Licantropia

Cap 1 - Licantropia

Ele sabia o que vinha em breve, mas isso não melhorava sem humor e muito menos ajudava-o a evitar o frio na barriga de medo... a final era doloroso.

Seus amigos chegariam em breve, pouco depois da transformação, já que ele sempre preferia passar por isso sozinho... caminhou até uma janela meio despedaçada e aguardou a nuvem espessa vagar majestosamente da frente da enorme lua redonda, como se soubesse que um rapaz pálido a encarava como se a própria nuvem estivese prestes a lhe brandir um chicote.

Ele respirou fundo e, se enchendo de coragem, retirou os sapatos e arrancou a camiseta pela cabeça... não precisava perder mais roupas em suas transformações.
Quando a nuvem passou, demorando tudo o que podia, alimentando o medo do pobre rapaz, a pálida luz do luar iluminou o rosto bonito do jovem rapaz de 16 anos que tinha olhos castanhos profundos e cabelos de um castanho-loiro liso.

- Lua cheia - disse ele - Que ironia!!

A luz branca o atingiu como um feitiço, mas sem dúvidas era pior do que qualquer coisa que já tinha experimentado em sala de aula. O frio que sentia no estômago alcançou o ponto máximo, se tornando uma dor seca como um soco e ele se dobrou de dor, sentindo falta de ar... olhou para os braços e percebeu que sua visão já estava mais aguçada e pôde perceber que seus pêlos aumentavam de tamanho e cresciam para todos os lados, pêlos macios, limpos, novos, castanhos-alourados como seu cabelo, mas altamente repulsivos. De novo sentiu a conhecida vontade de vomitar quando não se tem nada para colocar pra fora... então gritou de dor, mas o som saiu como um uivo prolongado de cão ferido. Conhecia cada uma das horríveis sensações... sentiu as orelhas serem puxadas e deformadas e, como se levasse uma cacetada nas costas, se encurvou, achando impossível ficar em pé, já que sua coluna não era mais ereta; então viu que seus pés já se alongavam e deles brotavam garras gigantescas... mas o pior estava por vir e veio... ele sentiu que lhe quebravam todos os dentes da boca com uma porrada, mas na verdade seus dentes estavam cresendo e afiando, seu maxilar apontava para frente... a dor era insuportável, ele nem percebia que seus gritos de agonia soavam como latidos... atordoado, levou as mãos para o rosto afim de ajudar a transformação a ir mais rápido, mas já não tinha dedos e suas novas garras o arranharam numa ferida quente... o sangue começou a escorrer e, desesperado de dor e raiva, atacou a primeira coisa que viu - uma mesa toda arranhada. Mordendo, arranhando e despedaçando o objeto, o animal nem percebeu que a coisa era inanimada.

Quando a dor começou a melhorar, ele percebeu que o último fiapinho de consiência o abandonava, como se lutasse em vão para não cair num sono pesado que não era bem-vindo, ele disse em voz alta:

- Eu sou Remus Lupin... não posso esquecer... não posso... - como se escutasse de muito longe, percebeu que o único som que produzira era um rosnado raivoso.

E então o ser humano desapareceu de vez... o que estava naquela sala despedaçada e arranhada era um enorme lobo castanho de caninos afiados arfando, como se não soubesse como fora parar naquela jaula de madeira. Enraiveceu-se e começou a atacar tudo o que via, portas, cadeiras, o chão, achou uma cama num quarto e subiu em cima do colchão fofo e o destruiu... com raiva e medo, jogava-se nas paredes, gritava, corria...

De repente o luar entrou até o quarto onde estava e atraiu seu olhar. Por instinto uivou agonizante, como se implorasse para a rainha Lua que libertasse seu prisioneiro. Uivou. Uivou.Uivou e uivou.

E então, ouviu outro barulho além de seus lamentos e, desconfiado, escondeu-se debaixo da cama que ainda soltava lufadas de penas. Da porta do quarto irromperam três animais. Um rato grande e gordo com uma cauda enorme, um cão de pelo preto-brilhante tão gigantesco que rivalizava em seu tamanho de lobo e um cervo esbelto, alto, com uma galhada na cabeça como uma cora de um nobre rei.

O lobo debaixo da cama se encolheu, desconfiado, mas quando percebeu que tinha sido descoberto, rosnou mostrando seus enormes caninos que facilmente cravaria no pescoço do cervo.

O cão e o cervo se entrolharam. Diferente do enorme e belo lobo a sua frente, o cão, o cervo e o rato ainda matinham suas faculdades mentais de seres humanos. Não que ajudasse muito.

Os três marotos estavam acostumados a ter que conquistar a confiança do lobo todos os dias de lua cheia, embora a cada dia essa tarefa fosse mais fácil. Pontas se aproximou da cama, abaixando a cabeça em gesto de confiança e respeito e pateou o chão, como se convidasse o lobo a sair de lá... o rosnado de Aluado se perdeu na garganta e, com essa deixa, Almofadinhas se agachou e engatinhou até o lobo, ficando cara-a-cara com a fera.

Fera? Não era o que esses três jovens animagos achavam. Amavam essa "fera" até mais do que se amaria um irmão. Almofadinhas encostou o focinho no rosto de Aluado, demonstrando carinho e o lobo perdeu a postura defensiva... sabendo que agora estaria seguro, o rato correu pelas patas abertas do cervo, se infiltrou debaixo da cama e subiu até o dorso do lobo, mergulhando suas patinhas no pêlo fofo.

O que o lobo pensou? Em sua consciência lupina apenas pode afirmar com base no que sentia que esses animas eram amigos. Muito bons amigos. Saiu debaixo da cama e começou a brincar de morder o cão preto... não era morder de verdade, era tipo um pega-pega cheio de rolos e abanos de cauda. Rabicho se infiltrou no meio para brincar também, mas o cervo ficou mais na risada - que soava meio como um relincho - e pateava o chão feliz. Correu a meio galope até a porta e relinchou alto, ficando só nas patas traseiras, claramente chamando os outros para sair daquele quarto e, depois, do próprio túnel.

Irromperam do Salguero Lutador e correram até a Floresta, brincando silenciosamente. O cão tinha convencido o lobo a não uivar para a lua ou latir alto até, pelo menos, alcançarem a orla da floresta. E, assim, brincaram a noite inteira... num determinado momento, Pontas se abaixou e Almofadinhas subiu em suas costas... cambaleado, o cervo se levantou com o cão e Almofadinhas tentou se agarrar ao pescoço de Pontas, meio apoiado nos chifres do amigo. O lobo latiu e balançou a longa calda felpuda e, um instante depois, Pontas acabou desmontando sob o peso do enorme cão negro e o lobo avançou de brincadeira, pulando em cima do cervo, latindo feliz.

Quando finalmente a madrugada começou a clarear, os marotos sabiam que tinham que levar o lobo de volta para a Casa dos Gritos para a transformação. Mas o lobo estava muito feliz, não queria voltar para a jaula... brigou, rosnou, arreganhou os dentes, mas não queria machucá-los... aos poucos foi "empurrado" túnel adentro. Na sala chegava os primeiros raios de sol e o lobo começava a ficar raivoso novamente. Almofadinhas e Pontas se entreolharam de novo, Aluado investiu cambaleando de dor e raiva, tentou morder o cão mas então retrocedeu... sua consciência brigava para voltar a luz... via flashes dos animais que reconhecia como James, Sirius e Pedro. Na agonia da transformação - mesmo que não tão dolorosa quanto a que o tranformava em lobo - Aluado se jogou contra a parede, se arranhou e mordeu; Almofadinhas e Pontas avançaram... a final sempre tentavam impedir o amigo de se mutilar.

Aos poucos os pelos sumiram, as garras encolheram para dentro da pele, a coluna se ergueu, o rosto diminuiu e o menino voltou a parecer um menino... talvez ainda menor e cansado do que o rapaz que enfrentava seu medo umas dez horas antes. Remus se apoiou na parede, envergonhado por ser o que era, já arrependido por ter colocado os amigos em perigo, sabendo que tinham andado pelas terras de Hogwarts a noite inteira, triste por ter vergonha dos amigos, vergonha por tudo aquilo e por perceber que estava nu.

James e Sirius pegaram as roupas do amigo e lhe estenderam, enquanto Rabicho voltava a forma humana mais lentamente. Remus se vestiu e sentiu que os amigos se aproximavam agora. Sirius colocou uma mão em um de seus ombros.

- Está tudo bem, cara? - perguntou. Remus balançou a cabeça, tentando conter a vontade de chorar.

- Esta noite foi demais, Aluado. - contou James feliz, abraçando Remus com um braço e conduzindo-o até a cama estraçalhada, onde se sentaram. Sirius se sentou do outro lado de Lupin e Pettigrew sentou-se com eles pouco depois. Remus forçou um sorriso, queria descansar e que os amigos fossem embora logo para a enfermeira não pegá-los lá em seu refúgio-jaula.

- Qual é, cara? - perguntou Sirius - Não vai ficar deprê de novo, né? Você nem tem motivos. - acrescentou sério. Remus levantou as sombrancelhas para ele, Sirius continuou abrindo um sorriso - Você é um lobo bonitão, já te disse isso?

- Aff... sai pra lá. - disse Remus, empurrando Sirius pra trás enquanto todos caiam na gargalhada. Sirius mandou uns beijinhos para o amigo e logo Rabicho estava imitando Sirius, Remus pegou o travesseiro que estava em melhor estado e começou a "travesseirar" os amigos. Depois de uns momentos de gargalhadas, Remus disse:

- Sério galera... é sério... acho... eu acho que ficou mais perigoso desde o mês passado, agora que o Snape sabe.

- Dumbledore o proibiu de contar a qualquer um. - disse Rabicho.

- E se ele não cumprir, pior pra ele! - exclamou James, com o rosto tenso - Aquele seboso, Ranhoso...

- Ele faz insinuações, sabe? Sempre que a gente se tromba... e se ele deixar escapar...

- Vai virar ranho grudado no chão. - disse Sirius com selvageria. James caiu na gargalhada.

- É sério! - cortou Remus - Por que você tinha que contar pra ele sobre o tronco do Salgueiro, cara??! - ele encarou Sirius, que se levantou e despenteou os cabelos, frustrado...

- Pô Aluado, dá um tempo! Não vem com liçãozinha agora pelo amor de Deus. Guarda isso para seus turnos de monitor, tá? - disse Sirius, colocando sarcasmo na palavra "monitor". - Pontas o puxou quando ele ia cair, né? Pronto... problema resolvido. O Ranhoso pode ser o maior idiota e besbilhoteiro do mundo, mas não é burro. Não vai dar com a língua nos dentes enquanto estiver na escola.

- É, mas eu estou traindo a confiança de Dumbledore saindo pra zuar com vocês sempre que é lua cheia...

- Ah! Crise de culpa de novo, cara?!! - perguntou James - Qual é? Você não tem isso há séculos!! E sabe que daqui a pouco já está planejando o passeio de hoje a noite todo empolgado... - Rabicho riu e Remus fechou a cara.

- Acho que a Lílian está desconfiada. - contou Remus. Os sorrisos se apagaram dos rostos dos marotos. Houve uma pausa. - Vocês acham que Snape contou pra ela? Quero dizer... eles são amigos, não são?

- Nãão! - disse James - Eles são meio colegas sim, mas ele não vai falar porque ela não dá trela pra ele. - ele deu uma pausa e ficou meio corado - Além disso, achei que vocês fossem amigos... sabe... neses turnos de monitores e tals. - ele olhou para Remus meio acusador. Remus, por sua vez, também corou um pouquinho e disse:

- Bom, na verdade de quem que a Lílian não gosta, né? - James o olhou atravessado, ou assim Remus pensou, pois logo acrescentou: - Quero dizer... ela sempre dá chance pra gente... er... o que quero falar é que ela não é preconceituosa e nem nada... - a frase foi morrendo num sussurro.

- Sei o que você quer falar. - disse James - Mas ela te falou alguma coisa pra te deixar assim, não falou? - acrescentou ele meio inquisitivo.

- Não... só estou meio paranóico, acho... desencana!

- Ótimo, então é melhor a gento ir antes que Madame Pomfrey venha te buscar, Aluado. - disse Sirius, dando uma palmadinha nas costas de Lupin - Vamos Pontas, Rabicho.

Os outros os seguiram, mas James ainda lançou um olhar meio preocupado, meio desconfiado para Remus, que não o encarou.

Enquanto os três marotos subiam pelo túnel, pegavam a Capa da Invisibilidade de James para se cobrirem e voltar ao dormitório da Grifinória, Aluado se deixou vencer pela exaustão que sentia nessas semanas de lua cheia... deitou na cama meio de lado e fechou os olhos, lembrando do sorriso de Lílian... aquele sorriso de compreensão e carinho... e dos olhos sensacionalmente verdes. Se lembrou claramente do que ela tinha lhe dito no dia anterior.

*- Remus, você ouviu falar do ataque de um lobisomem chamado Fenrir Greyback a duas crianças de cinco e sete anos? Teve uma nota pequena no Profeta essa manhã...

- E-eu acho que ouvi um comentário sobre isso sim... horrível, né?

- É. - concordou a moça - Tenho certeza que tem relação com Você-Sabe-Quem e o terrorismo que seu regime passa para a população!! Isso tem que parar!! Alguém tem que fazer alguma coisa!!

- Tem gente tentando resistir, sabe, Dumbledore e a tal Ordem da Fênix que ele fundou...

- Bom, o que ía te falar é que, bem... - ela pareceu ficar sem jeito.

- Pode falar. - disse ele curioso.

- Acho que lobisomens como Greyback mancham o nome de quem sofre de licantropia, geram preconceitos. - disse Lílian muito rápido, obviamente zangada. Remus quase engasgou, mas sentiu que o rosto esquentava um pouco e fez o possível para se concentrar em não se denunciar. Ela continuou - Quero dizer, a licantropia é uma das piores doenças do mundo bruxo, sem cura, perigosa, dolorosa - Remus viu lágrimas inundarem os olhos verdes da moça, mas ela se conteve - E não podemos simplesmente julgar... o que quero dizer é que... bem... nem todos os lobisomens são ruins né?

- É o mesmo tipo de preconceito barato com relação aos meio-gigantes. - disse Remus tenso antes que ela pudesse continuar, como se quisesse mudar de assunto.

- Exatamente. E eu estou lendo um livro maravilhoso... é um título recente da Biblioteca, chama-se "Focinho peludo, coração humano" de autor anônimo... é um ralato de quem sofre de licantropia... - ela o olhou e seu olhar verde radiava para ele...*

Remus ouviu um barulho, provavelmente Madame Pomfrey acabara de chegar para verificar como ele estava e, um momento depois não deu outra:

- Sr Lupin? - ele escutou o chamado e suspirou. Um minuto depois, a enfermeira entrava no quarto do rapaz. - Como está hoje? Venha, levante-se para tomar sua poção restauradora... sim, sim, beba tudo. - dizia ela, enquanto Lupin bebia como uma criança com sede.

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