Capítulo 4 - Fim
À medida que o príncipe chegava cada vez mais perto, Salena tinha a impressão de que ela era um animal acuado.
Sentia-se como se não pudesse se mover, nem pensar; apenas se encolher contra as dobras das paredes da tenda.
Queria morrer. Queria ficar inconsciente, para não sentir a dor do que era inevitável.
Depois, ele a alcançou, com uma expressão de triunfo e de excitação. Quando ergueu o braço, Salena gritou.
Foi um grito débil, grito de alguém que não tinha mais forças para lutar, que estava completamente derrotado. Mas sua voz foi abafada por outras vozes. O príncipe olhou para trás, admirado com a interrupção.
As dobras da cortina foram afastadas e o duque entrou na tenda, seguido pelo capitão Barnett e vários marinheiros ingleses armados de rifles.
Por um momento, tanto Salena quanto o russo ficaram imóveis. Ele ainda estava com o braço levantado, tendo no rosto uma ridícula expressão de espanto.
Salena deu outro grito, dessa vez, de alívio e de imensa alegria, e correu para o duque. Atirou-se nos braços dele beijando-lhe o rosto.
— Está tudo bem, querida. Você está salva!
Sem olhar para o príncipe, ergueu-a nos braços. Ao passar pelo capitão Barnett, disse:
— Este cavalheiro é seu, capitão.
Passaram por dois marinheiros que mantinham dois criados de turbantes sob a mira de seus rifles, e Salena escondeu o rosto no ombro do duque. Tentava se convencer de que não precisava mais ter medo: estava salva e o duque a apertava contra o peito.
Percebeu que ele caminhava sobre areia e sentiu no rosto o ar fresco, mas só abriu os olhos dali a pouco, quando parou.
Olhou para ele e viu atrás de sua cabeça os galhos das tamareiras do deserto.
— Você está salva, minha querida. Ele não a machucou?
— Eu… rezei… rezei para você… aparecer… e me salvar.
— Achei que era isso que você estava fazendo.
Colocou-a no chão, mas continuou segurando-a. Quando Salena ergueu o rosto para ele, beijou-a na boca.
Ao sentir os lábios do homem amado, Salena soube que era aquilo que tinha desejado, era por aquilo que havia rezado. O que sentia agora era êxtase.
Apertou o corpo contra o dele, para se sentir segura para sempre.
Alguma coisa maravilhosa estava acontecendo, completamente diferente de tudo que já havia sentido, tomando conta de seu corpo, subindo-lhe pelos seios e pela garganta.
A princípio, os lábios de Salena eram macios, suaves e inocentes; mas, quando a viu estremecer e corresponder ao calor de seus beijos, o duque apertou-a ainda com mais força.
Salena esqueceu seus temores. Tudo desapareceu e o duque agora lhe dava o que havia de mais belo e de mais perfeito no mundo.
Era como se uma música os envolvesse, e havia o perfume das flores, e os dois não eram mais seres humanos, e sim, parte da divindade.
Quando se afastou um pouco para olhar para o rosto de Salena, o duque achou que jamais tinha visto uma mulher tão feliz, tão radiosa, em toda a sua vida.
— Eu o amo! Eu o amo!
— Era isso que há muito tempo eu queria ouvir de você, minha querida. Tive um medo terrível de não chegar a tempo de salvá-la daquele bruto.
— Ele ia me bater…
Ao dizer isso, percebeu que o príncipe não tinha mais o poder de aterrorizá-la. Seu medo havia desaparecido porque o duque a segurava nos braços e a beijava.
— Vamos para casa, doçura.
Beijou-a novamente, sentindo-a estremecer, mas não de medo.
Andaram de mãos dadas. Só então Salena viu que estavam num oásis, debaixo de palmeiras, sozinhos, a não ser por alguns camelos deitados na sombra.
Olhou para o lado de onde tinham vindo, para a tenda, grande e negra. Do lado de fora estavam alguns cavalos seguros pelas rédeas por marinheiros de uniforme branco.
De novo, olhou para o duque.
Era-lhe impossível pensar em outra coisa, a não ser nele, e Hugo viu, com imenso alívio, que nos olhos dela não havia mais medo. Pelo contrário, pareciam refletir a luz do sol… Percebeu, então, que entardecia e examinou ansiosamente, o oeste.
— Precisamos voltar logo. Sente-se bastante forte para andar a cavalo, meu amor? Seria mais rápido, assim.
Sorriu e, antes que ela respondesse, continuou:
— Eu tinha prometido que andaríamos a cavalo, juntos, hoje. Ela deu uma risadinha e encostou o rosto no ombro do duque. Carregou-a de novo no colo para que os chinelos bordados de
Salena não se enchessem de areia.
Esperou que a ajudasse a montar, mas ele pareceu indeciso. A moça fitou-o, com ar indagador, e viu que o duque olhava para suas roupas diáfanas, que revelavam as curvas dos seios.
Pela primeira vez, ela teve consciência de seus trajes e ficou encabulada.
O duque deu uma ordem a um dos marinheiros e este saiu correndo.
— Você está linda, mas não quero que ninguém, a não ser eu, veja a sua beleza.
Salena corou.
O marinheiro apareceu com qualquer coisa nas mãos.
— Isto serve, Vossa Graça?
Salena viu que era um pano lindamente bordado, do tipo que no Oriente é jogado sobre divas, ou, quando antigos e valiosos, pendurados nas paredes.
O duque colocou o pano sobre os ombros dela, cruzou-o na frente, e amarrou as pontas atrás, na cintura.
Salena achou que devia estar parecendo muito estranha, com um diáfano vestido mouro, uma tira na cabeça com franjas de pérolas e pulseiras reluzentes nos braços.
Mas nada tinha importância, a não ser o fato de estar com o duque e de ter sido beijada por ele.
O capitão Barnett saiu da tenda, seguido por alguns marinheiros.
— Sua Alteza achará mais confortável se deitar de bruços nos próximos dias, Vossa Graça!
Salena não ouviu nem tentou compreender o que estava sendo dito. Só tinha olhos para o duque, achando-o muito atraente e pensando em seu grande amor.
Ele veio a mim quando o chamei, pensou. Ele me salvou. E me ama, como rezei para que amasse.
O duque montou a cavalo e todos partiram.
Salena notou que ele andava devagar, até perceber que ela era uma boa amazona, e depois apressou a marcha.
Logo deixaram o deserto para trás e seguiram pelo sopé das montanhas. Logo Salena avistou o mar e viu que a vila do duque estava próxima.
Quando chegaram aos arredores de Tânger, o sol se punha e as sombras da noite se aproximavam rapidamente.
Estamos em casa!, pensou Salena.
Mas viu, com surpresa, que o duque não se dirigia para a vila e, sim, para a cidade.
Cavalgaram depressa demais para ela fazer perguntas. Logo estavam passando por ruas estreitas, sujas, cheias de camelos, burros e mendigos, indo em direção à baía. Só aí, Salena compreendeu que se dirigiam para o Afrodite. Com grande alegria no coração, viu que não só estavam deixando o príncipe para trás, como também lady Moreton, e que ia ficar sozinha com o duque. O que mais desejava na vida era que ele a tomasse nos braços e a beijasse novamente. Seria maravilhoso saber que estavam no mar e que não havia perigo de serem interrompidos.
Os cascos dos cavalos ressoavam no calçamento de pedra do cais, quando se dirigiam para o ponto onde estava ancorado o Afrodite. O sr. Warren esperava por eles.
O duque apeou e ajudou-a a desmontar. Sentiu um estremecimento de prazer, porque ele a tocava. Os olhos de ambos se encontraram, e o duque a colocou no chão com relutância.
— Tudo está a bordo, Vossa Graça.
— Obrigado, Warren. — Estendeu a mão, em despedida, e acrescentou: — Cuide de tudo, até voltarmos.
— Pode ter certeza disso, Vossa Graça.
Com um braço em volta da cintura de Salena, o duque levou-a para bordo e depois para o salão.
Fechou a porta. Sem pensar em nada, a não ser na necessidade que tinha do homem amado, Salena virou-se, atirou-se nos braços dele e ergueu os lábios.
O duque olhou-a por um momento e disse:
— Quero lhe pedir uma coisa, querida. Você está segura e não precisa ter medo de tornar a ver o príncipe. Mas estará ainda mais segura se me pertencer.
Salena olhou-o, com um ar indagador. Ele sorriu, percebendo que ela não tinha compreendido.
— Estou pedindo para casar comigo, minha querida. Agora… imediatamente!
Achou que a expressão dela, iluminando-lhe os olhos, era a coisa mais linda do mundo.
— Quero ser sua mulher mais do que qualquer outra coisa no mundo. Mas não estou à sua altura. E tenho medo de que me ache monótona…
O duque apertou-a contra o peito e beijou-lhe os cabelos.
— Você é a pessoa mais importante no mundo para mim e eu a amo, criatura adorável, como jamais amei alguém. Isso é a pura verdade e eu o provarei quando você for minha esposa.
— Tem certeza? Tem mesmo?
— Absoluta certeza! E agora, rainha querida, espere aqui por alguns minutos, até eu tomar certas providências.
Beijou-a suavemente e, antes que pudesse dizer alguma coisa, saiu do salão, fechando a porta.
Só depois que se viu sozinha, Salena ficou pensando em sua aparência e se o duque podia realmente achá-la bonita. Havia um espelho numa das paredes do salão e ela foi até lá, vendo que seus olhos brilhavam e que seus lábios estavam vermelhos dos beijos.
Os cabelos, graças à tira na cabeça, não estavam em desordem, mas Salena tirou a fita porque ela lhe lembrava o príncipe. Ajeitou os cabelos e tirou também os colares, pensando que o duque não gostaria de vê-la com jóias dadas por outro homem.
Ouviu o barulho das máquinas e o iate começou a se mover; estavam saindo da baía.
Tinha conseguido escapar! O duque a salvara no último momento e a amava! Não imaginava que isso fosse possível, mas seus olhos e seus anseios haviam se realizado.
A porta abriu-se e o duque apareceu, seguido pelo capitão. Aproximou-se dela e segurou-lhe a mão.
— É perfeitamente legal, minha querida, um casamento a bordo de um navio ao largo ser celebrado pelo capitão.
Salena teve um sorriso radioso. Sabia por que motivo ele estava explicando que era legal: queria deixar claro que o casamento não seria uma farsa, como o que o príncipe tentou lhe impor.
Não sabia o que dizer e apertou a mão do duque.
Ele compreendeu e, por um momento, ficaram olhando um para o outro.
Salena sentiu como se não só ele a estivesse beijando, mas também como se fizessem parte um do outro, e nunca, nunca mais fosse ficar sozinha ou amedrontada…
O Afrodite navegava lentamente. Salena sabia, pelo que o duque lhe dissera, que naquela noite avançariam pouco e que, portanto, o barco jogaria o mínimo possível.
Virou a cabeça que descansava no ombro dele e, embora estivesse escuro na cabine, percebeu que estava acordado.
— Eu… dormi — disse, sonolenta.
— Devia estar muito cansada, meu amor. Passou por muita coisa, ontem, e talvez eu tenha sido egoísta por exigir ainda mais de você.
Aconchegou-se mais perto do marido e beijou-o.
— Foi maravilhoso! Nunca pensei que o amor pudesse ser tão maravilhoso… tão divino!
— Fiz você feliz?
— Não tenho palavras para dizer quanto. Eu o amo e gostaria de repetir isso o tempo todo.
Havia na voz dela uma nota apaixonada que comoveu o duque.
— Rezei para que isso acontecesse, minha amada.
— E rezei para que você me amasse apenas… um pouquinho. Mas você é tão formidável, tão inteligente, tão corajoso… É tudo que um homem deveria ser, e pensei que minhas preces não seriam ouvidas.
— Não a amo só um pouquinho. Meu amor é infinito, como o céu e o mar.
Salena respirou fundo.
— Você vai me ensinar… para que eu possa conservar o seu amor?
— Acho que não precisa ter medo de perdê-lo. É diferente de tudo que até agora conheci ou senti. Quando comecei a amá-la, Salena, logo depois de você vir para bordo, temi que fosse sentir medo dos homens e do amor a vida inteira.
— Foi tolice minha não perceber que você era diferente. Ou que, quando eu sentava a seus pés, adorando-o, era amor. — Fez uma pausa. Depois, em tom hesitante: — Foi só quando lady…
O duque pôs um dedo nos lábios dela.
— Esqueça. Esqueça tudo que aconteceu. Essas pessoas não têm importância para nós. Só o futuro nos interessa.
Salena suspirou e aconchegou-se ainda mais a ele.
— Tem razão. Não falaremos mais nisso. Mas há uma coisa que quero saber, porque estou… curiosa.
— O quê?
— Como soube onde me encontrar? Eu tinha medo de que, uma vez que chegasse às montanhas, você não pudesse ter uma idéia de para onde tinham me levado.
— Isso poderia ter acontecido, se não tivesse arrancado a informação de alguém que sabia para onde você tinha sido levada.
Por um momento, a voz dele se tornou áspera, quando lembrou que quase tinha esganado Imogen para obrigá-la a contar para onde tinha ido o príncipe.
Teve também sorte porque um de seus criados na vila havia sido empregado do sultão, tempos antes. Não se julgando com obrigação de ser leal a um patrão injusto, o homem guiou o duque e seus marinheiros até o ponto onde sabia que o sultão costumava erguer sua tenda, na primeira parada, depois que saía de Tânger.
Sem esse auxílio providencial, o duque sabia que teria sido difícil, senão impossível, encontrar Salena entre oásis e palmeiras… Agora, estava decidido a fazer com que o passado ficasse enterrado e só se preocupassem com o futuro.
— Warren pôs em malas todas as nossas roupas e trouxe-as para bordo, querida. Vamos parar em vários portos, para que eu possa comprar as coisas que sempre desejei lhe dar, mas que você tinha escrúpulo de aceitar.
— Eu não queria ser extravagante e deixar que você gastasse dinheiro comigo, pois sabia que nunca poderia pagar minhas dívidas.
O duque riu baixinho, lembrando que ela havia protestado, em Gibraltar, quando quis lhe dar mais do que o essencial.
Em Tânger, Salena insistiu para que ele comprasse tecidos baratos, que seriam confeccionados por costureiras locais.
O duque compreendeu que isso tinha a ver com o que acontecera entre ela e o príncipe e que Salena temia ficar em débito com ele. Não insistiu, portanto, mas gostaria de dar à beleza de Salena a moldura que merecia.
— Agora, não só posso lhe dar roupas, como também jóias. Quando chegarmos a Constantinopla, comprarei pérolas magníficas e também outras jóias.
— É para lá que vamos?
— É conhecida como A Pérola do Oriente. E você, é minha Pérola do Ocidente, tão bela e tão preciosa que não precisa de adorno; apenas, de meus beijos.
Beijou-a na testa e depois seus lábios roçaram as sobrancelhas delicadas…
Salena experimentou uma sensação maravilhosa. Quando ele lhe beijou os olhos, a ponta do nariz, seus lábios estavam prontos para receber os dele. Mas o duque beijou-lhe o queixo, as faces e os cantos da boca.
Salena sentiu um imenso calor percorrer seu corpo. Todo ele parecia estremecer contra o do marido, e ansiava pelo amor daquele homem, de uma maneira que não sabia expressar.
Essa necessidade crescia cada vez mais, e Salena também o beijou, apaixonadamente.
— Quero você, quero você, minha amada. Minha querida, minha linda e adorável fugitiva do amor.
A voz parecia vir de muito longe e Salena teve a impressão de estar no céu.
Era uma coisa maravilhosa que ela sabia ser amor, mas muito maior, mais gloriosa do que qualquer coisa que pudesse ter imaginado.
— Também quero você… Preciso de você. Quero ser sua… sua… completamente sua.
Mas não conseguiu falar porque o duque a beijava na boca, enquanto lhe acariciava o corpo.
Depois, foi impossível pensar. Só existiam os lábios do bem-amado, suas mãos, o bater de seu coração e apenas ele, ele, em todo o Universo.
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