Na escuridão do laboratório.
5. Na escuridão do laboratório.
- Senhorita Ilusão! Que ótimo reencontrar você! - O sinal para o recreio tinha acabado de soar, e Hermione correra em direção ao laboratório. Mas, no meio do corredor, a figura de um rapaz a deteve, sorrindo e olhando-a bem de frente, bem nos olhos.
— Hein?
— Não se lembra de mim, senhorita Ilusão? A festa de sábado, o aniversário de Draco... Sou o Harry, lembra?
— Oi, Harry. Desculpe, mas...
— Quer dizer que você estuda aqui? Que sorte! Acabo de me transferir para o terceiro ano e talvez...
— Desculpe, Harry. Estou com uma pressa danada. Depois a gente conversa, tá?
— É... dizem que a ilusão é como uma ave que vem e vai. Só que eu não gostaria de perder a ilusão, entende?
— Tchau, Harry...
Hermione certificou-se de que não havia ninguém olhando e entrou silenciosamente no laboratório. Fechou a porta sem um ruído e esperou que a visão se acostumasse ao escuro. As janelas do laboratório eram cobertas com cortinas pesadas para proteger da luz os produtos químicos. Um lugar ideal para um encontro de namorados.
Aos poucos, com a fraca luz que se filtrava através das cortinas, Hermione pôde perceber as estantes envidraçadas, cheia de frascos contendo formas assustadoras conservadas em formol. Uma enorme cascavel, com seus guizos, flutuava num líquido avermelhado por seu próprio sangue. Ao lado, uma caranguejeira peluda movia-se lentamente numa gaiola de vidro.
A cobra, a aranha, o sangue... Um calafrio percorreu a espinha de Hermione e, por um momento, a menina duvidou que aquele fosse um lugar adequado para o início do seu namoro. Por um momento, teve medo do encontro com Draco. Mas o temor transformou-se em ansiedade quando percebeu o ruído suave da porta que se abria.
— Priminha! Oi, priminha! Você está aí?
Acobertada pela penumbra, Hermione sorriu e deixou passar um tempo de suspense, antes de responder com a voz mais suave que conseguiu fazer:
— Estou aqui, meu querido...
Draco guiou-se pela voz e veio abraçar Hermione apertado, como da primeira vez. E, como da primeira vez, beijou-lhe o rosto com um estalo.
— Priminha querida! Foram os anjos que me fizeram reencontrar você!
"Claro! Os anjos sempre ajudam os semelhantes, meu querido...", pensou Hermione, sem vergonha de sorrir embevecida, porque a penumbra era um disfarce perfeito. Era mais. Era uma fantasia.
— Há quanto tempo não nos vemos, priminha... Desde crianças. Mudamos muito, não é verdade?
"Você foi à lagarta que virou borboleta, meu amor...", pensou Hermione.
— Você ficou uma lindeza...
"Vem, borboleta, vem cá depressa, asas douradas, me carregar. Vem, vamos juntos, num céu sem túneis, buscar caminhos só de nós dois...", num turbilhão, os pensamentos explodiam em versos dentro da cabeça de Hermione.
— Tanto tempo... mas eu nunca me esqueci de você...
"Catar o pólen, fazer a cera, colher futuros, mexer o mel. Deixar passados, erguer castelos, juntar o antes com o depois... Droga! Isso não é hora de fazer poesia. É hora de viver poesia!"
— Me lembro muito bem... você ficava uma gracinha de óculos!
"Tolinho! Eu não usava óculos quando era criança...", riu-se Hermione por dentro.
— Eu me lembro... suas trancinhas...
"Ah, Draco... eu nunca tive tranças..."
— Como foi bom reencontrar você, priminha... Isso mudou a minha vida...
"A minha também, meu amor..."
— Era isso que eu queria falar com você, Hermione... Nem sei como começar...
"Me abrace, meu querido, me abrace que eu espero a vida inteira..."
— Hermione, eu estou apaixonado...
"Por mim, boneco, pela sua Hermione..."
— Nem sei dizer... já houve outras garotas, mas, agora...
"Agora sou eu, Draco. Meu Draco!"
— Agora é diferente. Eu sei que é amor...
"Por mim..."
— Nunca me senti desse modo. Por isso eu sei que só pode ser amor...
"Por mim..."
— Estou apaixonado...
"Por mim, Draco!"
— Por Gina, Hermione...
A aranha encolheu-se na gaiola de vidro e a escuridão do laboratório pareceu crescer, como se tivesse anoitecido subitamente, apagando a imagem de Draco, arrancando Draco do alcance de Hermione.
"Gina? Ele ama Gina? E eu, meu amor, e eu?"
— Ah, priminha, como foi maravilhoso você ter levado Gina à festa. Gina é linda... é assim como... eu caí por ela na hora... ela é... nem sei como dizer... Se você soubesse quanto me fez feliz...
"Ah, Draco, se você soubesse quanto me destruiu..."
— Quero que você seja a madrinha do nosso namoro, Hermione. Quero dividir nossa felicidade com você.
"Draco, não faça isso comigo. Me acuda, me salve, Draco...", sem poder explodir em protestos, o pensamento de Hermione caía de joelhos.
— Você vai ajudar o nosso amor, priminha. Eu lhe peço que... eu lhe peço que fale com Gina e combine um encontro para amanhã à tarde. Você me ajuda? Vamos, priminha, prometa que vai nos ajudar!
— Eu? Sim... é claro, primo. Eu... eu prometo...
— Isso, priminha! Diga a Gina que eu vou esperá-la as quatro, em frente do cinema, na esquina da...
— Um cinema? É que a mãe da Gina é tão...
— Diga que vocês vão juntas ao cinema, priminha. Por favor, eu estou voando de felicidade. Me ajude!
"E eu estou afundando, Draco, estou me afogando... me acuda... me salve, meu amor...", pediu a menina em pensamento.
— Você prometeu, Hermione.
— É claro, Draco, eu prometi...
— Posso contar com você?
— Pode contar comigo...
— Eu te adoro, priminha!
Hermione abaixou a cabeça na hora de ganhar o beijo estalado, prêmio de consolação para a cretina que acreditava na ilusão. Assim, o beijo marcou-lhe a testa e Draco não sentiu o gosto salgado dos filetes de derrota que escorriam pelo rosto da menina.
"Draco, não era essa adoração que eu queria... Eu queria o seu amor, eu queria você, Draco... meu amor..."
Hermione ficou só, com a escuridão que tomava conta do seu ser.
Tirou os óculos molhados e encolheu-se, desejando que uma concha se fechasse em torno de si e a levasse para um mar distante, escondendo o desespero sob toneladas de águas salgadas como lágrimas.
"O que aconteceu? Como isso foi acontecer? Draco, você não podia fazer isso comigo... Não me mate, meu amor... não mate o meu amor... Com a Gina? Logo com a Gina, minha melhor... Não, com a Gina, não, com outra garota, não, Draco... Me ame, por favor... Me ame como eu te amo, meu amor... Por que você não pode me amar? Se eu te amo tanto... Ninguém poderá te querer como eu, Draco, minha paixão, meu primo, minha vida... Por que você me beijou daquele jeito? Por que tanto, Draco? Por que eu estava ali, à mão? Nada disso, não pode ter sido só por isso. Aquele beijo era de verdade, Draco, eu senti que era de verdade... eu ainda sinto, meu Draco..."
O ruído suave da porta fez Hermione emergir do desespero. Seria ele? De volta? De volta para contar que tudo não passara de uma brincadeira? Que Gina não importava e que era ela, Hermione, que ele amava?
Mas, mesmo na penumbra, mesmo sem óculos, mesmo com os olhos afogados pela desilusão, dava para perceber que o vulto estava de branco. Talvez o guarda-pó do encarregado do laboratório.
Hermione encolheu-se mais ainda, fundindo-se às sombras. Não! Ninguém podia vê-la naquele estado. Não! A não ser o seu grande inimigo, ninguém, jamais, a vira num estado como aquele.
O vulto aproximou-se de uma das estantes. Pegou um frasco, tirou algo de dentro, guardou-o e saiu rapidamente do laboratório.
Quando a campainha soou, anunciando o final do recreio, Hermione secou o rosto e pôs-se de pé, já de óculos, aproximou-se e leu distraidamente o rótulo do frasco que o vulto de branco pegara:
Linamarina...
"Isso tem nome de mulher. Lina e Marina. Duas mulheres... O que será isso? Será que é costume esfacelar os sonhos de garotas apaixonadas e guardar aqui o pozinho que sobra? Daqui a pouco, acho que vai haver um novo frasco com o rótulo HERMIONE".... Glicosídio cianonitrila.
"Química! Uma ciência de palavrões. Bem, vou aprender todos eles antes que o ano termine. Chega de palavras carinhosas."
Enxugou-se melhor, arrumou a roupa, o cabelo e decidiu-se:
"Vamos lá, Hermione. Vamos rir e fazer os outros rirem. Como sempre. Ninguém tem nada com a sua vida, Hermione. Nem com a sua morte. Eu prometi. Agora vou cumprir minha promessa. Vamos, cretina! Vamos ajudar a liquidar a sua própria ilusão!"
Hermione já estava calma quando saiu do laboratório. Mas, dentro da gaiola de vidro, a aranha peluda sacudia-se loucamente.
***
Tem mais ainda...
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