CAPÍTULO VINTE E QUATRO



Vinte e quatro

Cho não perde tempo e sai espalhando sua versão da história. Pelo visto começou por José. Quando saímos do prédio, minutos depois dela, passamos por ele. Pela primeira vez ele não sorri. Falhar na guarda da portaria pode ser motivo de demissão. Ele parece preocupado.

- Oi, José - Harry e eu dizemos ao mesmo tempo.

- Oh, cara, eu realmente sinto muito por ter deixado ela subir - diz ele. - Eu... é... eu não ... você sabe...

- Não - digo a ele. - Não se preocupe, José.

- Por acaso ela encheu seus ouvidos? - pergunta Harry alegremente, como se tudo fosse apenas um pequeno mal-entendido, em vez de uma guinada na vida de quatro pessoas.

José percebe que pode sorrir novamente.

- É, ela falou para burro. Mas não se preocupem - ele ri. - Não acreditei em nada ... pelo menos não na maior parte das coisas. - Harry e ele apertam as mãos como se fossem velhos amigos, o que acho que eles começam a se tornar. Caminho com Harry até a esquina. Ele vai para casa resgatar o máximo de pertences que couber em suas malas. Acreditamos que Cho faz o tipo destrutiva, e seria bem capaz de usar uma tesoura para atacar o armário dele.

- Volto assim que puder - diz ele.

Aceito.

- Tem certeza de que posso ficar com você por uns dias?

Essa já é a terceira vez que ele me pergunta.

- É claro. Fique quanto tempo quiser - digo. Agora ele não apenas me quer, mas precisa de mim. É uma sensação gostosa, reconfortante.

Ficamos encantados um com o outro por um tempo até que Harry faz sinal para um táxi e se inclina para me beijar. Instintivamente desvio e ofereço o rosto. Então me lembro que não precisamos mais nos esconder. Viro meu rosto outra vez e nossos lábios se encontram em plena luz do dia.

Volto para casa quase em estado de choque. Sinto uma necessidade de fazer algum tipo de ritual. Escrever em meu diário, que permaneceu intacto por meses (nunca consegui escrever sobre Harry, receosa de ser descoberta). Dançar pelo apartamento. Chorar. Em vez disso me concentro na rotina, naquilo em que sou boa. Tomo um banho, desfaço a mala, rego as plantas, abro a correspondência, tiro dois ventiladores do armário, ligo na tomada perto da cama e como alguns biscoitos meio murchos.

Harry volta uma hora depois com suas malas Hartman bege e duas bolsas Nike de ginástica, todas arrumadas de qualquer jeito e completamente lotadas de roupas, sapatos, papéis, produtos de higiene e até mesmo algumas fotos emolduradas.

- Missão de resgate bem-sucedida - diz ele. - Ela não estava em casa.

Dou uma olhada nas malas.

- Como você conseguiu arrastar tudo isso até aqui tão rápido?

- Não foi fácil - diz ele, enxugando o suor da testa. Sua camiseta cinza está molhada em torno das axilas e na altura do peito.

- Você pode pendurar seus ternos no primeiro armário - digo, ainda tentando ser prática, mas incapaz de absorver tudo, embora a presença das coisas do Harry ajude um pouco.

- Obrigado. - Ele sacode alguns ternos escuros e camisas brancas e depois olha para mim. - Não precisa ficar assutada. Eu não estou me mudando para cá.

- Não estou assustada - digo, enquanto o observo pendurando suas roupas. Embora na verdade esteja apreensiva. O que vem depois? E agora? Nunca planejei isso... vivermos juntos temporariamente, o final da minha amizade com Cho, a estranha e repentina mudança de rotina. - Simplesmente não consigo acreditar.

Ele me abraça.

- No que você não consegue acreditar?

- Em tudo. Em nada. Em nós dois.

Fecho os olhos exatamente quando meu telefone toca. Dou um pulo.

- Merda. Você acha que é ela? - estou quase com medo de Cho, do que ela é capaz.

- Acho que não. Ela deve estar com Draco. Tenho certeza.

Atendo.

- Isso é verdade? - minha mãe me pergunta em pânico. - O que eu soube pela senhora Chang? Diz para mim que não é verdade, Hermione. Por favor, diz isso para mim!

- Depende do que você soube.

Escolho as palavras com cuidado e então murmuro para Harry que é minha mãe.
Ele faz uma careta e se agarra ao braço do sofá como se um meteoro fosse atingir o apartamento. Eu preferia um meteoro a uma conversa dessas.

- Ela me disse que Harry cancelou o casamento?

- É isso mesmo.

- E que você está envolvida com Harry? ...- Pensei em desmentir, mas ela estava certa disso. - Ela está muito chateada. Seu pai e eu ficamos sem palavras.

- Mãe, é complicado - respondo, confirmando meu envolvimento com Harry.

- Her-mione. Como você pôde? - ela jamais soou tão decepcionada comigo. Todo o meu trabalho duro, minhas conquistas, anos sendo uma boa filha ... tudo por água abaixo. - Cho é sua amiga mais antiga! Como você pôde fazer isso?

Eu dou minha versão dos fatos antes de ela fazer julgamentos. Não pensava que fosse necessário ser um advogado para ter de entender o conceito de "inocente até que provem o contrário".

Ela diz, está bem por favor, prossiga. Posso imaginá-la sacudindo a cabeça, andando para lá e para cá na cozinha, esperando uma justificativa, embora nada seja convincente.

Estou furiosa demais para explicar qualquer coisa. Como ela tem coragem de defender Cho antes mesmo de me ouvir?

- Não estou a fim de falar sobre isso com você agora - explico. Depois acrescento - Nem com o papai. - Porque sei que ela vai utilizá-lo como sua arma mais poderosa, exatamente como fazia quando eu era criança. "Espere até o seu pai chegar em casa", uma ameaça ouvida com freqüência por muitas crianças, porém com outro significado em nossa casa. Era a ameaça de manchar minha reputação de menininha perfeita do papai. Um olhar sério do meu pai era pior que qualquer castigo, e minha mãe sabia disso.

- Seu pai está na garagem, completamente transtornado - diz ela, oscilando entre estridente e calma. - Não acho que ele conseguiria te ouvir mesmo que você quisesse falar com ele. Você não pensou em Cho ou na senhora e no senhor Chang?

Quando me apaixonei? Não, não pensei! Nem no seu clube de bridge, nem na minha professora da 3a série.

- Mãe, não é da sua conta. Ou da do papai ... Olha só, preciso desligar. - Digo até logo e desligo antes que ela possa falar novamente. Deixo para ela se arrepender quando descobrir que Cho espera um filho de outro cara. Ela fará as contas, vai subtrair os meses até agosto. Talvez então ela me telefone, peça desculpas e declame mais um de seus ditados favoritos: Quem não tem teto de vidro...
Desligo e penso em telefonar para Lila, alcançá-la antes de Cho. Mas não quero incomodar sua gravidez com essa história.

- Pelo que estou vendo as notícias já viajaram para longe - comenta Harry.

- Isso. A senhora Chang telefonou para minha mãe.

- Isso é uma babaquice - diz ele. - Cho está grávida de outro homem! Será que ela contou isso para os vizinhos de Indiana?

- Obviamente não.

- Você acha que eu deveria telefonar para a senhora Chang?

- Não... vamos apenas ser discretos até que tudo venha à tona. Eles que se danem.

- Você está certa - diz ele, socando uma das mãos na palma da outra. - Porra, Cho é inacreditável.

- Eu sei - digo.

Permanecemos em silêncio. Estou inquieta. Por um instante penso que talvez Rony esteja certo, eu só queria o Harry para vencer Cho, e agora que consegui, não sei o que fazer. Mas não, há um sentimento inconfundível de amor surgindo em meio à ansiedade. Vai levar um tempo para que tudo volte ao normal. O que é irônico porque nunca vivemos numa normalidade de fato.

- Vamos pedir o jantar? - pergunta Harry, quebrando o silêncio.

- Não estou com fome. Preciso mesmo dormir - digo, embora sejam apenas oito horas. - Estou sentindo os efeitos do fuso horário. Além do mais, está quente demais para comer.

Acho que ele sabe a verdadeira razão de eu não conseguir comer.

- Também não estou com fome - diz ele.

Observo Harry desanimado arrumando seus pertences e procurando seu kit de barbear. Então ele toma banho enquanto escovo os dentes, tranco o apartamento e vou para cama. Minha cabeça está a mil. Eu luto para ser coerente. Detesto sentir tanto e ser incapaz de demonstrar. Estou feliz? Triste? Assustada? Não sei. Penso em Rony. Como ele vai ficar surpreso. O fracote do Harry no fim das contas não é tão fraco te assim. Então lembro de Zach. Será que enquanto eu beijava Zach Harry imaginava um jeito de ficar comigo? Será que devo me sentir culpada? Será que devo contar ao Harry?

Penso em nós quatro: Draco traiu Harry. Eu traí Cho. Harry traiu Cho. Apenas Cho traiu duas pessoas, eu e Harry. Ela foi duplamente desleal. Lembro da minha aliada na bancada do júri. Ela está triunfante, salientando esse fato, dizendo para a Terninho Chanel:

- Eu não disse?

Observo Harry tirar a toalha, vestir uma cueca branca que parece um short e caminhar na minha direção. Ele está ao lado da cama. Chego mais perto dele. Talvez a gente troque de lado, nosso modo de comemorar a mudança no relacionamento, de reconhecer sua legitimidade.

Ele desliga a lâmpada e se encontra comigo embaixo das cobertas. Então me envolve em seus braços e beija minha orelha duas vezes. Mas nenhum de nós vai além. Talvez ele também esteja encantado com a magnitude da mudança.

- Boa noite, Harry - digo.

- Boa noite, Hermione.

Por um bom tempo escuto a respiração dele. Quando tenho certeza de que ele dormiu, digo seu nome suavemente.

- Sim - responde ele ainda bem acordado.

- Você está bem? - pergunto.

- Estou ... e você?

- Estou – digo

Então escuto um barulho. Primeiro soa como um choro. Então eu percebo aliviada que ele está rindo.

- O quê?

- Você. - Ele me imita: - Comprei o relógio em Londres - ele ri mais ainda.
Eu sorrio envergonhada.

- Não conseguia raciocinar.

- Foi óbvio.

- Foi você quem deixou na mesa-de-cabeceira.

- Eu sei... Merda. Eu me lembrei quando você abriu a porta para ela. Depois fiquei torcendo para que ela não visse. Então ouvi a pergunta ... e fiquei esperando que você inventasse uma resposta boa. "Comprei em Londres" não era o que eu tinha em mente. Eu permaneci escondido, balançando a cabeça no escuro e pensando: "a festa acabou, baby."

- Talvez tenha sido melhor assim ... Agora está tudo às claras. Ela descobriria mais tarde.

Na verdade discordo. Mais tarde teria sido melhor. E talvez ela nunca soubesse que tudo começou nesse verão, enquanto ela ainda estava com Harry.

- É, um noivado e duas amizades chegam ao fim - diz ele.

Qual o motivo da tristeza de Harry? Espero que seja Draco.

- Você realmente acha que nunca mais vai voltar a ser amigo do Draco?

Ele suspira e ajusta o travesseiro.

- Acho que tão cedo a gente não vai sair para tomar umas cervejas.

- Você está triste por isso?

- Por que ficaria? - diz ele. - Estamos aqui agora.

Quero dizer ao Harry que o amo, mas decido que isso pode esperar até amanhã. Ou talvez até mesmo depois de amanhã.


***

Doze horas depois caminho para a sala de Gina quando Les me cerca no corredor.

- Ótimo, você está de volta. Precisamos conversar.

Sim, minhas férias foram ótimas. Obrigada por perguntar.

- Agora? - pergunto.

- É, agora. Venha até a minha sala. Prontamente.

Gostaria de dizer que pessoas normais não usam a palavra "prontamente", a não ser que estejam brincando ou fazendo palavras cruzadas.

- Preciso de um bloco - digo. Nada mau para quem deseja um retorno suave à velha rotina.

Logo depois estou sentada na sala dele, que tem cheiro de cebola, anotando furiosamente as instruções para três novas tarefas. Todas exigirão muito tempo, tomarão minha mente, mas não passam de pesquisas bobas feitas por recém-contratados do escritório, com prazos desnecessariamente curtos. Trata-se da minha punição pelas férias. Ele fala de forma agressiva e sem pausas, seu tom é de superioridade sempre que me atrevo a interrompê-lo. Enquanto observo seu nariz batatudo, percebo que não preciso disso. Lembro de como me senti livre em Londres, longe deste lugar. Fantasio meu pedido de demissão e a possibilidade de arranjar um outro trabalho em Nova York, ou de me mudar para Londres com Harry. Vou me demitir no meio de uma tarefa. Deixar Les numa furada. Despejar nele todo o meu ressentimento quando estiver saindo pela porta. Avisar que ele realmente deveria cuidar desses cabelos no nariz.

Depois de passar uma hora como prisioneira (ele inclusive responde a três longas ligações durante a minha sentença), sou liberada. Vou direto para a sala de Gina. O lugar está uma bagunça, pior do que de costume. Documentos se amontoam por todo lado. Ambas as cadeiras de visitantes estão cobertas de papéis e na sua mesa há pilhas de pastas, tratados e jornais velhos. Ela gira a cadeira.

- Ei, é você! Senta aí. Conta da viagem.

- Onde é que eu sento?

- Ah, jogue esses papéis em qualquer canto por aí... E então? Como foi na Inglaterra? Como você está?

- Bem, vamos lá ... - digo enquanto desocupo uma das cadeiras. - A Inglaterra foi o máximo. Progredi bastante buscando superar Harry... Mas cheguei ontem à noite e soube que ele finalmente cancelou o casamento.

Ela olha para mim intrigada.

- Ele cancelou? Tem certeza?

Conto toda a história. Ela presta atenção a cada palavra e no final parece receber um prêmio surpresa em casa, diante de um baita cheque e uma equipe de televisão. Ela cobre os olhos com as palmas da mão, ri, sacode a cabeça, contorna a mesa e me dá um abraço. Não estou surpresa pela reação dela. Não esperava que ela sentisse nenhuma das sutilezas... a minha briga com Cho, a decepção dos meus pais e a fofoca se espalhando por toda Indiana.

- Bem, isso é excelente, as notícias são excelentes. Eu devo pedir desculpas ao Harry. Merda. Eu realmente o considerava apenas mais um garoto bonitinho e mulherengo.

- Ele não é assim.

- É, dá para perceber ... estou tão feliz por você.

Eu sorrio.

- E então? O que anda acontecendo por aqui?

- Ah, nada demais. A mesma velha merda de sempre ... Julian e eu tivemos nossa primeira briga.

- O quê? Por quê?

Ela encolhe os ombros.

- Começamos uma discussão que foi ficando séria.

- A respeito do quê?

- É uma longa história... basicamente, temos um acordo de sinceridade total. Nada de segredos, de tipo algum.

- Segredos do passado?

- É. E sobre qualquer outra coisa. Então, enfim, ele estava conversando com uma garota numa festa e me apresentou a ela. E nós três conversamos longamente sobre vários assuntos. Mais tarde naquela noite, perguntei como eles se conheceram ... Ele disse que foi há dois verões ... e só. Então, meio de brincadeira, perguntei: "Você dormiu com ela?" E ele ficou apenas olhando para mim... ele tinha dormido com ela!

Nem tento esconder meu sorriso debochado.

- Você ficou furiosa por causa de uma ex-namorada?

- Não, fiquei furiosa porque tive de perguntar sobre isso. Ele deveria ter mencionado antes! Isso não fazia parte do nosso acordo. Então, é claro, comecei a me preocupar e duvidar da honestidade dele.

Balanço a cabeça.

- Você é impressionante. Tão teimosa.

- Ele também ... Já faz 24 horas que a gente não se fala.

- Gi! O que é isso, você precisa ligar para ele.

- Sem chance. O dedo dele não está quebrado.

Suas palavras e sua postura são audaciosas e desafiadoras, mas pela primeira vez eu enxergo seu lado vulnerável. Alguma coisa transparece no olhar dela.

- Você deveria ligar para ele - digo. - Isso é bobagem.

- Talvez seja. Não sei... e, por outro lado, talvez não sejamos perfeitos um para o outro.

- Por causa de uma briga?

Ela finge não se importar.

- Gina, sua reação é exagerada. Pegue o telefone e ligue para ele.

- Nem pensar - diz ela, mas dá para perceber, pelo jeito que Gina olha para o telefone, que ela está fraquejando.

Percebo que estar apaixonada significa ceder e resistir ao mesmo tempo. É um equilíbrio. Quando o relacionamento é bom, você encontra esse equilíbrio. Tenho certeza de que Gina e Julian vão conseguir.

Quando volto para a minha sala, telefono para meu outro aliado incondicional. Sei que Rony não vai ignorar a complexidade da situação, talvez porque conhece Cho melhor que Gina. E, de alguma forma, ele também a entende melhor que eu.

Ele não interrompe nenhuma vez enquanto conto tudo.

- E aí? Você desconfiava? Quando Harry telefonou para saber sobre o meu vôo? - pergunto depois de terminar.

- Fiquei esperançoso ... Foi por isso que passei o horário da sua chegada para ele. Mas não fiz nenhuma pergunta. Apenas cruzei os dedos.

- Você ficou esperançoso? Sério? Pensei que você não gostasse dele.

- Ah, eu só implicava por ele ter feito você de joguete durante todo o verão. Agora eu gosto dele. Na verdade, agora eu realmente o admiro. Harry não escolheu o caminho mais fácil. É por isso que eu realmente o respeito. Tantas pessoas se deixam levar pela onda do noivado e acabam arrastadas pela euforia do casamento. Harry foi corajoso. Merece crédito por isso. De verdade.

- Fiquei satisfeita por ele ter cancelado o noivado antes de Cho confessar a gravidez. Se fosse de outra maneira, eu me sentiria em segundo lugar, como sempre.

- E então? Como você está se sentindo? - sua pergunta é gentil e sei que ele se refere a Cho.

Digo que estou feliz, é claro, mas também arrasada por perder Cho, por me dar conta de que nossa amizade acabou. Embora, na verdade, ainda não tenha me acostumado à idéia.

- Só não é um final de conto de fadas - explico.

- Não. Nunca é.

- E tudo aconteceu tão rápido. Num minuto eu me preparava para o casamento no sábado. No seguinte, nada de casamento. Consigo ficar com Harry, Cho está com Draco e vai ter um filho dele. É muito louco.

- Não consigo acreditar que ela esteja grávida ... Merda! Aquela garota! - diz ele, achando tudo de certa forma divertido.

- É, eu sei.

- Ela é sempre surpreendente.

- Eu sei... Acho que talvez eu sinta saudade disso.

- É. Bem, talvez ela apareça por aí.

- Talvez.

Ele pigarreia.

- Embora eu tenha minhas dúvidas.

- Eu também.

- Então, Draco e Cho? - ele assobia. - Isso é certamente uma virada e tanto.

- É. Agora eu realmente consigo enxergar tudo... Faz sentido. Ela sempre reclamando que Harry trabalha muito. E Draco é justamente o oposto.

- E você é como o Harry.

- É. Isso derruba a teoria "opostos que se atraem".

- Parece que tudo terminou bem. Isto é, a não ser pelo Zach. Ele vai ficar arrasado.

- Ah, sei - falo com deboche.

- E, é claro, eu também estou um pouco decepcionado.

- Por quê?

- Pensei que você viria para cá.

- Quem sabe? Talvez eu ainda me mude.

- E vai deixar Harry?

- Talvez ele vá comigo.

- Você acha que ele faria isso?

- Talvez.

Talvez ele me ame o suficiente para me acompanhar aonde eu for.

Desligo e começo meu trabalho fazendo pesquisas na internet, depois folheio e sublinho cada causa a resolver. Checo o e-mail a todo instante e espero o telefone tocar. Primeiro acho que desejo falar com Harry, então decido ligar para ele, mas a dolorosa sensação de vazio não passa. É aí que me dou conta de que espero falar com Cho. Espero que ela telefone a qualquer momento. Para gritar comigo, dizer coisas horríveis, mas falar comigo. Comunicar-se de alguma forma. Mas meu telefone não toca até a hora do almoço. Lá pelas quatro da tarde, finalmente recebo uma ligação.

- Hermione? - Pansy berra ao telefone.

Reviro os olhos.

- Olá, Pansy.

- Que diabos está acontecendo? - pergunta ela fingindo desconhecer os detalhes. Sei que Cho mandou ela telefonar. Talvez esteja me ouvindo. É típico da Cho. Lembro que no segundo grau ela designava Lila e eu para realizarmos tarefas assim.

Não mordo a isca. Apressadamente dispenso Pansy, preciso estar na corte em meia hora e não posso conversar agora.

- Tudo bem - sua decepção é óbvia. - Telefona para mim quando puder ...

Melhor esperar sentada.

- Eu simplesmente me sinto péssima por vocês duas. Era uma longa amizade ... - A falsidade escorre da voz dela. Ela está se deliciando com sua nova condição de melhor amiga. Penso nas duas usando o colar de "melhor amiga". Se alguém pudesse fazê-los entrar na moda outra vez, essas pessoas seriam Cho e Pansy.

- É... - continuo quieta.

Meu rompimento com Cho pelo menos serviu para eu me livrar de Pansy. Não preciso mais fingir que gosto dela.


***

É quarta-feira à noite. Três dias depois da briga. Harry e eu estamos aninhados na cama quando o telefone toca. Desta vez é a Cho, penso. Simultaneamente temo e anseio pelo telefonema, que talvez nunca aconteça.

Atendo nervosa.

- Alô?

- Oi, Hermione.

É Lila. Ela parece cansada e acho que Cho a envolveu na nossa saga. Me preparo para um sermão hesitante e ineficaz ao estilo Lila. Em vez disso, ouço ao fundo um bebê abrir o berreiro.

- É uma menina - diz Lila. - Tivemos uma menininha!

Cho estava certa, é o meu primeiro pensamento, antes de começar a chorar. Estou profundamente emocionada com a notícia. Minha amiga é mamãe.

- Parabéns! Quando foi que ela nasceu?

- Duas horas atrás, às 20h45. Pesa dois quilos e novecentos gramas.

- Qual o nome dela?

- Hanna Jane ... Jane por você e Cho.

Nossa amizade com Lila e nosso segundo nome são as únicas coisas que eu e Cho ainda compartilhamos.

- Lila ... estou tão comovida - digo. - Você nunca falou nada sobre o nome Jane.

- Era uma surpresa.

- Hanna Jane. É um nome bonito.

- Ela é bonita.

- Ela se parece com você?

- Não sei. Minha mãe diz que sim. Mas acho que ela tem o nariz e os pés do Greg.

- Não vejo a hora de conhecê-la.

- Quando é que você vem aqui?

- Logo, logo. Prometo.

Por um momento acho que Cho preservou Lila do nosso escândalo. Mas aí ela diz:

- Mione, você e Cho têm de fazer as pazes. Ela me telefonou ontem à noite. Eu ia telefonar para você, mas minha bolsa estourou logo depois.

Induzir trabalho de parto é com Cho mesmo.

- Seja lá o que aconteceu, pode ser consertado, não é? - indaga ela.

Quero perguntar o que ela sabe, o que Cho relatou. Mas obviamente não vou imitar Cho. Não é hora de nos aprofundarmos nessa novela.

- É mesmo - respondo. - Não se preocupe com isso... Essa notícia é muito mais importante. Você tem um bebê!

- Eu tenho um bebê!

- Você é mãe de alguém!

- Eu sei. A sensação é tão boa.

- Você já contou para Cho?

- Ainda não. Vou ligar para ela depois ...

Acredito que se Cho descobrir que Lila me telefonou primeiro, vai ficar ainda mais furiosa.

- É, sei que você tem muitas ligações a fazer. Mande meus parabéns ao Greg. E aos seus pais ... Estou tão feliz por você.

- Obrigada, Mione.

- Amo você, Lila - sinto as lágrimas chegando.

- Eu também amo você.

Desligo, emocionada e confusa. Sabia que o bebê nasceria mais cedo ou mais tarde. Ainda assim a novidade me emociona. Lila é mãe. Ela tem uma filha. Conversamos sobre esse momento quando éramos menininhas. Agora Cho também vai ter um filho e eu nem vou saber quando. A não ser por outras pessoas. Não devia ser assim. O bebê de Lila faz da ruptura algo ainda mais trágico. Boas notícias nunca foram tão amargas e doces ao mesmo tempo.

- Nasceu o bebê da Lila? - pergunta Harry quando volto para a cama.

- É, uma menina ... Hanna Jane - digo, e em seguida caio no choro. É o meu primeiro choro sincero na frente do Harry. Daqueles em que o rosto fica todo inchado, feio e molhado, o nariz entupido e a cabeça doendo. Sei que terei uma enxaqueca de manhã se não me controlar. Mas não consigo. Afasto-me de Harry e choro bastante. Harry me abraça e consola, mas não me pergunta por que exatamente estou chorando. Talvez ele compreenda. Talvez ele saiba que este não é o momento para perguntas. Seja lá o que for que ele esteja pensando, nunca o amei tanto. Deixo que ele me beije. Retribuo o beijo. Fazemos amor pela primeira vez na fase pós-Cho.
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Obrigada pelos comentários e beijos

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