O MENINO QUE SOBREVIVEU



Capítulo 1
– O Menino-Que-Sobreviveu –


Existem muitas coisas que os humanos não sabem. E esta é a verdade mais irrefutável deste mundo.
Entre todas as coisas de que os humanos não têm conhecimento, talvez a principal seja a existência dos Vampiros. Os homens acreditam que os vampiros são apenas seres imaginários criados para assustar pessoas à noite, num acampamento, quem sabe. Mas, como muitas criaturas neste mundo, eles existem. E eles estão entre nós.
É lógico que muitos não acreditariam nessa história. De todas as pessoas do mundo que podiam simplesmente ignorar algo que acreditassem ser irreal mesmo que o “irreal” estivesse comendo as plantas de seu jardim, os Dursleys realmente se superavam. Pois é muito mais fácil não acreditar quando você sabe que o irreal existe. E a Sra. Dursley sabia perfeitamente que vampiros existiam. E mesmo assim ela se recusava a acreditar.
A família Dursley era, aparentemente, uma família perfeita. Aparentemente. O Sr. Válter Dursley era um homem baixo e gordo, com um farto bigode e um pescoço quase inexistente, assim como a Sra. Petúnia Dursley era uma mulher alta, magra e com um pescoço comprido, perfeito para espionar os vizinhos sobre a sebe. Naturalmente, os dois se assemelhavam com um leão marinho e um cavalo, respectivamente. E o casal Dursley tinha um filhinho, Dudley Dursley (o pequeno Duda), que parecia um porquinho. Rosado e muito gordo, o bebê atingira um ano há poucas semanas.
O Sr. Dursley era dono de uma fábrica de brocas, chamada Grummings, enquanto a Sra. Dursley era apenas uma dona-de-casa, com um pendor para fofocas e em espionar a vida alheia. Eles moravam numa casa confortável, na Rua dos Alfeneiros, número 4.
A nossa história começa numa manhã fria no último dia de Outubro, quando os ventos gelados começavam a aparecer, prenunciando a neve. O Sr. Dursley já havia se despedido de sua esposa, tentara dar um beijo em Duda e agora tirava o carro da garagem, esmagando ruidosamente as pedrinhas no caminho. A neblina fria já estava presente na rua, dificultando a visão. Uma única figura despontava na rua. Os olhos inteligentes liam a placa onde dizia “Rua dos Alfeneiros” com uma atenção anormal. O Sr. Dursley pôde vê-lo contra a neblina, enquanto a figura imponente continuava atenta à placa.
Era um gato.
O gato castanho não deu atenção a Válter Dursley, nem aos poucos carros que passavam na rua enevoada. Aqueles olhos absurdamente conscientes podiam realmente incomodar quem os encarasse por muito tempo. O gato também tinha um ar sério e majestoso, quase imponente e desdenhoso do local onde se encontrava. Aquilo irritou o Sr. Dursley.
– Xô! Xô! – Berrou Válter, na tentativa de fazer o gato abandonar a esquina. Mas não teve qualquer efeito, é claro. Embora o gato tenha o olhado de lado, enquanto seu carro passava.
Qualquer um ficaria surpreso, mas logo esqueceria o animal. Mas o Sr. Dursley tinha uma ligeira impressão que o dia estava diferente. Algo no ar, talvez.
Logo ele chegou na sua empresa, e diante do telefone e de seus problemas desinteressantes o pensamento do gato foi varrido para longe. Mas não o suficiente, pois parecia que aqueles olhos castanhos rondavam o liminar de seu cérebro. Sua manhã foi completamente normal, entretanto. Conseguiu gritar com pessoas o suficiente para que pudesse se sentir bem novamente. E quando o relógio apontou o horário de almoço, o Sr. Dursley já estava com humor o suficiente para querer atravessar a rua e comprar um pãozinho doce na padaria defronte. Mas assim que saiu da empresa um grupo de jovens, vestidos inteiramente de preto, despontou na rua, cochichando nervosamente. Um dos sussurros chegou aos ouvidos atentos de Válter.
– Ele está atrás dos Potter, isso mesmo! E o filho deles, Harry... – O cochicho foi interrompido por uma cotovelada nos rins do rapaz que falava, e um olhar nervoso para o Sr. Dursley, que estancara na calçada. Um rosto estranhamente pálido sorriu nervosamente, fazendo com que longos caninos afiados se revelassem em sua boca, logo os jovens corriam desabalados pela rua, pois o sinal de pedestres abrira. Toda a vontade do Sr. Dursley por seu pãozinho se evaporou. E ele correu até seu escritório.
Isso porque Petúnia tinha uma irmã, uma irmã que ela negava e repudiava há anos. Desde que a irmãzinha caçula completara onze anos, na verdade. Petúnia e sua irmã Lílian nunca se falavam, mas o que fizera Válter correr até sua sala foi o fato que Lílian se casara há três anos, mais ou menos. Com um certo rapaz de sobrenome Potter. E ela tinha um filhinho da mesma idade de Duda. E Válter tinha a impressão que o garoto se chamava Harry Potter.
Ele já estava terminando de discar o telefone de sua casa quando voltou a pensar logicamente. Colocou o telefone de volta no gancho e ficou o encarando. Não havia motivo para perturbar Petúnia. Além disso ele nem tinha certeza que o garoto se chamava Harry. Talvez fosse Haroldo, ou Ernesto...
Mas os pensamentos de Válter sempre se voltavam para os murmúrios que entreouvira. Um sorriso forçado se fez presente em seu rosto. Não havia motivo para se preocupar. Principalmente por aquele tipo de gente...

Quando Válter Dursley voltou para casa ele já estava mais tranqüilo. O gato que vira de manhã estava em cima do muro, e lhe mandou um olhar de censura quando tentara espantá-lo, mas isso não importou muito. Petúnia estava lhe contando alguns casos sobre a monótona vida dos vizinhos, enquanto Duda berrava a plenos pulmões a nova palavra que aprendera (“Nunca!”). Foi apenas quando ligou a TV para assistir o finzinho do Telejornal que suas preocupações voltaram.
– Muitas corujas foram vistas hoje em todo o país, em plena luz do dia – Anunciou o repórter. – Um fato inédito já pouquíssimas pessoas viram uma pessoalmente, já que são animais noturnos...
– E não para por aí – Disse outro repórter. – Muitos telespectadores ligaram reclamando que ao invés da tempestade que prometi para hoje à noite foi substituída por uma chuva de estrelas!
Válter desligou a TV e olhou para a tela escura por longos momentos. Algo estava acontecendo. Corujas, chuvas de estrelas, murmúrios. E um sussurro, um sussurro sobre Harry Potter...
Ele levantou e subiu até o quarto. Precisava perguntar...
– Petúnia, querida? – Começou ele. – Você não teve notícias sobre sua irmã atualmente, não?
A mulher fechou a cara e respondeu um “Não” seco, como sempre fazia quando sua irmã era citada. Válter engoliu em seco.
– Ela tem um filhinho da mesma idade do Duda, não? – Continuou. – Qual o nome mesmo? Haroldo, não é?
Ela estalou os lábios em desgosto e virou-se de costas, rumo ao banheiro.
– Ele se chama Harry – Disse ela, por fim. – Um nome horrível se quer saber.
Válter deitou preocupado naquela noite. E quando finalmente o sono o venceu seu último pensamento foi que o que quer que havia ocorrido, não afetaria eles em nada.
Ele não sabia como estava errado.

Os lampiões da rua se apagaram repentinamente. Suas luzes pálidas foram sugadas para um estranho isqueiro de prata, desaparecendo com a luminosidade agradável e deixando a Rua dos Alfeneiros às escuras. Neste instante um homem dobrou a esquina, guardando o isqueiro. O “apagueiro” foi escondido em suas longas vestes roxas. Ele era extremamente velho, com cabelos e barbas brancas tão compridos que ele poderia amarrá-los no cinto se assim quisesse. Era alto e magro, com olhos azuis cintilantes que eram encobertos por pequeninos óculos de meia-lua. Ele andava com graça e calmamente, seus olhos perscrutaram a rua escura, como se pudesse enxergar sem nenhuma luz sequer. Dois pequenos pontos brilhantes o examinavam na escuridão. Eram os olhos do gato.
O sorriso do velho era largo e seus olhos pareciam duas estrelas. Ele cofiou sua longa barba.
– Devia saber que estaria aqui, minha cara Minerva.
A luz da lua brilhou palidamente, testemunhando a transformação do gato de pêlos castanhos em uma mulher alta, de meia-idade. Ela era magra e tinha um ar autoritário e poderoso, seus castanhos com mechas brancas estavam presos em um forte coque, seus olhos castanhos e inteligentes eram duros por trás dos óculos de lentes quadradas, que se pareciam muito com as pequenas marcas que o gato apresentava ao redor dos olhos. Ela trazia uma leve irritação.
– Como sabia que era eu? – Perguntou, sua voz era tão dura quantos seus olhos. E parecia que ela jamais sorria.
– Minha cara Professora Minerva McGonagall, nunca vi um gato sentar tão duro.
Ela crispou os lábios.
– Você também sentaria duro se passasse o dia inteiro em cima de um muro!
– Mas porque a Sra. passou o dia todo num muro ao invés de comemorar? Eu mesmo passei por mais de onze comemorações e banquetes antes de vir aqui!
A mulher desviou os olhos e sentou-se na calçada com surpreendente agilidade.
– Quer dizer que Você-Sabe-Quem realmente desapareceu? – Perguntou ansiosa. Ali estava a pergunta que a fizera passar o dia todo em cima do muro, ouvindo as tentativas do Sr. Dursley de espantá-la. – E então, Alvo?
O nome do velho era Alvo Dumbledore, e de todas as pessoas que realmente não eram bem-vindas naquela rua, ele era o mais mal-vindo. Alvo sentou-se também na calçada e suspirou pesadamente. Então remexeu num dos bolsos da longa capa que usava.
– Chame-o pelo nome que lhe deram, Minerva. Ter medo do nome só aumenta o medo da coisa. Chame-o de Voldemort.
Os gramados da Rua dos Alfeneiros se agitaram, um agouro terrível passou por ali à menção do nome. Minerva estremeceu, mas Dumbledore não percebeu, sua atenção desviada para dois sorvetes muito coloridos.
Então ele levantou os olhos e encarou a janela escura do Nº 4, agora apagado.
– Sim, é verdade. Ele se foi.
Minerva sentou-se ainda mais reta e o encarou incrédula.
– M-mas como, Alvo? Derrotado por um garotinho, coisa que os maiores de nós falhamos... Como?
– Eu não sei, Minerva – Disse Dumbledore. – E talvez nunca saberemos.
Então ele colou um dos sorvetes debaixo do nariz da professora.
– Aceita um sorvete de limão? É um doce humano que gosto muito.
Ela recusou nervosamente, como se a situação não fosse própria para sorvetes de limão.
– Então isso quer dizer que eles morreram? – Continuou ela, mais baixo. – Lílian e Tiago?
Uma lágrima escorreu dos olhos azuis. E perdeu-se na barba branca, enquanto as mãos velhas baixavam o sorvete.
– Sim. Apenas Harry sobreviveu...
– E você vai deixá-lo com eles? – Esganiçou-se a mulher, apontado a porta escura do Nº 4.
– São a única família que lhe restou...
– Você não pode! Eles são humanos, do pior jeito possível! Qualquer um, Alvo, qualquer um do nosso povo ficaria honrado por conhecê-lo! O garoto é famoso! Uma Lenda! Não ficaria surpresa se o dia de hoje fosse chamado de “O dia de Harry Potter”...
– Sim, Minerva. Famoso, famoso por algo que ele nem é capaz de entender. Famoso antes mesmo antes aprender a andar! É de virar a cabeça de qualquer garoto... Ele precisa crescer longe de tudo isso. E aqui ele estará seguro.
Minerva parecia contrariada, mas não discutiu mais.
– E onde está ele? Você o trouxe? – Disse ela, olhando desconfiada a capa do velho como se ele escondesse um bebê ali.
– Não. Hagrid irá trazê-lo.
– Hagrid? Mas Alvo...
Dumbledore a interrompeu.
– Eu confiaria minha própria vida à Hagrid.
– Eu sei, mas acredito...
O que a professora acreditava ninguém nunca soube, pois nesse momento um ronco alto encheu o ar, acompanhado por uma enorme motocicleta negra que desceu dos céus, carregando um homem gigantesco nela.
Ele tinha o dobro do tamanho de um homem, e era pelo menos três vezes mais largo. Tinha uma barba negra grande e despenteada, assim como cabelos revoltos. Olhinhos negros de besouro se escondiam em meio aos pêlos de seu rosto, e ele tinha um ar realmente selvagem...
Carregava em suas mãos enormes um pequeno embrulho de cobertores.
– Professor Dumbledore, Professora Minerva. – Cumprimentou respeitosamente.
– Onde conseguiu esta moto, Hagrid? – Questionou a mulher.
– O jovem Sirius me emprestou. Só de pensar que a Lily e o Tiago estão mortos...
Ele chorava ruidosamente, com grandes lágrimas escorrendo pelo rosto estranhamente bondoso. Ele segurou o pequeno embrulho com uma mão e assoou o nariz num lenço do tamanho de uma toalha de mesa. O barulho parecia o de uma buzina.
– Silêncio, Hagrid! – Repreendeu Minerva.
Ele apenas abanou a cabeça e passou o embrulho para Dumbledore. Este removeu um pouco das cobertas e revelou o rostinho adormecido de um bebê. Alguns fios negros despontavam de sua cabecinha, muito bagunçados. A carinha era branquinha e uma fina cicatriz se destacava no meio de sua testa. Uma cicatriz em forma de raio.
– O que é isso, Alvo? – Chocou-se Minerva, apontando a cicatriz no pequeno. – Foi aí que...
– Foi – Suspirou Dumbledore. – Esta cicatriz é a prova que ele conseguiu sobreviver. Será um pesado legado, e muitas vezes ele será julgado por ela, creio eu.
– E você não poderia tirá-la?
– Poder eu até poderia, mas cicatrizes podem se revelar úteis. Tenho uma em meu joelho direito que é um mapa perfeito do metrô de Londres, por exemplo.
Ele tirou um envelope amarelado do bolso e o mostrou à Minerva.
– Uma carta? – Disse ela. – Você pretende contar tudo numa carta?
– Não tudo. Apenas o que ele precisa saber. O que a tia dele precisa saber.
Ele pulou a cerca do Nº 4 e depositou o pequeno embrulho na soleira da porta. Então voltou, enquanto o choro de Hagrid ecoava pela rua vazia.
O velho suspirou e olhou fixamente para o bebê adormecido.
– Uma coisa que é imutável, pequeno Harry, é o destino. Ele nos dá força e coragem, e essas são duas coisas que você terá de ter. O destino te trouxe aqui, mas agora você é livre, Harry. Livre de seu destino, por enquanto. Um dia você voltará para nós, um dia você saberá de tudo e então poderá tomar as rédeas de seu destino novamente. Por enquanto, só podemos te desejar boa sorte. Boa sorte Harry Potter.
Então ele ergueu o isqueiro de prata e antes que a última luz voltasse para seu lampião, nenhum deles estava mais ali.
O ronco da moto partindo para os céus não acordou o pequeno Harry. Sua mãozinha segurou a carta em meio ao sono. Ele não sabia de seu destino ainda, nem o que significava o que Dumbledore lhe dissera. Ele não sabia que acordaria com o grito de sua tia Petúnia quando amanhecesse, nem que passaria muitos anos naquela casa. E também não sabia que era famoso, e que naquele instante pessoas em todo o mundo se encontravam escondidas, brindando ao seu nome. Não sabia que até mesmo perto dali vozes abafadas brindavam em meio a intermináveis festas, “à Harry Potter, o Menino-Que-Sobreviveu”.


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Muito obrigado pelos comentários, que chegaram antes da Fic, até. Espero que tenham gostado do capítulo, e prometo melhorar bastante a Fic de agora em diante. Tentarei uma média de dois capítulos por semana, acho que é o máximo que dá pra fazer. Mas não sei. Valeu pelas notas e votos também. E que essa Fic possa realmente divertir, emocionar e ensinar.

Até o próximo Capítulo.


Preview do capítulo dois:

"Luz verde espocou na escuridão. Um grito feminino, indefinido mas conhecido, ecoou pelo espaço. Uma gargalhada fria e sem vida. E um longo e agourento ronco de moto, ecoando por todos os lados, em volta e acima. Um abraço apertado, quente e reconfortante, que passava ao mesmo tempo uma infinita alegria e uma incurável tristeza. O frio ventando ao redor, rápido e cortante como uma navalha. E então olhos azuis como o céu, olhos castanhos inteligentes e olhos negros, pequeninos e bondosos. Uma carta em suas mãos..."

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