A paixão e o tormento.
8. A paixão e o tormento.
— Ai, menina, como estou nervosa! Será que ele vem mesmo?
— Chegamos muito cedo, Gina. É claro que ele vem. - Em frente do cinema, Hermione sorria, tentando acalmar a ansiedade da amiga. — Ainda faltam dez minutos...
— O meu cabelo está bom? Você acha que esta blusa combina?
— Você está linda, Gina. Agora pare de bancar a criancinha.
— Ah, Hermione, você devia ter visto a cara do Draco quando ele leu o poema...
— É? Ele disse alguma coisa?
— Não. Ele não disse uma palavra. Sorriu, e foi como...
— E foi como se o sorriso improvisasse uma resposta de amor...
— Hum? Acho que foi isso mesmo. Ele é inteligente até calado! - No meio da pequena multidão que atravessava a avenida, Hermione reconheceu alguém.
— Tchau, Gina, aí vem Draco. Se você ficar nervosa, sem saber o que dizer, entregue esta carta para ele.
— Outra carta? Mas a letra não é...
— Não se preocupe. Eu sei imitar a sua letra.
— Ah, Hermione, você é demais! Nem sei como agra...
— Então não agradeça. Tchau, Gina.
Nem olhou para trás. Não agüentaria testemunhar o encontro. Beijinhos, palavras vazias, sorrisinhos, mãos dadas...
Quando entrou na livraria, porém, tinha um ar despreocupado como se no cinema, quase vizinho, não tivesse deixado um pedaço de si mesma. Hermione procurou as estantes do fundo, que sempre têm menos gente e menos luz. Ao acaso, uma edição luxuosa: Fernando Pessoa.
A Hermione é fingidora,
finge tão completamente
que chega a fingir que é amor
o amor que deveras sente...
Lia com um sorriso vago, como se lê uma velha anedota. Outro fingimento. Não era ela a rainha dos fingidores? Fingia tão completamente naqueles versos e cartas que Draco acreditaria naquele amor. E ficaria cada vez mais apaixonado... por Gina.
“Fingir não é difícil, quando se finge que se finge. É só usar alguns exageros, alguns símbolos...”
"Símbolos? Estou farto de símbolos...(...)
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...(...)
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra, (...)
Mas (...) a costureira que pára vagamente à esquina,
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou? (...)
Símbolos? Não quero símbolos...
Queria...
Que o namorado voltasse para a costureira ".
A pouca luz que lhe iluminava a página diminuiu, coberta por alguém às suas costas.
— Renovando as ilusões, senhorita Ilusão?
Harry! Sempre Harry, em todas as horas em que Hermione queria ficar só.
— Fernando Pessoa... — leu o rapaz nas mãos de Hermione. — Gosta de Fernando Pessoa? E da pessoa do Harry, você gosta?
Hermione suspirou.
— Poderia gostar mais, se a pessoa do Harry fosse menos insistente e soubesse escolher melhor a hora de aparecer...
— Acho que quem escolheu foi você. Eu trabalho de tarde nesta livraria.
— Oh, é mesmo? Eu não sabia...
— Tem muita coisa que você não sabe, Hermione.
— E que certamente você gostaria de me ensinar, não é?
— Você não encontraria professor mais dedicado...
— Por quê, Harry? O que você quer?
— Você, Hermione.
— O que você vê em mim? Uma gorducha, de óculos, feiosa e sem graça, que ninguém tira para dançar?
— Não. Isso é o que você vê. O que eu vejo é uma garota adorável, que se esconde nos jardins para não correr o risco de alguém tirá-la para dançar...
— O que é que você entende, Harry? O que é que você sabe?
— Sei, por exemplo, que Harry e Hermione foram dois reis espanhóis que se amaram muito e até ajudaram a descobrir a América...
— Pois saiba que eu não sou espanhola, não toco castanhola e não quero descobrir coisa nenhuma. De mim, da verdadeira Hermione, você não sabe nada!
— Aquilo que eu não sei, nem posso saber que não sei. Por que você não me conta? Vamos sair um pouco? Que tal uma volta?
— Mas você não está trabalhando?
— Tenho direito a uma folga. Depois, minha mãe é a dona da livraria...
Tinha sido bom encontrar o chatinho do Harry. O rapaz ajudou-a a passe ar aquelas duas horas. Poderia vir a ser um bom amigo. Desde que parasse de chamá-la "senhorita Ilusão", é claro. Com aquele passeio, depois que Hermione pegou Gina no cinema, tinha até no que pensar enquanto fechava os ouvidos para não ouvir as descrições da amiga.
— Nem deu para ver com quem era o filme, menina! Imagine que o Draco...
Harry, na verdade, tinha sido menos chato, menos cínico. Mas Hermione só enxergava Draco quando olhava para Harry, só ouvia Draco quando tentava escutar a voz de Harry.
—... me deu até vontade de rir! Mas, num momento, eu estava nas nuvens, porque Draco...
"Por que, Draco?'', em pensamento, Hermione interrompeu a descrição de Gina. "Por que a Gina, Draco? Por que não eu, a Hermione? Por que não eu, que escrevi o amor que Gina sente por você? Você acreditou, Draco? Então por que não pôde ler este mesmo amor nos meus olhos?"
—... eu nem sabia o que fazer, Hermione. Mas, pelo jeito, ele sabia pelos dois e estava louco pra me ensinar...
"Eu também queria aprender, Draco. Eu também queria ensinar, Draco. Juntos, ninguém saberia mais de amor do que nós dois... Eu aprendi muito com aquele beijo, com aquela noite, com aquele jardim, com seus lábios, com seu corpo, com seu calor, com seu cheiro... mas..."
—... bem, eu não queria deixar, mas foi aí que ele...
— Cala a boca, Gina!
— Cala a boca!
— Oh, oh! Mais uma cartinha? Quantas já escreveu para Draco? Cinco? Dez?
— Cala a boca!
O inimigo rachado ria-se sério, como se fizesse de cada escárnio uma bofetada. Esbofeteada, surrada por ela mesma, Hermione punha no papel todo o tormento e toda a paixão que a perseguiam, que aumentavam a cada dia e a cada carta que renovava o namoro de Gina e Draco. O mesmo papel que, mais uma vez, seria entregue pela amiga ao seu querido. E que serviria para aumentar a paixão de um lado e o tormento de outro.
Ah, tormento que eu não posso confessar...
O que eu escrevo é a verdade, eu não minto,
Eu declaro tudo aquilo que eu sinto,
E é a outra que teus lábios vão beijar...
Sei que quanto mais verdade tem no escrito,
Mais distante eu te ponho dos meus braços,
Pois desenho o paralelo de dois traços
Que na certa vão perder-se no infinito.
Estes versos feitos pra te emocionar
Justificam todo o amor que tens por ela
E as carícias que esses dois amantes trocam.
E eu te excito, sem que venhas a notar
Que esses lábios que tu beijas são os dela,
Mas são minhas as palavras que te tocam...
— Não! Onde estou com a cabeça? Não posso entregar isto! Draco não pode saber que... Nunca! Eu prometi. Preciso escrever outra carta. Outra carta... Ah, Draco, eu morro...
— Hermione! Telefone pra você!
Mais uma vez o grito histérico da mãe. Mais uma vez seria Harry. Ela já estava se acostumando a ele.
— Alô...
— Alô, priminha? É você?
— Draco...
Ainda tem mais!!!!
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