Capitulo I
CAPÍTULO I
A estreita alameda por onde ela passava era agradavelmente sombreada por árvores frondosas, embora os buracos da estradinha de terra sacudissem sua bicicleta. Pássaros cantavam, voando entre os galhos, e ouvia-se o riso alegre da criançada que brincava ao sol, num gramado mais adiante.
Crianças brincando? Mas não poderia haver crianças brincando por ali. A única edificação que havia por perto era a Casa do Pomar, que ficava no fim da estradinha e estava abandonada há muito tempo. Ela sabia que algumas crianças do vilarejo, às vezes, iam lá para brincar, mas se Billy estivesse com elas a coisa ia fiar preta.
E estava. Ali, no meio da garotada, ele jogava bola bastante animado. Malhas coloridas empilhadas sobre a grama faziam as vezes das traves.
Hermione parou, sem descer da bicicleta. Seu irmão estava adorando a brincadeira. Billy tinha verdadeira paixão por futebol. Observou seu rostinho corado se encher de alegria; ele tinha conseguido marcar um gol.
__ Billy! – ela chamou, mas ele pareceu não ouvir.__ Billy!
__ Ah? Poxa, o que é?
__ você sabe que não devia estar aqui! – Todos os garotos voltaram-se para olhar, como se ela é que não devesse estar ali. E talvez tivessem razão. Na verdade ninguém deveria estar naquele terreno. Billy já fora castigado pelo pai, uma vez, por invadir a propriedade da Casa do Pomar e, se fosse pego de novo, teriam novos problemas.
__ Ora não se meta! – O irmão revidou agressivo, evidentemente envergonhado diante dos amigos com a atitude mandona de Hermione.
__ Isto é propriedade particular e você lembra quando Constable Fuller pegou vocês aqui da outra vez. Ele foi bem claro: se achasse você por aqui de novo a coisa ia ficar séria. – O maior prejudicado seria Billy, uma vez que seu pai já o havia castigado severamente, aborrecido com a queixa que o policial tinha feito sobre o comportamento do menino.
__ Mione...
__ Desculpe, Billy, mas acho que vocês deviam ir jogar em outro lugar. – Hermione estava com um pouco de remorso pro ter sido tão brusca com ele.
___ Não há outro lugar bom por aqui...
___ Só sei que vocês aqui não podem ficar.
Os garotos começaram a se espalhar, olhando para a moça com ressentimento. Ela se sentiu mal por ter estragado a brincadeira, mas assim como ela ouvira os gritos era provável que o policial Fuller também os ouvisse e, certamente, ele seria muito mais severo do que ela.
___ Você é uma desmancha-prazeres, poxa!
___ Fiz isso para seu próprio bem.
___ Ora, papai sempre diz isso quando me põe de castigo ou corta minha mesada. – Billy chutava, nervoso, as pedras da beira do caminho.
___ Desculpe Billy. Não quis estragar seu dia. Você me perdoa?
Ele pareceu pensar por alguns minutos, antes de dar a resposta. Hermione sabia que o mau humor do irmão passaria logo.
___ Está bem. Mas me ajude a procurar a bola. Eu a chutei para aquelas árvores na hora em que você chegou.
___ Vamos procura-la. – Alegre, ela deitou a bicicleta sobre os pedregulhos da estradinha e correu atrás do menino, em direção às árvores. O mato tinha mais ou menos a altura do joelho, naquele lugar, e a bola não estava a vista. Hermione não resistiu à tentação de colher algumas pequenas margaridas silvestres que cresciam em abundância, pro ali.
___ isto é roubo! – Billy já estava a seu lado, com a bola na mão e um olhar de reprovação no rosto.
___ Eu sei, mas... – Nesse momento, ouviu-se o barulho de um carro que, saindo da estrada principal, entrava veloz pela estradinha de pedregulhos. Um baque forte e um som de metal sendo amassado indicaram que alguém havia atropelado a bicicleta de Hermione. O automóvel parou em seguida.
A reação imediata de Hermione foi abaixar-se, escondendo atrás dos arbustos, e puxando Billy para o esconderijo.
___ O que faz um carro por aqui? – cochichou ao irmão. – A casa está abandonada há tempo.
___ como posso saber? Aposto que sua bicicleta ficou toda amassada.
___ É mesmo.
___ Quem sabe se...
___ Psiu! Alguém está saindo do carro .
Viram um homem dar a volta pro trás do carro e abaixar-se para ver o que havia sobrado da bicicleta. Depois, levantou-se e, com os olhos apertados, inspecionou tudo a sua volta. Era bonito, apesar da aparência descuidada e dos cabelos longos demais e fora da moda.Tinha olhos cinza penetrantes, nariz fino e reto, cabelos lisos e negros. Era muito magro, porém musculoso e usava uma calça de jeans desbotado com uma camisa malpassada, mas muito limpa. Devia ter uns trinta e tantos anos. Hermione tentou adivinhar sua idade observando as duas marcas profundas no rosto, que desciam dos cantos do nariz até a boca.
Estava tão fascinada com a aparência do homem que se esqueceu de continuar a se esconder. Só deu por isso, quando ele a viu e veio em sua direção, com passos decididos e um ar zangado.
__ Você atrapalhou tudo. – Billy percebia a complicação que se aproximava.
__ Cale-se!
__ Saiam daí, vamos! - O homem mostrava sua disposição de criar caso. Seu tom não deixava dúvidas.
__ Está vendo? Tudo por sua causa. – Billy resmungava, levantando do esconderijo e caminhado, desolado em direção ao homem. Hermione o seguia.
O homem olhava para os dois com olhar sério, de seu um metro e oitenta de altura, fazendo-os sentir-se como se fossem insetos a seus pés. Suas feições pareciam ainda mais duras e percebia-se que, por baixo do bronzeado, ele tinha a pele muito clara.
__ Bem, o que vocês tem para dizer?
__ Desculpe... Billy tentava acalma-lo.
Recebeu um olhar impaciente de reprovação.
__ Aquele pedaço de ferro velho, que está ali, pertence a algum de vocês?
__ É da minha irmã. – Billy respondeu educadamente, ao perceber que era preciso muita calma e polidez para não agravar mais a situação.
Hermione, no entanto, estava indignada com a arrogância daquele homem e seus olhos azuis faiscavam.
__ Era uma bicicleta antes de o senhor fazer o favor de passar por cima dela.
__ Claro. Eu sei disso. O que quero mesmo saber é o que ela estava fazendo na entrada da minha casa.
__ Da sua casa? – O espanto de Hermione estampou-se em seu rosto.
__ Isso mesmo. – O homem afastou os cabelos da testa com a mão, num gesto de impaciência.
__ O senhor mora aqui? – Os olhos de Billy estavam arregalados.
__ Moro. Como é que vocês se chamam?
__ Willian... bem... quer dizer... todos me chamam de Billy. – O menino estava evidentemente desapontado por saber que a Casa do Pomar estava habitada e que, agora, não poderiam mais jogar bola ali.
__ E você? - Os penetrantes olhos cinzentos fixaram-se em Hermione.
__ Hermione. – ela procurava disfarçar seu constrangimento e, ao mesmo tempo, esconder as margaridas que colhera.
__ Hermione? Hermione de que?
__ Castle... Hermione Castle. Sentia-se como uma criança apanhada com a mão na massa e não como a jovem de dezoito anos que era.
__ Vocês são irmãos?
__ Somos. – Atreveu-se a responder Billy timidamente.
__ Bem você tem exatamente dois minutos para sair de minha propriedade. Ah! E levem a bicicleta com vocês.
__ Do jeito que ficou, acho que nem vale mais a pena – Hermione resmungou.
O homem procurou a carteira no bolso, retirou algumas notas e estendeu-as a Billy.
__ Só amassou a roda de trás. Isto dá para comprar uma roda nova. Hermione olhou para ele desconfiada, sem entender muito bem aquele gesto.
__ Está se oferecendo para pagar o prejuízo?
__ Estou, desde que vocês saiam já daqui. E avisem aos moleques deste lugarejo que não apareçam mais por aqui. Não vou permitir que invadam assim meu terreno.
__ Moleques... – resmungou Hermione.
__ Não é o que vocês são? - O homem olhava com desdém para as camisetas velhas e as calças desbotadas que ambos vestiam, sendo que a de Billy estava, ainda por cima, bem manchada de terra. Hermione gostava de usar estas roupas, aos domingos, para ficar à vontade. Durante a semana, seu emprego na biblioteca exigia trajes muito formais. A única vez que tentou usar calça comprida o sr. Leaven, seu chefe, a repreendera: “Lembre-se de que você está em contato com o público. Vista-se de acordo.” E ela nunca mais tinha ousado contrariar esta regra.
Mas domingo era sua folga, e se quisesse usar seu velho jeans com as camisetas de Billy por cima ninguém tinha nada com isso, muito menos aquele estranho arrogante.
__ Não me façam repetir outra vez. Peguem o dinheiro e desapareçam!
Hermione não conseguia aceitar o desaforo e o tom de comando. Já preparava uma resposta quando Billy procurou contornar a situação e evitar que a discussão prosseguisse.
__ Está bem. Obrigado. Vamos Rose, venha...
__ Lembrem-se do que eu disse. Não quero vocês, nem nenhum de seus amigos por aqui outra vez. – Dizendo isso, entrou no carro, bateu a porta com fúria, deu a partida e saiu violentamente.
__ Ele não terá com que se preocupar. Nós não voltaremos mesmo. Que homem mal-educado!
Billy começou a rir do jeito indignado de Hermione, caçoando pela falta de controle da irmã.
__ Pensando bem, ele tem todo o direito de ficar aborrecido.
Hermione não escutou o comentário, estava distraída observando a bicicleta.
__ Veja só como ficou! Puxa vida! Amanhã vou ter que ir para o trabalho de ônibus. – Ela se queixava com razão. O transporte coletivo no vilarejo onde morava, deixava muito a desejar. Muitas vezes a companhia retirava os carro da linha, sem avisar, e as pessoas passavam horas esperando no ponto. Antes de se decidir a ir de bicicleta para seu trabalho, na cidade vizinha de Ampthull, a cinco quilômetros dali, Hermione chegou atrasada diversas vezes por ter que esperar por um ônibus que não vinha.
Billy ajudou a irmã a levantar a bicicleta, apoiando-a na roda que ainda estava inteira.
__ Por que você não pediu uma carona naquele lindo Jaguar? – ele caçoou.
Hermione fez uma careta e colocou as margaridas no guidão da bicicleta.
Quem mandou ele não pedir as florzinha de volta, pensou. Nem tinha reparado no tipo de automóvel que o homem dirigia, preocupada com o acidente provocado.
__ Ah! Então era um Jaguar?
__ Era... e lindo, não?
___ Nem prestei atenção. Mas vamos levar esta droga logo para casa e ver se papai consegue consertar.
__ deixe que eu ajudo. – O menino levantou a roda quebrada, enquanto Hermione controlava o guidão.
__ Tome, guarde seu dinheiro.
Ela pegou as notas dobradas que o irmão segurava e enfiou-as no bolso traseiro da calça, sem se preocupar em contar.
__ Por que está sendo tão bonzinho/ - Hermione estava desconfiada e ficou mais intrigada ainda com o ar inocente que o menino procurava fazer. Os cachos loiros de Billy emolduravam seu rosto ainda molhado do suor do jogo.
__ Eu sempre sou bonzinho com você...
__ Ora, vá plantar batatas, seu molequinho...
__ Vou contar a mamãe que você está me provocando!
__ Ah é? Então vou contar a ela onde você estava jogando bola...
__ Está certo, Mas... mas você não vai contar nada, vai? Papai falou que ia cortar minha mesada por um mês se eu voltasse lá.
__ Então por que voltou?
__ Vai contar ou não vai?
__ Então, tchau! – O garoto largou a bicicleta e saiu correndo, rindo alto.
__ Seu pestinha! Eu não prometi nada.
__ Mas eu conheço você. Sei que não vai me desapontar. – Billy gritou de longe.
Diabinho! O pior é que ele sabia que podia contar com sua proteção. Hermione tinha a impressão de haver passado a maior parte dos seus dezoito anos tirando o menino de enrascadas e ocultando suas travessuras. A diferença de cindo anos entre eles a tornava protetora, superprotetora às vezes, criando um forte vínculo que assegurava ao menino sua cumplicidade em qualquer circunstância.
Sem Billy, ela levou muito tempo para chegar em casa. Aliviada ao chegar, encostou a bicicleta amassada na cerca.
__ Mais tarde eu dou uma olhada. – disse seu pai, depois que ela contou o que havia acontecido, evidentemente omitindo os detalhes comprometedores. - Por acaso você viu Billy quando saiu?
__ Ahn... não. Acho que não... não lembro direito.
O pai olhou-a sério, não se deixando enganar pelas evasivas.
__ Pelo menos ele vem almoçar, não?
__ Claro que sim... Bom, afinal ele sempre vem, não é?
Hermione mordeu o lábio inferior, em graça com a mentira, enquanto o pai a encarava soltando uma gostosa risada. Novamente a tinha pego encobrindo travessuras de Billy.
Seu pai era dono do principal armazém da cidade. A loja ficava anexa a agência de correios, que ele também gerenciava. A mãe cuidava das vendas, enquanto ele atendia na agência ou se encarregava de fazer entregas a domicílio. A combinação funcionava bem e a loja dava lucros. Até Rose dava uma mãozinha em seus dias de folga.
__ Afinal, conte direito o que aconteceu com sua bicicleta. – O pai estava sentado em sua poltrona preferida, com o jornal aberto no colo, fumando calmamente seu cachimbo e deliciando-se com a calma do domingo.
__ A roda de trás está meio torta.
__ Como torta?
__ É, amassou um pouco. – Hermione procurava diminuir a extensão dos danos.
__ Mas como foi que aconteceu?
__ Bem, um pequeno acidente.
__ Acidente? – Agora era a mãe que perguntava, entrando na sala com o vaso de margarida para colocar sobre a mesa – Você teve um acidente, Hermione? – E olhou ansiosa o corpo da filha, à procura de algum machucado.
Tanto Billy quanto Hermione eram parecidos com o pai. Tinham a pele e os cabelos claros e a aparência esguia da família paterna. A mãe, ao contrário, era baixa e morena, do tipo rechonchudo. Ela adorava a vida em sua pequena cidade, gostava de seu trabalho no armazém e, sobretudo, tinha muita satisfação em cuidar da família. Cozinhava maravilhosamente e Hermione muitas vezes brincava, dizendo que engordava só de olhar para seus deliciosos pratos, enquanto os demais comiam à vontade; sem engordar um só quilo.
__ O acidente não foi comigo mamãe. Foi com minha bicicleta. Ela foi atropelada.
__ Então você não estava em cima? – Tornou a perguntar o pai, ainda preocupado.
__ Não, eu estava colhendo estas margaridas para a mamãe. – Hermione continuava a omitir que as margaridas eram do jardim da Casa do Pomar. – A bicicleta estava ao lado e o carro passou por cima dela.
__ E ele? Parou depois?
__ Parou, sim. Vocês sabiam que tem gente morando na Casa do Pomar?
__ É o sr. Potter que está aqui há duas semanas. Foi ele quem atropelou sua bicicleta? – perguntou a mãe.
__ Foi, mas a culpa foi minha. Não devia ter deixado a bicicleta ali na estrada, enquanto ia para o outro lado colher as flores. Mas, por que a senhora nunca falou desse sr, Potter?
__ Nem sei... ele fez alguma comprinhas na mercearia, mas deve se abastecer em Ampthull, por que só leva um pouco de café, pão e de vez em quando, um litro de leite. Disse que se chama Harr... Harry, acho.
__ Pois eu acho que ele não faz compras em lugar nenhum. Ele é tão magro...parece que não come. E é muito estranho também. Pelas roupas velhas e maltratadas, diria que está na pior. Mas ele dirige um Jaguar lindo. Será que é roubado? - Hermione se exicitava com a possibilidade de um mistério.
__ Não seja boba. O senhor Potter é um homem muito fino. Talvez seja meio excêntrico, só isso.
__ Pode ser. – Hermione não estava convencida, contudo. Harry Potter dera mostras evidentes de não querer estranhos por perto. Talvez tivesse muito a esconder. Vestia-se como um mendigo, mas dirigia um possante Jaguar e falava com muita polidez, segundo sua mãe. Tudo muito estranho. Talvez fosse mesmo um excêntrico.
__ Não me agrada saber que as pessoas se alimentam mal. Será que ele não come mesmo? - Lá vinha sua mãe com sua velha preocupação. Não sossegava enquanto não resolvesse o assunto comida.
__ que tal se você se preocupasse com a minha alimentação? – ironizou o pai. - Esse almoço não está pronto ainda? Estou morto de fome.
__ Ora, você parece que pensa com o estômago! – brincou a mãe.
Hermione riu da conversa dos pais, enquanto a mãe saía apressada para servir o almoço.
__ O senhor merecia ficar sem comer. Se eu fosse ela...
__ Ela não faria essa crueldade comigo.
Os pais de Hermione eram muito felizes no casamento. Combinavam perfeitamente e sua união no trabalho era tão bem-sucedida quanto no casamento.
No dia seguinte, o ônibus demorou, com de costume, e Hermione chegou dez minutos atrasada a biblioteca. Recebeu o esperado olhar de reprovação do sr, Leaven.
Ela gostava de trabalhar ali, apesar da rabugice do chefe. Tinha verdadeira adoração por livros. Sentia prazer só de tocar num livro novo e antecipar seu conteúdo. Normalmente ela o lia rapidamente, quase com voracidade. Sabendo disso, o sr. Leaven evitava destaca-la para o setor de ficção pois, ali, ela acabava sempre por se entreter, folheando algum livro, e atrasava o trabalho. Mas nesse dia ele a mandou arrumar justamente as estantes daquele setor e, mais do que depressa, antes que mudasse de idéia, ela obedeceu.
Mas sua alegria não durou muito. para ajuda-la no trabalho, lá estava,nada mais nada menos que Selma. Agora entendia porque o sr. Leaven a tinha destacado para este setor. Com certeza os demais funcionários haviam se recusado a trabalhar com Selma. Não que ela fosse agressiva, pelo contrário, era até amigável demais. Não se preocupava em contar até os mais íntimos detalhes de sua vida a quem estivesse por perto. E, o que era pior, esperava ouvir confidências semelhantes.
Não teria oportunidade de e entreter com nenhum livro. Selma já começava a tagarelar sobre o incrível rapaz que conhecera no fim de semana, e do qual certamente estaria mais íntima, em dois dias, do que Hermione jamais pretendia estar com qualquer homem, antes de casar.
__ E você, Hermione? - Selma estava parada atrás de uma prateleira de livros, longe do chefe, à espera das confidências de Hermione.
__ Eu... o quê? – Ela ficou sem graça.
__ Não tem namorado, sua boba?
Hermione corou. Quando estava perto de Selma, que era tão popular com o sexo oposto, sentia-se um pouco embaraçada por não ter namorado.
__ Não venha me dizer que não.
__ Eu não disse. – Hermione disfarçou, já um pouco irritada com a insistência.
__ Então, quer dizer que tem?
__ Eu... ahn ... sim, tenho. – Mas por que dissera isso? Qual a necessidade de mentir sobre o assunto que, afinal de contas, não tinha qualquer importância?
__ Qual é o nome dele?
__ O nome? Bem, é Harry. Na verdade, Harry... Harry Potter. – apressou-se a completar, tentando encerrar o assunto. Mas as coisas estavam piores. A mentira era cada vez maior. Ela não conseguia resistir à pressão de Selma.
A outra tinha sempre pelo menos um homem em vista, enquanto Hermione raramente flertava. Os rapazes com quem saía dificilmente a convidavam para sair de novo. Ela não se interessava por automóveis ou futebol, os únicos assuntos que os rapazes pareciam conhecer e, por isso, geralmente ficava muito calada. Isso já lhe dera uma certa fama de “convencida”, impressão errada mas que parecia haver se solidificado entre eles. Em conseqüência, era difícil ser convidada para sair, e, com certeza, Selma sabia disso. Mas parecia disposta a continuar o assunto.
__ Onde foi que você o conheceu?
__ Harry? Ele acaba de se mudar para Stanford. Eu o conheci no fim de semana. – Pelo menos agora era parcialmente verdade e, assim, sentiu-se um pouco aliviada.
__ Ele é simpático?
__ Muito...
__ É bonito?
__ Sim. – Hermione procurava sr o mais lacônica possível com as respostas, para não dar margem a mais perguntas. A outra garota ficou séria.
__ Parece que você não quer falar muito dele.
__ Agora não. – E concentrou-se no trabalho, respondendo com ar distante e enfastiado.
__ Malandrinha, não? Guardando só para você...
__ É ... é mais ou menos...
__ Quando vai vê-lo de novo?
__ Provavelmente hoje à noite. – Hermione desejou nunca ter começado esse assunto e nem a mentira, no entanto ela os aprofundava cada vez mais.
__ Vão a algum lugar?
__ Não tenho bem certeza. Acho que só a casa dele. – Será que Selma não ia parar mais de fazer perguntas sobre Harry Potter? Hermione não tinha mais o que dizer. Não sabia nada sobre ele. E o que era pior, pelos seus cálculos, o trabalho ao lado de Selma iria durar o resto da manhã. Os olhos da colega abriam-se de curiosidade:
__ Quer dizer que você já conheceu os pais dele?
__ Não. Ele mora sozinho.
__ Sozinho?
__ Sim. – Hermione aproximou-se um pouco da escrivaninha do sr. Leaven, esperando que ele as ouvisse falar e viesse por fim à conversa.
__ Poxa, eu nunca saí com rapaz que tivesse a sua própria casa! Em geral temos que esperar que os pais saiam.
Esperar? Para quê? Quase que Hermione fez a pergunta. Selma era uma garota bonita, tinha cabelos pretos e longos, um corpo bem feito e uma pele sedosa. Sua reputação com os rapazes era um pouco dúbia. Gostavam de sair com ela, mas sempre acabavam casando com outra. Hemione tinha pena dela, na verdade, pois achava que Selma poderia ser uma ótima esposa, se lhe dessem oportunidade.
__ Deve ser bastante rico, para ter sua própria casa.
__Não tenho a mínima idéia...
__ Ou será que é apenas alugada?
__ Eu não...
__ Será que vocês duas não conseguem trabalhar em silêncio? Se ainda não perceberam, isto aqui é uma biblioteca e as pessoas vêm para estudar, para ler com sossego e...
__ Psiu! - Uma mulher sentada em frente a uma pilha de livros, numa das mesas, interrompia a reprimenda do sr. Leaven, apontando para a placa onde se lia: “Mantenha Silêncio.”.
__ Andem logo. – finalizou o sr. Leaven, num cochicho, antes de voltar para a sua escrivaninha.
__ Ai, ai! Agora ele vai ficar de mau humor o resto do dia. – disse Selma baixinho.
E foi exatamente o que aconteceu. Hermione procurou se manter tão afastada dele, quanto possível para não receber as sobras do mau humor e também de Selma, para evitar que ela voltasse ao assunto Harry Potter. Estava envergonhada por precisar usa-lo daquela maneira. Se pelo menos tivesse conseguido evitar a conversa, como era sua intenção... Mas, não! Tinha atiçado ainda mais a curiosidade de Selma... Tomara que, até amanhã, ela esquecesse tudo.
Hermione chegou tarde em casa, naquele dia. Sua mãe estava na cozinha e olhou-a um pouco penalizada.
__ Foi o ônibus outra vez. – explicou Hermione.
__ Não faz mal, querida. Nós já jantamos, mas tem torta de galinha no forno, é só esquentar de novo.
__Ótimo! – Hermione subiu as escadas correndo, para trocar de roupa, com o estômago roncando de fome. Sempre vinha com muita fome do trabalho e logo sentou-se à mesa para comer.
__ Consertei sua bicicleta hoje, Hermione. - disse o pai.
__ Ah, que bom!
__ É. Tirei uma das rodas da velha bicicleta de sua mãe. Ela não a usa mesmo. Ficou ótima na sua.
__ Então nem precisa comprar uma roda nova?
__ Não.
__ Isso quer dizer que você vai ter que devolver o dinheiro. – interveio Billy.
__ Dinheiro? Que dinheiro, Hermione? – A mãe parecia surpresa e preocupada.
__ O sr. Potter me deu dinheiro para pagar o estrago, ontem, depois do acidente. Tinha me esquecido por completo. – E levou a mão ao bolso de trás da velha calça jeans que agora vestia de novo. Ali estava o maço de notas, intacto.
__ Poxa! Que nota alta! – gritou Billy, quando ela abriu as notas, separando-as para contar.
__ É um bocado de dinheiro! Você não devia ter aceitado, ainda mais sabendo que a culpa foi sua, por deixar a bicicleta no meio da estrada. – O pai a olhava com reprovação por cima dos óculos.
Hermione estava espantada com a quantia que Harry lhe dera. Sua bicicleta era de estimação, mas já era velha e estava quase a ponto de ser vendida para o ferro velho. De forma alguma valia aquela soma que ele lhe dera.
__ Vou devolver o dinheiro. – disse apressadamente.
__ É o melhor que tem a fazer. – concordou o pai. __ E você, mocinho? Como sabia que Hermione tinha recebido esse dinheiro?
__ Eu... ahn ... em ...
__ Eu contei para ele, ontem a noite. – interveio Hermione, salvando o irmão.
__ Isso mesmo, ela me disse.
__ Sei, sei. Mas agora devolva o dinheiro, o mais rápido possível.
__ Agora mesmo – disse a mãe. – E aproveite para levar um pedaço de torta da galinha e um pouco de geléia de maçã para aquele pobre homem.
Hermione se levantou, sem graça.
__ Ora mamãe! Não me importo de ir devolver o dinheiro, mas levar comida é demais. Além disso hoje é meu dia de lavar a louça, lembra?
__ Deixa que o Billy lava.
__ Eu? Logo agora que ia jogar bola com a turma?
__ São só alguns minutos. Depois você pode jogar.
__ Mas mamãe...
__ Billy!
__ Está bem, papai. – E entrou desanimado na cozinha, sabendo que com o pai não havia discussão.
Hermione também sabia que não adiantava discutir. Tinha que levar a torta de galinha e a geléia de maçã, por mais ridículo que lhe parecesse. Devolver o dinheiro ao novo morado da Casa do Pomar era uma coisa, mas levar um jantar completo era outra, bem diferente. Por que tinha inventado aquela história de achar que ele comia pouco? E justo com sua mãe! O que pensaria Harry Potter, quando a visse chegar com toda aquela comida?
__ Na sei porque está reclamando! Pelo menos livrou-se da louça, não é? – Billy estava com as mãos cheias de espuma e um ar de indignação.
__ Você diz isso porque não vai ter que encarar aquele monstro de novo. Depois do que aconteceu ontem era a última coisa que eu queria.
__ Do que vocês estão falando? – perguntou a mãe, embrulhando as tigelas que Hermione ia levar num pano de prato e tirando do armário um pote de geléia de maça que ela mesma fazia.
__ Nada, mamãe. Não me diga que tenho que levar isso também.
__ Claro! Sei que ele gosta de geléia porque outro dia comprou um vidro no armazém. E esta é caseira... muito melhor. Será que consegue levar tudo?
__ Acho que sim. Você abre a porta para mim?
O pacote pesava e ela procurava equilibrar o pote de geléia por cima de tudo, andando depressa. Se era imprescindível ir a casa do Pomar, o melhor era chegar rápido e acabar com tudo.
A casa estava escura, parecia vazia e, se não fosse o Jaguar estacionado na porta e a pequena coluna de fumaça saindo da chaminé, Rose diria que não havia ninguém. Não havia cortinas nas janelas e nem sinal de vida lá dentro.
Bateu na porta da frente, sem receber resposta. Deu uma volta até a porta da cozinha e bateu de novo. Nada. Não era possível que o homem tivesse saído e deixado o fogo aceso. Alem do mais, o carro estava ali.
Depois de bater mais algumas vezes, sem que ninguém aparecesse, resolveu virar o trinco da porta com cuidado. A porta se abriu, dando passagem para a cozinha. Havia duas ou três canecas usadas na pia, mas, fora isso, nada mais indicava que alguém morasse ali. O fogão parecia não ser usado há muito tempo; os armários estavam vazios, com as portas escancaradas. Quem seria capaz de morar nessas condições? Onde estaria Harry Potter?
Pelo visto, ele nem passava muito tempo na cozinha. Hermione colocou as tigelas sobre a mesa e, cautelosamente, andou até a porta que se comunicava com o resto da casa.
__ Sr. Potter?
Não houve resposta.
A sala estava quase vazia. Só alguns móveis e um cheiro forte de umidade., como se não tivesse sido aberta durante muito tempo.
__ Sr. Potter...
Hermione continuou andando cautelosamente pelos cômodos vazios, sem achar ninguém, até que chegou ao último quarto, Na pequena lareira, o fogo estava aceso, mas o ar era firo. Havia uma cama de solteiro, uma mesinha com máquina de escrever, uma cadeira e só. Desceu as escadas, pronta para ir embora.
Como era possível que alguém vivesse assim? Qual seria o mistério da vida de Harry Potter? Talvez fosse alguém tentando se esconder da polícia. Mas, se era isso, porque escolhera um pequeno vilarejo como esconderijo? Harry Potter parecia suficientemente esperto para perceber que numa cidade grande seria mais fácil se ocultar. Numa vila do tamanho de Stanford, era só espirrar que todos os vizinhos ficavam sabendo, e qualquer estranho sempre chamava muito a atenção de todos. O próprio interesse de sua mãe pela vida de Harry Potter era uma prova disso. Ela não era pessoa de se intrometer nessas coisas e já sabia uma porção de coisas sobre o morador da Casa do Pomar.
Onde estaria ele? Rose voltou a cozinha, ainda indecisa sobre o que fazer. Se deixasse simplesmente a comida ali, ele não saberia quem a havia trazido; se ela levasse de volta, sua mãe ficaria contrariada. Mas também não podia esperar a vida inteira...
__ Que diabo está fazendo aqui?
Hermione estremeceu de susto, virando-se para a porta. Viu Harry Potter parado, ameaçador, na soleira da porta.
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