Capítulo 1



A rua estava repleta de pessoas que se atropelavam, carregadas de compras.Na High Street,um grupo de crianças encapotadas,de cachecol e chapéu de lã,cantava canções de Natal,enquanto uma delas coletava dinheiro dos transeuntes,sacudindo uma latinha.O céu estava carregado e a temperatura tinha caído violentamente.Marisa pensou que não seria surpresa se nevasse.
James estava cansado e faminto.Voltavam para casa depois de um passeio no parque.Marisa andava depressa, sua figura esbelta e elegante enfiada num casaco de pele de carneiro que ainda conservava a classe, apesar de bastante usado.Gastava todo o seu dinheiro com James, para ela mesma não comprava quase nada.
Com gritinhos de alegria, James apontou para uma vitrine, jogando-se para frente no carrinho e obrigando Marisa a parar para que ele pudesse admirar uma linda árvore de Natal.
-Bonito, não é? – Curvou-se e sorriu para ele.
-Munito. – James estava começando a falar e trocava algumas letras.
Marisa lembrou que tinha prometido levar uns bolos para Sally e parou o carrinho duas lojas adiante.
-Não vou demorar, meu querido. – James começou um choro, fazendo beicinho e olhando a mãe com censura.
-Não fique triste, volto logo. – Entrou correndo na loja.Raramente Sally pedia alguma coisa e Marisa sentia-se bem quando podia retribuir de alguma forma toda a gentileza com que ela e James eram tratados.
Na correria, esbarrou numa senhora, derrubando todos seus pacotes no chão.
-Desculpe – E abaixou-se para pega-los.
A senhora quase arrancou os pacotes das mãos de Marisa.Sem dúvida, estava extenuada, como James.O Natal é uma época exaustiva para todo mundo.Marisa desculpou-se novamente.Como resposta, recebeu apenas um olhar gelado.
Do balcão, o padeiro comentou:
-Meu Deus, que mau humor!
Marisa sorriu e encomendou os bolos.
O padeiro colocou tudo numa caixa de papelão bem amarrada, enquanto tagarelava:
-Que dia! Trabalhei o tempo todo.Ainda bem que o Natal só acontece uma vez por ano.
-Adoro o Natal – disse Marisa, estendendo-lhe o dinheiro.
Esperou pelo troco, olhando-se no espelho atrás do balcão, Seu rosto estava vermelho por causa do frio, salientando os vivos olhos azuis.Os cabelos loiros e longos que ela costumava usar amarrados estavam soltos em desalinho.Uma das brincadeiras favoritas de James era desfazer o seu penteado.
-Obrigado – O padeiro entregou-lhe o troco e Marisa correu para a porta.
Por um segundo, seu olhar atônito fixou-se no ponto em que tinha deixado James.Olhou depois para a porta de outra loja.Confusa percebeu que o carrinho não estava á vista e seu coração disparou, aterrorizado.
Desesperada, correu até a esquina, voltou a confeitaria, indo e vindo, desorientada.Pensou que podia te-lo deixado diante da vitrine que tinha chamado a atenção do filho.Correu para lá ate a árvore alta,com suas luzes coloridas.
-Não... – falou em voz alta, para si mesma – James!
Sua mente, inerte, parecia anestesiada.Procurava se convencer de que nada daquilo estava acontecendo, que tudo não passava de um engano.
As pessoas a observavam, estranhando seu comportamento.Marisa olhava ao redor, chamando por James, na esperança de ver aquele rostinho corado e fofinho.
Viu um policial a alguns metros.Correu para ele, esquecendo os bolos, que caíram e, num segundo, foram pisados por uma senhora que passava.
Agarrou-se ao braço do policial.Marisa gaguejava:
-O meu bebê...Alguém....Levou...o meu bebê!
-Onde deixou seu filho, minha senhora?
-Lá – E apontou para a confeitaria. – Estava comprando bolos e deixei-o do lado de fora.
-É sua? – A senhora deu-lhe a caixa amassada – Sinto muito, pisei nela sem querer.
Marisa pegou a caixa, sem tirar os olhos do policial.
-Fiquei lá dentro um minuto, só um pouquinho.
-Quando foi isso, minha senhora?
-Agora mesmo. – O pânico parecia crescer dentro dela.Queria gritar para que ele começasse a agir. – Eles não podem estar muito longe.Fiquei lá dentro só um minuto e não consigo encontrar meu filho! – Ela procurava olhar para longe, tentando atravessar a barreira de pessoas que passavam apressadas, Viu um carrinho de bebê.Seu coração pulou de alegria, mas aí percebeu que era uma menina que estava dentro dele.
-Por favor, faça alguma coisa.Alguém deve ter levado meu filho.Não deve estar longe! – Pensou que quem quer que o tivesse levado estaria empurrando o carrinho pelas ruas ali de perto.Mas...Em que direção? Onde estariam?
O policial falava no transmissor.Olhava-a com bondade e calma.
- Estão mandando um carro.Não vai demorar.Vamos dar uma busca para localizar seu bebê.Agora, mantenha-se calma, minha senhora.Vamos achar seu bebê.
A senhora que tinha estragado o pacote de bolo ainda estava lá, junto com o marido.Os dois ouviam tudo, sem a menor cerimônia.
- Não havia ninguém com você? – ela perguntou – Não pode ser sua amiga que resolveu dar uma voltinha com ele aqui por perto?
- Não.
- Alguém estava com a senhora? – o policial perguntou
Ela negou com a cabeça continuando a procurar, desesperada, olhando para todo lado.O coração pulava descompassado e suas mãos estavam geladas.Era um pesadelo, como o de alguns anos atrás.Só que agora era realidade, a triste realidade.
-Será que um amigo não poderia ter levado o carrinho para dar um passeio? – o policial insistiu.
-Quem faria uma coisa dessas?
-As pessoas as vezes tem um estranho senso de humor.
Uma pequena multidão começava a se formar ao redor deles, ouvindo, observando e comentando.
Uma sirene soou.O carro de policia chegava.Os outros carros deram passagem e um veiculo preto parou ao lado deles.O policial informou aos recém-chegados o que acontecera.Chamaram então Marisa que entrou na radiopatrulha.O motorista virou-se e sorriu para ela.
-Vamos subir primeiro a High Street,depois viramos e pegamos outra rua.Fique olhando.Se localizar o bebê, avise.
Havia uma policial feminina ao lado dela,com um caderno de anotações na mão, e continuou a lhe fazer perguntas.
Marisa mantinha os olhos fixos na rua, tentando observar cada detalhe por onde passavam.
-Ele usava um casaco bege e tinha um gorro marrom.Tinha luvas, sim, mas não para com elas nas mãos.
-Calças?
-Marrom.
-E sapatos?
-Castanhos, de couro.Também vive tirando os sapatos – Adorava se despir.Às vezes quando ela entrava nas lojas e o deixava fora,ao voltar encontrava seus sapatos e meias espalhados na calçada.
O carro tinha virando e se dirigia lentamente para o outro lado da rua.
Ela continuava a olhar fixamente tudo por onde passavam.Sua cabeça estalou de dor.Não havia sinal de James.
-O que vou fazer? Cadê meu filho? Onde esta James? – ela não parava de repetir.
-E seu marido? – a policial perguntou.
O rosto de Marisa ficou tenso.
-Não tenho.
A policial olhou para ela, rapidamente, assim como o motorista, que a observou pelo espelho retrovisor.
-Não é casada?
Marisa hesitou e continuou olhando para a rua.
-Então, não é casada?
-Somos separados.
O clima mudou, instantaneamente.
-Posso sabe o nome e o endereço do seu marido?
-Não.
Pensou que se soubessem, acabaria por te-lo por perto, depois de dois anos correndo dele, procurando fugir de seu alcance.
-Receio insistir: temos de saber o nome e o endereço do pai da criança.
Marisa balançou a cabeça, procurando afastar as mechas de cabelo do rosto pálido.A tensão e a dor já marcavam aquele rosto, retirando-lhe o aspecto jovem, endurecendo-lhe os traços.Os lábios tremiam.A policial observou-a, deu uma olhada para o colega, que deu de ombros.
-Seu marido pode ter levado a criança.Isso ainda não tinha lhe ocorrido?
Marisa sorriu, com ironia e um pouco de tristeza:
-Não, ainda não.
-Mas ele pode ter feito isso.Nesses casos, geralmente é o pai, pode acreditar.Principalmente se houve desavença.
-Não foi ele. – Seu coração pulava cada vez que via um carrinho de criança.Mas nunca era James.Ele não aparecia.Marisa tinha a impressão de que tinha sumido da face da terra.
-Só queremos ajudar você.Precisamos colocar o nome e o endereço de seu marido nesta ficha.Ale do mais, ele precisa ser avisado. É o pai da criança.
Houve silencio.
-Ele é o pai ou não?
É sim, mas não quero que saiba. – Havia amargura na voz de Marisa.Não podia contar o que tinha se passado.A ultima coisa que queria na vida era que Gabriel soubesse onde estava.
O carro parou e ela olhou para fora.
-Você fica no carro, minha querida. – A policial segurou Marisa de leve contra o assento, quando ela percebeu onde estavam.
O motorista desceu e dirigiu-se para a porta da casa.Bateu, e Sally abriu.Olhou-o e olhou o carro, intrigada.De onde estava, Marisa não podia ouvir o que diziam, mas viu o horror crescer no rosto de Sally, á medida que o policial falava.Ela quis se aproximar de Marisa, mas ele a impediu.
- Estamos apenas checando para ver se o bebê foi trazido para casa - Esclareceu a policial - É sua parenta, sua mãe?
- Minha chefa.Trabalho com ela. - O desânimo começava a tomar conta de Marisa.
- O que ela faz?
- Dirige uma agência de empregos.Sou secretária durante meio período.
A mulher observou a casa asseada de subúrbio.
- Mas você mora aqui?
- Tenho um apartamento em cima da garagem. - Se nada tivesse acontecido, a uma hora dessas,provavelmente estaria providenciando chá para James e ele estaria brincando no caldeirão com o martelinho de borracha.
Marisa observava Sally e o policial.O que ele estaria perguntando? Não havia muito a contar.Marisa não tinha revelado seu passado á amiga.Na verdade, desde o dia em que se apresentou para o trabalho na agência, Sally tinha sido um amor de pessoa para ela.Foi muita sorte encontrá-la naquelas circunstâncias.Só um mês depois de sua chegada, percebeu que estava grávida.Sally procurou amenizar seu choque e desespero fazendo por ela tudo que podia.
- Deve contar a seu marido, querida.
Mas Marisa foi irredutível, nao contaria nada a Gabriel.
A outra tentou persuadi-la de todas as formas.Sugeriu então que ela trabalhasse na agência enquanto esperava a criança e, depois que tivesse o bebê,continuasse a trabalhar meio período como secretária.Tinha sido relativamente fácil arranjar quem cuidasse de James.Marisa não gostava de ter que deixá-lo com outra pessoa, mas não tinha escolha.Trabalhava de manhã, deixando o filho aos cuidados de uma família da vizinhança.
O policial voltou junto com Sally.Ela olhou para Marisa pela janela.
- Você está bem?
Fez que sim, com a cabeça trêmula.
- Tenho certeza de que vão encontra-lo. - Era evidente que ela não sabia o que dizer.
Sally era uma mulher de quase sessenta anos, forte e jovial,de olhos azuis já um pouco desbotados, e estava quase tão desesperada como Marisa.O marido,Joe, era invalido, e apesar de ter uma cadeira de rodas,dependia dos outros para tudo.Tinha um tremendo senso de humor que, de certa forma,compensava a fraqueza física.Uma doença há alguns anos tinha-o colocado naquela situação.Sally teve que assumir a direção da firma, fazendo um bom trabalho.Cada dia era um vizinho que a ajudava, cuidando da casa e de Joe,enquanto ela estava na agência.
A principio, Marisa teve receio de aumentar os problemas de Sally,que já não eram poucos,mas a amiga fez questão de que ficasse.Adorava James.Não tinha filhos, e a doença do marido a ameaçava com um futuro solitário e vazio.A chegada de James tinha-lhes dado novo alento.Ambos adoravam cuidar do bebê e quase imploravam a Marisa que saísse para deixa-los com eles.
Sally olhou para as mãos de Marisa, e esta percebeu que ainda segurava a caixa de bolos amassada.
- Desculpe, foi pisada.
- Oh, meu Deus! - Virou-se para o policial - Posso ir com ela?
- É melhor a senhora ficar aqui, no caso de alguém trazer o menino de volta.
- Mas ela precisa de uma companhia.
- Nós cuidaremos dela.
Marisa queria que Sally fosse, mas havia Joe,que não podia ficar sozinho.Alem disso, alguém podia mesmo levar James para casa.Talvez o pegassem, pensando que estava perdido ou abandonado.
- Se você precisar de mim, meu amor... - Sally pegou o braço de Marisa pela janela aberta do carro.
- Obrigada... - Viu os olhos da outra cheios d'água e quis poder também chorar. Mas não conseguia.
O carro partiu.
- Vamos encontra-lo, não se preocupe. - A policial procurava tranqüiliza-la.- Talvez alguma mulher solitária o tenha pegado por um momento, mas vamos traze-lo de volta.Deve estar sendo muito bem cuidado...Ate mesmo mimado, quem sabe? Normalmente, é isso que acontece.Sua amiga estava certa: você não devia estar sozinha.Seja sensata, meu bem, e dê o nome e endereço do seu marido.Qualquer que tenha sido o motivo da briga de vocês, ele vai deixar isso de lado.Ouça o que eu lhe digo: vai ficar tão preocupado como você. Afinal, é filho dele também.
Marisa não respondeu.Limitou-se a olhar pela janela, observando as vitrines iluminadas e os enfeites de Natal.
- Mais cedo ou mais tarde, você terá que dizer - Dessa vez, a policial foi áspera.
O carro dirigiu-se a delegacia.
- Vamos descer aqui.
Marisa obedeceu, cambaleando.Tropeçou. Uma outra policial segurou-a.
- Precisa de uma xícara de chá.Também tomarei uma de bom grado.
O carro partiu, e elas entraram na delegacia.Na recepção, um sargento olhou-a por um minuto.Depois foi encaminhada, até uma salinha de espera.Sentou, obediente, mas sem pronunciar uma palavra.
- Vão trazer chá para nós.Quero apenas checar o que você me disse até agora.Posso ter perdido alguns detalhes.
-Estou me sentindo mal - Levantou, e a policial, rapidamente, mostrou-lhe um banheiro pequeno e branco.Sua cabeça rodava e um suor gelado escorria-lhe pela testa.Sentia frio pelo corpo todo, a sensação de enjôo indo e voltando.
Lavou o rosto varias vezes com água fria e voltou para a salinha.Havia chá sobre a mesa.Sentou e aceitou a xícara que a policial lhe ofereceu.Aquele calor lhe fez bem.Debruçou-se na escrivaninha.
- Estou com medo - murmurou, quase para si mesma - Ele é tão pequeno!
James era tudo que tinha no mundo.Não conseguia imaginar uma vida sem ele.Parecia impossível que há apenas dois anos não existisse.Tinha tomado conta de sua vida, de seu coração, ficava em pânico ao imaginar o que poderia estar acontecendo com ele.
- Estamos procurando.Não pense em mais nada, a não ser em como vai nos ajudar.Não quero pressionar você, mas temos que saber o nome do pai.
Marisa bebeu mais um pouco de chá.Aquele calor agradável diluía a sensação de gelo sobre a pele.
- Que idade você tem, minha querida? - A policial tentava abordá-la de outra forma.
- Vinte e três. - Sentia-se mais velha, como se tivesse cem anos.A tensão era tanta, que até os ossos doíam.
- Onde morava antes de vir para cá?
- Sou de Londres, sempre morei aqui.
- Em que bairro de Londres?
- Qualquer um.
Marisa era filha única, e os pais, instáveis e irrequietos, viviam mudando de casa.Nunca havia morado muito tempo num mesmo lugar, mudando constantemente de escola, de amigos, ganhando uns e perdendo outros.Detestava aquele eterno mudar em que tinha se transformado sua vida.Gostaria de um lar estabelecido, tranqüilo, coisa que jamais teve.
A policial olhou para ela, com dureza.Era uma mulher da mesma idade que Marisa, de constituição forte, mas ao mesmo tempo sensível, olhos castanhos e duros.
- Você quer nos ajudar a encontrar o seu bebê, ou não quer?
- Claro que quero.Mas em que vou ajudar? Dizendo onde morava antes de vir para cá?
-Pode nos ajudar a conhecer você. O bebê deve ter sido levado por alguém que a conhece ou que a conheceu no passado. - Fez uma pausa. - Seu marido, por exemplo.
- Não , não é possível.
A mulher encostou-se na cadeira, batendo com o lápis na escrivaninha.
- Você se importaria se a chamasse de Marisa? É um nome muito bonito...e não é comum.É seu nome verdadeiro?
- É o meu nome verdadeiro. Minha mãe que escolheu.
- Você disse que sua mãe morreu cedo?
-É verdade. Ela e meu pai morreram.
- Onde moravam? Por aqui?
- Blackheath.
Nos últimos três anos de vida, seus pais tinham se estabelecido em Blackheath, mas sempre davam a impressão de que poderiam mudar a qualquer momento.Gostavam de lá.Na época tinham um cachorro, o primeiro de suas vidas, e costumavam leva-lo para passear pelo parque duas vezes ao dia.
Marisa não morava mais com eles, tinha alugado um quarto em Camden Town.De vez em quando, ela os visitava, mas os pais nunca lhe dedicavam muita atenção.Estavam sempre muito envolvidos com eles mesmos e não lhes sobrava tempo para isso.Uma criança era um peso muito grande para eles,uma peça de bagagem a mais para ser carregada por ai.Marisa sempre achou que era difícil para eles, se lembrar dela.
A policial observava, procurando descobrir seus pensamentos pela expressão do rosto.
A salinha onde estavam era calma, impessoal e limpa.No ar um mistura de cheiro de cera e pó.Marisa sentia-se insegura por não poder se apoiar em nada.Quando criança tinha a impressão de que não existia de verdade.As freqüentes mudanças na infância deram-lhe a sensação de se diferente, sozinha.James, a tinha trazido á realidade, a vida, mas agora ele não estava lá e aquela sensação de irrealidade a envolvia novamente.
- Você fuma?
- Não.
- Quer mais chá?
- Não, obrigada - Olhou para o relógio da parede.Quanto tempo fazia que James tinha desaparecido? Tentou lembrar, mas havia perdido a noção do tempo.
As perguntas começaram novamente.Ela respondia maquinalmente, quase sem saber o que dizia.O tique-taque do relógio tornou-se insuportável.
as perguntas seguiam um padrão, que ela não conseguia perceber qual era,apesar de senti-lo.Aquela mulher não era indelicada, embora continuasse observando-a sem parar.Não transmitia nenhum calor humano.Marisa chegou a se sentir suspeita.Mas, de quê?
Olhou para o relógio, desanimada.
-Será que não podia perguntar se há alguma novidade? Faz horas desde...
- Se tivesse alguma novidade, alguém já teria vindo avisar.Onde James nasceu? Será que foi no St.Mary's?
-Foi, sim.
Era um hospital enorme, construído no meio de um gramado imenso.As enfermeiras iam e vinham pelos corredores, como se não ligassem muito para os pacientes.Eram corredores muito compridos, cheios de gente,através dos quais os pacientes,eram conduzidos como robôs.
- Quem foi seu medico?
-Dr. Sullivan.
Marisa tinha visto o medico poucas vezes.Era dos mais ocupados.Mal olhava para ela,dando-lhe uma receita antes mesmo que terminasse de falar e quase mandando que fosse embora.
- O que faz seu marido?
Marisa não saberia responder, mesmo que quisesse.O que Gabriel fazia? Nunca havia falado com ela sobre isso e ela nunca perguntou.O casamento deles durou tão pouco...Parecia tão irreal quanto a situação que vivia nesse momento.Quando lembrava daqueles meses, tinha a impressão de não os ter vivido de verdade.A não ser por James, que era a única lembrança viva daquele tempo.
Mas Gabriel era real e existia em algum lugar fora de seu mundo.Era como se fosse um satélite, que girava numa órbita diferente da dela, impossível, portanto de se encontrarem.
Passos os dedos gelados pelo rosto.Sentiu-os murchos como quando terminava de dar banho em James.Ele costumava tomar banho antes de dormir e sempre levava o submarino amarelo para brincar enquanto ela o ensaboava, era um prazer ter aquele corpinho rechonchudo em suas mãos.
A porta se abriu e um homem alto e calmo entrou.Marisa olhou para ele, com esperança e medo.
- Há alguma novidade?
- Ainda não. - Sorriu-lhe com confiança. - Não se preocupe, sra.Radley.
A policial levantou e foi até a porta.Os dois conversaram baixinho.Marisa olhava para eles e para o relógio.Horas. Já estava lá há horas.O tempo passava, e nada alem de perguntas e mais perguntas.Será que estavam procurando por James? O que estariam fazendo?
- Ela é estranha - a policial falou, em voz baixa.
- O que você acha?
- Não consigo entender - E olharam para Marisa.
O homem se aproximou de Marisa e ofereceu um cigarro que ela recusou.
- Será que estão procurando por ele? Alguém dever ter visto o menino. Fiquei na loja só um minuto.
- Receio ter que insistir que nos dê o nome e endereço de seu marido, sra.Radley.É essencial.Se quiser realmente que encontremos seu filho, precisa cooperar conosco.
Um tremor percorreu-lhe o corpo.Evitava encarar aquele homem.Ele e a policial se olharam, irritados com sua teimosia.
- Deixe-me ver sua agenda.
A policial entregou.Ele virou as paginas, franzindo o cenho.
- Não consigo ler o que está escrito aqui.Acho que você deve entender.- Começava a se enervar.
- É como tirar água de pedra.- A mulher suspirou - Teimosa é pouco pra dizer o que ela é.
O homem devolveu-lhe a agenda e olhou para Marisa.
- Acho que você estava realmente com James, não é?
Ela arregalou os olhos.Será que tudo não passava de uma grande confusão? Será que James estava em casa? Lembrou-se então do parque, dos cisnes, da árvore de Natal na vitrine.
- Ele estava comigo.Eu o deixei lá fora, enquanto comprava os bolos.Ele estava irritadiço?
- Estava irritado, heim? A senhora também não estava? Cansada, talvez? Às vezes, as mães ficam tão cansadas que fazem coisas que jamais fariam em outras ocasiões.Não tenha receio de contar.Nos entendemos como são essas coisas...
- Que coisas? Do que está falando?
- Talvez tenha batido na criança um pouco mais do queria.A senhora é bastante jovem, e as mães jovens em geral ficam tensas.Tenho uma filha da sua idade que tem um menino.Sei como são essas coisas....
- Nunca bati em James! E não pretendo bater.Ele é tudo que tenho no mundo. - Só a idéia já a horrorizava.Estava boquiaberta com o que ele tinha sugerido.Olhou acusadoramente para o policial - Então, é isso que está pensando? Que eu fiz alguma coisa com ele e que menti esse tempo todo? Não estou mentindo.Alguém deve ter levado meu filho.Quando sai da loja, ele não estava mais lá.Vocês estão procurando por ele ou só estão aqui me fazendo essas perguntas? Estão procurando pelo meu bebê?
O homem empertigou-se, jogou o cigarro no chão e pisou.
- Estamos, sim, sra.Radley. - E saiu da sala.
A policial era menos agressiva.
- Temos que ter certeza, eliminar todas as dúvidas.Não se preocupe, estamos fazendo de tudo.Já colhemos informações com a vizinhança sobre o você e o menino.Um carro com alto-falante está fazendo ronda na área da High Street.Recebemos dúzias de telefonemas ate agora.
- Alguém deve ter visto James.
Será que alguém se lembraria de uma criança de calça marrom, rostinho rosado e zangado, no meio da multidão, daquela massa anônima de rostos, alguém certamente devia ter visto James.Será que não?
- Estou faminta e você deve estar também.Já está aqui há horas.
Marisa sacudiu a cabeça.Sentia o estômago embrulhado.Não agüentaria sequer o cheiro de comida.
- Pelo menos, tome outra xícara de chá.
Com relutância, ela aceitou.
- Gostaria de deitar um pouquinho?
Enquanto Marisa tomava o chá, a policial pode observar sua palidez e olheiras.
Marisa não aceitou, não conseguiria descansar.Seus nervos estavam tensos como se previsse um grande perigo.
- Estamos transmitindo um apelo pelo radio, dando seu nome e pedindo a qualquer pessoa que tenha visto o menino para nos informar.
Marisa levou um susto.
- Transmitindo meu nome? - Isso ainda não tinha lhe ocorrido, seu nome, espalhado por toda Londres.
- Os jornais da tarde também publicaram a historia.Conseguiram fazer um apanhado de sua vida com a senhora com quem você mora...
Tudo parecia rodar em volta de Marisa.
Apoiou a cabeça nas mãos.
- Você está bem? Aconteceu alguma coisa?
Sentia-se afundando em mares misteriosos, feitos de água gelada que provocavam choques em sua mente.Não tinha consciência da presença da mulher a seu lado.Seu corpo estava banhado de suor.
- Você devia se recostar um pouco, meu anjo.Quer que eu chame um médico? Está se sentindo mal?
Marisa lutou para agüentar firme e sair da escuridão que ameaçava tragá-la.Tinha que pensar tinha que resolver o que fazer.Não podia deixar que as coisas acontecessem assim, sem controle.
-Estou....Bem.
A porta atrás dela se abriu, de repente.Ouviram uma voz irritada:
- Não pode entrar aí !
Um homem entrou.Usava um casaco bem cortado sobre um terno escuro e uma echarpe branca de lã.Seu rosto severo, de traços bem marcados, sugeria poder.Seus olhos mantinham-se fixos na figura quase inerte de Marisa, largada sobre a cadeira.
Amedrontada, olhou em volta, como querendo se recusar a constatar aquela presença.Seus lábios pálidos e trêmulos apenas puderam pronunciar:
- Não!!
Caiu de lado, tombando a cadeira, desmaiada.

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