Capítulo 1
- Papai, que presente maravilhoso! Não devia me estragar desse jeito com tanto mimo - queixou-se Danielle, os grandes olhos verdes fixos no rosto barbudo do padrasto, alto e elegante nos trajes árabes.
- Bobagem! - Ele colocou o colar de diamantes no pescoço delgado de Danielle. - Você não é minha filha legítima, mas é a menina dos meus olhos. Gosto de mimá-Ia e não sei como isso poderia estragá-Ia. Na verdade, esmeraldas combinariam mais com seus olhos. . .
Danielle riu, encarando o padrasto com amor. Seu pai verdadeiro linha morrido antes de ela nascer. Quando estava com treze anos, a mãe casou-se com o xeque Hassan Ibn Ahmed, chefe de um império do petróleo.
Danielle e o padrasto se deram bem desde o começo. O xeque já era casado, mas não tinha filhos. A primeira mulher havia se divorciado dele e, embora não tivessem conversado a respeito, Danielle imaginava que ele não podia ter filhos, o que aumentava o amor e a amizade entre eles.
Danielle tinha a impressão de que a família do padrasto não aprovava o segundo casamento dele. O que explicava o fato de nunca serem visitados no elegante apartamento de St. John's Wood, a residência de Londres, ou na fazenda de Dorset, próxima da universidade em que Danielle tinha estudado.
Pensassem o que pensassem do casamento do xeque Hassan, estava claro que a família admirava seu talento e a perspicácia para os negócios e as finanças. Não fosse assim, não lhe, teriam confiado a responsabilidade de uma atividade daquela importância. O xeque vivia e trabalhava em Londres, mas a matéria-prima que alimentava sua companhia vinha de uma propriedade dirigida pelo irmão mais velho dele, numa estreita faixa entre o Kuwait e a Arábia Saudita.
De vez em quando, os compatriotas lhe faziam visitas, mas Danielle os via raramente. Primeiro porque há apenas dois anos tinha terminado o curso de aperfeiçoamento na Suíça, e segundo porque Hassan preferia não envolver a esposa e a enteada nos negócios.
Depois de um ano na Suíça, Danielle voltou à Inglaterra decidida a procurar um emprego, o que deixou o padrasto horrorizado. Foi por esse motivo que quase chegaram a se desentender, e também por isso Danielle interpretava aquele presente como uma maneira de retomarem o bom relacionamento. Não havia necessidade de trabalhar, argumentava Hassan; e, depois, o que ela pretendia? Sugeria que ele não tinha condições de sustentá-Ia?
Danielle pediu à mãe que explicasse ao padrasto que, no Ocidente, as garotas decidiam trabalhar por livre e espontânea vontade, pois não concordavam em ser sustentadas por suas famílias até se casarem.
Hassan, entretanto, parecia não compreender seu ponto de vista. E só depois de muita insistência permitiu que ela fizesse o curso de cozinha Cordon Bleu que tanto almejava.
Esperava que o padrasto se mostrasse mais flexível, quando lhe contasse que com o aprendizado pretendia abrir um restaurante. O dinheiro deixado pelo pai não era muito, mas dali a três meses, ao completar vinte e um anos, poderia retirá-Io e finalmente atingir seu objetivo.
A arte culinária havia exercido grande atração sobre ela, desde, que freqüentava a escola suíça, onde os cursos de maquilagem e manequim complementaram o aprendizado ideal para aquele corpo tão feminino e esguio, que já deixava entrever uma mulher atraente, recém-saída da adolescência. Suas colegas eram todas riquíssimas, vindas dos mais diversos países, mas Danielle destacava-se por ser a única inglesa que tinha por padrasto um árabe bem-sucedido.
Como a mãe, Danielle possuía fartos cabelos loiros que caíam sobre os ombros. Embora os olhos da mãe fossem azuis, os dela eram verdes como esmeraldas; uma herança do pai escocês.
Era preciso reconhecer que as coisas não haviam sido fáceis para mãe e filha depois que perderam o chefe da família. Moravam modestamente numa pequena casa ao norte de Londres, mantida graças aos esforços da mãe e com os magros recursos de que dispunha. Quando a menina completou dez anos, a mãe viu-se obrigada a voltar a trabalhar como secretária na companhia de petróleo, onde, finalmente, conheceu o homem que se tornaria seu segundo marido.
Ali lembranças de Danielle foram interrompidas pela entrada da mãe no quarto.
- Vai ficar para o jantar, minha filha? - perguntou.
Apesar dos quarenta anos, Helen Hassan poderia passar por irmã de Danielle, que sorriu ao ver a mãe usando roupas caras e jóias discretas. Era difícil imaginar que aquela mulher bonita e simpática um dia tivesse se preocupado com o preço de um par de sapatos! Mas como haviam sido tempos marcantes, hoje Danielle não se permitiu viver com extravagância. Embora nunca tivesse dito, desejava que seus pais não fossem tão ricos. Adoraria dividir um apartamento com as amigas e lutar para, no fim do mês, repartir todas as despesas. Esse tipo de experiência a deixava fascinada. Mas eles, sem dúvida, se sentiriam magoados se sugerisse sair de casa. Além disso, conhecendo a educação recebida por Hassan, ela sabia perfeitamente que o padrasto desaprovava o grau de liberdade de alguns de seus colegas.
Saía esporadicamente com alguns rapazes, sem contudo prolongar os encontros. DanieIle percebia que o olhar austero de Hassan impunha respeito e mantinha-os à distância. Jamais havia sido necessário afastar uma aproximação mais íntima. Talvez porque ninguém a achasse atraente, pensou, olhando, insegura para o imenso espelho barroco pendurado na parede, um sorriso leve e malicioso despontando nos lábios.
- E então, minha filha? - repetiu a mãe. - Vai ficar para jatar conosco? Os Sancerre foram convidados. Vieram de Paris e Philippe quis saber se você estaria presente.
Danielle fez uma careta.
Philippe Sancerre era filho de um homem de negócios, amigo do pudrasto. Um francês que tinha conhecido em Paris há um ano. Embora jovem, apenas cinco anos mais velho que ela, tratava-se de uma pessoa bastante experiente com as mulheres. DanieIJe deduziu isso pela maneira como ele a beijou numa noite em que tinham jantado juntos. Com olhos alegres e cabelos castanhos, Philippe a agradava, porém deixava-a embaraçada quando por vezes ficava observando com atenção as linhas sensuais de seu corpo.
Naturalmente Danielle não era uma jovem desinformada. Sabia das armadilhas e prazeres do sexo, mas havia uma grande distância entre conhecer e experimentar um contato físico. Nesse campo, reconhecia, não passava de uma garota ingênua, o que não deixava de lhe parecer ridículo. Afinal de contas, perguntava-se com ironia, quem no mundo de hoje, com quase vinte e um anos, ainda continuava virgem? Mas fazia questão de permanecer assim até que aparecesse um homem especial, digno de possuí-Ia inteiramente.
- Sim, vou ficar para o jantar - respondeu, certa de que veria um ar de felicidade estampado no rosto da mãe. Ao contrário de algumas mulheres da sua idade, Helen Hassan não conseguia disfarçar o orgulho que sentia pela presença da filha sensual e encantadora.
Não havia qualquer ponta de inveja diante da beleza daquela jovem a quem amava com dedicação.
Danielle aplicou uma sombra esverdeada, piscou os olhos e recuou para observar melhor o efeito refletido no espelho. No quarto, havia delicados móveis dourados e objetos franceses do século XVIII, quase todos presentes do padrasto ao completar dezoito anos. Devia ser-lhe grata pelo resto da vida; refletiu, não pelas atenções recebidas, mas por fazer de sua mãe uma mulher apaixonada e amada.
O colar de diamantes emitia raios de fogo entre os seios escondidos pela seda do seu vestido de noite. Hassan não lhe impunha o uso, de roupas orientais mais discretas, porém sabia que ele preferia vê-Ia com roupas modestas e esperava que não se queixasse por ter escolhido aquele traje. Ao entrar na ampla sala de estar, percebeu que os olhos de Philippe se iluminaram de admiração diante, de sua elegância. Ele e o pai levantaram num sinal de respeito e Philippe cruzou a sala para tomar-lhe as mãos e beijá-Ias ,com ardor.
- Philippe! - ela exclamou, quase num sussurro, constrangida com o gesto inesperado.
Madame Sancerre sorriu bondosamente, vendo o filho beijar as mãos de Danielle mais uma vez antes de se afastar.
- Assim você deixará Danielle embaraçada, querido - observou a mulher, gentilmente. - Ela não está acostumada com esses ímpetos, não é verdade, petité!
Antes que Danielle respondesse, madame Sancerre voltou-se para Helen Hassan e disse, com certa inveja:
- Helen, você dev.e se orgulhar de sua filha. Minha Catherine, apesar de ter apenas dezoito anos, é uma rebelde. Não faz nada comme ei fault; não se comporta como une jeune fille bien élevée. Mas não adianta! Quando lhe digo que não conseguirá um bom casamento, ela ri e argumenta que não quer casar. Diz que vai estudar advocacia e construir a própria vida. Assim, encerra o assunto!
Madame Sancerre balançou a cabeça, desanimada, mas dando a entender que secretamente aprovava a determinação da filha.
O padrasto aproximou-se de DanieIle e a abraçou.
- Tem razão, madame - respondeu à senhora -, nós sentimos orgulho de Danielle. Ela é o que se pode chamar de filha perfeita: bem-educada, bonita, inteligente...
DanieIle corou.
- Uma jóia rara! - acrescentou madame Sancerre, sorrindo. - É necessário cuidar muito bem dela, meu caro.
- Farei o possível e o impossível para protegê-Ia. - Hassan falou Com tal seriedade, que Danielle sentiu vontade de protestar, de dizer-lhe que era uma pessoa comum como qualquer outra, com defeitos e qualidades, não uma flor para ser guardada dentro de uma redoma.
Mas madame não parava de falar e ela não teve oportunidade de expressar sua opinião. Aos poucos a conversa acabou girando sobre assuntos mais gerais.
Depois do jantar, DanieIle e Philippe conversaram a sós, enquanto os pais discutiam negócios e as mães faziam considerações sobre moda.
- Chérie - disse Philippe -, há muito tempo não nos víamos.
Convença seu padrasto a levá-Ia para Paris na próxima vez que ele viajar.
- Sinto muito, Philippe, mas não vai dar - respondeu Danielle, afastando a mão que ele insistia em tocar - Em breve recomeçarei meus estudos.
- Estudos? Ah, sim, o curso e culinária! Você deveria fazê-Io em Paris, o verdadeiro berço da arte. O que acha da idéia? Talvez seu pai não aprove, sabendo que estará longe e desprotegida, estou certo?
- Sim, sem dúvida ele não concordará com a idéia. Um dia, quem sabe...
- Um dia a liberdade será conquistada, não é? - ele completou, sorrindo. - Só espero que vá direto ao meu encontro. Danielle, você é adorável... uma atraente mistura de adolescente e mulher. Quando se tomar madura, será irresistível!
Danielle compreendia muito bem as observações picantes de Philippe. Ele era famoso por suas ousadas tentativas de conquista.
- Você não se cansa de flertar, não? - disse-lhe.
- Eu? Flertar? - ele exclamou, erguendo as sobrancelhas - Nunca! Ainda mais com você, mignonne! Seu protetor jamais permitiria e, além disso, meus pais dependem dele nos negócios. Agora, se está procurando um dom-juan de verdade, um homem temperamental e dominador, não precisa ir muito longe. Basta olhar para a família de Hassan. Ele nunca lhe falou sobre Jourdan?
Ao ouvir aquilo, Danielle arregalou os olhos, sentindo o corpo enrijecer.
- É inacreditável! - continuou Philippe. - Jourdan é o sobrinho predileto dele!
- Talvez já tenha falado. .. Não me lembro. Afinal, os parentes são tantos! - Danielle mentiu, ao mesmo tempo que não compreendia por que havia ficado perturbada com a simples menção de um primo desconhecido. Jourdan! Que nome estranho!
O orgulho, entretanto, fez com que dominasse a curiosidade crescente e não perguntasse nada a respeito dele.
- Se ele tivesse lhe falado de Jourdan, com certeza você lembraria - Philippe insistiu. - Não entendo como pôde esconder a relação dos dois, pois são muito próximos. Hassan considera-o mesmo como um filho.
Os olhos de Danielle revelavam absoluta incredulidade. Se Jourdan fosse tão importante para seu padrasto, como Philippe dizia, era impossível que Hassan nada tivesse dito sobre ele. Além disso, não deixaria de visitá-Ios, pelo menos de vez em quando.
- Mas há uma coisa - acrescentou Philippe. - Jourdan nunca aprovou o casamento de Hassan com sua mãe, embora talvez já tenha esquecido tudo. O casamento, afinal, é um fato consumado, e ele é um homem sensato demais para continuar se opondo inutilmente, principalmente porque teria muito a perder.
- Por outro lado, quais as vantagens que teria, colocando-se a favor? - DanielIe afinal perguntou.
Philippe olhou-a intrigado e sorriu.
- Hassan não lhe contou como chegou a controlar a indústria de petróleo de Qu'Rar?
- Meu padrasto não costuma discutir negócios com mulheres - respondeu, contrariada ao revelar tal fato.
Depois de alguns anos de convivência com o padrasto, Danielle acabou compreendendo que aquela atitude ligava-se mais a um desejo de poupá-Ia e à mãe das preocupações diárias, que a decisão de excluí-Ias de uma parte da vida dele. Reconhecia, porém, que os resultados, em Imbos os casos, não pareciam diferentes.
O xeque Hassan era bondoso e seu cuidado com elas era contínuo, Mas Danielle estremecia só de pensar no que seria dela e da mãe le tivessem que se submeter a um homem oriental que considerasse as mulheres meros objetos domésticos. Como todas as moças européial, DanielIe desejava ser independente. Contudo respeitava o modo de pensar do padrasto, pois não queria ofender ou magoar o homem que tanto tinha feito por ela e a mãe.
- Sabe que Jourdan concordaria plenamente com isso? - continuou Philippe, em tom de brincadeira. - Sem tirar nem pôr, ele é o que !te costuma chamar de chauvinista. Quando esteve em Paris pela última vez, fiquei abismado com a opinião dele sobre o sexo frágil, ma chérie, e ainda mais com a maneira com que as mulheres reagiam às idéias dele. Naturalmente, poder e riqueza combinam muito bem, em Jourdan não falta nada, embora sua ambição seja desmedida. . .
Philipe olhou-a de relance para observar sua reação. Mas Danielle não demonstrou nada. Parecia mergulhada numa aparente irritação causada por aquele tal sujeito que, segundo Philippe, desprezava as mulheres e as usava para se divertir, desfazendo-se delas depois, como copos descartáveis.
- Você sabia que o pai de Hassan, como administrador pleno dos bens da família, pôde escolher livremente o filho para sucedê-Io?
Ela não sabia, mas, não querendo admitir, confirmou com a cabeça e esperou que Philippe continuasse. Apesar de reservada, sentia grande curiosidade a respeito da família do padrasto.
- O xeque Den Ibn Ahmed tinha quatro filhos, dos quais Hassan era o predileto e por isso seu sucessor direto. Mas ele não possuía filhos. Os três irmãos demonstraram franco descontentamento com isso. Por fim, lbn Ahmed compreendeu que um homem sem filhos não seria de fato a escolha mais certa para a condução de Qu'Har. Depois de consultar os conselheiros, montou-se numa companhia para controlar a produção de petróleo e os rendimentos da Qu'Har, e Hassan, ainda o preferido, passou a administrá-Ia. Foi uma decisão sábia, pois com Hassan a companhia se diversificou e cresceu, e os lucros são empregados para beneficiar não apenas a família, mas também seu povo. Talvez você não saiba, mas os ancestrais de Rassan pertenceram a uma pequena tribo que ficou famosa por sua bravura e independência. Foi um dos meus antepassados que persuadiu o xeque a mandar os filhos se educarem no exterior, e a partir daí começou a relação entre a família de Hassan e a minha. Papai diz que seu padrasto compensou amplamente a dívida moral para com o meu avô através do volume de negócios que ele nos deu e continua dando até hoje. . .
- E você, não concorda com isso?
- Sem dúvida, ele tem sido generoso - admitiu Philippe -, todavia poderia tornar a ajuda mais efetiva. Por exemplo, um cargo importante em uma de suas inúmeras companhias representa pouco para ele e seria de inestimável valor para nós. Concorda?
Como Danielle sabia que, para seu padrasto, um homem, deveria vencer na vida com seu próprio esforço, preferiu não responder. Em algumas ocasiões, Philippe mostrava-se agradável e encantador, mas não parecia tão dedicado ao trabalho quanto o pai. No entanto, era natural que, acostumado a uma vida sofisticada em Paris, Philippe, ambicionasse uma riqueza maior para o futuro.
Sem dúvida ele a achava atraente, se casaria com uma mulher ambém rica, mas talvez uma francesa calma e. tranqüila que acabassé fechando os olhos para os negócios do marido. Ela jamais faria tal coisa, concluiu, surpresa com o próprio pensamento. Só se casaria com um homem capaz de amá-Ia intensamente e compartilhar com ela todos os acontecimentos de sua vida profissional e emotiva. Sorriu com tristeza: com certeza existiam poucos homens dispostos àquela comunhão verdadeira. Mesmo o padrasto, que amava Helen, tinha interesses dos quais a excluía.
Será que sua mãe conhecia o passado de Hassan?, perguntou-se.
Claro que sim, embora nunca tivesse comentado nada com ela. Mas por quê? Precisava admitir uma coisa: só depois de ter voltado da Suíça é que sua mãe começou a tratá-Ia como adulta, e não podia esquecer que, para ela, sempre seria a filhinha querida e inexperiente.
Danielle refletiu que havia amadurecido muito nos últimos anos.
Tinha uma sensibilidade que atraía as pessoas com problemas, a procurá-Ia e a desabafar-se com ela. Esse tipo de experiência colaborou para fortalecer ainda mais os traços maduros de sua personalidade.
Nem por isso deixava de compreender que, quando se está envolvido emocionalmente, torna-se muito difícil encontrar qualquer solução ou julgar com imparcialidade.
Fazendo um balanço de sua vida, prometeu-se uma coisa: ser fiel a si e jamais fazer concessões que não achasse necessárias e justas.
- Aborreço você com toda essa conversa? - perguntou Philippe.
Danielle respondeu com um sorriso. Na verdade, estava interessada. E mesmo que não estivesse, pensou Philippe, orgulhoso e egoísta como era, não acreditaria que ela pudesse se cansar com a história. Para ele, as mulheres sempre se sentiam encantadas com sua presença.
- Não, de jeito nenhum - respondeu pausadamente. - Por favor, continue.
- Ainda não lhe contei o melhor. Quando a mulher de Hassan percebeu que ele não seria o cabeça de Qu'Rar, mas só administraria os negócios de longe, pediu o divórcio. Oh, sim, as muçulmanas, segundo o Corão, têm esse direito, porém poucas chegam a utilizá-Io.
Sem uma família rica e poder para sustentá-Ias, as divorciadas levarn uma vida em geral infeliz. Mas ao que parece, Miriam nunca desejou casar com Hassan, e sim com o irmão mais velho dele. Hassan recusou as demais esposas permitidas pelo Corão. Ele já estava ciente de que seria impossível ter um filho e contou a meu pai que a perspectiva de enfrentar problemas com três esposas não o entusiasmava.
Assim, além de dar-lhe o controle absoluto dos rendimentos do petróleo, o pai dele escreveu no testamento, com a presença de toda a farnflia, que Hassan escolheria seu próprio sucessor - entre os membros da família, é claro. Fazer o contrário seria absurdo; mas excetuando essa exigência, Hassan viu-se livre para indicar quem quisesse, e até a época do casamento com sua mãe a opção tinha recaído sobre Jourdan.
Philippe não demonstrava, mas o tom de voz denunciava que havia um clima de oposição à figura de Jourdan. Gostaria de lhe perguntar a razão, DanielIe pensou. Seria. por causa dele que o padrasto não as linha levado até Qu'Rar ou nunca havia trazido nenhum membro da família para visitá-Ios? Intrigava-se cada vez mais com o tal desconhecido. Em nome de quê ele ousava afastar as duas famílias? Ela sabia que muitos árabes desprezavam os compatriotas que se casavam com pessoas de outra cultura, mas, pelo que Philippe ,contou, Jourdan não havia cortado relações com o tio, e, com conrteza, não era intenção dele criar uma rixa familiar.
- A verdade é que ninguém da família ficou contente com o casamento de Rassan e sua mãe - continuou Philippe. - Afinal de contas, Hassan é um homem rico e poderoso, e, embora Jourdan possa herdar dele esta posição, a idéia de que toda riqueza será partilhada por estrangeiros ultrapassou os limites de tolerância da família.
Uma palavra chamou a atenção de Danielle, uma palavra que el repetiu diversas vezes a si mesma: "estrangeiros".
- Que estrangeiros? - perguntou, ansiosa.
- Então você não sabe? - replicou Philippe, satisfeito. - Na veias de Jourdan corre uma ,mistura de sangues. De fato, ele deve Hassan ser aceito pela família e ocupar uma posição importante. Ele é filho do irmão caçula de Hassan que, quando jovem, estudou numa universidade de Paris. Foi lá que acabou conhecendo a mulher qu seria a mãe de Jourdan, embora não tivesse casado com ela. Ninguém da família ficou sabendo do caso e da criança, até que Suad foi assassinado numa briga de rua. Hassan viajou então para Paris para se inteirar dos acontecimentos e descobriu que o irmão vivia com Jeanenette. Ao constatar que ela estava grávida de Suad, ofereceu-lhe dinheiro em troca de plenos direitos legais sobre o bebê, quando este nascesse. Jeannette concordou e, tão logo nasceu a criança, o tio levou para Qu'Har. Comenta-se na família que Hassan tinha a intenção de criar Jourdan como o filho que não pôde ter, e até o momento de Jourdan ir para a escola viveu sob a proteção dele...
O coração de Danielle ficou cheio de dor, tocado pela dramática história daquele menino abandonado. Como Jourdan podia ser tão ingrato com quem tinha lhe salvado a vida de um destino incerto? Como podia ele, criado como filho verdadeiro pelo tio, ignorá-Io, quase se voltando contra ele? E Hassan? Por que nunca lhe contou sobr a existênCia daquele homem?
Como se lesse os pensamentos dela, Philippe começou a fornecer respostas para todas as perguntas, mas antes que pudesse completá-Ias foi interrompido pela chegada de Hassan e monsieur Sancerre, que o chamaram para se juntar a eles.
- Ah, esses homens! - exclamou madame Sancerre, acompanhando com os olhos a saída de Philippe. - Mas não resta dúvida, petite de que Philippe prefere a sua companhia à do xeque e do pai.
- A senhora não estará sendo injusta? - replicou Danielle, querendo ser gentil.
- Ora, vamos, chérie - protestou a senhora. - É uma mulher encantadora. Então não percebeu que Phillippe tem uma forte queda por você?
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