Os Dois Lados da Justiça
Tudo permanecia escuro como sempre fora nesses infindáveis anos, que se prolongavam por toda a eternidade, como uma música que não cansa de tocar. Geliagan fitava o céu turvo, em silêncio, esperando, apenas esperando que as providências que ele tomara causassem o resultado esperado. Seus olhos esbugalhados e suas asas negras e coriáceas se agitavam ferozmente, como a esperar algo infinitamente melhor que aquela monotonia sufocante.
Ao seu redor, os outros Shinigamis estavam jogando cartas, como sempre. Afinal, naquele lugar não tinha nada pra fazer, e Geliagan não agüentava mais.
Bertock, um dos Shinigamis mais próximos a Geliagan, vendo que este estava sozinho, disse:
- Ei Geliagan, quer jogar? Joga um pouco com a gente.
- Não, fica pra próxima. – disse Geliagan, ansioso para que o que ele esperava acontecesse logo.
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Em outro mundo, bem distante do Reino dos Shinigamis, um garoto de 20 anos bocejava com vontade durante a aula a que devia estar prestando atenção. A verdade é que ele já sabia todo o conteúdo de cor e salteado, e achava aquilo tudo um pé no saco. Se pudesse, ele apenas iria na Universidade Hogwarts fazer os exames finais, pegar seu diploma e iria embora.
Peter Hank era um aluno prodígio. Sempre se acostumou a ser o melhor em absolutamente tudo. Fosse na escola, quando tirava sempre as melhores notas, fosse nos esportes, em que sempre fora campeão, ou com as garotas, que faziam fila pra ficar com ele, nunca teve páreo.
O problema era que ser o melhor em tudo tornava Peter um tanto solitário, e pior do que isso, tornava monótona sua vida. Tudo era previsível demais e isso o angustiava por completo. A matéria lecionada pelo Professor Coch poderia parecer interessante para um aluno comum, e até mesmo difícil. No entanto, Peter achava que tinha um domínio do conteúdo melhor até do que o próprio professor.
Peter tinha permissão para aparatar, pois passou de primeira nos exames, mas preferia voltar para casa a pé, pois em casa não tinha muito o que fazer, além de estudar. Percorrendo o mesmo caminho, ele parou na banca de jornais e pagou um nuque pelo exemplar do Profeta Vespertino.
Ao ler as notícias de primeira página, ele não pôde deixar de pensar que o Ministério era por demais incompetente ao deixar que tantas tragédias acontecessem. As pessoas não se sentiam mais seguras nas ruas, pois eram tantos os assaltos, seqüestros e outras brutalidades, que Peter se perguntou se no Ministério estariam realmente trabalhando para prender esses tipos de meliantes.
“Dia após dia”, pensou. “Sempre a mesma coisa. Que tédio. Esse mundo está apodrecendo”. O que ele não sabia, é que nesse mesmo momento, outra criatura, num mundo distante, pensava exatamente a mesma coisa.
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Eram duas horas da tarde, e Peter estava sentado na grama da praça que ficava próxima à sua casa, em Vernet Hills, um vilarejo bruxo de classe média alta. As pessoas passavam por ele, algumas alegres, passeando com seus companheiros, outras apressadas, atrasadas para algum compromisso urgente.
No entanto, algo em particular chamou sua atenção: um caderno ou um livro caía embalado pelo vento, como se flutuasse e pousou cautelosamente na grama, a uns 10 metros de onde Peter estava sentado. Ele não sabia dizer se era por pura curiosidade, ou se era uma força que o movia, mas quando deu por si, estava andando em direção ao estranho objeto, até que pode ver o título que trazia em sua capa:
LIVRO DA MORTE
Peter pegou o livro nas mãos, e o segurou fortemente, fixando os olhos no título estranho. Quando o abriu, a primeira página tinha o mesmo aspecto da capa, negra e com letras em branco, que diziam:
“Instruções de uso:
O humano cujo nome for escrito nesse caderno morrerá.”
Peter soltou uma exclamação de ironia e fechou o livro. “Quanta besteira”, pensou, jogando o pequeno caderno de novo no chão. “Quem perde tempo com isso?”.
No entanto, algo dentro de Peter se remexeu, e sem saber porquê, ele pegou o caderno e colocou na mochila. Depois, se afastou a passos largos, como se estivesse fugindo. “Francamente, acho que estou ficando louco”.
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Ao entrar em casa, foi direto para o quarto, mal falando com sua irmã, que estava ouvindo a rádio bruxa naquele momento. Na verdade, mesmo que ele tivesse parado para tentar conversar algo com ela, não teria sido correspondido, pois Sâmara dançava e cantava com tanta intensidade, que parecia estar num palco com fãs entusiasmados a pedirem autógrafos.
Peter entrou no quarto, trancou a porta, pegou o Livro da Morte e o abriu na página das instruções.
“Este caderno não surtirá efeito a menos que o escritor tenha em mente a face da vítima ao escrever o nome dele/dela. Assim, pessoas que possuam o mesmo nome não serão afetadas.
Se a causa da morte for especificada dentro de 40 segundos depois de escrito o nome da vítima, será a causa mortis. Não sendo especificada a causa mortis a vítima morrerá por um ataque cardíaco. Depois de escrita a causa da morte, detalhes da mesma devem ser escritos nos próximos 6 minutos e 40 segundos.”
- Hum, então pode-se impor desde uma morte tranqüila a uma morte repleta de sofrimento. – disse Peter com desdém. – Incrível que alguém tenha perdido tempo com uma besteira dessas...
Ele deitou na sua cama, tentando pensar em outra coisa, mas as instruções do livro não saíam de sua cabeça.
- Então, morre quem tiver o nome escrito, não é...? Realmente, é estupidez.
Ele não soube dizer quanto tempo ficou contemplando o caderno que repousava em sua mesa-de-cabeceira, iluminado pelo globo de luz que ele conjurou assim que entrou no quarto, como ele sempre fazia quando ia estudar.
Mas ele não ia conseguir estudar. Não hoje.
Ele se levantou de um salto, decidido a testar aquela insanidade. Folheou o caderno para mais instruções. No entanto, tudo o que havia depois eram páginas em branco, como em um caderno comum. Pegou uma pena, molhou na tinta, e se preparou para escrever, mas então lembrou que não tinha um nome em mente.
- Espere aí, se morrer alguém de verdade, isso fará de mim um assassino? Hum, como se alguma coisa fosse acontecer de verdade...
Foi então que algo chamou a sua atenção. Na TV bruxa do seu quarto, uma repórter, montada em um Testrálio, sobrevoava a tão conhecida loja Dedosdemel, que aparentemente, estava sendo centro de um assalto, com reféns ainda presos no interior da loja.
- O homem que matou seis pessoas ontem no Surrey, ainda está escondido dentro da loja Dedosdemel, com oito reféns, incluindo crianças. A polícia bruxa afirma que o homem é Jonas Kimo, 44 anos, desempregado. – Uma foto de Jonas apareceu na tela. – Já estão negociando com o criminoso...
Essa parecia ser uma boa oportunidade para que Peter testasse o caderno imbecil. Virou-se para o caderno, escreveu o nome JONAS KIMO, e mentalizou seu rosto. Pronto, agora era esperar 40 segundos.
Os segundos iam transcorrendo lentamente, e na TV, apenas declarações de familiares das vítimas eram mostradas, nada de irreal acontecendo.
40 segundos. Nada aconteceu. Peter riu consigo mesmo, levantou e pegou a varinha para desligar a TV, mas antes de fazer o aceno, seu coração gelou.
- Temos novidades. Os reféns foram liberados. A polícia está entrando no local. Será que vão prender o suspeito? – dizia a repórter. – Acabam de dizer que... o criminoso morreu lá dentro! Parece que o suspeito está morto!
Ao ouvir essas palavras, Peter deu pulo pra trás e caiu na cama. Então esse caderno funciona?
- Os reféns disseram que ele teve um colapso repentino... – continuou a repórter.
- Ataque cardíaco... – murmurou Peter, aturdido.
Uma parte dele queria acreditar que aquilo tinha sido uma simples coincidência. No entanto, o sincronismo dos fatos havia sido tão perfeitamente orquestrado, que não deixava margem para dúvidas. Ele tinha feito isso.
“Livro da Morte... se ele é real... tenho que testa-lo de novo”, pensava Peter enquanto andava pelas ruas, à noite. “Tenho que achar outro criminoso... Mas nada que chame muita atenção, ou a polícia bruxa pode manter segredo por algum tempo. E quero resultados imediatos.”
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Peter entrou numa loja de conveniência para comprar alguns feijõezinhos de todos os sabores, quando se deteu numa cena que ocorria do lado de fora da loja.
Uma moça estava sendo cantada grosseiramente por dois caras, vestidos ridiculamente com uniformes de times de quadribol. Provavelmente faziam parte de algum time que acabara de treinar, e estavam querendo aparecer para todos que passavam.
- Alan Dale, prazer, gostosa, mas pode me chamar de ‘garanhão’. – disse o maior dos dois, enquanto o outro ria gostosamente da piada sem graça feita pelo amigo. – Quer montar na minha vassoura e sair voando por aí, gata?
- Eu não nasci num chiqueiro, para estar me juntando com lixo, seu idiota. – retrucou a moça, e saiu decidida.
Ao ver que tinha sido humilhado, o homem a agarrou violentamente e começou a beijar-lhe o pescoço, enquanto a frágil garota se debatia violentamente contra os braços musculosos do rapaz.
Imediatamente, Peter tirou o caderno da bolsa, e escreveu “Alan Dale”, mentalizando a face do brutamontes que estava prestes a estuprar a moça.
Como aconteceu da primeira vez, os segundos transcorreram com lentidão extraordinária, até que o homem começou a se contorcer, levando as mãos ao peito, e, em seguida, desmaiou. Morto.
- O Livro da Morte... é real. – espantou-se Peter.
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Geliagan finalmente se levantou de onde estivera sentado durante tanto tempo. Seu plano havia dado certo, e enfim ele teria outra coisa a fazer do que ficar jogando cartas.
- Estou indo lá. – Falou consigo.
- Vai para onde, Geliagan? – perguntou Bertock, que pensara que a frase havia sido dirigida a ele.
- Eu perdi meu Livro da Morte. – disse Geliagan, displicente.
- O QUÊ? – assustou-se Bertock. – Aposto que você enganou o velho e pegou dois, não é? Você perdeu os dois?
- Não, apenas um.
- Você sabe onde perdeu?
- No mundo humano. – disse Geliagan, abrindo as asas, pronto para partir.
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Ao chegar em casa, Peter se deparou com sua mãe, esperando-o. É claro que ele já sabia o que ela queria. Naquele dia foram entregues os resultados do exame nacional dos bruxos, que ele havia feito duas semanas atrás. E adivinha quem ficou em primeiro lugar?
Depois de receber um abraço da mãe, os cumprimentos do pai, e a língua da irmã, Peter foi direto para o quarto.
Cinco dias haviam se passado desde que Peter havia encontrado o Livro da Morte, e mais mortes haviam acontecido. O senso de justiça que havia dentro dele e o ódio que tinha do Ministério por sua incompetência, unidos com o poder que lhe subiu à cabeça foram suficientes para fazer com que uma onda de mortes causadas por ataques cardíacos tomasse conta de prisioneiros em Askaban, ou que eram procurados pelo Ministério há muito tempo, causando temor geral entre a população bruxa, que começava a chamar aquilo de Mão de Merlin. Sua caligrafia já havia ocupado quatro páginas inteiras, frente e verso do caderno.
Ele começou a folhear as páginas distraidamente, envolvido pelo silêncio de seu quarto, quando ouviu uma voz ressonante ecoar pelo aposento.
- Ta se divertindo, é?
Peter caiu da cadeira e deu um berro ao encarar a figura fantasmagórica que estava diante dele. Muito magro, com asas negras e coriáceas planando como se tivessem acabado de ser usadas, uma bocarra e olhos esbugalhados, num tom amarelado, que causavam a impressão de ver por trás da alma.
- Qual é a surpresa? – disse a criatura. – Eu sou o dono desse caderno, o Shinigami Geliagan. E do jeito que tá, acho que já percebeu que esse não é um caderno comum, não é?
Peter se recompôs, levantou-se e encarou a coisa:
- Shinigami? Pensei que Shinigamis não existissem... Mas... não posso dizer que estou surpreso. Estava te esperando. – acrescentou com um sorriso no canto dos lábios.
- É? – surpreendeu-se Geliagan. – Sei... Olha, quem ta surpreso aqui sou eu. – Se aproximou um pouco mais de Peter, que não recuou. – Já ouvi histórias de Livros da Morte que vieram parar aqui na Terra, mas você é o primeiro que faz tanta carnificina em só 5 dias. A maioria das pessoas teria medo de chegar tão longe.
- Estou preparado para qualquer coisa, Shinigami. - disse Peter, sentando-se. – Eu usei esse caderno sabendo que ele pertencia a alguém. E agora esse alguém veio. O que vai acontecer agora? Vai tomar a minha alma?
- Hã? Que história é essa? – divertiu-se Geliagan. – Imaginação humana? Eu não vou te fazer nada. Uma vez que o Livro da Morte cai no mundo humano, ao mundo humano pertence. Então, agora ele é seu. – acrescentou, apontando para Peter.
- Meu? – Peter ficou assombrado.
- Se não quiser. – disse Geliagan – Passa pra outro. Mas se fizer isso, se esquecerá tudo sobre o Livro da Morte.
- Então não há mesmo um preço a pagar para usar o Livro da Morte? – retrucou Peter, pouco convencido.
- Ah, até tem... – começou Geliagan. – O horror e o tormento que são apenas proporcionados àquele que usa o caderno. E quando a sua hora chegar, - continuou – quem vai te matar sou eu, escrevendo seu nome no meu caderno, mas aquele que usa o Livro da Morte não pode ir nem para o céu nem para o inferno. Só isso. – Então deu uma gostosa gargalhada. – Você vai descobrir isso quando morrer.
Os pensamentos de Peter foram interrompidos pelas batidas na porta de seu quarto. Sua mãe havia vindo lhe trazer um lanche.
- Tudo bem, pode atender. – disse Geliagan.
Peter escondeu o Livro da Morte debaixo da cama e abriu a porta.
- Trouxe umas maçãs pra você, filho. – disse a mãe. – Por que está estudando no escuro? Acenda a luz, pode ficar com problema na vista...
- Tudo bem, mãe. – disse Peter, sem entender. Afinal, Geliagan estava bem na frente dela e ela não o via.
Quando Peter fechou a porta, Geliagan disse:
- Esse caderno era meu, e agora você o pegou. Então só você consegue me ver e ouvir. Este é o nosso laço. – disse, pegando uma maçã, e comendo com vontade. – Delícia.
- Certo, só mais uma coisa. – Peter parecia mais sério que nunca agora. – Por que me escolheu?
Aparentemente, Geliagan gostou muito de maçãs, por que se ocupava colocando uma atrás da outra na boca, e nem deu atenção ao que Peter dissera.
- Você me ouviu? – perguntou Peter, feroz.
- Eu não te escolhi. – disse Geliagan. – Eu só larguei o caderno por aí. Acha que foi escolhido só por que é geniozinho? Não se gaba, não. Só aconteceu de cair por aqui e você achar. Só isso. Escrevi as instruções de uso na segunda página do caderno, para que um humano pudesse saber como usa-lo.
- Então porque você o largou? Não vá dizer que foi engano, tendo escrito todas essas instruções. – perguntou Peter.
- Ah, quer saber? – respondeu Geliagan. – Eu estava entediado.
- Entediado? – Peter achou que não tinha entendido direito.
- Hoje em dia, ser Shinigami não tem a menor graça. – disse Geliagan. – A gente só dorme e joga. Às vezes até escrevo uns nomes humanos no Livro da Morte, mas não tem graça, estando lá. É muito mais divertido daqui.
Geliagan pegou o Livro, que Peter havia posto debaixo da cama e folheou-o.
-Nossa, tem muitos nomes... Mas porque não especificou a causa da morte de ninguém?
- A não especificação da causa mortis resultará em ataque cardíaco. – disse Peter. – E essa é a melhor forma de usar o Livro da Morte, Geliagan.
- Não entendi. – disse Geliagan, confuso.
- Eu já cuidei dos criminosos mais perigosos. – continuou Peter. – E agora, o nível de atrocidades diminuiu.
- Sim, e daí? – perguntou Geliagan, interessando-se.
- E daí que o mais tolo dos tolos perceberia que alguém está dando cabo dos criminosos. – respondeu Peter, com um brilho intenso nos olhos. – Farei com que o mundo tome conhecimento de minha existência. Farei com que saibam que alguém está fazendo o julgamento!
- E eu aqui pensando. – falou Geliagan. – Porque você se arrisca passar por isso tudo?
- Eu... também estava entediado. – explicou Peter. – Claro, no começo, não acreditei... Mas o poder que o caderno supostamente tem, faz com que se queira experimenta-lo. Esse mundo está podre. Temos que acabar com quem já apodreceu junto com ele!
“Primeiro, para limpar o mundo, eu escrevi os nomes dos maiores criminosos. Breve, ninguém mais cometerá crimes. E, enquanto as pessoas que obviamente merecem ser julgadas morrem de ataques cardíacos, eu matarei pessoas inescrupulosas, ou que abusam de outras, com doenças e acidentes. E assim, o mundo começará a ser um lugar melhor. Farei deste mundo um lugar habitado apenas pelas pessoas que eu considero boas.”
- E no fim das contas, você vai ser o único filho da mãe vivo! – ironizou Geliagan.
- Geliagan, sou o melhor aluno do país, sou um excelente estudante. – disse Peter. – E, em breve, serei o Deus do novo mundo!
- Eu sabia... – murmurou Geliagan. – Os humanos são tão... interessantes!
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No dia seguinte, Peter continuou sua rotina como sempre fizera. A diferença é que agora, Geliagan vagava a seu lado, tagarelando o tempo todo e se impressionando com as coisas mais fúteis, como “o texto mágico que aparece no quadro-negro quando o sábio homem move seu bastão branco”.
Quando a aula acabou, Geliangan estava roncando tão alto, que Peter se surpreendia que ninguém o ouvisse. Ao acordar, ele deu um salto entusiasmado.
- Então Peter, aonde nós vamos? Você escolhe. – disse empolgado. Mas, vendo que o garoto sequer fez menção de reconhecer sua presença, acrescentou: - Que foi?
- Diferentemente de você, Geliagan, as outras pessoas podem ouvir a minha voz. – Disse Peter, em voz baixa.
- Hunf, que tédio. – reclamou Geliangan. – Você não tem nada pra fazer?
- É claro que tenho. – falou Peter calmamente. Geliangan nem precisou perguntar, pois sabia exatamente de que trabalho Peter estava falando. Um trabalho que envolvia um certo caderno e uma pena.
Durante o tempo em que Peter ficava escrevendo nomes no caderno, Geliagan se esparramava na cama comendo maçãs. Até que certa vez, resolveu puxar conversa.
- Você está mesmo se esforçando, não é? – disse com admiração.
- Eu não tenho tempo a perder. – respondeu Peter, sem desviar os olhos do papel. – Eu só posso escrever nomes no caderno por determinadas horas por dia. Da hora em que eu chego em casa da escola, até a hora em que eu vou dormir. Também é importante que eu mantenha as minhas notas no topo, onde sempre estiveram. Eu não posso dormir durante as aulas, e eu tenho que estudar tanto lá como em casa. Falta de sono também é ruim, porque a minha saúde e a minha capacidade cognitiva também sofreriam. Eu transformarei esse mundo numa utopia onde não existirá o mal. Não importa quanto tempo eu disponha, não será suficiente.
Antes que Geliagan pudesse expressar seu assombro pelo trabalho que Peter teria, alguém bateu a porta do quarto.
- Peter, é a Sâmara! – dizia uma voz fininha.
- O que foi? – perguntou Peter.
- Você pode me ajudar com a lição de casa?
- Tudo bem, entra.
Quando Sâmara entrou no quarto e correu a se sentar na cadeira da escrivaninha de Peter, Geliagan deu um pulo e avisou:
- Cuidado! Se alguém tocar o caderno que está na gaveta, será capaz de me ver! – disse exaltado.
Peter parou abruptamente. “Uma coisa de tal importância... E você só me diz agora?”. Filho da mãe...
Então ele passou a tarde a explicar o conteúdo para a irmã, tomando o cuidado de não deixa-la chegar perto da gaveta.
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- Só essa semana, já tomamos conhecimento de 52 casos. – disse o informante sul-africano.
- Todos ataques cardíacos. – continuou o representante francês. – Todos eram criminosos que estavam escondidos ou já tinham sido capturados pela polícia. Há também criminosos cujas mortes ainda não foram confirmadas.
- Então, poderíamos afirmar que já morreram mais de 100 pessoas? – perguntou o Ministro inglês.
Os grandes líderes mundiais do mundo bruxo estavam reunidos numa cúpula a fim de debater os misteriosos casos de mortes entre os prisioneiros de todo o mundo. Paul Reston, chefe do Departamento de Polícia do Ministério da Magia Inglês chegou atrasado na reunião, e foi colocado a par do que acontecera até então pelo seu estagiário, o desastrado Rick Frasier. Quando terminou, ouvia-se a voz do representante polonês dizendo:
- Mas, de qualquer maneira, todos esses criminosos iriam ser executados eventualmente.
- Podem ser companheiros ou criminosos no corredor da morte, - disse o representante eslavo. – se você os matar, é assassinato!
- Mas nós não temos mesmo certeza de que eles foram assassinados. – disse o enviado da Espanha.
- Não tem como a morte de mais de 100 criminosos por ataque cardíaco ser uma coincidência! – disse o representante indiano. – É óbvio que eles foram assassinados!
- Mas como alguém mataria tantos criminosos praticamente ao mesmo tempo? – indagou o enviado da Turquia.
- Nós imaginamos que deve ser um complexo plano de assassinato, elaborado por uma grande organização. – ressaltou Paul.
- Se é uma organização de tão grande porte, eu não posso deixar de pensar que os americanos podem estar metidos nisso. – disse o canadense.
- Eu lhe desafio a repetir isso! – exclamou o americano, no que saíram faíscas da ponta de sua varinha.
- Acalmem-se senhores. – contemporizou o suíço. – O laudo da autópsia declarou que a causa mortis foi ataque cardíaco sem causa aparente, o que não nos dá nenhuma pista.
- Seria diferente se eles tivessem sido esfaqueados ou algo do gênero. – Declarou o australiano.
- Em casos como esse, tudo o que podemos fazer é chamar o L. – disse o ministro inglês.
Houve um silêncio profundamente angustiante entre os presentes, e ninguém disse uma só palavra, como se considerassem seriamente a questão.
- Chefe, - Rick dirigiu-se a Paul. – o que querem dizer com “L”?
- É mesmo... – respondeu Paul. – Essa é a sua primeira vez aqui, não é? Ninguém conhece o nome de L, seu paradeiro, nem ao menos o seu rosto. Porém, não importa o quanto o caso seja difícil, ele o resolverá. Ele resolveu inúmeros casos ao redor do mundo. Ele é o Ás dessa organização. O nosso trunfo... Mais ou menos isso.
- Mas ele não aceita somente os casos que lhe interessam? – falou um dos presentes.
- Realmente, - respondeu outro – além do mais, não temos como contacta-lo.
- L já começou a se mover. – uma voz ressoou por todo o salão.
Uma figura imponente, usando sobre-tudo preto que lhe cobria completamente, com as golas viradas pra cima e chapéu, e isso era suficiente para seu rosto ficar completamente envolto pelas sombras, mas sem alterar a visão que ele tinha do ambiente ao seu redor.
- L já começou a sua investigação sobre o caso. – disse com uma voz rascante.
- Tom? – murmuraram algumas vozes pelo salão.
- Quem é Tom? – perguntou Rick.
- É o único capaz de contactar L. – respondeu Paul. – Mesmo que ninguém saiba a real identidade de Tom também.
- Silêncio, por favor. – pediu Tom, no que todos se calaram. – L falará com vocês agora.
Dizendo isso, Tom tirou de dentro do sobretudo um objeto que se parecia com uma caixa de música. Colocou em cima da pequena mesa que havia no centro do salão e abriu. Onde deveria haver uma bailarina nas caixas de música que Rick conhecia, tinha uma letra L que rodava sem parar, ao mesmo tempo em que saia uma voz metálica de dentro da caixa, com uma amplitude que abrangia todo o salão.
- Caros senhores, aqui é L.
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- O que você está fazendo num lugar tão escondido, Peter? – perguntou Geliagan, curioso. Ele e Peter tinham andado até um velho depósito, com Peter carregando produtos inflamáveis junto com o Livro da Morte.
- Qualquer um que toque no Livro da Morte será capaz de lhe ver, não é, Geliagan? – falou Peter. – Eu não posso ficar carregando uma coisa tão perigosa por aí. Até agora, imaginei que, se o caderno fosse visto pela minha família, eu poderia apenas dizer que estava fazendo anotações, praticando pra quando me tornasse detetive, mas eu estou andando em uma corda bamba. Seu eu não tomar cuidado, a minha própria família pode correr perigo. Você já, já verá o que estou fazendo.
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- Esse caso é de um nível e de uma dificuldade sem precedentes. – falou a voz metálica que saia da caixa de música. – É um crime imperdoável de homicídio em massa que precisa ser detido! Para resolver esse caso, eu preciso que vocês me confirmem total cooperação, a cooperação de todos os países do mundo, que seguramente estão representados aqui.
Todos no salão concordaram silenciosamente com o pedido de L.
- E, - continuou – eu peço especialmente a ajuda do Ministério da Magia da Inglaterra.
- Porque da Inglaterra? – perguntou o Primeiro-Ministro, perplexo, juntamente com Paul e Rick.
- Seja o culpado um grupo de pessoas ou apenas uma pessoa, a probabilidade de estarem na Inglaterra é bem alta. – disse L. – Se ele não for inglês, ele provavelmente se esconde na Inglaterra.
- Que base você usou para tirar essa conclusão? – perguntou Paul.
- Por que a Inglaterra? – falou L. – Em breve, posso dizer que lhes oferecerei um confronto direto com o culpado.
- Um confronto direto? – disse Paul.
- De qualquer forma, eu gostaria de conhecer a base para a caçada humana na Inglaterra. – prosseguiu L.
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Peter recostou-se na cadeira, orgulhoso pela sua engenhosidade.
- Viu? Até que foi fácil. – falou.
- O que? Esconder o caderno? – ironizou Geliagan.
- Sim. Nessa gaveta.
- Isso vale como esconder? Você até deixou destrancada.
- Está tudo bem. Na verdade, é melhor deixar as chaves em local bem visível. – disse Peter. Dizendo isso, abriu a gaveta, de onde apareceu nada menos que um outro caderno.
- Mas isso é um diário normal. – decepcionou-se Geliagan.
- A maioria das pessoas provavelmente veria esse diário e aceitaria que ele é a única coisa guardada nessa gaveta. – falou Peter. – Porém, a verdadeira chave, - disse, pegando uma pena na sua bolsa – está aqui. Algo que ninguém nunca suspeitaria de ver aqui no meu quarto: uma simples pena com um cartucho de tinta. Eu uso o cartucho, por que é fino.
- O cartucho é a chave? – perguntou Geliagan, sem entender.
- Sim. Na parte de baixo dessa gaveta, existe um pequeno orifício que não pode ser visto a não ser que se olhe cuidadosamente. Você põe o cartucho no orifício e empurra para cima. – Dizendo isso, foi fazendo o que ia dizendo e um fundo falso apareceu na gaveta, onde estava o diário.
- Boa! – exclamou Geliagan.
- Não é só isso! – disse Peter. – Mesmo que alguém descubra o fundo falso, não será capaz de pegar o caderno. O cartucho da caneta esferográfica atua como um isolador, por isso, eu pego o diário sem problemas. Mas, se alguém tirar o fundo falso à força a gasolina no saco plástico onde está envolto o caderno vai entrar em combustão, o caderno queimará em um instante, e todas as evidências serão destruídas. Se perguntarem porque eu queimei, eu posso dizer que estava escondendo o meu diário verdadeiro e não queria que ninguém o visse. É uma explicação aceitável que a maioria das pessoas aceitaria.
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Por todo o mundo, o caso dos ataques cardíacos começou a ganhar força. Alguns fãs mais obcecados chegaram a colocar no assassino a alcunha de Kira. Algo a ver com a palavra “killer”, que em inglês significa assassino. Logo, os jornais começaram se referir aos casos como obra do Kira.
As pessoas pareciam extremamente assustadas com esses acontecimentos, mas também elas se sentiam mais seguras, sabendo que alguém lá fora estava tentando limpar o mundo. Outras pessoas protestavam, dizendo que não interessa o quão ruim alguém é, não merece ser punido com a vida.
- Sabe, Geliagan, - disse Peter, certa vez. – imagino que se alguém perguntasse num grupo de discussão se é certo o que eu estou fazendo, diriam que é errado, é medonho e tudo mais. Em público, as pessoas precisam manter esse tipo de fachada. Mas a verdade está aqui. – dizendo isso, apontou para as pessoas felizes que enchiam a praça naquele domingo. – Talvez as pessoas tenham medo de me aceitar publicamente. Ninguém fala, mas todos já sabem que alguém está matando os caras maus. E, nos seus corações, os inocentes estão gritando “Kira, boa sorte!”.
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Nesse domingo, à noite, Peter estava concentrado em novos nomes, quando a programação da TV bruxa foi interrompida, e apareceu um homem, dizendo o seguinte:
- Desculpas por interromper a programação normal. Uma transmissão internacional começará agora. Ao vivo, para todo o planeta.
- O que é isso? – estranhou Peter, prestando atenção na TV.
- Daremos início, então. – disse o repórter.
Logo então, apareceu na tela um homem bem aprumado, com cabelos lindamente escovados e boa aparência, em frente a uma pequena placa de escritório escrita LIND L. TAYLOR.
- Eu sou aquele que move toda a força policial do planeta, - disse ele. – Lind L. Taylor. Aliás, L.
Peter ficou pasmo. Quem é esse cara?
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No quartel-general da polícia, Paul estava sério. “Estamos fazendo como você pediu, L. Agora, prove o que você disse na reunião”.
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- Para o assassino que vem matando criminoso após criminoso: - continuou o homem. – isso é imperdoável. O pior crime de toda a história. Consequentemente, eu capturarei o responsável por esses crimes, conhecido vulgarmente como Kira.
- Ele disse que irá te capturar, Peter. – disse Geliagan.
- Idiota! – exclamou Peter. – Sem o caderno ele não tem prova nenhuma, e ele nunca nem chegará a suspeitar de mim.
E o homem continuava falar:
- Kira, eu posso imaginar o que você esteja pensando para fazer algo assim. Mas, o que você está fazendo... é maléfico.
Aquelas palavras atingiram Peter como um soco no estômago. Eu sou maléfico?
-EU SOU A JUSTIÇA! – gritou Peter. – Eu sou aquele que salva os fracos que temem o mal. E eu serei o Deus de um novo mundo que será melhor para todos! Aqueles que desafiam esse Deus... esses sim representam o mal! – Pegou o caderno, uma pena, e se preparou para escrever. – Fácil demais, L. Se você fosse um pouco inteligente, eu teria me divertido um pouco. E escreveu LIND L. TAYLOR no caderno, mentalizando com voracidade o rosto daquele cretino que aparecia na TV. Agora, eram só 40 segundos... – O mundo todo está assistindo, L. Todo mundo vai ver sua morte ao vivo.
5... 4... 3... 2... 1...
De repente, o homem levou as mãos ao peito, gritou de dor, sufocou, ofegou, e caiu morto, como um saco de batatas. Mais eficiente que um Avada Kedavra.
A gargalhada de Peter ecoou pelo quarto como uma hiena.
- O que foi? – zombou – Tente dizer algo agora. Hahahahaha...
De repente a tela da TV , exibiu um logotipo em letras garrafais, todas elas a letra L. E agora, saia apenas uma voz metálica da TV.
- Inacreditável. – disse a voz. – Eu pensei que pudesse ser, então resolvi testar, mas... Kira, você consegue matar as pessoas sem nem ao menos toca-las?
Peter estava petrificado frente à TV.
- Eu não podia acreditar até que vi com meus próprios olhos. Ouça bem, Kira. Se você é realmente responsável pela morte de Lind L. Taylor na TV, saiba que ele era um homem que estava previsto para ser executado hoje. – Fez uma pausa, e depois continuou. – Ele não era eu.
- Como? – engasgou-se Peter.
- Um criminoso que não foi notícia na TV nem no rádio. Parece que nem você possui informações sobre esse tipo de criminoso.
- Hahahaahahah, ele te pegou! – grasnou Geliagan.
- Porém, eu, L, definitivamente existo. Tente me matar se for capaz.
- Maldito! – gritou Peter.
- Qual o problema? Não consegue? – zombou L. – Parece que por alguma razão, ele não pode me matar. Então existem pessoas que não podem ser mortas. É uma boa dica. Em troca, vou te dizer outra coisa. Eu mandei dizerem que esse comunicado seria transmitido para o mundo todo, mas, na verdade, ele só está sendo transmitido para Londres, Inglaterra. Eu planejava ir de região em região, mostrando o comunicado em diferentes horários, mas não há mais necessidade disso. Nesse momento, você está em Londres.
- Esse L é muito bom! – exclamou Geliagan, enquanto Peter apenas olhava para a TV, abismado.
- Era um pequeno caso, a polícia não notou, mas a primeira vítima dessa série de assassinatos foi o seqüestrador da Dedosdemel. Entre os criminosos que morreram de ataque cardíaco, esse tinha um crime relativamente leve. Aliás, esse crime só foi transmitido na Inglaterra. Isso foi tudo o que eu precisei para descobrir onde você está. E que essa primeira vítima foi um teste da sua capacidade de matar. Eu me concentrei em Londres, que é a região com a maior população, e, para a minha sorte, você estava aqui. Eu não pensei que as minha hipóteses se provassem tão verdadeiras. Kira, não deve demorar o momento em que eu lhe mandarei para a execução.
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No quartel-general, Paul estava completamente estupefato com a habilidade de L. Numa só tacada, ele provou a existência de Kira, que as mortes eram assassinatos, e que o assassino está na Inglaterra. Lhe confortava saber que sua família estava em casa, a salvo das maldades do mundo. Ele nem sabia expressar o adoração que tinha por sua esposa, Sophia, e por seus filhos, Sâmara e Peter.
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- Kira, eu estou muito interessado em saber como você comete esses assassinatos. Mas eu saberei assim que eu lhe pegar. Até o nosso próximo encontro, Kira. – E a transmissão foi encerrada.
Peter estava pegando fogo por dentro. Queria matar L com todos os requintes de crueldade, mas se não sabe o nome nem conhece o rosto do agressor, como ele poderia se defender?
- Me mandar para a execução? Interessante. – disse Peter com desdém. – Eu não vou perder.
- Ambos estão tentando achar alguém sobre quem não sabem nada... nem mesmo o nome ou o rosto. – disse Geliagan. – O primeiro que for encontrado morrerá. Eu sabia, os humanos são realmente interessantes!
- L... – murmurou Peter.
- Kira... – murmurou L, em seu esconderijo, longe dali.
- Eu vou lhe encontrar e acabar com você a qualquer custo! – disseram juntos. – Porque eu sou a JUSTIÇA!!!
---------------- FIM DO PRIMEIRO CAPÍTULO ------------------------
Antes que eu esqueça: essa fic é baseada em vários filmes que eu assisti, incluindo alguns mangás japoneses, ok?
Mais uma coisa: os personagens de HP estarão sim envolvidos na história, mas eu precisava apresentar os outros personagens antes disso. Eles já aparecerão no capítulo 2, ok?
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