Na Toca
HARRY POTTER E A FILHA DE FÊNIX
Capitulo 4: Na Toca
Harry sentiu seus pés baterem no chão, a perna machucada cedeu e ele caiu para a frente; por fim, sua mão soltou a Taça Tribruxo. Ele ergueu a cabeça.
-Onde estamos? - perguntou.
Cedrico olhou para a Taça Tribruxo e depois para Harry.
-Alguém lhe disse que a Taça era uma Chave de Portal?
-Será que isso faz parte da tarefa?
-Não sei. Varinhas em punho, não acha melhor?
-É.
Apertando os olhos para enxergar na escuridão, eles divisaram um vulto que se aproximava, andando entre os túmulos sempre em sua direção.
Harry baixou ligeiramente a varinha e olhou para Cedrico ao seu lado. O rapaz lhe respondeu com um olhar intrigado. Os dois tornaram a se virar para observar o vulto que se aproximava.
Então, inesperadamente, a cicatriz de Harry explodiu de dor... Ele caiu no chão e não viu mais nada, sua cabeça pareceu prestes a rachar.
-"Mate o outro."
-Avada Kedavra!
Um relâmpago verde perpassou as pálpebras de Harry e ele ouviu alguma coisa pesada cair no chão ao seu lado; a dor de sua cicatriz atingiu tal intensidade que ele teve ânsias de vomitar... Aterrorizado com o que iria ver, abriu os olhos ardidos.
Cedrico estava estatelado no chão... Morto.
Com a respiração arfante, o corpo tremulo e o rosto embebido em suor, Harry despertou sobressaltado e instintivamente levou sua mão até a cicatriz. Mas esta não estava dolorida... Não, pelo que ele pode notar ela estava perfeitamente bem, o que significava que este havia sido apenas um sonho comum. Mais um sonho em que ele revivia a pior noite de sua vida; quando Voldemort ressurgira, e matara Cedrico, um inocente, que teve a infelicidade de cruzar o caminho do Lorde das Trevas quando por insistência dele, Harry, aceitara pegar a Taça Tribruxo com ele no fim do torneio.
Harry se ergueu sentando-se, e olhou por um momento para a cama ao seu lado. Rony ainda dormia tranqüilamente, o que era natural já que o sol mal começava a se erguer no horizonte. Felizmente, Harry pensou, não havia acordado o amigo com o seu pesadelo. Não queria preocupa-lo, mas o fato era que ele mesmo estava preocupado com este insistente sonho que continuava a ter desde que as férias começaram. Pensou que agora que ele estava ali, na Toca, talvez o seu ânimo melhorasse e os sonhos parassem, e de fato mesmo antes dele ir para lá eles haviam diminuído consideravelmente, mas agora ele via que por mais que quisesse não seria tão fácil fugir de seus fantasmas. Estava há apenas dois dias ali e os sonhos estavam de volta e o seu recém adquirido ânimo perigava murchar de novo. E se esses sonhos com a morte de Cedrico já não fossem o bastante, agora Harry ainda tinha outro com que se preocupar.
O estranho sonho que tivera na noite em que seus tios o avisaram de sua viagem. Era fato que a essa altura Harry já não se lembrava mais muito bem dos detalhes do sonho -se punia sempre por não ter ficado com uma copia da descrição dele, que enviara a Dumbledore-, mais lembrava bem de como ele fora angustiante e real; a dor, os gritos, as mortes, tudo muito real. E aquelas mulheres? Ele sempre se perguntava quem elas seriam, e como estariam? Se esforçava para se lembrar da voz delas, eram tão bonitas, mas não conseguia, era como se tivesse sofrido um bloqueio. Queria ter visto os rostos delas, tinha certeza que disso ele nunca esqueceria. Surpreendeu-se, então, em como mais uma vez os seus pensamento haviam se direcionado a elas. Era sempre assim, uma hora estava pensando em quadribol e na outra elas invadiam os seus pensamentos, principalmente ela, a garota que fugira, aquela que Voldemort tanto queria. Por que ele a queria, e por que isso o incomodava tanto?
Mais uma vez tentando afastar esses pensamentos de sua mente, Harry deu uma leve sacudida de cabeça e se levantou. Trocou de roupa o mais silenciosamente possível e saiu do quarto, descendo as tortuosas escadas da casa, tentando não fazer barulho. Quando chegou no primeiro andar percebeu que ninguém havia acordado ainda, nem mesmo a Sra Weasley. Pensou por um momento em sair mais cedo para a sua corrida matinal, mas lembrou-se que não seria muito bom fazer isso de estômago vazio, e como não se permitiria à liberdade de procurar algo pra comer sem a permissão dos donos da casa -mesmo eles sempre insistindo que ele não deveria fazer cerimônias e se sentir em casa, a vontade para se servir do que quisesse-, resolveu então apenas sair um pouco e ver o sol nascer, quem sabe isso não o acalmaria um pouco? E foi o que fez.
O sol agora começava a se erguer, tingindo o horizonte com todos os seus diversos tons de vermelho e laranja, um belo espetáculo de cores e luz. Sem duvida alguma, uma imagem dessas era capaz de acalmar qualquer coração, e era assim que Harry estava se sentindo, com seu coração mais tranqüilo. No entanto ele mal começara a se deliciar com aquele esplêndido espetáculo quando algo as suas costas chamou sua atenção, ele então se virou levantando-se e foi com muita surpresa que ele se deparou com:
-Gina?!
Encostada ao batente da porta e envolvida a uma coberta, encontrava-se Gina, que o encarava com uma expressão ligeiramente curiosa e divertida.
-Desculpa! Não queria te assustar.
Explicou-se a menina dando de ombros e se aproximando de Harry dirigindo-lhe mais um dos seus melhores sorriso. Os quais já tanto encantavam Harry, e como sempre sua reação fora corar furiosamente, irritando-se com a própria timidez. Afinal ela era só a irmã mais nova de seu melhor amigo, não é? Pelo menos fora sempre assim que ele a vira. Então por que seria diferente agora? Por que ele tinha que sentir suas malditas pernas tremerem sempre que ela lhe sorria assim ou se aproximava demais, como agora? Tentando evitar que a garota percebesse todo o seu conflito, Harry se virou de costas para ela lhe respondendo enquanto voltava a fitar o nascer do sol.
-Não me assustou. Só não esperava encontrar alguém acordado.
-Escutei um barulho nas escadas e resolvi ver o que era.
Ela explicou parando finalmente ao lado dele e o encarando ainda curiosa.
-Um barulho? Deve ter sido eu quando desci. Desculpe, não queria te acordar.
Harry respondeu, finalmente tomando coragem de encarar a garota. E foi então que ele percebeu o quanto próximos eles estavam e como o perfume dela era bom ou mesmo como os seus cabelos vermelhos ficavam ainda mais lindos esvoaçando diante dos primeiros raios da aurora. Indiferente a essa conclusão do garoto, Gina voltou a falar, sua voz soando extremamente melodiosa aos ouvidos de Harry.
-Não, tudo bem. Eu já estava acordando mesmo.
-É mesmo, por que? Teve algum sonho ruim?
Harry lembrou que o motivo de seu despertar tão prematuro havia sido por conta daquele maldito pesadelo, e esperava sinceramente que a garota não estivesse também sofrendo do mesmo mal. Lembrava-se muito bem do primeiro ano dela e como ele havia sido traumático para a garota, e não queria imaginá-la sofrendo por conta disso durante todos esses anos.
-Na verdade foi por causa de um sonho sim. Mas não posso dizer que foi ruim, diria mais que foi estranho.
Gina respondeu enfim fazendo uma careta cômica ao terminar.
-Estranho? Como assim?
Harry não pode deixar de rir da gracinha que a menina fizera e este seu gesto pareceu contagiá-la, pois ela também riu um pouco antes de continuar.
-Bem, era tudo meio louco sabe? Estávamos em Hogwarts, em um tipo de festa maluca.
-Uma festa? Mas o que tem de estranho nisso?
- Bom se você não acha estranho ver o Prof. Snape dançando com um saiote rosa e de rabo de cavalo em cima de uma bola colorida, a Prof ª McGonagall apostando corrida de monociclos com Pirraça em roupas de banho e o Prof. Dumbledore equilibrando o seu chapéu cônico na ponta do nariz enquanto cantava o hino de Hogwarts e dançava um tango, então eu não sei mais o que é?
Agora ambos não puderam conter as gostosas gargalhadas que deram. Harry chegava mesmo a se dobrar ao meio de tanto rir, só de imagina a sena de Snape dançando com um saiote rosa e de rabo de cavalo em cima de uma bola colorida. Não, definitivamente ele daria qualquer coisa para poder trocar de sonho com Gina, só para poder se deliciar com tal imagem. E foi aí que o seu sonho voltou a sua mente, e seus risos pouco a pouco foram cessando. Gina percebeu a mudança nele e resolveu perguntar o que acontecia.
-O que foi Harry? Hum... E você, por que acordou tão cedo?
A pergunta saiu um pouco indecisa, Gina não queria parecer intrometida. Sabia que Harry tinha os seus segredos e que só os compartilhava com seu irmão e com Hermione. Mas naquele momento ela simplesmente queria poder ajudá-lo de alguma forma, nem que fosse apenas escutando os seus problemas ou o fazendo rir de suas bobeiras. No entanto, para sua surpresa, Harry se voltou para ela e começou a despejar tudo o que estava lhe incomodando. Até ele parecia um pouco admirado com sua atitude.
-... Então quando eu pensei que finalmente estava livre desses pesadelos acontece isso. Sabe, eu já tô cansado disso tudo. Tô cansado de visitar aquele maldito cemitério todas as noites, de assistir Cedrico sendo morto, de ver Voldemort... Desculpe, - Gina se estremeceu toda diante deste nome - ressurgindo no caldeirão e todos aqueles comensais me perseguindo. Enfim, tô cansado de ter medo que a qualquer momento ele apareça e machuque mais pessoas inocentes por minha causa.
Harry terminou bastante nervoso e frustrado, chutando uma pedra a sua frente. Um incômodo silêncio se formou entre eles. Harry sentia-se um pouco arrependido de ter feito tal confidência para a irmã de Rony, não queria preocupá-la com seus problemas, mas estranhamente ele se sentia bem melhor por ter conversado com ela sobre esse assunto. Sentia-se como quando teve de contar todo o acontecido daquela noite para Dumbledore em seu escritório, como se tivesse colocado algo venenoso pra fora de si. No entanto achou melhor deixar de fora o outro sonho que o estava incomodando. Não havia contado nem para Rony e Hermione, exatamente para não os preocupar, principalmente por que o próprio Dumbledore dissera que ele mesmo não devia se preocupar. Então achou melhor deixar ele de fora da conversa.
Harry já estava se sentindo bastante idiota por não estar encontrando palavras pra continuar a conversa quando Gina tomou a frente.
- Mas... Harry, você não está se culpando ainda pelo que aconteceu, não é? Rony me disse que na ocasião você estava decidido que a morte de Cedrico era sua culpa... Mas olha, isso não é verdade, não foi culpa sua! O único culpado de tudo isso é você-sabe-quem. É ele que está sempre arruinando a vida de todos. Você é tão vitima quanto Cedrico nessa história.
Gina disse tudo isso tão rápido, por causa de seu nervosismo, que Harry teve de se segurar para não rir da menina. Não queria que ela se ofendesse, quando estava só tentando animá-lo, e já estava gostando tanto da sua companhia que não queria fazer nada que pudesse estragar tudo aquilo. Por isso ele tomou o cuidado de medir bem as suas palavras antes de responder.
-É verdade que no início eu me sentia muito culpado por tudo o que aconteceu, afinal era atrás de mim que Vol... Você-sabe-quem estava. Mas agora eu já entendi que não tive culpa, afinal eu não tinha como saber que a taça era uma chave de portal, não é?
-É isso mesmo! Mas quer saber Harry? É melhor mudarmos de assunto. Não vale a pena ficar queimando os miolos, pensando em coisas que não podem ser mudadas, não é mesmo?
Harry estava mesmo admirado com a mudança de Gina. A garota estava mais solta, descontraída e já não corava enlouquecidamente quando ele falava com ela. E ao que parecia isso se devia, em parte, aos quatorze anos de convivência com Fred e Jorge que, com certeza, estava afetando-a.
-É, você tem razão.
-Eu sei! - Respondeu a menina, fazendo um ar de convencida muito cômico, que arrancou uma risadinha de Harry, o que pareceu deixá-la muito satisfeita.- Hei, já que estou acordada mesmo acho que vou preparar um belo café da manhã especial pra você. O que acha?
-Que isso Gina! Não precisa se dar ao trabalho.
-Não é trabalho algum, vou fazer com o maior prazer.
E abriu mais um de seus já tão irresistíveis sorrisos, deixando Harry meio que sem palavras, e se sentindo corar.
-Mas...
-E sem 'mas'. O que é? Tá com medo da minha comida é? Pois fique sabendo que eu cozinho muito bem, viu!
Ela fez uma cara de brava muito engraçada e cruzou os braços fingindo indignação. Harry não resistindo a sua ultima gracinha e se deu, então, por vencido.
-Tá bom, eu me rendo.
-Acho bom mesmo! Então fica aqui enquanto eu vou preparando tudo na cozinha, ok?
Concluiu dando pulinhos animados no mesmo lugar, e já se dirigindo para a porta. Entretanto no meio do caminho ela parou e se voltou para Harry correndo e parando na sua frente. Por um momento Harry não entendeu o que ela pretendia, até que Gina se colocou na ponta dos pés e deu um estalado beijo em sua bochecha, o deixando definitivamente escarlate agora.
-A propósito...feliz aniversário!
Disse ela o encarando com um sorriso sapeca e correndo de volta pra casa. Harry ficou observando-a se afastar, enquanto mecanicamente levava uma de suas mãos até o local onde Gina o beijara. É verdade, havia se esquecido de que hoje era seu aniversário. Mas com certeza não se esqueceria do primeiro presente que ganhara.
O dia já nascera completamente quando ela voltou para o seu quarto, depois de mais uma exaustiva noite de treinamento. Ela tirou, então, suas vestes as deixando espalhadas pelo chão do quarto e se trancou no banheiro, na intenção de tomar um longo e merecido banho. Após este, ela colocou uma peça intima e escolheu um blusão largo azul bebê para vestir, estava exausta e só queria cair na cama. Antes disso, no entanto, ela se dirigiu a cama ao lado da sua e se pôs a observar a bela mulher ali adormecida. Ficou tentada em acordá-la, já estava tarde, mas ela simplesmente não teve coragem de interromper o que parecia ser um sonho bom que ela devia estar tendo, devido a expressão tão feliz que esta tinha estampada no rosto.
Acariciou gentilmente sua face, lembrando como se sentira aliviada quando ela finalmente despertara, a pouco mais de um dia atrás, dizendo estar se sentindo de ressaca. Era incrível como ela sempre conseguia fazer piada de tudo o que acontecia. Fora os momentos em que estavam treinando ou meditando, ela nunca a via manifestar seriedade alguma, estava sempre fazendo alguma trapalhada e tinha uma piada para tudo. E tudo isso sem contar em como ela era uma pessoa carinhosa e gentil, nunca se irritava ou brigava. Mesmo quando em uma certa ocasião tivera todo o seu cabelo queimado por um feitiço imprudente feito pela menina, não ficara brava, pelo contrário, limitou-se apenas em fazer um comentário cômico de como ela havia ficado engraçada, parecendo um esfregão de chaminé ambulante.
Na verdade, em todos esses anos de convivência, a única vez em que ela a vira realmente preocupada e nervosa fora naquela noite. Naquela terrível noite. Não podia deixar de se perguntar se algum dia elas realmente superariam tudo pelo que haviam passado. Pois por mais que tentasse disfarçar ela sabia que havia algo diferente no olhar daquela mulher, podia ver através de seus olhos que algo se partira dentro dela, que estava tão ferida quanto ela mesma sempre esteve.
Não, não queria se lembrar disso. Queria apenas seguir com sua vida, seu destino. Sem lembranças, sem tristezas ou arrependimentos e acima de tudo, sem lágrimas. Estava cansada de chorar. Sabia que ainda choraria muito em sua vida, lágrimas de sangue talvez, mas não queria mais chorar por seu passado, não ficaria o resto da vida se lamentando. E não se permitiria ser machucada de novo. Já lhe bastava todos os ferimentos que aquelas malditas crises lhe causavam. Estas que se tornavam cada vez mais freqüente nos últimos tempos, e que graças a Deusa haviam cessado por ora.
Em fim, estava cansada de tudo isso e não estava disposta a passar por mais perdas. Já havia se decidido, podia não ser o certo, mas ela não permitiria que mais ninguém entrasse em seu coração outra vez. Não para ter de perder de novo alguém tão querido. Já lhe bastava a preocupação que tinha com os que haviam sobrevivido, não aumentaria a sua tormenta colocando mais alguém em seu coração. Afastaria a todos, assim os protegeria de sua maldição.
Um movimento repentino na cama a desviou de seus pensamentos e denunciou que ela finalmente estava acordando. E foi com um preguiçoso bocejo que seus amendoados olhos cor mel se abriram deparando-se com a bela visão daquela criança, que ela sempre amou tanto, velando o seu sono. A mulher se ergueu um pouco na cama e lhe presenteou com um dos seus melhores sorrisos sapecas. Com uma voz ainda rouca e sonolenta, ela a saudou:
- Bom dia meu anjo!
- Bom dia preguiçosa!
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A garota lhe sorriu de volta, dando-lhe uma estalada beijoca na bochecha.
-Hei! Só isso? Não senhora, pode vindo aqui que eu to morrendo de saudades do meu bebê.
Antes que a garota pudesse dizer alguma coisa a mulher a puxou pelo braço a forçando a se deitar na cama com ela. Se encolhendo para lhe dar espaço, e a amassando forte contra o peito num abraço um tanto sufocante, a mulher ia cobrindo a cabeça da garota de beijos e torturando-a com cócegas em sua barriga. Agora as duas travavam uma furiosa guerra, resultando em muitas gargalhadas gostosas. Mal dava pra acreditar em tudo pelo que elas já haviam passado apenas naquela semana. Quando finalmente a brincadeira acabou, com as duas exaustas de tanto rir, a porta se abriu e pode se ver uma simpática vovó as observando com um sorriso satisfeito no rosto.
- Que bom. Pelo que vejo a senhorita tratou de acordá-la, não é? Já estava mesmo na hora, mas eu pensei que você estava cansada e pretendia dormir um pouco. Deve estar exausta depois dessa noite tumultuada.
- Essa era a minha intenção sim, mas alguém aqui tinha outros planos, e resolveu me fazer de refém.
A menina tentou se levantar, lançando um falso olhar reprovador para a outra, mas esta a puxou de volta para os seus braços num gesto infantil, como o de uma criança que se recusa a sair do colo de sua mãe. Agora podia-se ouvir a risada das três ecoando pelo quarto.
- Certo, certo... Agora parem vocês duas. Bem querida, já que está acordada acho que deve gostar de saber que você tem visitas e que estão aguardando-a lá na sala...
A garota deu um salto tão grande da cama quando ouviu isso, que mesmo que quisesse, a mulher não teria tido forças para mantê-la consigo na cama.
- O quê? Por que não disse antes?
- Você não perguntou.
Respondeu a doce velhinha dando de ombros e lançando um sorriso maroto para as duas.
- Ah, esse sem dúvida é um ótimo motivo, Abel. Muito espirituoso da sua parte.
Reclamou a menina já passando pela senhora e se irritando ainda mais com as risadinhas das duas às suas costas. Desceu as escadas quase correndo. Desde que chegara àquela casa que só vivia trancada ali. Estava morrendo de tédio, e a única forma de saber um pouco do que estava acontecendo lá fora era quando recebia algum de seus ilustres visitantes. E ela mal podia esperar por esses encontros.
Quando chegou no térreo foi direto para a sala, e lá esperando-a estavam justamente as duas pessoas que ela esperava. Ela correu primeiramente até o moreno se jogando aos seus braços. Percebeu que este estava com uma aparência muito mais saudável que o de costume e também estava muito bem vestido. Usava roupas que ela identificou como sendo trouxas; uma calça cinza social assim como a blusa preta de manga e uma capa também preta por cima. Seus cabelos estavam muito bem lavados e penteados, presos em um charmoso rabo de cavalo, cuja algumas mechas lhe escapavam vez ou outra, dando-lhe um ar de largado irresistível. Assim que se desvencilhou deste, foi a vez de cumprimentar seu outro visitante. Este estava igualmente mais bem arrumado do que ela jamais havia se lembrado de vê-lo.
Assim como o outro usava roupas trouxas e sociais; uma calça creme e blusa cor de tijolo com uma capa marrom. Seus cabelos, apesar de ainda bastante grisalhos, estavam bem penteados. Ele acariciou a sua face carinhosamente quando se separaram, e ela pode ver um brilho diferente em seus olhos. Mas antes que pudesse fazer algum comentário sobre isso, escutou o moreno lhe dirigir a palavra, parecendo bastante contrariado.
- Hei! Escute aqui, mocinha, isso lá são roupas para a senhorita usar na frente dos outros? Sua tia não te ensinou a ter modos, não?
- Tadinha, até que ela tentou, mas você vai longo aprender que é uma tarefa muito difícil, se não impossível, me fazer seguir algum ensinamento que não me interesse.
Ela respondeu no tom mais sereno e debochado que pode, arrancando uma risada de seu amigo e um olhar feíssimo e reprovador do moreno.
- Eu estou falando sério! Onde está o resto da sua roupa?
- Ai! Olha só, eu treinei a noite inteira, tá legal? Tava cansadona, só queria saber de banho e cama, aí eu coloquei a primeira coisa que eu vi no armário, tá bom? Só que aquela doida lá acordou e não me deixou ir dormir, e depois a Abel apareceu dizendo que vocês estavam aqui então eu vim correndo. Nem me liguei no que tava vestindo.
- Deixa ela, meu amigo. Afinal nós trouxemos algo tão importante pra ela, que as suas roupas ou modos são o que menos importa, você não acha?
- É... Você tem razão.
O moreno concordou se dando por vencido, sua expressão tornando-se endurecida e preocupada.
- Vocês trouxeram algo pra mim? O que é? Cadê?
No instante em que eles mencionaram o tal 'algo importante', a menina começou a sentir uma sensação estranha invadindo o seu coração, uma grande expectativa a tomava e ela mal podia se agüentar, em seu coração ela sabia que de alguma forma o que eles lhe trouxeram devolveria um pouco da alegria que estava morta em sua vida.
- Agora acalma-se meu anjo. Sei que é difícil pedir isso, mas tente não se emocionar de mais, ok?
- Mas o que é? Do que estão falando?
A voz dela começava a ficar mais fina e ela sentia as lágrimas começarem a brotar aos poucos em seus olhos. Foi então que, percebendo a sua agonia, o homem de madeixas grisalhas apoiou bondosamente sua mão sobre o ombro da menina e indicou com a outra um sofá, que estivera o tempo todo encoberto pela penumbra do cômodo mal iluminado, passando assim desapercebido da garota. Em seguida, falou:
- Bem, por que você não vê com seus próprios olhos?
Aos poucos ela foi se virando para o local que ele havia indicado, como que em câmera lenta. Quando ela finalmente localizou o que ele indicara a primeira reação que teve foi a de levar as mãos até sua boca, para conter um grito de assombro. Em seguida ela pode sentir seu rosto se aquecer com as suas lágrimas, que já rolavam pelo seu rosto, então por último, já não se agüentando de emoção, ela correu até o sofá e se atirou de joelhos no chão tomando em seus braços o corpo inerte de um garoto profundamente adormecido e o abraçando forte contra o seu peito.
- Ele está vivo!
Continua.....
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