Capitulo 1
CAPÍTULO I
O lugar estava apinhado dê gente. Estranho, aquilo, numa quarta-feira de junho. E estava quente, droga! Bruma cheia de fumaça cercava os vultos espalhados na penumbra, tornando o calor ainda mais sufocante.
Arrancando a gravata azul, Harry jogou-a na cadeira ao lado, onde já pusera o paletó do terno, e soltou outro botão da camisa branca. Mesmo em condições favoráveis, ele sempre tivera dificuldade em manter a aparência refinada exigida por seu trabalho. Além disso, seu rosto era irregular demais para ser considerado bonito e os ombros muito largos arruinavam o feitio dos paletós de seus ternos.
Sentado na banqueta alta, com as mangas arregaçadas, camisa aberta até a metade do peito, rosto sombreado pela barba, ele sabia que parecia tudo, menos um advogado, sócio de uma das mais importantes firmas de Los Angeles. E que se danassem todos! Ele estava pouco se importando com isso.
Ninguém o conhecia, ali no 'Cova'. Ele nunca estivera lá, antes, naquele bar tão diferente do La Café, que geralmente freqüentava por motivos profissionais. Parara naquele buraco apenas para evitar James Putman e sua filha.
Naquela noite, não estava com paciência para sentar-se no elegante salão do La Café e aturar o sócio-gerente e Cecília, que fariam de tudo para persuadi-lo a aceitar o
caso Adamson. Principalmente Cecília. Desde que ela e ele tinham começado a namorar, a moça vinha pressionando-o para abandonar "os casinhos à toa" e concentrar-se nos assuntos dos clientes ricos.
Ela estava certa, sem dúvida. Com um cliente rico, mesmo que perdesse a causa, ele sempre teria como consolo cerca de um quarto de milhão de dólares. Mas e daí, se ele achava que não valia a pena incomodar-se com casos iguais aos dos Adamson? Ganhava bastante dinheiro, mesmo assim. Desde que se associara à firma Putman, Collens e Angier, apenas um ano atrás, sempre ganhara muito bem. Isso, porém, não queria dizer que se sentia satisfeito.
Aquele vazio, seu velho conhecido, expandiu-se em seu peito. Meneando a cabeça com vigor, ele tentou livrar-se da incômoda sensação. Não podia sentir-se acabado à idade de trinta e quatro anos. O que seria dele, aos quarenta?
Tomou o resto do drinque num único gole e fez sinal para a garçonete. Desviando-se habilidosamente das mesas, ela aproximou-se.
— Me traga outro — ele pediu.
— Não acha que já bebeu demais, benzinho?
Harry olhou para a moça com leve surpresa. Sob a espessa camada de maquilagem o rosto dela era jovem, dominado por olhos cínicos.
— Você ouviu o que eu disse — ele replicou em tom seco. — Traga mais um.
Ela deu de ombros.
— Tudo bem. Outro uísque com gelo.
Afastou-se e voltou pouco depois. Pousou o copo cheio na mesa, retirou o vazio e foi embora. Harry fitou o líquido ambarino, refletindo que não tinha de prestar contas a mulher alguma. Por enquanto. Até oficializar o noivado com Cecília, daí a dez dias.
O pensamento o fez franzir a testa, preocupado. Olhou em volta, preso da mesma sensação que experimentara muitos anos atrás, quando a mãe morrera e ele fora morar pela primeira vez com o pai. Queria dar vazão à frustração, bebendo e, talvez, brigando. Bem, não seria nada difícil arrumar uma briga naquele lugar.
Dois jovens com roupas de ciclismo discutiam em uma das mesas, parecendo prestes a atracar-se. Numa outra, um homem parecendo um gorila estava louco para agarrar
uma loira de busto grande, toda apertada num vestido de tecido elástico, que bebia com ele. Os solitários enfileirados no balcão sorviam seus drinques com ar apalermado e infeliz. E o anjo parado na porta...
Harry engasgou. Ainda tossindo, enxugou os olhos lacrimosos e tornou a olhar. Droga, bebera mais do que imaginara. Havia mesmo um anjo na porta. Um anjo do sexo feminino. Toda de branco, ela exibia pequenas asas trêmulas e usava sandálias. O sol da tarde iluminava-a por trás e o cabelo crespo, castanho, brilhava como uma auréola de luz.
Ela entrou no bar e a aparência angelical desfez-se, deixando no lugar uma visão encantadora de longas pernas torneadas movendo-se graciosamente.
Harry apertou os olhos, admirado. O anjo era certamente uma linda mulher. Andava com sensualidade bem terrena, chamando a atenção para o suave movimento dos quadris e o relevo firme dos seios. Comparada aos vulgares ocupantes das mesas e do balcão ela era como um sopro de brisa fresca num ambiente de ar viciado.
Ela parou e ajeitou a bolsa branca embaixo do braço. Ele percebeu que as asas eram na verdade as mangas flutuantes do vestido, que tinha decote rente ao pescoço, bem-comportado. Então, ela se virou e Harry conteve-se para não assobiar, expressando sua admiração. O vestido não tinha costas, deixando exposta a pele lisa até um pouco abaixo da cintura.
A moça tornou a andar e foi até o balcão escalavrado, onde inclinou-se para conversar com o barman. O vestido esticou-se sob a pressão do traseiro redondo. Harry gemeu
baixinho. Quem era aquela mulher espetacular? O que estava fazendo num lugar tão ordinário?
O barman meneou a cabeça numa negativa e ela virou-se para um brutamontes com cicatriz no rosto acomodado na banqueta mais próxima, parecendo fazer-lhe uma pergunta. O homem respondeu alguma coisa que obviamente não era o que o "anjo" queria ouvir, porque ela abanou a cabeça e afastou-se.
Harry continuou a fitá-la. Ela examinava o recinto, observando um homem após o outro, atraindo a atenção de todos sobre sua linda figura. O que estaria pretendendo?
Desencandear uma revolução? Que tipo de mulher entraria numa espelunca daquelas e ficaria olhando em volta, praticamente pedindo para ser abordada?
Uma prostituta, concluiu Harry. Tinha de ser uma prostituta. Ele teria percebido logo, se a elegante roupa branca o olhar inocente não o tivessem ofuscado por alguns instantes. Mas devia estar acostumada a lidar com outra clientela, muito diferente. Ele duvidava que alguém, naquele bar, tivesse condições de pagar por uma hora de prazer com a linda mulher. A não ser ele, naturalmente.
Mas ele não queria. Nunca pagara para ter sexo e não pretendia começar naquela altura da vida. Todavia, ela era tentadora. Ah, isso era. Olhou para ele, que sentiu uma
onda de calor. Desviou o olhar e tornou a fitá-lo, fazendo-o prender a respiração. Tinha angelicais olhos castanhos, atraentes e expressivos, que prometiam o céu.
De súbito, Harry teve a estranha sensação de que a conhecia. Não apenas isso, mas que também estivera a sua espera. Conteve-se para não se levantar e reclamá-la para
si, antes que outro homem o fizesse. Ela com certeza percebeu seu desejo, pois alargou os olhos, alarmada, e olhou para o outro lado.
Harry franziu a testa, confuso. Se era um prostituta, por que não se aproximara ao notar que era desejada? Por fim, ele sorriu com cinismo. Claro, aquilo fazia parte do
jogo. Ela provocava, fingia escapar, atiçava o desejo de um homem até torná-lo disposto a pagar o que pedisse.
Era pena, mas estava perdendo tempo. "Eu não a quero", ele disse a si mesmo, tomando um gole. Então, viu-a caminhar para sua mesa.
— Oi — ela cumprimentou.
— Oi.
— Desculpe incomodá-lo, mas estou procurando uma pessoa. Um advogado.
Harry maravilhou-se com o desempenho. Ela era ótima. Até conseguira adivinhar sua profissão.
— Um advogado — ele ecoou. — Está em alguma encrenca?
— Não, eu...
— Fez alguma coisa que não devia?
— Não — ela repetiu, franzindo a testa de leve. — Estou procurando um homem...
— Entendo. Você não precisa de um advogado, mas de um homem — zombou Harry, pousando o copo. Os olhares de ambos encontraram-se. Ele abriu a boca para mandá-la embora, mas para seu profundo espanto ouviu-se dizendo: — Já encontrou.
— Encontrei?
Ele hesitou. Não queria envolver-se com ela. Aquelas palavras tinham saltado de sua boca contra sua vontade. No entanto, assentiu.
— Encontrou.
— E quem é?
— Eu, Harry Potter — ele respondeu, sacudindo a cabeça para tentar livrar-se de uma estranha tontura.
— Você é Harry Potter?! — ela exclamou atônita, largando-se na cadeira ao lado dele.
A reação não o surpreendeu. Estava habituado a ver seu nome reconhecido em toda parte. Inclinou-se para ela. Elevando-se acima do cheiro de cerveja choca e de fumaça de cigarro que dominava o ambiente, o perfume dela era envolvente e sutil.
— Que perfume está usando? — perguntou.
— Aroma Celestial — ela respondeu, distraída. — Escute, sr. Potter, sei que pode parecer estranho eu me aproximar assim...
—- Não é.
— Desculpe, não entendi.
— Não é estranho. Milagres estão sempre acontecendo.
Ela sorriu e os olhos castanhos tornaram-se calorosos.
— Não sabia que era religioso. Mas concordo. Foi incrível a rapidez com que encontrei o senhor. E estou espantada com sua calma, talvez porque ainda seja nova no negócio. Por acaso já foi ajudado antes?
— Nunca por uma mulher tão linda quanto você.
Ela corou. Não era apenas ótima, como atriz. Era espetacular.
— Obrigada.
— Estou contente por ter escolhido a mim — ele declarou.
Ela relaxou, recostando-se no espaldar da cadeira.
— Bom, para ser honesta, eu não o escolhi. Fui delicadamente empurrada. No começo, achei que seria impossível encontrá-lo. Depois, tive a intuição de que se o procurasse por toda Los Angeles...
Ela continuou a falar, mas Harry já não ouvia, distraído pelo formato encantador de sua boca. Os lábios eram naturalmente rosados, os dentes brilhavam como pérolas. Ele deixou o olhar vaguear pelo rosto lindo. Tudo brilhava: os olhos, o cabelo castanho, até a pele.
— Não sei como explicar... — ela lamentou-se, de súbito, arrancando-o de sua enlevada observação.
Uma mecha de cabelo crespo caiu-lhe na testa. Harry sorriu e deixou-se cair em tentação. Estendeu a mão e tomou ou fios entre os dedos, sentindo-lhes as maciez,
ela mordeu o lábio.
— Sr. Potter...
— Harry — ele corrigiu, soltando a mecha, que enrolou-se suavemente de encontro à têmpora lisa.
— Sr. Potter... Harry... — ela balbuciou, insegura. — Você não ouviu uma palavra do que eu disse.
— Claro que ouvi. Continue, por favor.
Olhando rapidamente em volta, Harry viu o brutamontes mal-encarado junto ao balcão fitando "seu anjo". Experimentou uma repentina e absurda onda de ciúme e segurou a mão dela com ar de posse.
A criatura angelical prosseguiu com seu discurso hesitante e ele manteve uma expressão de interesse, mas na verdade prestava atenção em outras coisas. Por exemplo, no contato da mão delicada presa na sua. Os dedos eram longos e finos, macios e graciosos. Ao contrário da maioria das mulheres que ele conhecia, ela usava unhas curtas, pintadas de rosa-claro. Odiaria, se ela tivesse unhas compridas e afiadas como garras, cobertas de esmalte vermelho.
— Quando percebi onde estava, eu... — ela estava dizendo.
Então, interrompeu-se bruscamente, quando Harry começou a acariciar-lhe a palma da mão, com movimentos lentos. Ele sorriu ao sentir que a pele delicada ficava mais quente, sinal de que a linda mulher não era imune ao seu toque.
— Não, você não está me ouvindo! — ela reclamou, livrando a mão.
— Vamos cortar o teatrinho, anjo — ele replicou em tom sarcástico. — Vai comigo para casa, ou não?
O rosto dela expressou profunda surpresa.
— Preciso ir? Achei que podíamos apenas passar algum tempo juntos.
"Passar algum tempo juntos" não satisfaria Harry. Ele não queria um contato apressado, num quarto de hotel qualquer. Desejava ter bastante tempo para deliciar-se com aquele corpo escultural. Uma noite inteira, até mais de uma, se ela quisesse.
— Só me restam dez dias, moça. Quero aproveitá-los ao máximo.
Ela fitou-o, chocada.
— Dez dias?! Só?
Ele assentiu, determinado a ser sincero. Seu noivado com Cecília talvez fosse mais um arranjo comercial do que outra coisa qualquer, mas ele pretendia ser fiel, assim que o compromisso fosse oficializado.
— Se está esperando um longo relacionamento, pode desistir — avisou. — Deve perceber que não é esse nosso destino.
— Ah, eu não espero um relacionamento longo. Nem mesmo curto, aliás. Só estou fazendo meu trabalho. Mas não sabia... — Ela sorriu e tocou-lhe a mão num rápido gesto de ternura. — Bem, dez dias serão suficientes.
Harry não tinha muita certeza. Com um simples toque ela o fizera queimar de desejo. Mais um pouco e ele entraria em combustão.
— Então, vai comigo? — pressionou.
Ela franziu a testa, mas não teve tempo de responder, porque Harry alarmou-se, olhando na direção do balcão às suas costas. Ele viu o homem mal-encarado deixar a banqueta e marchar para o lado de sua mesa com o copo de cerveja na mão. Suas intenções eram óbvias.
Num movimento abrupto, Harry levantou-se e cambaleou. Droga, bebera além da conta. Notou que todos os olhares convergiam para ele. Era evidente que as outras
pessoas tinham adivinhado o que estava para acontecer o esperavam excitadas que os dois homens se engalfinhassem por causa da mulher.
Ele tirou o chaveiro do bolso e estendeu-o para a companheira.
— Encrenca à vista. Pegue isto e vá para o meu carro, um Ferrari preto. Entre e dê a partida — ordenou. — Estarei lá assim que for possível.
— Encrenca? Por quê? — ela quis saber, espantada.
— Por sua causa.
— Por minha causa?!
— O que esperava, vindo aqui desacompanhada? O grandalhão com a cicatriz no rosto não parou de olhar para você desde que a viu entrar.
— Isso é ridículo! — ela protestou, levantando-se e olhando para trás.
O homem da cicatriz, que parara a alguns passos de distância, sorriu-lhe de modo guloso, mostrando os dentes amarelados e salientes.
— Pegue as chaves e suma daqui — Harry apressou-a.
— Não há necessidade de brigar —- ela respondeu, pegando o chaveiro. — Você pode machucar-se.
Harry sorriu, satisfeito com sua preocupação.
— Não tenha medo, boneca. Sei cuidar de mim.
— Vamos embora — ela convidou, pegando a bolsa, assim como o paletó e a gravata que ele largara na cadeira.
— Não, doçura. Vá você. Quero dar uma lição nesse idiota.
O mal-encarado ouviu a bravata e deu um passo na direção de Harry, mas parecia muito bêbado, porque tropeçou no pé de uma cadeira. Derramou o conteúdo do copo em cima de um homem corpulento e carrancudo, que soltou um berro de raiva e ergueu-se, atingindo-o com um soco no queixo.
Os ocupantes das banquetas ao longo do balcão, companheiros do homem da cicatriz, aproximaram-se correndo e começaram a esmurrar o agressor.
— O diabo soltou-se — declarou Harry, pegando o "anjo" pelo braço. — Vamos embora.
Encontravam-se perto da porta, quando o "gorila" que estivera babando em cima da loira de busto grande tentou barrar-lhes o caminho, erguendo o punho, pronto para desferir um soco.
Harry preparou-se para a briga. Então, o homem com jeito de macaco fez uma careta estranha, fechou os olhos e abriu a boca, soltando um espirro monstruoso.
Depois, fungou. Harry esperou. O oponente soltou mais um espirro, outro e outro.
O "anjo" obviamente percebeu que era o momento de sair, evitando violência desnecessária. Puxou Harry pela manga e ele seguiu-a. Quando chegaram na porta, ela parou e olhou para trás, para o homem que continuava a espirrar.
— Coitado, deve ser alérgico — comentou. Então, com um sorriso verdadeiramente angelical, exclamou: — Saúde!
Harry arrastou-a para fora.
Obs:Oiiii pessoal!!!!Capitulo postado!!!!Espero que tenham curtido!!!!Ainda essa semana tem mais atualização!!!!Bjux!!!Adoro vocês!!!!
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!