Único



A primeira vez foi num corredor tumultuado.
Vermelho, verde, azul, amarelo.
Todas as cores se misturavam de forma desordenada, como num mosaico abstrato. Ou talvez fosse como num estojo de tintas desorganizado.
Eu não fazia idéia do que estava se passando naquele corredor, só sabia que os monitores das casas andavam de um lado para o outro, tentando reunir os alunos em grupos.
Grupos de cores.
Os vermelhos, como de costume, tentavam a todo custo desobedecer às ordens de seus monitores e não se agrupavam de forma alguma. Os verdes já estavam agrupados de forma natural, e observavam os outros com desprezo. Os azuis não davam trabalho aos seus monitores, mas vez por outra algum aluno se afastava. Os amarelos também já estavam agrupados, todos cochichando amedrontados.
Eu não estava no meu grupo.
Um aroma despertou minha atenção, e me afastei.
Era como... não, não havia palavras para descrever. Quando chegava ao nariz, era doce. Passando pelas vias aéreas superiores, tornava-se fresco, e, por fim, deixava um sabor suavemente ardido na boca. Eu não conhecia uma palavra só que pudesse descrever essas sensações.
E, quando percebi, o tumulto havia se dissipado, assim como aquele aroma.
Os monitores, grupo no qual eu estava incluído, tivera sucesso na missão de agrupar seus alunos, e quatro filas estavam organizadas. Uma por uma, as filas se dirigiram de volta para seus dormitórios.
E eu nunca soube o que aconteceu, nem de onde viera aquele aroma inebriante.
Pisquei demoradamente, e conduzi meus alunos na direção das masmorras.
Estavam todos em silêncio. O único som que se podia ouvir era o de passos suaves sobre o piso de pedra. Poucos instantes depois, os alunos já passavam pela entrada secreta, e então se espalharam pelo Salão Comunal, buscando retomar suas atividades costumeiras.



A segunda vez foi durante um jogo de quadribol.
As quatro cores estavam lá, mais uma vez. Mas duas estavam mais barulhentas do que o normal.
Verde e vermelho se enfrentavam no ar.
Os três artilheiros verdes brincavam com os vermelhos, não deixando chances para que pudessem sequer tocar na goles. Mas o goleiro vermelho era muito bom, e fazia com que quase todos os esforços verdes se perdessem. As quatro cores na platéia vibravam ou lamentavam.
O goleiro verde era bom, mas ainda assim deixava algumas bolas passarem. A esperança do time era dividida em duas; os batedores, e eu.
Um balaço zuniu no ar, e então um dos batedores verdes o acertou, dirigindo-o diretamente para o estômago do apanhador vermelho. Isso me daria tempo.
O apito soou. Falta.
A goles voltou para a mão da juíza, que jogou-a para cima. Um artilheiro verde a apanhou com habilidade, e desviou de um vermelho. Logo, estava frente a frente com o goleiro, pronto para tentar fazer a bola passar pelo aro dourado.
Desviei minha atenção desse ponto, e varri o campo com o olhar. Nem sinal do pequeno monstrinho alado.
O apanhador vermelho se recuperou rapidamente do encontro com o balaço, e dirigiu sua vassoura diretamente para o solo. Wronski Feint típica. Eu jamais me deixaria enganar por aquele truque tão antigo.
E como eu previra instantes antes, o apanhador vermelho desviou do solo apenas a alguns centímetros deste, e recuperou altura. Eu suspirei entediado.
E então o aroma me atingiu novamente.
Eu o inspirei, semi cerrando os olhos, e senti. O doce atingiu meu nariz, o frescor se demorou na garganta, e, segundos depois, eu podia sentir aquele conhecido sabor ardido nos lábios.
Quando voltei a abrir os olhos, a pequena esfera dourada brincava próxima ao cabo da vassoura. Eu apenas precisei esticar o braço, e o pomo já estava seguro sob meus dedos.
O apito soou.
O verde havia vencido.
E o aroma desapareceu tão rápido quanto havia se feito sentir.



A terceira vez foi na biblioteca.
O grupo vermelho teria uma prova no dia seguinte. E eu estava lá apenas para atrapalhar.
Caminhava por entre as estantes, não deixando o olhar se prender a nenhum título em especial. Apenas passava os dedos pelas lombadas gastas, enquanto os pés me levavam a qualquer lugar.
Pince nem se preocupava mais em fazer os alunos se calarem. O lugar já estava mergulhado no falatório que precedia uma prova difícil.
Então parei de andar, e passei a observar uma das mesas, por entre dois livros que estavam levemente afastados. O suficiente para me dar uma boa visão do que se passava ali.
‘Já chega’ Um deles disse. Pelo que sabia, aquela atitude era típica.
‘Não, vai continuar estudando, Ron’ Ela disse, abrindo um livro que aparentava ser muito pesado, e entregando-o ao garoto.
Ele suspirou, empurrando o livro para longe de si. A garota, então, bufou. Agarrou os cabelos caramelo num gesto hábil, enrolou-os, e prendeu com um palito.
Sem que eu pudesse sequer pensar, o aroma me atingiu.
Inebriante como sempre, começou doce, continuou refrescante, e terminou ardido nos lábios. Molhei-os com a língua.
Quase era possível sentir o sabor.
‘Tanto faz, então’ Ela disse, fechou o livro, e se levantou. Alguns passos depois, já havia deixado a biblioteca.
Assim como aquele aroma quase viciante.



Agora caminhava por um corredor qualquer.
Meus olhos não estavam fixos a frente, como sempre estiveram. Na verdade, eu observava meus sapatos. Eram negros e lustrosos, e não produziam nenhum ruído quando tocavam o piso.
O corredor parecia simplesmente vazio.
Não havia som, não havia sombra, não havia cheiro
Quando finalmente cheguei ao final do corredor, decidi virar para a direita.
E provavelmente alguém acabara de decidir virar para a esquerda.
A colisão foi inevitável.
Uma pilha de livros se distribuiu de forma desordenada pelo piso. E uma profusão de cachos caramelo voou em todas as direções, desprendendo-se daquele mesmo palito de dias atrás.
Segurei seu pulso, impedindo que a jovem garota atingisse o chão.
Tudo isso enquanto aquele aroma, doce e refrescante e ardido, se chocava contra meus sentidos, entorpecendo-os.
Puxei-a na minha direção, e suas mãos tocaram meu peito. O aroma se tornou mais forte.
Seus olhos estavam assustados. As pupilas dilataram, reduzindo todo o resto a um pequeno círculo cor de mel. A respiração estava descompassada, fazendo com que pequenas quantidades de ar passassem rapidamente pelos pequenos e delicados lábios rosados.
E algo me dizia que eles tinham o mesmo gosto ardido que eu podia sentir nos meus agora.
Os cachos caramelo tocavam as bochechas claras suavemente, espalhando-se pelos ombros, tocando as costas.
Inspirei profundamente.
‘É Hortelã’ Ela disse. Eu já a havia soltado.
Toquei sua bochecha, ela piscou.
E deu um passo para trás, afastando-se.
‘Tome mais cuidado, Granger’ Eu disse, enquanto sentia o controle voltar. O aroma havia se afastado junto com ela.
Ela, então, esticou um dos braços. Tocou minha mão. Um sorriso pequeno se formou em seus lábios.
‘Tomarei’ Suas pupilas retornaram ao tamanho normal. Os olhos cor de mel passaram a exibir um brilho divertido.
‘E eu sabia’ Comecei. Aquele brilho me irritava. ‘Que era isso aí’
‘Hortelã, Malfoy’ Ela disse, e uma nova nuvem do doce, fresco e ardido aroma me envolveu.
‘Tanto faz’ Coloquei as mãos nos bolsos, dei as costas, e continuei andando sem rumo.
Hortelã. Hermione.
Tinham o mesmo significado para mim, agora; começavam doces, inebriantes, tocando a ponta do nariz, então se tornavam refrescantes, até frios, e no final deixavam o insistente gosto ardido nos lábios. O gosto que eu quase podia sentir.

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Comentários (1)

  • Brunizinha

    Essa one, merece virar uma história completa jah!Como assim acaba ai ?Quero mais!!! 

    2012-03-26
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