assentiu Malfoy, um tanto sombrio – Aquela poção apenas diminuiu um pouco a sua visão. É uma poção para proteger os olhos da claridade em excesso. Snape – o nome fez Harry e Hermione emitirem grunhidos de desprezo – Bom, vocês sabem quem, costumava utilizá-la para proteger os olhos da claridade quando mexia com algumas substâncias particularmente ofuscantes.
- Engenhoso – disse Patrícia – diminuir a visão para restaurá-la.
- Mas... Potter, talvez agora não seja o momento – disse Draco com uma visível preocupação na voz – Você deveria ficar no St. Mungus. Sabe, essa sua lesão...
- Depois, Malfoy, depois – interrompeu Harry, fitando a preocupação estampada no rosto da irmã – Agora, apenas vamos à Toca. E preocupe-se em ficar longe de Roni.
- A propósito, eu falei para a Hermione que não precisava me levar. Eu sou amigo dela e da Gina, mas eu acho que aqueles ruivos, principalmente o Roni, não vão exatamente estender o tapete vermelho para mim. Não que eu não queira presenciar o final dessa história entre vocês e os Weasleys, mas sabe, eu gostaria de continuar vivo e com todos os órgãos intactos.
- Não se preocupe, Malfoy – tranqüilizou-o Harry – Vamos mantê-lo vivo e com alguns órgãos funcionando. Afinal, quem poderia preparar de novo aquela poção para os olhos? E afinal, depois da ajuda que me deu, acho que você merece se divertir um pouco.
Hermione mantinha-se segura ao volante, mas estava preocupada com a reação de Roni. Não com a presença de Draco na Toca. Aprendera a administrar a antipatia do noivo para com o seu assistente. Não sabia qual seria a reação de Roni em relação a Harry. Por um breve momento ela se sentiu como se tivesse quatorze anos e estivesse tentando de novo fazer as pazes entre duas das pessoas que mais amara na vida. Como naquele longínquo quarto ano deles em Hogwarts quando Roni e Harry ficaram durante algum tempo sem se falar.
Draco olhou intrigado para Hermione, que deixou escapar um sorriso.
- Estava pensando em nosso tempo em Hogwarts... – explicou a medibruxa.
- Dragões... – murmurou Harry, que agora cochilava, a cabeça inclinando-se para o lado em direção ao ombro de Patrícia que tentava ajeitá-lo.
- Ele sempre fala durante o sono – disse a garota, que mesmo assim o abraçava preocupada – Principalmente de uns tempos pra cá.
- Por que você não acredita em mim, Roni? – sussurrou Harry, mas de maneira bastante audível. Draco olhou intrigado para o banco de trás.
- Ele está sonhando com Hogwarts, no nosso quarto ano – disse Hermione – De alguma maneira ele captou aquilo que eu estava pensando.
Draco continuou olhando o ex-grifinório que murmurava alguma coisa, agora de maneira inaudível e um pouco agitado enquanto a irmã tentava acalmá-lo. Se a alguns anos atrás alguém dissesse que ele ficaria preocupado com Harry Potter e torcendo pro sujeito sobreviver e se acertar com os amigos, o sonserino mandaria o idiota visitar a ala dos loucos do St. Mungus. Mas era isso o que sentia no momento. E se perguntou se o “garoto que sobreviveu” havia mesmo sobrevivido. E por mais quanto tempo.
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