CAPÍTULO VINTE E UM



Vinte e um


Estou sobrevoando o oceano Atlântico quando decido que não vou contar a Rony os terríveis e patéticos detalhes da minha história com Harry. Não vou pensar nisso o tempo todo nem ficar na fossa depois que o avião pousar em solo britânico. Será o primeiro passo para minha nova vida. Mas usarei o vôo para pensar nele e na minha situação. Como arrisquei tudo e perdi. Como não vale a pena se arriscar. Como é melhor não criar expectativas. Como eu estaria bem melhor se nunca tivesse me envolvido, me expondo à rejeição, à decepção e ao espetáculo de Cho ganhando mais uma vez.

Recosto a cabeça na janela quando uma menininha atrás de mim chuta minha poltrona uma, duas, três vezes. Ouço sua mãe repreendê-la com uma voz doce:

- Ashley, não chute a poltrona da moça simpática. - Ashley continua a chutar. - Ashley! Isto é errado. Não pode chutar no avião – a mãe repete com uma calma exagerada, tentando demonstrar a todos a mãe competente que é. Fecho os olhos enquanto voamos pela noite e me recuso a abri-los até a aeromoça oferecer os fones de ouvido.

- Não, obrigada - digo.

Nada de filme para mim. Nas próximas horas estarei muito ocupada ruminando toda a tristeza possível.

Disse para Rony não vir me buscar no aeroporto, falei que pegaria um táxi até seu apartamento. Mas sinceramente espero que ele venha mesmo assim. Apesar de viverem Manhattan, me sinto intimidada em outras cidades grandes, especialmente cidades estrangeiras. Com exceção da viagem a Roma com meus pais, nas bodas de prata deles, nunca saí do país.

Fora as cataratas do Niágara, no lado canadense, o que não conta. Por isso fico aliviada ao encontrar Rony esperando por mim bem depois da alfândega, com um sorriso enorme, a cara de menino feliz de sempre. Ele está usando óculos novos e modernos, ao estilo Buddy Holly, só que marrons.

Ele vem e me abraça forte como um irmão. Nós dois rimos.

- É tão bom ver você! Aqui, me dá sua mala - diz ele.

- É, é bom ver você também - sorrio de volta para ele. – Gosto dos seus óculos.

- Você acha que eles me deixam com cara de inteligente? - ele escorrega os óculos pelo nariz e faz uma pose bem acadêmica, mexendo numa barba inexistente.

- Muito mais - dou risadas.

- Estou tão feliz que você esteja aqui!

- Estou muito feliz em estar aqui.

Tive um verão repleto de decisões ruins, mas enfim tomei uma boa decisão. Só de ver Rony já me sinto melhor.

- Até que enfim você resolveu me fazer uma visita - diz ele, manobrando minha mala através da multidão. Conseguimos sair do terminal e entramos na fila do táxi.

- Não consigo acreditar que estou na Inglaterra. Isso é demais! - Respiro o ar britânico pela primeira vez. O tempo está exatamente como eu imaginava: nublado, chuviscando e ligeiramente frio.

- Você não estava brincando sobre o tempo aqui. Parece que estamos em novembro, não em agosto.

- Bem que eu disse... Na verdade tivemos alguns dias quentes este mês. Mas agora tudo já voltou ao normal. É implacável. Mas você se acostuma. Você apenas precisa vestir mais roupa.

Em poucos minutos estamos no banco de trás de um táxi preto, minhas malas aos meus pés. O táxi é bonito e espaçoso, diferente dos amarelinhos de Nova York.
Rony pergunta como estou me sentindo e por um segundo penso que ele se refere a Harry, mas aí percebo ser apenas a costumeira pergunta pós-vôo.

- Ah, bem - respondo. - Realmente animada de estar aqui.

- Está sentindo o fuso horário?

-Um pouco.

- Uma cerveja vai resolver isso - diz ele. - Nada de dormir. Temos muitos compromissos esta semana.

Rio.

- Como o quê, por exemplo?

- Passear. Beber. Relembrar. Coisas intensas que consomem muito tempo ... Meu Deus, como é bom ver você.

Chegamos ao apartamento de Rony, que fica num porão em Kensingtono. Ele me mostra logo o quarto, a sala e a cozinha. Sua mobília é elegante, moderna, as paredes estão cobertas de pinturas abstratas e posters de músicos de jazz. Trata-se de um apartamento de solteiro, mas sem aquela sensação de eu- estou-fazendo- de- tudo- para- levar- alguém- para- a- cama.

- Você provavelmente quer tomar um banho, não é?

Digo a ele que sim, preciso de um bom banho. Ele me dá uma toalha e avisa para eu não demorar, que quer conversar.

Depois do banho e da roupa trocada, Rony pergunta:

- E então? Como ficou a situação com Harry? Eles ainda estão noivos, não é? -
Eu tentei parar de pensar nele, mas não consegui nem por um instante. Tudo me faz lembrar dele. Um anúncio da Newcastle. Bebendo Newcastles com ele no meu aniversário. Dirigir no lado esquerdo da rua. Harry é canhoto.

Mas a pergunta sincera de Rony me dá uma dor aguda no peito. Minha garganta aperta enquanto tento não chorar.

- Oh, meu Deus. Eu sabia - diz Rony. Ele abre os braços e segura minha mão, me puxando para o seu sofá preto de couro.

- Sabia o quê? - digo, ainda prendendo o choro.

- Que o seu rosto tenso, seu gênero "eu não me importo" era só fachada - ele coloca o braço sobre o meu ombro. - O que aconteceu?

Finalmente choro e conto tudo para ele, sem omitir nada. Nem mesmo os dadinhos vermelhos. Minha promessa sobre o Atlântico não resistiu por muito tempo. Sinto minha dor completamente.

Quando termino, Rony diz:

- Ainda bem que não vou. Não seria capaz de suportar.

Assôo o nariz e enxugo as lágrimas.

- Essas foram exatamente as palavras que Gina usou. Ela também não vai.

- Você não deveria ir, Mione, boicote. Será uma tortura. Você precisa se poupar.

- Tenho de ir.

- Por quê?

- O que eu ia dizer a ela?

- Invente que você vai precisar fazer uma cirurgia ... diga que você vai ter de retirar um órgão que não é essencial...

- Que tipo de órgão?

- Seu baço, por exemplo. As pessoas podem viver sem o baço, certo?

- Qual a razão para alguém tirar o baço?

- Sei lá. Uma pedra no baço? Um problema ... um acidente, uma doença. Que diferença faz? Inventa alguma coisa. Eu ajudo você ... vamos inventar alguma coisa plausível. Apenas não vá.

- Tenho obrigação de estar lá - digo. Estou de volta ao esquema de seguir as regras.

Permanecemos calados por alguns minutos e então Rony se levanta, desliga as lâmpadas e pega sua carteira na mesinha do corredor.

-Vamos.

- Onde?

- Vamos até o meu pub preferido. Vou deixar você bem calibrada. Acredite em mim. Vai ajudar.

- São onze horas da manhã - rio da extravagância dele.

- Então você tem alguma idéia melhor? - ele cruza os braços sobre o peito. - Você quer sair para ver a cidade? Você acha que o Big Ben vai fazer algum bem a você agora?

- Não - respondo. O Big Ben só me lembraria quantos minutos faltam até o pior dia da minha vida.

- Então vamos - diz ele.

Acompanho Rony até um pub chamado Brittania. É exatamente como eu imaginava um pub inglês: abafado e cheio de coroas fumando e lendo jornal. As paredes e os tapetes são de um vermelho escuro e há pinturas a óleo bem comuns que retratam raposas, veados e mulheres vitorianas. Poderíamos estar em 1955. Um homem com um pequeno boné e fumando um cachimbo até se parece com Winston Churchill.

- O que você quer? - pergunta Rony.

Harry, penso, mas uma cerveja seria ótimo. Estou começando a gostar da idéia de me embebedar.

- Que tipo? Guinness? Kronenbourg? Carling?

- Qualquer uma - digo. - Tudo menos Newcastle.

Rony pede duas cervejas, a dele mais escura que a minha. Sentamos numa mesa de canto. Fico passando o dedo na madeira da mesa e pergunto a ele quanto tempo levou para ele superar Fleur.

- Não muito - diz ele. - Quando descobri o que ela tinha feito, percebi a mulher que ela realmente era. Não perdi nada. É assim que você precisa pensar. Ele não era o cara certo para você. Deixe que Cho fique com ele...

- Por que ela sempre ganha? - Pareço uma criança de cinco anos de idade, mas ajuda muito poder ouvir minha própria infelicidade de forma tão simplificada: Cho ganhou de mim. De novo.

Rony ri, mostrando sua covinha.

- Ganhou o quê?

- Bem, pelo menos o Harry. - Sinto pena de mim mesma quando imagino Harry e Cho. É manhã em Nova York. Provavelmente eles ainda estão juntos na cama.

- Tudo bem, o que mais?

- Tudo. - Bebo minha cerveja quase de um só gole. Sinto quando ela bate no meu estômago vazio.

- Como por exemplo ...

Como posso explicar para um homem o que quero dizer? Soa tão superficial: ela é mais bonita, as roupas dela são melhores, ela é mais magra. Mas isso é o de menos. Ela também é mais feliz. Ela consegue o que quer, seja lá o que for. Tento ilustrar isso com exemplos verdadeiros.

- Bem, ela tem um trabalho incrível e ganha toneladas de dinheiro e sua obrigação é apenas planejar festas e estar bonita.

- Aquele trabalhinho de papo-furado? Por favor.

- É melhor que o meu.

- Melhor que ser uma advogada? Não acho.

- Mais divertido.

- Você detestaria.

- Mas isso não importa. Ela adora o trabalho - percebo minha ineficácia em mostrar como Cho se sai sempre vitoriosa.

- Então encontre um trabalho de que você goste. Embora isso seja um assunto completamente diferente. Um assunto que vamos abordar mais adiante ... Mas tudo bem, em que mais ela ganha?

- Bem... ela conseguiu passar para a Notre Dame - digo, sabendo que estou sendo ridícula.

- Ah, não passou, não.

- Passou, sim.

- Não. Ela disse que passou para Notre Dame. Quem prefere optar pela Universidade de Indiana em vez da Notre Dame?

- Muita gente. Por que você sempre desdenha de Indiana?

- Tudo bem, olha só. Eu odeio a Notre Dame ainda mais. Só acho que se você se candidata para essas duas universidades e consegue ser aprovada nas duas, certamente escolheria a Notre Dame. É uma universidade melhor, certo?

Concordo.

- Acho que sim.

- Mas ela não foi aprovada. Nem tirou, quanto mesmo que ela disse, 1.305 e meio ou sei lá quanto nas provas de admissão? Lembra dessa merda?

- É, ela mentiu sobre a pontuação dela.

- E ela mentiu sobre Notre Dame também. Pode acreditar em mim ...Você alguma vez viu aquela carta de aceitação?

- Não, mas ... bem, talvez ela não tenha sido aceita.

- Meu Deus, você é tão ingênua - diz ele, falando lentamente de propósito. - Pensei que você tivesse entendido tudo naquela época.

- Era um assunto delicado. Lembra?

- Claro que lembro. Estávamos tão tristes - diz ele. - Você deveria estar comemorando sua fuga do Meio-Oeste. Depois você escolheu a segunda universidade mais insuportável do país, a Duke ... Você sabe da minha teoria sobre a Duke e a Notre Dame, certo?

Sorrio e admito ter dificuldade de lembrar de todas as suas teorias.

- Qual era mesmo?

- Bem, fora você, e algumas raras exceções, essas duas universidades estão repletas de gente insuportável. Talvez apenas os insuportáveis queiram estudar lá, ou talvez essas universidades atraiam apenas essa gente. Provavelmente uma combinação das duas coisas, um círculo vicioso. Você não fica ofendida, não é?

- Claro que não, continue - digo. Concordo em parte. Muitas pessoas na Duke, incluindo meu próprio namorado, eram difíceis de aturar.

- Está bem. Então por que elas têm uma taxa maior de babacas per capita? O que elas têm em comum?

- Desisto.

- É simples. Liderança num esporte famoso e lucrativo para a universidade. O futebol americano no caso da Notre Dame e o basquete no caso da Duke. Alie-se a isso uma reputação acadêmica exemplar. O resultado é um corpo de alunos tão presunçosos que é difícil tolerar. Você é capaz de citar outra universidade com essas características?

- Michigan - digo, lembrando de um colega de ginásio insuportável e de seu discurso sobre o futebol americano da Michigan. Até hoje ele ainda lembra os lances decisivos do Rumeal Robinson nas finais dos jogos universitários.

- Ah! Michigan! Boa, valeu a tentativa. Mas não é uma universidade cara e nem particular. O fato de ser pública salva Michigan, torna os seus ex-alunos ligeiramente menos insuportáveis.

- Espera aí! Que tal a sua própria universidade? Stanford. Vocês tiveram Tiger Woods. Grandes nadadores. Debbie Thomas, aquela patinadora, não foi ela que ganhou uma medalha de ouro? Diversos jogadores de tênis. Além de grandes acadêmicos ... e é particular e cara. Então por que ex-alunos de Stanford não são tão irritantes quanto os das outras universidades?

- É simples. Não somos os melhores em futebol americano ou basquete. Algumas vezes vencemos, mas não como a Duke no basquete ou como a Notre Dame no futebol americano. Ninguém em Stanford se torna convencido por ser campeão em esportes pouco convencionais. É isso o que nos salva.

Sorrio e concordo. Sua teoria é interessante, mas fiquei intrigada em saber que Cho foi rejeitada pela Notre Dame.

- Você se importa que eu fume? - pergunta Rony enquanto pega um maço no bolso de trás da calça. Ele tira um cigarro e depois brinca com ele entre os dedos.

- Pensei que você tivesse parado.

- Por um tempo - diz.

- Você deveria.

-Eu sei.

- Tudo bem. Então, de volta a Cho.

- Certo.

- Então talvez ela não tenha passado para Notre Dame. Mas ela realmente conseguiu Harry.

Ele risca um fósforo e leva para perto dos lábios.

- Quem se importa? Deixe que ela fique com ele. Ele é um fracote. Sinceramente, você está melhor assim.

- Ele não é fracote - digo, esperando Rony me convencer do contrário. Quero me agarrar a uma falha, acreditar que Harry não seja perfeito. O que seria bem menos doloroso do que acreditar que não sou a mulher que ele escolheu.

- Está bem, talvez "fracote" seja exagero. Mas, Mione, tenho certeza de que ele prefere você. Ele apenas não sabe como dispensá-la.

- Obrigada pela preferência. Mas na verdade eu acho que ele simplesmente decidiu ficar com Cho. Ele preferiu ela a mim. Todo mundo escolhe Cho. - Bebo minha cerveja ainda mais rápido.

- Todo mundo. Quem além do fracote do Harry?

- Tudo bem - sorrio. - Você escolheu Cho.

Ele olha para mim intrigado.

-Eu não.

Solto uma risada irônica.

- Foi isso que ela contou a você? - pergunta Rony.

Em todos esses anos, eu nunca havia falado sobre o romance que eles tiveram na escola.

- Ela não precisou me contar. Todo mundo sabia.

- Do que você está falando?

- Do que você está falando?

- A comemoração da formatura? - pergunta ele.

- Os nossos dez anos de formatura? - pergunto, sem lembrar de nenhuma outra festa. Lembro da decepção que senti quando Les me obrigou a trabalhar. Naquela época ainda não sabia mentir, então ele zombou de mim quando falei da comemoração dos meus dez anos de formada.

- É. Ela não contou nada? - ele dá uma longa tragada no cigarro e depois vira a cabeça, soltando a fumaça para longe de mim.

- Não. O que aconteceu? - digo, pensando que vou desmoronar se Rony tiver dormido com ela. - Por favor, me diga que você não ficou com ela.

- Que diabos, não - diz ele. - Mas ela bem que tentou.

Termino o resto da minha cerveja e ainda tomo uns goles da cerveja do Rony, enquanto ele conta a história da festa de formatura. Como Cho se encostou nele no pátio da casa de Horace Carlisle depois da festa convidando-o para passarem a noite juntos. Que mal teria?

- Você está brincando!

- Não - diz ele. - E eu fiquei meio assim, Cho, que diabos, não. Você tem namorado. Que porra é essa?

- Foi por isso?

- Que eu não fiquei com ela?

Faço que sim com a cabeça.

- Não, não foi por isso.

- Por que então? - Por um segundo imagino que ele vai se revelar. Talvez Cho tenha razão.

- Por que você acha? É a Cho. Eu não vejo a Cho desse jeito.

- Você não acha ela ... bonita?

- Francamente, não. Não acho.

- Por que não?

- Preciso de motivos?

-Sim.

- Tudo bem - ele suspira, olha para o teto. - Porque ela usa muita maquiagem, porque ela é muito, não sei, rígida.

- Com os músculos firmes demais?

- É, isso e... excessivamente depilada.

Lembro das sobrancelhas finas e arqueadas de Cho.

- Excessivamente depilada, essa é boa.

- É. E aqueles ossos dos quadris que saltam para fora. Ela é magra demais. Não gosto disso. Mas não é só isso. O ponto é que ... é Cho. - Ele se arrepia e então pega sua cerveja de volta.

-Espera aí, deixa eu pegar mais uma rodada. - Ele apaga o cigarro, caminha até o bar e volta com duas cervejas. - Aqui está.

- Obrigada - digo, e então dou uns bons goles na minha. Ele ri.

- Não posso deixar que você beba mais do que eu.

Limpo a espuma dos lábios com as costas da mão e pergunto por que ele nunca contou nada sobre a investida de Cho na comemoração.

- Ah, sei lá. Porque não é importante. Ela estava bêbada - ele dá de ombros. - Provavelmente nem sabia o que estava fazendo.

- Sei, vai nessa. Ela sempre sabe o que está fazendo.

- Acho que sim. Talvez. Mas aquilo realmente não significou nada.

Isso explica por que ela achava que Rony era gay. Recusá-la daquele jeito ... ela só acreditaria nessa explicação.

- Acredito que o charme dela dos tempos da 5° série já não exerça em você o mesmo fascínio.

Ele ri.

- É, nós realmente saímos juntos uma vez - ele faz sinal de aspas para "saímos".

- Está vendo, você também escolheu Cho em vez de me escolher.

Sua covinha aparece rapidamente.

- Que diabos você está falando agora?

- Do bilhete. O bilhete onde você tinha de marcar com um x.

-O quê?

Suspiro.

- O bilhete que ela mostrou para você. Aquele do "você quer sair comigo ou com a Hermione?".

- Não era isso que o bilhete dizia. Não tinha nada sobre você. Porque teria?

- Porque eu gostava de você! - Fico envergonhada ao admitir isso, mesmo depois de todos esses anos. - Você sabia disso.

Ele balança a cabeça com firmeza.

- Não, não. Eu não sabia.

- Você deve ter esquecido.

- Eu não esqueço esse tipo de merda. Tenho uma memória de elefante. O seu nome não estava no bilhete. Você não percebe? Eu saberia, porque também gostava de você naquela época. - Ele olha para mim por trás dos óculos e então acende um outro cigarro.

- Merda - sinto que estou ficando vermelha. É só o Rony, penso. Agora nós somos adultos.

- Tudo bem - ele dá de ombros, parecendo envergonhado. – Você não acredita em mim.

- Você gostava?

- À beça. Lembro de sempre dar uma ajudinha para você ganhar quando nós brincávamos. Vai me dizer que você nunca percebeu?

- Nunca - digo.

- No fim das contas, você é muito menos perceptiva do que eu imaginava... É, eu gostava de você. Gostei de você durante todo o segundo grau. Então você saiu com o Beamer. Partiu meu coração.

Isso é uma grande novidade, mas ainda não consigo entender o fato de meu nome não constar naquele bilhete.

- Juro que achava que a Lila tinha visto o bilhete.

- Lila é um amor de garota, mas muito submissa. Cho provavelmente disse a ela para mentir. A propósito, como vai a Lila? Ela já teve o bebê?

- Não, mas vai ter a qualquer momento.

- Ela vai ao casamento?

- Se não estiver em trabalho de parto - respondo. - Todo mundo vai, menos você.

- E você. Que coisa horrorosa esse problema com o seu baço.

- É, trágico. - Sorrio. - Então você tem certeza de que o meu nome não estava naquele bilhete?

Estou apegada a uma evidência de vinte anos atrás. É um absurdo, mas atribuo tal importância a isso.

- Com certeza - responde ele. - Com cer-te-za.

- Merda - digo. - Que piranha.

Ele ri.

- Eu nem imaginava que era cobiçado. Pensei que Cedrico Diggory é que era o tal.

- Você não era cobiçado. Cedrico Diggory era o tal - digo. - Essa é a questão ... eu era a única que gostava de você. Ela me imitou. – Mais uma vez, noto minha infantilidade sempre que descrevo meus sentimentos por Cho.

- Bem, você não perdeu muito. Sair comigo significava dividir alguns bolinhos da Hostess. Não era nada excitante. E eu ainda ajudava você nas brincadeiras.

- Então talvez Harry fique comigo da próxima vez que todos nós jogarmos - digo. - Isso seria realmente ... Não consigo achar a palavra certa. Estou ficando bêbada.

- Excelente? Brilhante? Extraordinário? - Rony sugere.

Concordo.

- Tudo isso. Sim.

- Está se sentindo melhor? - pergunta ele.

Ele está se esforçando bastante. Entre a amizade e a cerveja eu me sinto curada, pelo menos temporariamente. Percebo que estou a milhares de quilômetros de distância de Harry. Harry... ele realmente gostava de mim, mesmo tendo escolhido Cho.

- Sim, um pouco melhor. Sim.

- Bem, vamos recapitular. Nós sabemos que eu nunca escolhi Cho em vez de você. E que ela não entrou para Notre Dame.

- Mas ela ficou com o Harry.

- Esquece o Harry. Ele não vale a pena - diz Rony e então olha para o cardápio rabiscado no quadro-negro atrás de nós.

- Agora vamos pedir o tradicional peixe com batata frita para você.

Nós almoçamos peixe, batata frita e purê de ervilha, o que me lembra comida de criança. Comida reconfortante. E ainda bebemos mais algumas cervejas. Eu sugiro que a gente dê um passeio, para ver alguma coisa bem britânica. Então ele me leva a Kensington Gardens e me mostra o palácio onde morava a princesa Diana.

- Está vendo este portão? Foi aí que eles amontoaram todas as flores e cartas quando ela morreu. Lembra daquelas fotos?

- Ah, claro. Foi aqui?

Eu estava com Harry e Cho quando soube da morte de Diana. Estávamos no Talkhouse quando um cara se aproximou de nós para dar a notícia: "Vocês já souberam que Diana morreu num acidente de carro?" E embora ele só pudesse estar falando de uma Diana, tanto eu quanto Cho perguntamos a que Diana ele estava se referindo. O cara confirmou, era a princesa. Então ele nos contou que ela morrera num acidente em alta velocidade enquanto um paparazzo a perseguia em um túnel de Paris. Cho caiu no choro na hora. Pela primeira vez não eram lágrimas para chamar atenção. Eram genuínas. Ela estava verdadeiramente comovida.

***

- Ela realmente achou que ele iria! Lembra como ela ficou preocupada de como contar ao Miguel?

- E aí o Jordan respondeu. Ou o pessoal dele escreveu, enfim. Essa é a parte surreal. Nunca pensei que ela fosse receber uma resposta. - Ele ri. Não importa o que diga, ele tem um certo carinho involuntário por ela. Da mesma forma que eu.

- É, ela recebeu. Ela ainda tem a carta.

-Você viu?

- Vi. Você não se lembra que ela colou no nosso armário da escola?

- E ainda assim - diz ele - você nunca viu a carta de Notre Dame.

- Tudo bem. Tudo bem. Talvez você esteja certo. Mas como você percebeu isso há tanto tempo?

- Como eu disse, pensei que você tivesse sacado. Tudo foi muito transparente ... Sabe, para uma mulher inteligente você pode ser bem lenta.

- Ora, obrigada.

Ele faz uma reverência com um chapéu imaginário.

-De nada.

Voltamos para o apartamento de Rony, onde me rendo ao cansaço. Quando acordo, Rony me oferece uma xícara de chá e um pãozinho torrado. Em resumo, almoço num pub, passeio pela antiga residência de Diana, soneca durante a tarde sem sonhar nem uma vez com Harry e um chá com pãozinho torrado em companhia do meu bom amigo. A viagem começou bem. Se é que alguma coisa pode ser boa quando se está com o coração partido.

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